Resumo: O ordenamento processual civil brasileiro vem passando por modificações constantes, a fim de se adequar às necessidades existentes para a efetivação do direito material. Nesse sentido, o contínuo aperfeiçoamento da tutela de urgência é imprescindível para a higidez do sistema processual. Tal evolução, entretanto, não objetiva apenas modificar o conceito clássico de tutela urgente, operando também no âmbito da otimização do seu sistema de aplicação. O objeto de análise do presente artigo é apresentar a utilização das técnicas urgentes no cotidiano forense.
Palavras-chave: Tecnicas Urgentes – Operador do Direito – Cotidiano
Sumário: 1.Introdução. 2. A rigidez na diferenciação prática de técnicas como obstáculo à efetividade do processo. 3. As compreensíveis dificuldades de utilização e diferenciação prática entre as técnicas e a necessidade de resultados efetivos. 4. O operador comum do direito. 5. Conclusão. 6. Referências.
1.Introdução
Até bem pouco tempo, mesmo utilizando-se corretamente as técnicas urgentes adequadas para cada situação, corria-se o risco de o julgador classificar a técnica utilizável de maneira diversa, estando ambas — tanto a utilizada quanto aquela afirmada pelo magistrado — fundadas em respeitáveis posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, mas que se revelavam divergentes.
Não seria correto afirmar que o operador jurídico que possuía dúvidas quanto à técnica a ser utilizada era um mau profissional, como também não seria justo concluir apenas que o sistema de ensino jurídico fosse o responsável pela dificuldade de diferenciação e aplicação prática das técnicas.
A verdade é que existem consideráveis elementos de proximidade entre as técnicas urgentes: a rigidez na aplicação prática de tais técnicas e a compreensível dificuldade de eleição da técnica devida, em inúmeros casos concretos já criou problemas com a propria higidez do sistema processual, à qual as diverss tecnicas são essenciais.
O objetivo do presente artigo científico é mostrar como é feita a utilização das tecnicas urgentes no cotidiano forense. Tratando primeiramente da rigidez na diferenciação pratica de tecnicas como obstáculo à efetividade do processo. Em seguida apresentando as compreensíveis dificuldades de utilização e diferenciação práticas entre tais tecnicas e a necessidades de resultado efetivos. E por fim, como se comporta o operador comum do direito diante da situação.
2. A rigidez na diferenciação prática de técnicas como obstáculo à efetividade do processo
O sistema processual vigente justifica a existência de diversas categorias de técnicas de urgência, especialmente pela necessidade de utilizarem-se medidas diferenciadas, conforme a natureza do direito material envolvido.
O processo para Bulow (1964) passou a ser ciência autônoma através da concepção da relação jurídica processual diferenciada da relação jurídica de direito material e comum à tutela dos mais variados direitos. Para tanto, idealizou-se a ordinarização dos procedimentos de acordo com a teoria da escola dogmática jurídica alemã.
Por sua vez, o Código Processual Civil de 1973, seguindo a rigidez da escola alemã, mas também e, principalmente, da escola italiana, que desenvolveu e aprimorou o processo como ramo autônomo da ciência jurídica, estabeleceu “processos” em livros estanques, como se cognição e execução não fossem elementos íntimos e interligados da mesma ciência. Por esse motivo, aquele diploma legal não pôde deixar de estabelecer procedimentos especiais de natureza híbrida, necessários à tutela de direitos diferenciados, consoante o seu Livro IV.
O processo de diferenciação dos direitos materiais, no entanto, caminhou a passos largos, conforme a evolução da realidade social, econômica, tecnológica, política e religiosa, dentre outras. Certamente, o surgirnento de direitos diferenciados foi algo que não deixou de ocorrer nas últimas décadas.
Assim, tutelar os novos direitos e as aspirações da sociedade tornou-se uma tarefa cada vez mais árdua, ante a inflexibilidade do sistema processual. Trabalhou-se, então, para a inserção e o reconhecimento da importância, junto ao ordenamento e à ciência processual, de tutelas jurisdicionais diferenciadas, que pudessem se amoldar ao sistema.
