A teoria da perda de uma chance e sua aplicabilidade na área médica

Resumo: Tema bastante instigante para o direito brasileiro, a teoria da perda de uma chance é definida pelos doutrinadores como uma nova modalidade de reparação de dano dentro do universo da Responsabilidade Civil. Visa indenizar uma chance ou oportunidade perdida, ou seja, não se indeniza o prejuízo final e sim a perda de uma determinada chance. Não está codificada em nosso ordenamento jurídico, porém há uma linha tênue entre o dano emergente e o lucro cessante. Já foi aplicada em diversas oportunidades, em todas elas a vítima já acreditava que aquela situação perdida já se encontrava em seu patrimônio, pois era tida como uma chance séria, real e efetiva. No Brasil, passou a ser aplicada na seara médica a partir do julgamento do Recurso Especial nº. 1.254.141 – PR, julgado em 04.12.2012, citado no corpo deste artigo.

Palavras-chave: Chance. Cura. Perda.

Abstract: Theme quite exciting to Brazilian law, the theory of loss of chance is defined by scholars as a new type of damage repair within the Civil Liability universe. Visa indemnify a chance or opportunity lost, ie not indemnify the final loss, but the loss of a certain chance. It is coded in our legal system, but there is a fine line between material damages and loss of income. It has been applied on several occasions, all of them believed that the victim has lost that status was already in its assets, as it was seen as a serious, real and effective chance. In Brazil, it has been applied in medical harvest from the Special Appeal n. 1254141 – PR, judged on 04/12/2012, quoted in the body of this article.

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Keywords: Chance. Cure. Loss.

Sumário: Introdução. 1. Conceito. 2. Evolução histórica. 2.1 Surgimento na França. 2.2 Na Inglaterra. 2.3 Nos Estados Unidos. 2.4 No Brasil. 3. Natureza jurídica da teoria da perda de uma chance. 4. Responsabilidade civil pela perda de uma chance de cura e a crítica pela sua aplicabilidade. 4.1 Nexo de Causalidade. 4.2 O quantum indenizatório. 5. Consideranções finais. Referências

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo discorrer sobre a teoria da perda de uma chance e sua aplicação na área médica. Revela-se um tema importante por ser aplicado pelos tribunais brasileiros, mesmo se tratando de um instituto não codificado. Será analisada aqui, a forma como o tema é tratado no território pátrio. O método de pesquisa utilizada é o bibliográfico e consultas em sites especializados na área, inclusive artigos científicos publicados, tudo com o fito de verificar de qual maneira a teoria está se consagrando na jurisprudência brasileira.

Em que pese a teoria não esteja codificada, há boa aceitação por parte da doutrina e da jurisprudência. Tal instituto poderá ser aplicado toda vez que em virtude da ocorrência de um ato ilícito de terceiro, a vítima se ver frustrada em uma expectativa de melhora da sua situação jurídica. Entende-se como chance a expectativa de melhora da situação fática do indivíduo. Uma vez frustrada essa chance, surgirá a possibilidade de reparação pela teoria da perda de uma chance. No entanto, a chance ou oportunidade perdida deverá estar muito próxima à verdade, existindo uma grande probabilidade de concretizá-la e a não ocorrência implicaria num dano, acarretando um efetivo prejuízo. O problema da aplicação dessa teoria na área médica no Brasil está justamente no nexo de causalidade, pois é difícil identificá-lo bem como no quantum indenizatório, pois visa a reparação pela perda da chance e não pelo prejuízo final.

No Brasil, o Superior Tribunal de Justiça admitiu a reparação civil por erro médico pela teoria, principalmente a partir do Informativo 513, referente ao Recurso Especial nº. 1.254.141 – PR, julgado em 04/12/2012, na hipótese de que este erro cometido pelo médico reduziu a possiblidade concreta e real de cura de uma paciente com câncer.

A teoria da perda de uma chance quando aplicado à área médica indeniza a perda de cura e não o erro médico em si. Na hipótese, o profissional deixa de aplicar tratamento mais adequado e a ausência do procedimento correto acarreta num efetivo prejuízo, mas com a certeza real que a falta deste implicaria na cura, melhora ou prolongação da vida do paciente.

