Jamile Salamene[1]
Marcelino Sato Matsuda[2]
Henrique Cardoso dos Santos[3]
Resumo: Aborda o estudo de jurisprudências que prelecionam sobre a responsabilidade civil objetiva do Estado, no que compete à obrigação de indenizar, relacionando-as ao real cenário da violência praticada contra professores de educação básica. Através de pesquisa bibliográfica de natureza documental, aplicada e estratégica, fundamentada no conhecimento real do objeto analisado, auxilia em estudos acadêmicos sobre o direito das obrigações, com ênfase na obrigação de indenizar. Finalmente, apresenta as considerações finais desta pesquisa, confrontando os objetivos propostos ao universo real de sua temática, enfatizando a responsabilidade civil objetiva do Estado quanto ao dever de indenizar os professores de educação básica de escolas públicas que são vítimas de violência no exercício de sua função ou em razão dela.
Palavras-chave: Professor. Violência. Direito das Obrigações. Jurisprudência.
Abstract: It addresses the study of jurisprudence that teaches about the State’s objective civil liability, regarding the obligation to indemnify, relating them to the real scenario of violence against basic education teachers. Through bibliographic research of documentary, applied and strategic nature, based on the real knowledge of the analyzed object, it helps in academic studies on the law of obligations, with emphasis on the obligation to indemnify. Finally, it presents the final considerations of this research, confronting the objectives proposed to the real universe of its theme, emphasizing the State’s objective civil liability regarding the duty to indemnify basic education teachers in public schools who are victims of violence in the exercise of their function or because of it.
Keywords: Teacher. Violence. Right of duties. Jurisprudence.
Sumário: Introdução. 1.Violência contra o professor. 2.Direito das obrigações. 3.Resultados e discussão. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como tema a análise de jurisprudências que prelecionam sobre a responsabilidade civil objetiva do Estado, no que compete à obrigação de indenizar, relacionando-as ao real cenário da violência praticada contra professores de educação básica.
Assim, esta pesquisa se justifica pela necessidade de se avaliar as decisões dos tribunais superiores quanto às perdas que atingem o professor de educação básica da rede pública de ensino, no exercício da função ou em razão dela, em decorrência da violência sofrida.
Para tanto, apresentaremos um levantamento bibliográfico atualizado, existente na literatura nacional, sobre a violência praticada contra professores de educação básica das escolas públicas, ressaltando os danos à sua higidez laboral, em especial as consequências à sua saúde mental.
Evidenciaremos, ainda, referencial teórico sobre o direito das obrigações, enfatizando a natureza da obrigação de indenizar, enquanto responsabilidade civil objetiva, face ao descumprimento ou inadimplemento obrigacional.
A partir deste estudo bibliográfico, promoveremos uma análise do Recurso Extraordinário com Agravo nº 1081296 e do Recurso Inominado nº 0000639-64.2017.8.03.0001-AP à luz do direito das obrigações que ensejam sobre a violência praticada contra professores de escolas públicas, tendo como escopo a obrigação de indenizar do poder público.
Por último, serão apresentadas as considerações finais deste estudo, relacionando a pesquisa bibliográfica desenvolvida e a análise das jurisprudências propostas ao contexto da presente conjuntura profissional e social na qual o professor de educação básica de escolas públicas encontra-se inserido e submetido.
1 VIOLÊNCIA CONTRA O PROFESSOR
O Brasil é o país com a maior incidência de violência praticada contra professores (BRASIL, 2014). Divulgada em 2013, a Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem, denominada Teaching and Learning International Survey, coordenada em âmbito internacional pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e, no Brasil, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), constatou que 34% dos professores são vítimas, semanalmente, de ofensas verbais ou de intimidação de alunos (PEREIRA, 2016).
Dos 34 países analisados, Coreia do Sul, Malásia e Romênia apresentaram índice zero, no que se refere à violência praticada contra professores. Este estudo levou em consideração entrevistas aplicadas a mais de cem mil professores de escolas públicas, dos ensinos fundamental e médio, que lecionam para alunos de 11 a 16 anos de idade (KIANEK; ROMANI, 2019).
O termo violência, historicamente difundido e estudado por grandes autores, merece relevância a este estudo que, à luz do Direito, visa elucidar sua tipologia frente às inúmeras considerações existentes no âmbito jurídico.
A violência pode ser compreendida como toda ação realizada voluntariamente com a intenção de corromper, física, moral e/ou psicologicamente a vida de uma pessoa, provocando dor e constrangimento (MATOS; VIANA; GURGEL, 2012).