De acordo com Armelin (1995, p. 51),
“De mais fácil atuação é a técnica de antecipar os efeitos de eventual e futura prestação jurisdicional favorável ao autor. (..) Mais do que outras técnicas de diferenciação de tutela, a antecipação de seus efeitos é talvez a que melhor se harmoniza com o atual sistema processual, na medida em que pode ser adotada sem maiores transformações na sua estrutura”
Em nosso sistema processual, utilizava-se o processo cautelar como instrumento para as mais diversas situações de urgência, necessitassem elas de um provimento satisfativo ou não. No entanto, a reforma pontual, implementada em 1994, transformou essa realidade, modificando os arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil, e generalizando a antecipação dos efeitos fáticos da tutela jurisdicional, dentre várias outras alterações.
Regularizaram-se, portanto, novos meios de tutela de urgência satisfativos. Além das técnicas de urgência constantes do processo cautelar, possibilitou-se e defendeu-se a aplicação da técnica inibitória e da técnica específica, como fez Marinoni (2000), especialmente através da antecipação dos efeitos da tutela.
Hoje, colhemos os frutos dessa evolução instrumental. Não há mais dúvida de que as técnicas jurisdicionais possuem diferenças que devem ser consideradas para uma prestação jurisdicional mais adequada. A técnica interinal, por exemplo, não é o mesmo que a técnica cautelar, que, por sua vez, difere da técnica antecipatória.
Entretanto, se as diferentes técnicas processuais também não possuíssem características híbridas e interligadas, não seria tão necessário diferenciá-las. A existência de técnicas diferenciadas possibilita melhor adequação ao direito material e maior efetividade do processo, mas também gera compreensíveis e perigosos enganos acerca da técnica processual adequada às vicissitudes do caso concreto. Tais enganos constituem verdadeiro obstáculo à efetividade do processo, quando se aplica rígida e rigorosamente a diferenciação das técnicas de urgência.
Reconhecer a proximidade entre as diferentes técnicas não significa premiar o mau profissional, mas sim, caminhar em sentido contrário à rigidez dogmática visivelmente inadequada à melhor tutela jurisdicional. Boa parte da doutrina admite a interpenetração entre as diferentes técnicas de urgência, cujas conseqüências práticas, muitas vezes desastrosas, o operador do direito bem conhece no cotidiano forense, seja pelo requerimento da técnica urgente inadequada, seja pelas opiniões divergentes dos julgadores.
Outros fatores demonstram a proximidade existente entre as técnicas de urgência e suas conseqüências. Alguns doutrinadores afirmam que o inc. I do art. 273, referente à técnica antecipatória, possui cunho também cautelar, assim como a técnica do art. 461, § 3° do CPC (MUNHOZ, 2000).
Nesse cenário de medidas cujas naturezas tanto se aproximam, a modificação que inseriu o § 7° do art. 273 do CPC possibilitou a aplicação do princípio da fungibilidade entre a técnica antecipatória e a técnica cautelar, que pode ser conferida de oficio pelo julgador, presentes os requisitos específicos, quando o pedido for pela antecipação.
Em decorrência de tal fato, alguns doutrinadores, corno Rodrigues (2001), já prevêem até mesmo o fim do processo cautelar, pois, se a parte puder obter quaisquer técnicas requerendo apenas a antecipatória ou a cautelar, não se correrá o risco de requerer a medida incorreta. O que se antevê é a pouca ou nenhuma utilização do processo cautelar, enquanto a técnica e o objetivo assecuratórios continuarão sendo muito aplicados, conforme o caso concreto, ainda que requerida a tutela de urgência por meio de técnica antecipatória.
Acredita-se que essa flexibilização das técnicas de urgência deverá levar a uma flexibilização maior, de tal forma que sua diferenciação se torne apenas teórica e de importância secundária, corno também significará uma simplificação do seu sistema de aplicação, para que se torne menos rígido, o que não deverá ocorrer apenas através da inserção do § 7° do art. 273, do CPC. De nada ajuda diferenciar as técnicas sem facilitar a sua aplicação. A necessidade e a existência de técnicas diferenciadas não podem engessar a própria tutela jurisdicional.
É necessário compreender que o maior objetivo da diferenciação foi demonstrar a importância e o papel essencial e singular da inserção da antecipação de tutela generalizada no sistema processual civil, para que não fosse confundida com a técnica cautelar, incorretamente classificada como tutela cautelar, já que não se trata de espécie de tutela jurisdicional, ao contrário da estrutura original do CPC de 1973. Na verdade, o objetivo da diferenciação, que se dizia de tutelas embora fosse apenas de técnicas de urgência, era o mesmo da flexibilização como ela deve ser entendida hoje, qual seja, o de proporcionar a tutela jurisdicional mais adequada e efetiva possível.