Vale salientar que este artigo não pretende esgotar toda a matéria, visto que a teoria da perda de uma chance é palco de grande controvérsia tanto no Brasil quanto no exterior, entretanto, objetiva proporcionar ao leitor uma noção da grandiosidade do tema, tentando explicar de forma acessível a discussão a respeito do tema, visando um aprofundamento do trabalho em uma possível tese de dissertação do título de mestrado.

1. CONCEITO

Segundo o Sergio Cavalieri Filho (2008, p. 75) a perda de uma chance caracteriza-se quando:

“[…] em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pala falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda.”

Não obstante, Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 223) ao tratar da responsabilidade civil do advogado e, de forma analógica, a do médico, conceitua a perda de uma chance da seguinte maneira:

“Aspecto relevante no estudo da responsabilidade civil do advogado é o que diz respeito à sua desídia ou retardamento na propositura de uma ação judicial. Utiliza-se, nesses casos, a expressão “perda de uma chance”, como nos casos de responsabilidade civil dos médicos tratada na Seção III, retro, n. 12, simbolizando, aqui, a perda, pela parte, da oportunidade de obter, no Judiciário, o reconhecimento e a satisfação íntegra ou completa de seus direitos.

[…] não perde uma causa certa; perde um jogo sem que lhe permitisse disputá-lo, e essa incerteza cria um fato danoso. Portanto, na ação de responsabilidade ajuizada pelo profissional do direito, o juiz deverá, em caso de reconhecer que realmente ocorreu a perda dessa chance, criar um segundo raciocínio dentro da sentença condenatória, ou seja, auscultar a probabilidade ou o grau de perspectiva favorável dessa chance.”

Aliás, a título de complementação desses conceitos, o Superior Tribunal de Justiça fixou mais três elementos para conceituação do instituto perda de uma chance, os quais estão elencados nos Recursos especiais de números 788.459-BA e REsp nº 1.104.665-RS, fixando que:

“[…] a chamada teoria da perda de uma chance, de inspiração francesa e citada em matéria de responsabilidade civil, aplica-se aos casos em que o dano seja real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não de mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável”. (sem grifos no original)

Portanto, a teoria da perda de uma chance é a reponsabilidade civil das potenciais probabilidades, onde o dano seja real, certo e atual, ocasião em que cause danos a outrem ou pela perda da possibilidade de praticar o ato e evitar um prejuízo ou pela prática deliberada do ato causando prejuízo. Nela, “há sempre certeza quanto à autoria do fato que frustrou a oportunidade, e incerteza quanto à existência ou à extensão dos danos decorrentes desse fato. (STJ, REsp. nº. 1.254.141 – PR, p. 8)”.

Vale ressaltar que não é qualquer erro médico que deve ser indenizado, pois esse profissional possuiu obrigação de meio (responsabilidade subjetiva) e não de resultado, exceto nos casos de cirurgias plásticas (responsabilidade objetiva).

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Nesse ponto, abordaremos de forma sucinta como a teoria teria surgidos nos principais países que contribuíram para o seu desenvolvimento, quais sejam: França, Inglaterra, Itália, Estados Unidos e Brasil. Outros Estados também foram fundamentais, como a Itália, por exemplo, todavia, lá a perda da chance teve maior destaque na área trabalhista. Portanto, deixaremos de discutir sobre a evolução história em outras nações.

2.1 Surgimento na França

O início da aplicação da teoria da perda de uma chance se deu em 1889 perante a “Corte de Cassação Francesa aceitara conferir indenizar a um demandante pela atuação culposa de um oficial ministerial que extinguiu todas as possibilidades de a demanda lograr êxito mediante o seu normal procedimento (SILVA, 2013, p. 11)”. Ainda foi em Franca que a teoria passou a ter notoriedade na área médica, o que gerou muitas discussões naquele país por conta da prova do nexo de causalidade entre a conduta do médico e o dano.

Para Kfouri Neto (2013), a existência de uma dúvida quanto a origem do dano se deve a um ato ou omissão do médico, surge a possibilidade de reparação pela perda da chance. Dessa conclusão, ainda na visão do autor, fica superada a dificuldade de se estabelecer o nexo causal.