Sacramento e Rezende (2006) afirmam que o termo violência pode ser empregado tanto em homicídios quanto nos casos de maus-tratos, ou seja, em casos de maior ou menor poder ofensivo.
A Organização Mundial da Saúde (2002) definiu a violência como sendo o uso intencional da força ou do poder, em forma de ameaça ou em vias de fato, que ocasiona ou que pode ocasionar lesão, morte, dano psíquico, alterações do desenvolvimento ou privações.
A escola não está distante desta violência descrita pela OMS. Há de se ressaltar que o fato de ser professor não exime o indivíduo dos riscos inerentes à profissão, principalmente à violência ao qual estão submetidos em seu ambiente de trabalho.
Numa visão difusa, enfatizada por Aquino (1998), a escola está presente num campo de pequenas batalhas civis, visíveis o suficiente para causar um mal-estar coletivo nos professores, que se tornam reféns no cotidiano deste fenômeno, restando-lhe apenas resignação e desconforto.
Muitos professores foram ameaçados, intimidados, agredidos e furtados em seu ambiente de trabalho. Em pesquisa brasileira, 87,3% dos professores entrevistados afirmaram ter vivenciado episódios de agressões físicas na escola e que insultos verbais ocorrerem quase que diariamente (NETTO-MAIA et.al, 2013).
Berto (2018) sinaliza casos de violência contra professores. Entre estes, por exemplo, temos o episódio em que uma cadeira foi arremessada contra a cabeça de um professor depois que este chamou a atenção de um aluno por ter chegado atrasado à aula. Em outro, uma professora foi agredida fisicamente por dois alunos na saída da escola, após terem sido repreendidos durante a aula, por fazerem uso do aparelho celular.
A inversão dos papeis sociais são evidentes nos casos de agressão contra professores. São muitos os pais que consideram inadmissível que o professor atue como educador, frente à indisciplina de seus filhos e ao seu baixo desempenho escolar.
No Estado de São Paulo, os casos de agressão a professores aumentaram 189% de 2017 a 2018 (CAVALCANTI, 2018). Em pesquisa realizada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP, 2013), quatro em cada dez professores declararam terem sido vítimas de alguma forma de violência na escola.
Embora relacionada à criminalidade, a violência ocorrida na escola, geralmente, não é reconhecida como violência (SACRAMENTO; REZENDE, 2006).
Conforme apontam Soares e Machado (2014), a violência é naturalizada, chegando a se tornar algo normal por diferentes grupos sociais. Com os professores não é diferente. Em pesquisa realizada pelas autoras, constatou-se que a violência verbal é recorrente entre os professores e aparece como a mais comum e corriqueira.
Para ambas, quando considerada corriqueira, a violência praticada pode ser levada à banalização do fato, gerando sensação de impotência e de conformismo, por ser naturalizada nas relações interpessoais ocorridas na escola.
Infelizmente, a grande maioria dos profissionais opta em não registrar o boletim de ocorrência, preferindo relevar o desrespeito sofrido, muitas vezes reiterado pelo descaso dado pelas equipes gestoras das instituições (BERTO, 2018).
Assim, além das agressões praticadas pelos alunos e pais destes que não aceitam a submissão às regras da escola e à autoridade docente, o professor sofre as consequências de uma violência moral, velada aos olhos da sociedade, mas praticada diariamente contra este profissional. A esta violência estão atreladas a sala de aula superlotada, acústica inadequada, recurso pedagógico insuficiente e, o que é pior, a negligência das equipes gestoras, quase sempre comissionadas aos órgãos públicos, que subestimam a autoridade docente, menosprezando ou minimizando as agressões sofridas, banalizando-as.
Evidentemente, os professores estão mais predispostos aos chamados transtornos psicossociais no trabalho, como neurose, fadiga psicológica e síndrome da desistência (burnout), além dos transtornos relacionados ao estresse, a exemplo da depressão, transtorno de ansiedade, fobia e distúrbio psicossomático (CRUZ et.al, 2010).
Vedovato e Monteiro (2008) desenvolveram um estudo epidemiológico transversal descritivo com professores das escolas estaduais de Campinas e São José do Rio Pardo, no interior paulista, e evidenciaram que 20,9% dos entrevistados apresentavam transtornos mentais e que 74,1% faziam uso de medicamento antidepressivo. Ainda neste estudo, sintomas como tensão, inquietação, nervosismo, ansiedade, insônia e preocupações acometiam 33,3% dos professores.