3. As compreensíveis dificuldades de utilização e diferenciação prática entre as técnicas e a necessidade de resultados efetivos
Até hoje, não são poucos os operadores do direito que entendem as técnicas cautelar e antecipatória, especialmente em relevância prática, corno o mesmo instituto jurídico. Em que pese a aparente ignorância destes profissionais, existem razões até bastante compreensíveis para tal ponto de vista.
Até a reforma processual de 1994, o processo cautelar era utilizado para a obtenção das mais variadas técnicas de urgência. Para o operador do direito, existia até então apenas o processo cautelar, juntamente com as técnicas de urgência previstas nos procedimentos especiais do CPC e na legislação esparsa.
Com o advento da generalização da técnica antecipatória, além da inserção de novos meios de tutela de urgência no sistema processual, houve também uma grande modificação referente à utilização do processo cautelar, mesmo sem terem ocorrido alterações pontuais consideráveis no Livro III do CPC.
É compreensível a associação que havia entre tutela de urgência e processo cautelar, pois a tutela de urgência genérica do CPC era a própria técnica cautelar — ainda hoje incorretamente chamada de tutela cautelar — ainda que possuísse caráter satisfativo. Foi a técnica antecipatória que trouxe para a prática forense a importância da diferenciação entre satisfatividade e referibilidade.
Embora a doutrina se esforçasse para esclarecer e propagar a distinção entre as diferentes técnicas de urgência, a jurisprudência ainda hoje demonstra que existiam e existem situações concretas, cuja definição da técnica mais adequada encontra óbices constituídos pela hibridez dos instrumentos processuais.
A sustação de protesto é um exemplo de situação concreta bastante comum, em que a jurisprudência ainda não se definiu. Sustar o protesto significa antecipar os efeitos da tutela jurisdicional final de mérito ou significa garantir, acessoriamente, a validade da decisão final a ser proferida em uma ação principal? Trata-se de uma questão que ainda não foi pacificada pela doutrina nem pela jurisprudência, dentre outras.
A divergência jurisprudencial, em sede de direito material, leva à obtenção ou não do direito material pleiteado quando do julgamento. Em compensação, a divergência doutrinária e jurisprudencial, em sede de matéria processual, impossibilita o próprio julgamento do direito material requerido, desafiando a velha máxima de que o processo não é e não deve ser um fim em si mesmo.
A função instrumental do processo não pode ser desprestigiada, ainda que se considere a garantia constitucional e os direitos conferidos pelo devido processo legal, o contraditório, a igualdade e a ampla defesa, como elementos que também conceituam e constituem o processo.
Isso significa que a tutela jurisdicional diferencia-se por seus meios, por seus instrumentos, não necessitando ser uma tutela jurisdicional complicada, dificultada por sua própria riqueza e complexidade. As possibilidades permitidas pela tutela jurisdicional diferenciada precisam ser facilitadas e simplificadas, para com ela se coadunarem.
A flexibilização das técnicas de urgência deve ser vista como a simplificação dos instrumentos de tutela não apenas através da via comum da técnica antecipatória, consoante o instituto da fungibilidade, inserido no § 7° do art. 273 do CPC. Em princípio, trata-se de compreender as diferentes técnicas como instrumentos de uma só tutela, reconhecendo a importância de seus pontos de identidade, especialmente para facilitar a sua utilização.
A técnica antecipatória, após a inserção do § 7° do art. 273, não necessita ser a única via de acesso ao sistema de tutelas urgentes, pois a técnica cautelar, por meio da respectiva ação, também pode ser uma via. É óbvio que o rigor dos requisitos legais e das demais regras constantes do CPC de 1973 sempre possibilitará argumentos capazes de contestar tais afirmações, mas é preciso interpretar o Código a partir dos princípios e valores da atual Constituição Federal (1988), bem como a partir da concepção que inseriu a técnica antecipatória no sistema.