Na seara médica, Janaína Guimarães Rosa (2009, p. 59) conta em seu artigo “Perda da Chance. Considerações acerca de uma teoria” que o primeiro caso de aplicação da teoria da perda de uma chance na área médica se deu em Paris, na Corte de Apelação Francesa, em julho do ano de 1964 no qual

“[..] resultou na condenação de um médico ao pagamento de uma pensão, devido à verificação de falta grave. Entendeu-se que o médico agiu em inobservância das técnicas da medicina, considerado desnecessário o procedimento que adotara consistente em amputar os braços de uma criança para facilitar o parto.”

A partir do primeiro caso aqui relatado, a teoria da perda de uma chance ganhou notoriedade nos tribunais franceses, sendo aplicada em diversas situações como jogos de azar, concurso público, pretensão à promoção no emprego, casos que, diga-se de passagem, não viáveis de reparação nos termos da teoria estudada.

2.2 Na Inglaterra

Nesse país, em 1911, no sistema common law, a Perda de Uma Chance “protagonizou na novela jurídica”, no caso conhecido como Chaplin v. Hicks, citado no artigo de Laís Machado Lucas para a IV Mostra de Pesquisa de Pós-Graduação em 2009, a autora da ação estava entre as cinquenta finalistas de um concurso de beleza, no entanto perdeu o final do concurso por não ter sido notificada a tempo. O curioso desse caso é a solução dada pelo magistrado por ocasião da fixação do quantum indenizatório pela perda da chance. Ele verificou que existiam quatro candidatas e que a chance da autora ser a mais bela seria, no máximo, de 25% (vinte e cinco por cento), logo esse seria o teto da indenização sobre o valor do prêmio.

2.3 Nos Estados Unidos

Influenciado pela decisão do caso relatado acima, os Estados Unidos passaram a aplicar a Perda de Uma Chance nos seus litígios judiciais, mas com uma particularidade importante: dando bastante relevância a responsabilidade civil médica. Como anteriormente dito no tópico Introdução, o primeiro caso foi do Hicks v. Estados Unidos. O advogado norte-americano Tory A. Weigand conta em seu artigo “Loss of Chance in Medical Malpractice: The Need for Caution[1]”, publicado no sítio Massabar Association, que:

“The 1966 Fourth Circuit decision in Hicks is considered by many as the seminal case on loss of chance. There, the decedent died of a bowel obstruction shortly after being examined and released by a physician at a naval base dispensary, who had diagnosed the decedent as having gastroenteritis. The court held that the physician had violated the applicable standard of care and that the plaintiff did not have to "show to a certainty that the patient would have lived had she been hospitalized and operated on promptly." The Fourth Circuit stated: When a defendant's negligent action or inaction has effectively terminated a person's chance of survival, it does not lie in the defendant's mouth to raise conjectures as to the measure of the chances that he has put beyond the possibility of realization. If there was any substantial possibility of survival and the defendant destroyed it, he is answerable. Rarely is it possible to demonstrate to an absolute certainty what would have happened in circumstances that the wrongdoer did not allow to come to pass. The law does not in the existing circumstances require the plaintiff to show a certainty that the patient would have lived had she been hospitalized and operated on promptly. Although Hicks was not a true loss of chance case, the above dictum has been repeatedly cited in support of recognizing claims for loss of chance”[2].

2.4 No Brasil

Em nosso país, a teoria da perda de uma chance teve sua primeira aplicação no início da década de 90, quando o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, analisando o Recurso de Apelação Cível nº. 591064837 – RS, julgado em 29/08/1991, cujo Relator era o Desembargador Ruy Rosado de Aguiar Junior, deu provimento ao recurso para condenar o mandatário que extraviou os autos na teoria em comento. Observe o voto do douto Relator:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do processo judicial e não comunica o fato à sua cliente nem trata de restaurá-los, devendo indenizar à mandante pela perda de uma chance. […].