Em estudo realizado com professores da rede municipal de Vitória da Conquista, na Bahia, 55,9% dos entrevistados apresentavam distúrbios psíquicos, evidenciando que a categoria está exposta a ambientes conflituosos e de alta exigência, repercutindo diretamente na saúde mental dos professores, conforme descreve Reis (2005).
No Brasil, os distúrbios psíquicos representam o terceiro lugar entre as causas de concessão de benefício previdenciário, segundo Gasparini, Barreto e Assunção (2006). Na pesquisa desenvolvida pelas pesquisadoras com professores da rede municipal de Belo Horizonte, concluiu-se que a prevalência de indivíduos em risco de apresentar transtornos mentais é mais frequente quando submetidos à experiência de violência nas escolas.
Cardoso (2019) aponta que o Estado de São Paulo concede, em média, 62 licenças médicas ao dia a professores por motivos de estresse, depressão, ansiedade e síndrome do pânico. A polícia militar paulista, como comparativo, confere duas licenças ao dia pelos mesmos motivos. Segundo o autor, nem sempre estes professores retornam ao ofício de origem e acabam readaptados em outras funções. Márcia Bandini, presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho, em entrevista a Cardoso (2019), afirma que a categoria docente se encontra ameaçada e que estas licenças médicas despertam preocupação por estarem relacionadas ao transtorno do humor e estresse.
Vítima da violência no ambiente de trabalho, o professor está suscetível, diariamente, a pressões e conflitos decorrentes de relações desiguais, convivendo com a desmoralização de sua imagem profissional e, principalmente, com a imposição contínua de mudanças advindas dos sistemas de ensino, acarretando em sérias repercussões na saúde dos mesmos (VIEIRA et.al., 2010).
Conforme apontam Sacramento e Rezende (2006), as vítimas de violência têm seu psiquismo alterado de maneira mais ou menos duradoura, trazendo consequências de ordem psicológica, em estado de privação, tornando-as passivas, aterrorizadas, podendo desenvolver transtornos afetivos e de ansiedade.
O fato de se tornar um alvo da violência afeta diretamente a integridade física e psíquica do professor. Lima, Coêlho e Cebalhos (2017) apontaram, em seus estudos, inúmeras pesquisas científicas em torno desta temática. Dentre estes, os autores afirmam que as condições diárias de trabalho apresentam consequências à saúde mental dos professores, destacando-se os Transtornos Mentais Comuns, caracterizados através de sintomas não psicóticos como insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas.
Em outro estudo apontado pelos pesquisadores, os professores são os profissionais mais propensos ao sofrimento psíquico, onde 42,9% dos entrevistados afirmaram ter sofrido agressão verbal ou ameaça e 22,9% sofreram agressão física. Não obstante, 7% dos professores entrevistados mencionaram, ainda, terem sofrido agressão ou ameaça com arma de fogo ou branca. A prevalência de casos suspeitos de Transtornos Mentais Comuns foi de 37,1%, valores maiores que os encontrados para a população geral, que é de 30,2%. “Tais números sugerem que a docência, em diferentes cenários e áreas do Brasil, afeta a saúde mental do professor” (LIMA; COÊLHO; CEBALHOS, 2017).
O resultado dos inúmeros casos de violência cometidos contra professores aparece no alto índice de afastamento por motivos de saúde ou pelo uso de medicamentos contínuos. “Professores doentes, dependentes de antidepressivos e ausentes são comuns nesse cenário” (OLIVEIRA, 2018).
Ferreira, Latorre e Giannini (2011) promoveram um estudo sobre os distúrbios de voz entre professores da capital paulista e observaram que a violência, a agressão e os insultos estavam entre os fatores associados ao problema em questão. As autoras evidenciaram que os professores tornaram-se reféns das ações que causam medo, humilhação e ressentimento e que os distúrbios psíquicos e vocais representam as principais causas de afastamento destes profissionais do trabalho.
Segundo Siqueira (2017), a sociedade tem colocado o professor como alvo fácil às violências cometidas por alunos, pais e responsáveis. Há casos tão graves, que são inúmeros aqueles que se afastam da rotina da sala de aula, sendo readaptados às funções administrativas das escolas.