Antes da inserção do § 7° do art. 273, já houve inúmeros casos em que os procuradores das partes, visando apenas garantir o meio processual mais correto para determinada ação a ser proposta, preferiram ir ao fórum exclusivarnente a fim de perguntar aos juízes, que viriam a julgá-las, a sua opinião acerca de determinada medida de urgência. A questão não era saber a técnica correta a ser utilizada, mas, sim, e apenas, descobrir a técnica com a qual o magistrado concordasse, para que não se corresse o risco de sobrepor o instrumento ao direito substancial. Como salienta Figueira Jr. (2002, p. 118):
“Ademais, a fungibiidade tutelar, conforme sugerida nesse novo parágrafr do art. 273 do CPC, proporcionará aos profissionais do direito uma tranqüila aplicação das providências emergenciais — particularmente as tutelas antecipatórias e acautelatórias — contribuindo para a satisfação do jurisdicionado por meio da realização do direito material violado ou ameaçado. Percebe-se, desta feita, a aproximação, cada vez mais acentuada, entre os direitos instrumental e material, bem como, o sincretismo do processo em prol de uma jurisdição prestada pelo Estado-juiz em beneficio dos litigantes, fortalecendo-se a idéia do processo civil de resultados.
Sem dúvida, dá-se o primeiro passo (de uma longa caminhada) em direção à ressistemação de todo o processo civil, pondo por terra, gradativamente, os ensinamentos superados do processo civil clássico da escola (sistemática) chiovendiana, inaceitáveis no mundo contemporâneo. O processo há de servir ao jurisdicionado como instrumento efetivo de realização do direito material, com escopo de satisfazer os litigantes e, num plano metajurídico, alcançar a paz social.“
As partes, os advogados, os próprios magistrados, os membros do Ministério Público, assim como toda a sociedade, esperam apenas que o processo e o poder judiciário realmente colaborem para a solução prática dos problemas, pouco importando o meio utilizado, desde que haja resultados efetivos. Se o processo é urna ciência jurídica eminentemente prática, é necessário que práticas sejam também as soluções e conclusões ante os paradigmas enfrentados.
O desenvolvimento do processo não pode perder de vista a sua função instrumental em relação ao direito substancial. Embora o processo seja mais do que o meio através do qual a jurisdição aplica o direito material ao caso concreto (tal a importância das garantias processuais fundamentais), não há dúvida de que o processo necessita estar cada vez mais próximo ao direito material, pois pouco vale o instrumento sem a substância.
É necessário compatibilizar-se o processo com o direito material. Foi o que Bedaque (1995) afirmou em sua tese de doutoramento — Direito e Processo — influência do Direito Material sobre o Processo, expondo exatamente o propósito de aproximar-se o processo e o direito material.
Não há dúvida de que é necessário aproximar o direito processual e o direito material, que se deve aplicar através da norma instrumental. Isto porque a tutela jurisdicional não deve ser entendida apenas como a resposta da jurisdição, mas, sim, como o resultado prático oriundo da jurisdição através do processo, para a garantia do exercício e da aplicação do direito material.
De acordo com Lorenzetti (1998, p. 338), “estes caminhos do direito substantivo e processual têm sido paralelos; é hora de se buscar um panorama integrado de ambas as ordens disciplinares”.
Nesse diapasão, o que se deve buscar é a efetividade de todo o direito, o que não significa, entretanto, existirem pontos onde o processo não possa evoluir. Os operadores do direito são instrumentos da justiça e da democracia, sendo que justiça e democracia são dois objetivos incompatíveis com a rigidez na aplicação de técnicas diferenciadas.
4. O operador comum do direito
Ao comentar a utilização das técnicas cautelar e antecipatória no cotidiano forense, torna-se necessário analisar as dificuldades apresentadas pela rigidez na diferenciação e aplicação prática de tais técnicas, sob a ênfase do operador comum do direito.
O operador comum do direito é o operador jurídico (juiz, promotor ou advogado) não especializado em direito processual civil, e que encontra, em determinado caso concreto, dificuldades para estabelecer a técnica processual a ser utilizada.
Em juízo, tais profissionais utilizam o instrumento prático do processo para a persecução dos resultados que objetivam. Ainda que não se trate de especialistas, é óbvio que o cotidiano desses operadores jurídicos sofre consideráveis influências dos princípios criados pelo consenso da comunidade científica processual.