Não lhe imputo o fato do extravio, nem asseguro que a autora venceria a demanda, mas tenho por irrecusável que a omissão da informação do extravio e a não restauração dos autos causaram à autora a perda de uma chance e nisso reside o seu prejuízo. Como ensinou o Prof. François Chabas: ‘Portanto, o prejuízo não é a perda da aposta (do resultado esperado), mas da chance que teria de alcançá-la’ (‘La Perte d’une chance em Droit Français’, conferência na Faculdade de Direito da UFRGS em 23.5.90) […]

[…] a álea integra a responsabilidade pela perda de uma chance. Se fosse certo o resultado, não haveria a aposta e não caberia invocar este princípio específico da perda de chance, dentro do instituto da responsabilidade civil. […].”

Nosso tema passou ter notoriedade nos tribunais brasileiros a partir do Recurso Especial 788.459 – BA, julgado em 08/05/2005[3], famoso caso do Show do Milhão. Fazendo um breve resumo do programa e do julgado, o Show do Milhão era um jogo de perguntas e respostas, onde se premiava os acertos com barras de ouro. A cada acerto, o candidato subia um nível, quando o participante chegava e acertava a pergunta de quinhentos mil reis, ele tinha duas opções: parava e ia embora para casa com os quinhentos mil ou arriscava a responder a última pergunta, se acertasse ganhava um milhão de reais em barras de ouro ou perdia tudo e voltaria para casa sem prêmio algum, tudo isso em questão de segundos. A participante, Ana Lúcia Serbeto de Freitas Matos, para ganhar o prêmio final tinha que responder o seguinte questionamento: “Qual porcentagem de terras que a Constituição Federal reversa aos indígenas?”, para a pergunta, havia quatro alternativas, a jogadora verificando que não sabia a resposta, desistiu da “pergunta do milhão”. Ocorre que após isso, ela buscou a resposta na Constituição Federal e verificou que a Carta Magna não reserva nenhuma porcentagem de terras aos índios. Assim, ajuizou uma ação contra o programa a fim de buscar os outros quinhentos mil. Ganhou na primeira e segunda instância, entretanto, quando a questão chegou ao Superior Tribunal de Justiça os Ministros entenderam a existência de reparação civil pela perda de uma chance, mas não os quinhentos mil e sim 25% (vinte e cinco por cento) desse valor, vez que haviam quatro alternativas, cada uma representando 25% da chance de acerto.

Em relação a área médica, o Superior Tribunal de Justiça admitiu a reparação civil por erro médico pela teoria, principalmente através do Informativo 513, referente ao Recurso Especial nº. 1.254.141 – PR, julgado em 04/12/2012, na hipótese de que este erro cometido pelo médico reduziu a possiblidade concreta e real de cura de uma paciente com câncer. O médico responsável pelo tratamento realizou um procedimento de mastectomia, retirando apenas uma parte do seio doente, entretanto, a doença se agravou causando óbito à paciente. Após, a família da vítima veio até o Judiciário alegando que o tratamento recebido não era o mais adequado, comprovando que se fosse retirado todo o seio, a chance de sobrevivência seria próximo à cura.

Com base no exposto, verifica-se que o caminho desse instituto foi cumprido, hoje, no Brasil, o assunto ainda é palco de controvérsias, bem como ainda não chegou a um consenso ao seu assunto, tanto quanto ao quantum indenizatório, quanto na aplicação em outros ramos dos direitos.

3. NATUREZA JURÍDICA DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

Por se tratar de um tema ainda em desenvolvimento no ordenamento jurídico, as poucas obras que existem a respeito do assunto sofrem influências da doutrina estrangeira. Segundo LOUREIRO, MARTINS, REIS (2014), há três correntes na doutrina estrangeira que tentam definir o que é a teoria da perda de uma chance, dividindo os autores nacionais.

A primeira corrente defende uma ideia de nexo de casualidade parcial, defendida pelos doutrinadores franceses Jacques Boré e John Makdisi e explicada na obra de SILVA (2013, p. 51) da seguinte maneira:

“Aqui se considera que – se o prejuízo final não está em relação causal totalmente provada com o ato do ofensor, ou seja, se não representa um conditio sine qua non para a realização da perda da vantagem esperada – pode-se conceder a reparação para um prejuízo parcial e relativo, consubstanciada na perda das chances.”