Para os professores vitimizados pela violência ocorrida nas escolas públicas, as consequências costumam ser severas. Rosemeyre de Oliveira, pesquisadora da PUC-SP, investiga a atuação dos professores readaptados. Conforme aponta a pesquisadora, ao assumirem outras funções dentro da escola, os professores readaptados são vistos com preconceito pelos próprios pares. A própria pesquisadora é professora readaptada de uma escola estadual da capital paulista e afirma que deixou de atuar em sala de aula após ser ameaçada de morte por um aluno armado (TENENTE; FAJARDO, 2018).
Em suma, citando Costa, Barbosa e Carraro (2014), podemos afirmar que os professores vivenciam um sentimento de insegurança generalizado em decorrência da criminalidade crescente, levando muitos a optarem em silenciar a violência, o sofrimento e a angústia. Consequentemente, os professores são conduzidos a um processo de alienação, de desumanização e de apatia, ocasionando problemas de saúde, absenteísmo e, muitas vezes, o abandono da profissão.
2 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Nesta seção pretendemos discorrer, de forma abrangente, sobre o direito das obrigações, no intuito de enfatizar a obrigação de indenizar enquanto responsabilidade civil objetiva.
Em sua parte especial, o Código Civil brasileiro destina o Livro I ao estudo do direito das obrigações, reservando quatro títulos ao tema que englobam os artigos 233 ao 420.
Objeto comum de análise pelos doutrinadores civilistas, o direito das obrigações apresenta capítulo ou, até mesmo, volume exclusivo em consagradas coleções, haja vista suas diferentes modalidades e significante relevância à relação jurídica.
Conforme aponta Venosa (2017), a obrigação consiste num liame que une duas ou mais pessoas. Credor e devedor são os dois lados da obrigação. Esta relação jurídica é protegida pelo Estado, que garante a coerção no cumprimento, mediante aplicação de norma, lei, contrato ou negócio jurídico.
Em outras palavras, Venosa (ibid) afirma que a obrigação é uma relação jurídica transitória de cunho pecuniário, cabendo ao devedor realizar uma prestação ao credor. Ou seja, o objeto da obrigação resume-se sempre a um valor econômico, tornando o direito das obrigações essencialmente patrimonial.
Nesse sentido, Diniz (2007) preleciona que o direito das obrigações representa um complexo de normas que regem as relações jurídicas de ordem patrimonial, que apresentam por objeto a prestação de uma pessoa em proveito de outra.
Ainda para a autora, o direito das obrigações visa regular os vínculos jurídicos em que o poder de exigir uma prestação corresponda ao dever de prestá-la.
Na visão de Tartuce (2015), a obrigação é uma relação jurídica transitória existente entre um sujeito ativo (credor) e outro passivo (devedor), cujo objeto consiste em uma prestação situada no âmbito dos direitos pessoais, que envolve o patrimônio do devedor em caso de descumprimento ou inadimplemento obrigacional.
Em toda relação obrigacional existe a submissão a uma regra de conduta que, consequentemente, recebe a proteção do Direito (VENOSA, 2017). Assim, toda obrigação deve ser cumprida, caso contrário, os bens do devedor respondem pelo inadimplemento das obrigações, que ocorre quando faltar a prestação devida, isto é, quando o devedor não a cumprir, voluntária ou involuntariamente (DINIZ, 2007).
O inadimplemento voluntário consiste no descumprimento do dever jurídico, levando à obrigação de indenizar que acarretará ao devedor a responsabilidade pelas perdas e danos, consolidado no artigo 389 do Código Civil, descrito por Diniz (2007) como o inadimplemento absoluto, que pode ser total ou parcial.
O inadimplemento involuntário decorre de evento estranho à vontade do devedor, caso fortuito ou força maior, não originando, em regra, à responsabilidade, conforme artigo 393 do CC (DINIZ, 2007).
Venosa (2017) preleciona que a vontade não atua no sentido de criar uma obrigação, mas sim de ocasionar intencionalmente um dano, com consequente prejuízo, levando à obrigação de reparar o dano, isto é, de pagar indenização. Também pode ocorrer que a vontade não atue diretamente a fim de criar um dever de indenizar, mas a conduta do agente, decorrente de negligência, imprudência e imperícia, ocasiona um dano indenizável no patrimônio alheio.
A infração do dever de cumprir, segundo Diniz (2007), poderá ser intencional ou resultar de negligência, imprudência ou imperícia do devedor. Havendo o inadimplemento, a obrigação será convertida em dever de indenizar, na falta de tutela jurídica específica.