Por isso mesmo, a doutrina do processo civil precisa ficar mais atenta à realidade da aplicação do seu objeto de estudo. Exemplo claro deste fato é que, só agora, os estudiosos do processo reconhecem e defendem uma prática que alguns juízes e advogados (operadores comuns) já exerciam e defendiam há alguns anos, acerca da fungibilidade entre técnica antecipatória e cautelar. Nesse sentido, vale citar pequeno trecho de acórdão oriundo do Recurso Especial 213.580/RJ, da lavra do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 05.08.1999:
“Antes de tudo, é muito importante lembrar que a antecipação de tutela, no direito brasileiro, não veio para diminuir ou enfraquecer a tutela cautelar. Foi inspirada, ao contrário, na necessidade de suprir deficiências que o sistema preventivo apresentava. Veio para somar e não para subtrair. Assim, como ponto de partida, é de ponderar que, se é nítida, no direito atual, a diferença técnica ou teórica entre a tutela cautelar e a tutela antecipatória, o mesmo nem sempre ocorre nas situações práticas levadas à solução judicial. É que a vida quase nunca se amolda docilmente às previsões do legislador, nem aceita a rigidez de suas normas como fórmulas infalíveis de compreensão e solução da complexa e multifacetária convivência humana, numa sociedade cuja característica dominante é o conflito acima de tudo e não a singela e espontânea busca de comportamento individual pautado segundo o programa do direito positivo. Aliás, a pretensão de separar, em campos diversos e bem delineados, as medidas cautelares e as de antecipação de tutela, é tarefa que apenas o direito brasileiro, ambiciosamente, almejou.“(Grifo nosso)
Como reconhece o acórdão, se a diferenciação entre as técnicas de urgência no cotidiano da prática forense é mais dificil e complexa do que a diferenciação teórica operada pela doutrina, e o operador do direito não especializado em direito processual civil lida com essa diferenciação na prática forense, é natural que existam dificuldades para a escolha e aplicação das técnicas diferenciadas, agora resolvidas ou, ao menos, atenuadas, pela inserção do § 7° do art. 273.
Assim, o operador comum do direito pode não conhecer tudo o que entende a doutrina processual, embora saiba encontrar os meios necessários para a obtenção de resultados a que se presta a tutela jurisdicional. Deste modo, a esse operador o que importa é conhecer a realidade da aplicação da tutela jurisdicional, para a obtenção de resultados práticos.
Em um estudo sobre a técnica antecipatória, Fabrício (1996, p. 6) manifestou suas preocupações com o chamado “homem do foro”, instando a comunidade científica a repensar os limites existentes entre cautela e técnica antecipatória, “não em termos meramente doutrinários, mas nos que sejam capazes de solucionar o problema concreto com o qual se depara e aflige o profissional do Direito”.
No mesmo sentido, Assis (2000, p. 57) defende a realidade e a importância do homem do foro, esse o operador comum do direito, mais especificamente na hipótese da discussão acerca da fungibilidade entre antecipação e cautela:
“Discípulo contrito de Galeno, Ovídio e Tesheiner, não me arvoro à imprópria condição de especialista. Mas, respondo ao seu repto em questão que me pareceu crucial, verberando, sem transigência aos princípios, a volumosa e respeitável corrente que, sob o pretexto daqueles limites, às vezes duvidosos e em boa parte criados pelo consenso científico, acaba por preferir extinguir medida de urgência satisfativa pleiteada autonomamente.”
Fica claro, portanto, que os cientistas do direito processual precisam reconhecer cada vez mais a natureza eminentemente prática do processo, pois todo instrumento deve ser concebido e utilizado como tal. E necessário aprender com os operadores comuns do direito.
A ciência do processo não pode se afastar da sua realidade, não pode se afastar das necessidades práticas do seu objeto. Para realmente desenvolver o processo, é necessário, em primeiro lugar, conhecer e considerar a realidade do cotidiano forense, caso contrário, a ciência do processo correrá o sério risco de se tornar um todo posicional surrealista.
A citação que vem a seguir foi retirada da rede mundial de computadores — internet, sendo de autoria desconhecida. O texto, embora contenha impropérios técnicos, demonstra de forma bastante clara a indignação do operador jurídico não especializado em direito processual civil:
“Análise da decisão abaixo, proferida pelo ‘Egrégio STJ’:
Antecipação de Tutela. Cautelar. Serasa.