Assim, essa corrente afirma que a teoria da perda de uma chance não é uma modalidade autônoma de reparação de dano, isto porque a chance perdida é considerada como um abrandamento do nexo causal entre a conduta do agente e o dano sofrido, visando a reparação de maneira proporcional à chance perdida.

A segunda corrente, defendida pelo autor americano Joseph King Jr., considera a teoria como “um dano autônomo, específico e independente do resultado final (LOUREIRO, MARTINS, REIS, 2014, p. 37)”. De acordo com SILVA (2013), a única maneira sensível de se avaliar a oportunidade perdida pela vítima é quantificar o dano sofrido, levando-se em conta a probabilidade que tinha a vítima de auferir, ao final do processo aleatório, a vantagem esperada. Aqui, defende-se que a perda da chance é uma extensão do conceito do dano, não necessitando de uma noção do nexo de causalidade alternativo para ser validado.

A terceira corrente – predominante entre os autores brasileiros – e adotada por Rafael Peteffi da Silva, é aquela que divide a teoria em duas: casos clássicos e a aplicação na seara médica. Essa corrente ensina que a teoria da perda de uma chance é uma nova modalidade de dano, localizada entre o dano emergente e o lucro cessante. Nos casos clássicos, diz respeito a uma chance frustrada ou perdida, aqui é onde se enquadra o famoso caso do “Show do Milhão”, citado no corpo deste artigo. Nesses casos, a perda da chance é entendida como um dano autônomo. Nos casos que tratam da perda de chance de cura, objeto desse trabalho, onde a chance não foi perdida, mas a ação do agente (no caso, o médico) resultou num dano à vítima. Aqui, o nexo de causalidade é parcial.

Tais correntes destoam do pensamento de SAVI (2009), para ele há apenas duas modalidades da perda de chance: a primeira que defende os casos “clássicos” e a segunda a perda de chance de cura ou de sobrevivência. Segundo o autor, “A primeira utilizando um tipo de dano autônomo, representado pelas chances perdidas, e a segunda embasada na causalidade parcial que a conduta do réu representa em relação ao dano final”.

Importa dizer que este artigo trata apenas da aplicabilidade da teoria na seara médica, por tal motivo não se discutirá a respeito das divergências doutrinárias existentes a respeito do tema.

4. RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE DE CURA E A CRÍTICA PELA SUA APLICABILIDADE.

4.1 Nexo de Causalidade

Antes de mais nada, faz-se necessário adentrar na seara da responsabilidade civil dos médicos. O Código de Defesa do Consumidor estabelece em seu art. 14, §4º que “a responsabilidade dos profissionais liberais será apurada mediante culpa”, ou seja, responsabilidade civil subjetiva, sendo imprescritível a presença do dano e o nexo de causalidade.

Caso o médico adote a natureza de prestação de serviços de resultado, se não chegar ao resultado pré-estabelecido com o paciente sua responsabilidade será objetiva, independente de culpa ou de aplicação das melhores e mais modernas técnicas.

O profissional médico se desobriga do resultado porque não tem como garanti-lo, pois não depende dele. Entretanto, ainda assim há uma obrigação de adoção de meios eficazes para o tratamento do paciente e é justamente nesse meio que nasce a possibilidade de reparação pela perda da chance de cura.

Superada a fase da natureza da responsabilidade do dano médico, resta analisar a possibilidade da responsabilidade do médico com viés à teoria da perda de uma chance, a qual se adianta desde logo tratar-se de doutrina controversa acerca de sua viabilidade.

Importante ressaltar que o profissional médico detém de técnica e conhecimento para alcançar seu objetivo: curar. Entretanto, nós seres humanos, apesar de pertencermos ao mesmo Reino, somos diferentes. Nossa estrutura imunológica sofre variações de uma pessoa para outra. Existem pessoas mais “fortes” e outras mais “fracas”. Trata-se da “seleção natural”, teoria muito bem defendida pelo inglês Charles Darwin. Logo, não é absurdo dizer que uma mesma espécie de tratamento pode ser aplicada a pessoas distintas e ter resultados completamente diferentes, considerando as peculiaridades de cada indivíduo.