Desse modo, todo aquele que voluntariamente infringir dever jurídico e causar prejuízo a alguém, ficará obrigado a ressarci-lo, conforme estabelecem os artigos 186 e 927 do CC (DINIZ, 2007).
A responsabilidade civil consiste na obrigação de indenizar, que apenas surgirá quando o inadimplemento for causado por ato imputável ao devedor, seja por dolo, negligência, imprudência ou imperícia, verificada a exata fixação de sua responsabilidade, e havendo prejuízo a reparar (ibid.).
Na concepção de Tartuce (2015), do inadimplemento da obrigação, em inexecução ou descumprimento, surge a responsabilidade civil contratual, baseada nos artigos 389 e 391 do CC, resultando no dever de indenizar as perdas e danos, conforme ordenam os artigos 402 e 404, sem prejuízos de outros dispositivos que tutelam os danos morais.
O dano moral é um prejuízo que não afeta o patrimônio econômico, mas a reputação da vítima. Trata-se de lesão que atinge valores físicos e espirituais da pessoa e que trazem amargura, privação do bem-estar, padecimento, inquietação mental e perturbação da paz (VENOSA, 2017).
Conforme afirma Venosa (2017), para que ocorra o direito à indenização na responsabilidade contratual e extracontratual há necessidade de um prejuízo, um dano avaliável, uma perda, uma diminuição do patrimônio. Além disso, deve existir um nexo de causalidade, relacionando o prejuízo à conduta do agente.
Nesse sentido, a indenização é representada por valor em dinheiro, que nunca equivalerá ao cumprimento da obrigação, mas é um substitutivo que servirá de simples lenitivo para um credor insatisfeito (ibid).
Segundo aponta Diniz (2007), para conceder indenização de perdas e danos, o magistrado deverá considerar se houve dano positivo ou emergente, que corresponde ao déficit real e efetivo no patrimônio do credor (art.404, CC); dano negativo ou lucro cessante, equivalente ao ganho que a vítima deixou de auferir (art.402, CC); e nexo de causalidade entre o prejuízo e a inexecução da obrigação, que representam o efeito direto e imediato do ato ilícito do devedor (art. 403, CC).
Para Venosa (2017), a cautela do juiz deve ser no sentido de nem proporcionar uma vantagem ao credor, atribuindo-lhe algo além do dano, nem minimizar a indenização a ponto de lhe tornar inócua. Não pode a indenização ser instrumento de enriquecimento injustificado para a vítima, nem ser insignificante a ponto de ser irrelevante ao ofensor. Nesse sentido, a indenização tem caráter punitivo e educativo.
A reparação das perdas e danos abrangerá a restauração do que o credor efetivamente perdeu e a composição do que, razoavelmente, deixou de ganhar, apurado conforme os princípios da razoabilidade e da probabilidade, atendo-se o juiz ao fixar o quantum das perdas e danos, ao tempo, ao lugar e à pessoa do lesado, principalmente à sua situação patrimonial, para poder estabelecer a repercussão que teve a inexecução da obrigação (DINIZ, 2007).
Ainda para a autora, a liquidação do dano, por sua vez, tem por finalidade a efetiva reparação do dano sofrido pelo lesado, fixando o montante da indenização das perdas e danos, pago com atualização monetária, segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional (art. 404, do CC). Esta liquidação se fará por determinação legal, por convenção das partes ou por sentença judicial.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Ante ao referencial bibliográfico apresentado, no qual buscamos evidenciar o real cenário da violência praticada contra o professor de educação básica de escolas públicas, ressaltando os danos à sua higidez laboral, e os pareceres doutrinários no que compete ao direito das obrigações, sob a égide da obrigação de indenizar, pretendemos neste capítulo apresentar análise de jurisprudências que prelecionam sobre a responsabilidade civil objetiva do Estado.
Após pesquisa nos portais eletrônicos dos tribunais, selecionamos três jurisprudências que discorrerem sobre a violência praticada contra o professor de educação básica de escolas públicas, sendo que duas trazem em seu escopo o dever de indenizar do Estado.
Iniciaremos nosso estudo apresentando análise do Recurso Inominado originário do Estado do Amapá, nº 0000639-64.2017.8.03.0001 (BRASIL, 2018).
Antes de adentrarmos ao estudo da sentença proferida, faz-se necessária a contextualização dos fatos para uma futura análise comparativa entre as jurisprudências propostas.