Nos autos da ação de revisão contratual, deferiu-se a antecipação de tutela para que o recorrente abstenha-se de promover o registro do nome do recorrido em qualquer cadastro de inadimplentes. Alega-se no recurso especial que o recorrido equivocou-se quanto à via eleita, pois deveria ter utilizado a medida cautelar inominada. Á Turma, apesar de não conhecer do recurso, entendeu que no caso dos autos a antecipação não tem amparo no art. 273, I, do CPC e em orientação já firmada neste Superior Tribunal. O Min. Sálvio de Figueiredo anotou que há nos projetos de reforma do CPC que tramitam no Congresso Nacional dispositivo no sentido de admitir-se a fungibilidade entre estes dois institutos desde que presentes os pressupostos da medida que vier a ser concedida. (Precedentes citados: Resp. 180665/PE — DJ 03.11.1998; Resp. 168934/MG — DJ 31.08.1998 e Resp. 1913261SP, Di 05.04.1999 — .Resp. 1513801RS — Rei. Mm. Barros Monteiro — j. Em 01.03.2001)
Agora responda às perguntas abaixo.
1) O instituto da antecipação da tutela serve para alguma coisa?
2) Ele veio para ajudar ou atrapalhar?
Não poderíamos afirmar que o que o STJ disse, em outras palavras, é o seguinte?
“A antecipação de tutela é uma conquista do nosso ordenamento, pois permite que a parte não se submeta às delongas processuais para realização do seu direito, consistindo num inquestionável beneficio nos casos em que não cabe cautelar. Mas, é conveniente que o CPC diga que ambas são a mesma coisa, pois na verdade a finalidade é exatamente a mesma. Mas, quando for o caso de cautelar não cabe antecipação, e vice-versa. Mas, mesmo se não couber uma delas, deve ser deferida como se fosse a outra, porque afinal de contas o nome não importa. Como na maioria dos casos não se sabe qual que é uma e qual que é a outra, cumpre adotar uma como se fosse a outra, devendo entretanto, a parte tomar cuidado com a medida que escolher, porque se escolher errado não logrará êxito. Mas, haverá casos em que o juiz não sabe ao certo a escolha correta, porém, neste caso, a distinção não importará, porque ambas servem para a mesma coisa, e então, que importância tem o nome, não é verdade?’.
Acho também que o STJ quis dizer na verdade é o seguinte:
‘A aplicação da antecipação de tutela deve obedecer à forma e ser aplicável apenas e tão-somente nos casos em que a lei determina (CPC, art. 273). Porém, as drogas dos juizes e tribunais não se definem quando é que a antecipação pode ser aplicada, ou quando é caso de cautelar. Agora que a discussão chegou aqui em cima o que vamos fazer? Calma, não nos desesperemos, que já foi pedido para o legislador mudar um pouquinho a lei. A partir daí, tudo será a mesma coisa como sempre foi e viveremos mais tranqüilos e felizes’.
Moral da história: ‘Uma coisa é uma coisa, e outra coisa é exatamente a mesma coisa’. Isto é a ‘ciência do processo’.“
A ironia do autor desconhecido não deixa de ter fundamento como crítica às concepções processuais excessivamente teóricas. A flexibilizaçào das técnicas de urgência caminha exatamente na direção da simplificação da aplicação do direito pelo seu operador comum. As próprias reformas mais atuais do CPC têm apenas o condão de adaptar e oficializar de forma explícita as conseqüências havidas na ordem processual advindas das inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988.
O direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional e o poder geral de cautela constantes da Constituição Federal (1988), e que por isso já estavam presentes no ordenarnento legal antes do início das reformas processuais, possuem alcance tal que já possibilitavam há muitos anos justificarem-se medidas, como a antecipação dos efeitos fáticos da tutela e a fungibilidade entre as diferentes técnicas urgentes pela via da concessão, de oficio, da técnica cautelar. Ocorre, no entanto, que estas informações precisam realmente estar claras e explícitas para o operador comum do direito.
5. Conclusão
Por fim, admitir as dificuldades reais da teoria na prática constitui um grande passo para a continuidade do aprimoramento efetivo do processo e das técnicas, mais especificamente para a prestação da tutela de urgência, tanto sob o aspecto da sua aplicação como sob a redefinição substancial de seus conceitos, que tanto atrai os comprometidos e apaixonados juristas.
Felizmente, não é difícil encontrarem-se juristas preocupados com a necessidade de adaptação do processo às velozes modificações da sociedade, dispostos a rever conceitos tradicionais e a encontrar a melhor solução possível para o bem da coletividade. Trata-se de uma visão realista e sensata, fundamentada no reconhecimento da importância e da aplicação dos “novos direitos”.
Especialista em Ciências Criminais pela Universidade Cândido Mendes; Oficiala de Promotoria I do Ministério Público do Estado da Paraíba; Juíza Conciliadora da Justiça Federal na Paraíba, subsecção Campina Grande
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