Por isso, alguns doutrinadores defendem que responsabilizar um médico pela teoria da perda de uma chance é um tanto que arriscado, pois, como defende Miguel Kfouri Neto, pois “a reparação daquela oportunidade perdida é baseada em dúvidas, em incertezas” (KFOURI NETO, 2013, p. 76), uma vez que não requer comprovação de culpa ou dolo, isto porque, ainda na visão do autor, um dos requisitos da responsabilização, seja ela subjetiva (culpa) ou objetiva (não se perquire culpa), é duvidosa ou inexistente, qual seja, o nexo de causalidade. Nas situações em que são aplicadas a teoria, a casualidade fica prejudica por conta da dúvida quanto a participação do médico para o resultado. O que vale aqui é a chance perdida. Uma chance real, séria e efetiva. E é justamente por se basear na dúvida, na incerteza, que ela é criticada por ser aplicada à área médica devido às peculiaridades de cada paciente. Afinal, não há como afirmar se aquele tratamento não realizado iria prolongar a vida do paciente ou até mesmo curá-lo da enfermidade, porém, não há dúvidas que a ausência do tratamento reduziu pelo menos uma chance de cura.

Por essa razão, que “a mensuração da indenização deve ser feita com base na probabilidade da ocorrência do dano esperado. (LOUREIRO, MARTINS, REIS, 2014, p. 6)”.

Nessa linha de raciocínio, no julgamento do Recurso Especial nº. 1.254.141 – PR, outrora citado neste artigo, sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o dano a paciente (morte) foi causado pela força da doença (câncer de mama) e não pela falha no tratamento, confira:

“DIREITO CIVIL. CÂNCER. TRATAMENTO INADEQUADO. REDUÇÃO DAS POSSIBILIDADES DE CURA. ÓBITO. IMPUTAÇÃO DE CULPA AO MÉDICO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE. REDUÇÃO PROPORCIONAL DA INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O STJ vem enfrentando diversas hipóteses de responsabilidade civil pela perda de uma chance em sua versão tradicional, na qual o agente frustra à vítima uma oportunidade de ganho. Nessas situações, há certeza quanto ao causador do dano e incerteza quanto à respectiva extensão, o que torna aplicável o critério de ponderação característico da referida teoria para a fixação do montante da indenização a ser fixada. Precedentes. 2. Nas hipóteses em que se discute erro médico, a incerteza não está no dano experimentado, notadamente nas situações em que a vítima vem a óbito. A incerteza está na participação do médico nesse resultado, à medida que, em princípio, o dano é causado por força da doença, e não pela falha de tratamento. 3. Conquanto seja viva a controvérsia, sobretudo no direito francês, acerca da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance nas situações de erro médico, é forçoso reconhecer sua aplicabilidade. Basta, nesse sentido, notar que a chance, em si, pode ser considerado um bem autônomo, cuja violação pode dar lugar à indenização de seu equivalente econômico, a exemplo do que se defende no direito americano. Prescinde-se, assim, da difícil sustentação da teoria da causalidade proporcional. 4. Admitida a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção sobre o prejuízo final experimentado pela vítima. A chance, contudo, jamais pode alcançar o valor do bem perdido. É necessária uma redução proporcional. 5. Recurso especial conhecido e provido em parte, para o fim de reduzir a indenização fixada”. (sem grifos no original)

Nesse caso a teoria da perda de cura foi aplicada pela Ministra Nancy Andrighi, pois no entendimento dela, não é necessário apurar se o bem final foi tirado da vítima, “o fato é que a chance de viver lhe foi subtraída, e isso basta. O desafio, portanto, torna-se apenas quantificar esse dano, ou seja, apurar qual o valor econômico da chance perdida (STJ, REsp. nº. 1.254.141 – PR, p. 11)”. Dessa forma, a ministra considerou a chance perdida pela paciente como um dano autônomo, logo passível de indenização, tendo em vista que a conduta do médico não causou o dano final experimentado (a morte), entretanto, frustrou uma oportunidade de cura, diga-se de passagem, incerta. Nesse viés, acrescento a lição de SILVA (2013, p. 71), citada no julgado da douta ministra:

“Por intermédio dos argumentos expostos, grande parte da doutrina assevera que a teoria da responsabilidade pela perda de uma chance não necessita de noção de nexo de causalidade alternativa para ser validada. Apenas uma maior abertura conceitual em relação aos danos indenizáveis seria absolutamente suficiente para a aplicação da teoria da perda de uma chance nos diversos ordenamentos jurídicos.”