Uma professora de escola pública estadual do Amapá, autora da ação, alega que, no exercício de sua função, foi surpreendida por um indivíduo encapuzado, não identificado, que portava arma de fogo. A requerente afirma que durante o roubo o assaltante pediu seu telefone celular, mas como não estava em posse deste, o meliante acabou desferindo-lhe inúmeras coronhadas à sua cabeça, na frente de seus alunos, dentro da sala de aula.
Em decorrência dos fatos, a autora peticionou ação de indenização de danos materiais e morais, reclamando a responsabilidade civil objetiva do Estado, caracterizada pela falha na segurança interna do estabelecimento escolar.
A Procuradoria-Geral do Estado do Amapá, no entanto, contestou o pedido da impetrante, em razão da ausência de nexo causal, sob a alegação de que os elementos trazidos aos autos não constituíam provas suficientes à comprovação do fato e dos danos experienciados, desconhecendo a responsabilidade do ente público nos moldes estabelecidos pelo artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
O procurador ressaltou que, nos casos de omissão do Estado, a responsabilidade é subjetiva com base na teoria da culpa em detrimento do mau funcionamento, do não funcionamento ou do funcionamento tardio do serviço público, não ensejando na obrigação de indenizar.
Contestou, veementemente, a quantia empreitada pela autora, afirmando que o valor de 35 mil reais, a título de indenização por danos morais, objetivaria o enriquecimento sem causa da parte postulante. Quanto a este pressuposto, o procurador recomendou que fosse realizada uma apreciação equitativa do valor, levando-se em consideração a situação econômica-social da vítima, devendo o mesmo ser suficiente a compensar moderadamente a dor e o sofrimento experimentado.
O Poder Judiciário do Amapá, representado pela Turma Recursal dos Juizados Especiais do Estado, ante ao recurso inominado, apreciou as contestações apresentadas pela Procuradoria-Geral e julgou procedente, em parte, o pedido inicial.
Por unanimidade, o Poder Judiciário do Amapá reconheceu a responsabilidade civil objetiva do ente público, à medida em que validou a conduta omissiva do Estado em manter a segurança interna da escola, comprovando a existência de nexo de causalidade entre esta omissão e o resultado danoso sofrido pela professora, que ensejaram na obrigação de indenizar.
No entanto, a Turma Recursal do Estado reduziu o quantum arbitrado, fixando-o em 3 mil reais, com a alegação de atender aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade e aos precedentes efetivados por aquela Corte.
Analisando este parecer à luz da responsabilidade civil objetiva do Estado, no que compete à obrigação de indenizar, podemos afirmar que o parecer do magistrado considerou o real cenário da violência praticada contra professores de educação básica, ou seja, arbitrou em favor do professor da escola pública.
Quanto à redução do quantum indenizatório, não podemos deixar de apresentar nosso posicionamento, principalmente no que compete ao discurso apresentado pelo relator. Em seu argumento, o magistrado evocou os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, que ensejariam no enriquecimento injustificado da requerente.
Ainda que os precedentes adotados efetivamente por aquela Corte motivassem a decisão em reduzir o valor da indenização, a referência aos princípios supracitados não corresponde à realidade, visto que o professor de escola pública do Amapá possui a quarta maior média salarial do país.
Os professores de educação básica de escolas públicas do Amapá recebem, em média, R$ 4.035,33 ocupando o quarto lugar entre os Estados com maiores vencimentos à categoria (PACHECO, 2017). Outrossim, não há de se falar em enriquecimento ilícito ao atribuir um valor indenizatório que não chega a atingir nove vezes o total dos vencimentos da requerente.
Prosseguindo com as análises, partiremos, então, ao Recurso Extraordinário com Agravo, nº 1081296, originário do Estado de Santa Catarina (BRASIL, 2017), no intuito de desenvolvermos a posteriori análise comparativa entre ambas.
Como realizado outrora, iniciaremos o estudo desta jurisprudência apresentando uma breve descrição dos fatos.
Uma professora de educação básica de escola pública, no exercício de sua função e em razão dela, foi agredida pela mãe de uma aluna, que a pegou pelos cabelos e os puxou para o chão, desferindo-lhe socos em sua cabeça e chutes no seu corpo, na presença de seus alunos.
O Tribunal do Estado de Santa Catarina inadmitiu o recurso especial impetrado pela professora, atribuindo responsabilidade civil subjetiva ao Estado, face à inexistência de nexo causal entre a suposta omissão e o resultado da agressão sofrida. Consequentemente, o dever de indenizar foi desqualificado.