Vale ressaltar que a perda de uma chance não afasta a teoria da causalidade direta, adotada pelo nosso Código Civil no seu artigo 403, desta forma, sob a ótica da teria da perda de uma chance, o médico não será responsabilizado por um dano decorrido de forma indireta de sua conduta, mas sim porque devido a sua atuação acabou por, de fato, privar a vítima de sua chance. E é essa privação que deve ser indenizada.

É forçoso reconhecer uma reparação civil sem o mínimo de nexo de causalidade, entretanto, considerar que não existe a perda de cura no caso destacado, sob o argumento que mesmo com o tratamento adequado a paciente poderia ter sido curada, seria o mesmo que desconsiderar a responsabilidade civil médica. Por outro lado “entender que o médico responde pelo dano morte seria ampliar demasiadamente a sua responsabilidade (TEPEDINO, 2006, pág. 86)”.

4.2 O quantum indenizatório

Conforme argumentado anteriormente, a responsabilidade civil pela teoria da perda de uma chance não indeniza o prejuízo final, mas sim a oportunidade perdida. Nos casos clássicos, o cálculo dessa oportunidade perdida é um tanto “fácil”, como ocorreu no caso do programa de televisão em que a participante deixou de ganhar R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), mas foi indenizada com o valor proporcional à quantidade de alternativas, uma vez que das quatro, apenas uma era correta.

Oportuno destacar que o responsável por introduzir a ideia de indenizar a vítima de maneira proporcional à chance perdida na jurisprudência brasileira, foi Rafael Pettefi da Silva, através de sua obra “Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro”, tão citada nesse artigo.

Encontrando a solução na matemática para o valor indenizatório nos casos “clássicos” da teoria da perda de uma chance, esbarra-se em outro problema: o quantum a ser reparado pela perda de uma oportunidade de cura ou de sobrevivência. Invoco novamente o julgado da Ministra Nancy Andrighi (STJ, p. 14 e ss):

“Definida a aplicabilidade da Teoria da Perda da Chance para a solução da hipótese dos autos, resta analisar, por um lado, o preenchimento de seus pressupostos, e por outro, a adequação das consequências extraídas a partir desses pressupostos pelo TJ/PR. […]. Importante ressaltar que esta discussão não pode ser obstada por uma suposta falta de legitimidade das partes para pleitear o direito em causa. É verdadeiro, por um lado, que a oportunidade de cura ou de gozar de uma sobrevida mais confortável é direito personalíssimo da paciente. Seu falecimento, portanto, não implica a transferência desse direito aos herdeiros. Contudo, a oportunidade de gozar a companhia de um ente querido, com ele convivendo livre de sua doença, ou mesmo de acompanha-lo num processo melhor de convalescência, é direito autônomo de cada uma das pessoas que com o 'de cujus' mantinham uma relação de afeto. O dano, portanto, causado pela morte, afeta a todos em sua esfera individual, cada qual por um motivo específico, como sói ocorrer em todas as situações em que se pleiteia indenização por força do falecimento de um ente querido. Estabelecido esse pressuposto, para poder aplicar a Teoria da Perda da Chance, necessário se faz observar a presença: (i) de uma chance concreta, real, com alto grau de probabilidade de obter um benefício ou sofrer um prejuízo; (ii) que a ação ou omissão do defensor tenha nexo causal com a perda da oportunidade de exercer a chance (sendo desnecessário que esse nexo se estabeleça diretamente com o objeto final); (iii) atentar para o fato de que o dano não é o benefício perdido, porque este é sempre hipotético”. (sem grifos no original)

Infere-se do julgado que para se chegar ao valor indenizatório, são avaliados três critérios, quais sejam: a chance deve ser real, séria e com alto grau de probabilidade de obter uma vantagem ou sofrer um prejuízo; o nexo causal entre a ação do agente e a oportunidade perdida (sendo desnecessário que esse nexo causal estabeleça diretamente com o objeto final); e a oportunidade perdida não é o benefício perdido, uma vez que ele é hipotético.