No Agravo em Recurso Especial sob a égide do STJ, a sentença provida em primeira instância foi mantida. Em sua decisão, o relator afirma que não houve ato comissivo que implicasse na ocorrência de danos morais, pois a agressão que a vítima sofreu partiu da mãe de uma aluna, ou seja, de uma pessoa que não integra o quadro funcional da escola.
Em seu argumento, o Ministro salienta não ser possível determinar que o ente público repare os danos morais que a autora alega ter sofrido, por não existirem nos autos elementos que relacionem o nexo de causalidade entre a conduta da mãe da aluna e o suposto dever municipal de oferecer segurança aos professores da rede pública.
Não obstante, acrescenta, ainda, que a agressora, por ser mãe de uma aluna, valeu-se da prerrogativa de livre acesso às dependências do estabelecimento escolar e que no dia do ocorrido foi chamada para uma reunião com a direção da escola, motivo pelo qual esclareceria sua animosidade.
O ingresso nas dependências escolares, segundo o Ministro, deve ser obstado ou controlado às pessoas alheias à comunidade escolar. Ao aludir sobre a suposta prerrogativa, o próprio relator ressalta que não há dispositivo legal que a regulamente, por se tratar de medida administrativa a ser estabelecida pela direção da escola.
Afirmou, ainda, que a mãe teve um ato de descontrole que causou danos físicos e emocionais à professora, os quais, por mais graves que possam ser, não justificariam a condenação do Estado à obrigação de indenizar.
Concluiu suas alegações, reiterando a inexistência do dever de reparação do dano moral por parte do Estado, ante à inexistência de omissão de servidores públicos.
A reclamante protestou a decisão pleiteando Recurso Extraordinário com Agravo ao Supremo Tribunal Federal, sustentando-se na violação ao artigo 5º, incisos V e X e ao artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
Em sua decisão, o Ministro Alexandre de Moraes reafirmou a inexistência de nexo causal entre a omissão da parte recorrida e os danos morais sofridos pela professora, sentenciando contrário ao prosseguimento do recurso extraordinário, por não haver demonstração fundamentada da presença de repercussão geral.
Em nossa análise, não podemos deixar de comparar as decisões dos tribunais em ambas jurisprudências. Na primeira, o pedido da obrigação de indenizar foi deferido sob a alegação de que o ente público teve responsabilidade civil objetiva por não garantir a segurança da professora, que foi agredida quando estava no exercício de sua função, mas não em razão desta. Na segunda, por sua vez, a obrigação de indenizar foi inadmitida, visto que os magistrados desqualificaram a responsabilidade objetiva do Estado, embora a professora tenha sido agredida no exercício de sua função e em razão dela.
Um dos pontos a ser discutido incide sobre os agressores que, de forma curiosa e sem a sustentação de quaisquer dispositivos legais, foram diferenciados em seu poder ofensivo. Um homem encapuzado, que desferiu coronhadas à cabeça da professora foi considerado com maior poder ofensivo se comparado à mãe de uma aluna, que puxou os cabelos da vítima, deu-lhe socos e chutes pelo corpo. O fato de ser alheio à comunidade escolar foi disposto como agravante à conduta, ainda que não recaiam normas a respeito.
Na segunda jurisprudência analisada, a escola pública foi descrita como local de livre acesso à sua comunidade escolar, motivo pelo qual muito nos preocupa. No limiar desta afirmação, podemos concluir, então, que a presença de familiares de alunos nas escolas públicas garantiria a segurança de seus servidores, por serem, supostamente, idôneos e acima de que qualquer suspeita, o que de fato não corresponde à realidade. Quantos são os pais e familiares de alunos de escolas públicas que apresentam antecedentes criminais? Se a presença de pais e familiares tutelassem o professor de educação básica da agressão ocorrida no ambiente escolar, o referencial teórico deste estudo e todas as pesquisas que o ensejaram poderiam ser desqualificadas frente a uma interpretação inequívoca do comportamento humano.
Podemos, por ora, valermos de um importante questionamento: algum outro indivíduo agrediria a professora, em razão de seu ofício profissional, se não tivesse algum vínculo com a comunidade escolar?
A reclamante somente foi agredida por estar na condição de professora da filha da agressora e seu suposto livre acesso às dependências escolares facilitaram a conduta criminosa. De quem, então, seria a competência de salvaguardar os professores de escolas públicas na sala de aula?