O profissional não responde pelo resultado final (morte), mas pelo valor da chance que foi privada, daí porque a indenização não corresponder ao próprio bem perdido (a vida), cuja a indenização seria liquidada conforme os parâmetros do Código Civil.

5. CONSIDERANÇÕES FINAIS

A teoria da perda de uma chance foi desenvolvida na França, por volta da década de 1889, e logo ganhou os tribunais dos países vizinhos como Espanha, Itália, Portugal. Chegou no continente americano através dos Estados Unidos, quando fez aplicação do instituto mencionado no caso Hicks v. Estados Unidos. No Brasil, foi introduzida na década de 1990 por meio da Apelação Cível nº. 591064837, sob relatoria do Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Desde então, vem sendo aplicada em diversas oportunidades até a migração para a seara médica, onde é duramente criticada por se basear em dúvidas, incertezas, uma vez que cada paciente tem suas peculiaridades, motivo pelo qual determinado tratamento pode ter eficácia plena numa pessoa e em outra, eficácia limitada.

Por não estar codificada nas leis brasileiras, é definida como uma nova modalidade de reparação de dano, compreendida entre o dano emergente e o lucro cessante, visando a indenização, de maneira proporcional, pela perda de uma oportunidade ou chance de cura, desde que seja real, séria e efetiva. O que difere a teoria da perda de uma chance das demais modalidades de reparação de dano é sua aplicação de maneira proporcional.

O que ocorre na Responsabilidade Civil é uma nova tendência de não deixar nenhum dano sem reparação. É nessa tendência que a perda de uma chance ganha espaço na jurisprudência brasileira. Entretanto, além da crítica quanto a sua aplicação na seara médica, há outro problema a ser enfrentado: a matemática. Isto porque, não se indeniza o dano final e sim a perda de uma oportunidade, de uma chance, por isso defende-se que para que seja viabilizada sua aplicabilidade, a oportunidade ou chance deve ser real, séria e efetiva.

 

Referências
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BERTASSO, Marcelo. Divisão de informativos do STF e STJ por matéria. Disponível em: <https://divisaoinformativos.wordpress.com/category/civil-responsabilidade/medico/>. Acesso em 15 mar 2015.
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Notas:
[1] Perda de uma chance no erro médico: a necessidade de cautela.
[2] A decisão de 1966 do Quarto Circuito em Hicks é considerada por muitos como o caso seminal sobre a perda de oportunidade. Lá, o falecido morreu de uma obstrução intestinal logo após ser examinado e liberado por um médico em uma farmácia da base naval, que tinha sido diagnosticado como tendo gastroenterite. O tribunal considerou que o médico tinha violado a norma aplicável de cuidados e que o demandante não tem de "mostrar a uma certeza de que o paciente teria vivido ela tinha sido hospitalizado e operado imediatamente." O Quarto Circuito declarou que: Quando a ação ou omissão negligente de um réu tem efetivamente encerrado chance de uma pessoa de sobrevivência, que não reside na boca do réu para levantar conjecturas quanto à medida de as chances de que ele colocou para além da possibilidade de realização. Se houvesse qualquer possibilidade substancial de sobrevivência e o réu destruído, ele é responsável. Raramente é possível demonstrar a absoluta certeza o que teria acontecido em circunstâncias que o transgressor não permitem a acontecer. A lei não nas circunstâncias atuais requerem o autor para mostrar uma certeza de que o paciente teria vivido ela tinha sido hospitalizado e operado imediatamente. Embora Hicks não fosse uma verdadeira perda de oportunidade caso, o dito acima tem sido repetidamente citado em apoio de reconhecer pedidos de perda de oportunidade. (Tradução livre da autora).
[3] RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido.
(STJ, Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES, Data de Julgamento: 08/11/2005, T4 – QUARTA TURMA)

Informações Sobre o Autor

Camila Costa Retroz

Advogada, Exercendo o cargo da Escrevente Autorizada no Cartório de 2 Ofício de Boa Vista/RR


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Equipe Âmbito Jurídico

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