Importante ressaltar que o Código Penal brasileiro prevê, em seu artigo 331, pena de detenção, de seis a dois anos, ou multa àquele que desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela. Neste contexto, é notório evidenciar que o próprio Código não distingue o agente agressor.
Como visto, citado e referendado, o professor de educação básica de escolas públicas brasileiras é agredido por pais e alunos. O fato de ser alheio ou não à comunidade escolar não deveria ser motivo de questionamento ao objeto da ação, ou seja, não deveria incidir sobre a obrigação de indenizar do ente público. Não há dispositivos legais que sejam isonômicos neste entendimento. Não há de se majorar ou minorar a agressão do agente em detrimento do status quo ocupado na comunidade escolar.
E mais: o magistrado do STJ justificou a animosidade da mãe agressora por esta ter sido chamada à uma reunião com a direção da escola, no mesmo dia em que os fatos ocorreram. Isto posto, podemos afirmar que o professor se encontra limitado em seu campo de atuação ao preferir relevar possíveis reuniões em detrimento da reação que muitos familiares apresentam ao serem confrontados com a indisciplina de seus entes.
Em contrapartida a este posicionamento unilateral, no Agravo em Recurso Especial nº 1.228.046, a Ministra Assusete Magalhães, do Superior Tribunal de Justiça, arguiu com sensatez à luz da violência praticada contra professores (BRASIL, 2018).
O Agravo, em questão, incide sobre o fator previdenciário atribuído a uma professora de educação básica de escola pública. Por ora, o tema prelecionado em nada culminaria com o objeto de estudo desta pesquisa acadêmica, mas merece ser ressaltado em razão das significantes considerações apresentadas pela Ministra ao proferir sua decisão, que não poupou argumentos em face do atual cenário de violência no qual o professor de educação básica de escolas públicas encontra-se inserido e nas moléstias que o acometem.
Em seu discurso, ao justificar a inadmissão do fator previdenciário à categoria docente, a relatora afirma que o professor exerce atividade penosa, por lidar diariamente com fatores geradores de grande estresse emocional. Entre estes fatores, a magistrada menciona a violência ocorrida em sala de aula e o esgotamento físico, que favorecem o desgaste biopsíquico do professor, suscitando-o ao acometimento de doenças relacionadas ao trabalho, como distúrbios mentais e estresse.
Complementa, ainda, elucidando que, ao longo dos anos, houve um deterioramento das condições de trabalho do professor, que tem provocado mudanças em sua atuação e função social.
Em suma, ainda que a obrigação de indenizar não estivesse no bojo do referido Agravo, a relatora preteriu sentença em detrimento do polo hipossuficiente da ação, discorrendo com maestria sobre a violência praticada com professores, ainda que esta não estivesse no cerne da lide.
CONCLUSÃO
A responsabilidade civil objetiva do Estado, no que compete à obrigação de indenizar, e sua relação ao cenário de violência praticada contra professores de educação básica de escolas públicas representaram a temática deste estudo acadêmico.
Comumente veiculada pelos meios de comunicação, a violência contra o professor é tema recorrente no universo científico e os dispositivos legais que regulamentam a responsabilização civil desta agressão ainda são desconexos e pouco coesos na seara jurídica brasileira.
Através deste estudo, evidenciamos que, embora existam jurisprudências que disponham sobre o inadimplemento obrigacional, a obrigação de indenizar professores vitimizados pela violência, no exercício de sua função ou em razão dela, precisa estar alicerçada nos princípios constitucionais da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade.
Expusemos o panorama caótico e cruel que estão inseridos os professores de educação básica de escolas públicas, submetidos à violência diária, moral, física e psicológica, praticada pelos alunos ou por seus responsáveis. Evidenciamos, ainda, o assolamento da saúde mental dos professores, ressaltando que o declínio de seu bem-estar se encontra diretamente relacionado às inúmeras ocorrências e casos de violência praticada contra os mesmos.
Por fim, concluímos que os impactos da violência praticada contra o professor de educação básica deveriam repercutir diretamente no desenvolvimento de políticas públicas educacionais e nas decisões dos tribunais superiores.
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[1] Acadêmica de Direito no Centro Universitário Módulo. Mestre em Educação, Administração e Comunicação pela Universidade São Marcos. E-mail: salamene@hotmail.com
[2] Professor e Coordenador do Centro Universitário Módulo. Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: marcelino.matsuda@modulo.edu.br
[3] Professor do Centro Universitário Módulo. Doutorando em Direito pela Universidade de Córdoba. E-mail: henrique.santos@modulo.edu.br
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