Resumo: Por não ser o Princípio da Insignificância previsto de forma expressa na legislação vigente, sendo, consequentemente, uma obra doutrinária, a função de fixar suas propriedades é da jurisprudência, que deve estabelecer definições e limites a este, de forma que sua aplicação nos casos concretos seja cada vez mais harmônica entre os Magistrados. Deste modo, o objetivo central deste trabalho é analisar qual é a visão atual dos Tribunais Superiores quanto ao âmbito de aplicação do princípio da insignificância aos reincidentes, como estes tribunais vêm aplicando o referido princípio nesta hipótese, quais são os requisitos analisados à sua concessão e a forma como ele exclui a tipicidade material da conduta. Este estudo aponta a importância da aplicação do princípio da insignificância como forma de limitar o poder de punir do Estado na aplicação das leis penais, buscando esclarecer se as circunstâncias de caráter pessoal, em especial a reincidência, podem, por si só, ser suficientes a negar a concessão do princípio, de forma a apresentar contribuições para a ampliação do universo discursivo voltado para esta temática, tal como se reconhece próprio à ciência jurídica.
Palavras-Chave: direito penal mínimo, princípio da insignificância, tipicidade material, reincidência, jurisprudência.
Sumário: Introdução. 1. Do direito penal.1.1. Finalidade. 1.2. Direito Penal Mínimo.2. Princípio da Insignificância. 2.1. Princípios do direito penal. 2.2. Críticas ao princípio da insignificância. 3. Reincidência. 4. A Aplicação do princípio da insignificância aos reincidentes. 4.1. Julgados dos Tribunais Superiores. 4.1.1. Aspectos Essenciais. 4.1.1.1. Mínima ofensividade da conduta. 4.1.1.2. Ausência de periculosidade social da ação. 4.1.1.3. Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente. 5.1.1.4. Inexpressividade da lesão jurídica causada. 4.1.1.5. Crítica aos aspectos essenciais. 4.1.2. Possibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos reincidentes. 5.1.3. Impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos reincidentes. 4.1.4. Divergência de entendimento entre os Tribunais. 5. Conclusão. Referências Bibliográficas
Introdução
O Direito Penal deve se preocupar tão somente com a proteção dos bens mais importantes e indispensáveis para a própria sobrevivência da sociedade. Com este direito objetiva-se tutelar os bens que, por serem extremamente relevantes, não podem ser protegidos de maneira satisfatória pelos demais ramos do Direito.
Por esse motivo, apesar de não estar previsto no ordenamento jurídico pátrio, o princípio da insignificância foi acolhido pela doutrina e jurisprudência nacional, buscando formar limites para a tipificação penal. Logo, o princípio diminui o campo de incidência desse direito ao considerar atípicas condutas que, embora sejam formalmente típicas, acarretem insignificantes ofensas ao bem tutelado e por tal razão não possuem relevância penal.
Apesar de manifestamente aceito pela doutrina e jurisprudência, por não estar positivado no Direito Penal, o princípio em questão deixa algumas dúvidas sobre a possibilidade de sua aplicação. Além do mais, os critérios em regra utilizados pela doutrina e jurisprudência não são incisivos, o que faz com que os julgamentos dos magistrados e os entendimentos de doutrinadores sejam múltiplos de acordo com cada caso concreto, ou mesmo com cada entendimento.
Parte dos doutrinadores e dos magistrados entende que para a aplicação do princípio da insignificância devem ser apreciados apenas os aspectos objetivos do fato, de forma que os outros elementos de caráter subjetivo (antecedentes, motivação, personalidade etc.), que para estes estariam vinculados à culpabilidade, deveriam ser excluídos. Outra parte, entretanto, pondera que os critérios subjetivos também devem ser considerados.
A discussão sobre a possibilidade de aplicação do princípio se torna ainda maior nas circunstâncias de maus antecedentes, reincidência, habitualidade ou prática reiterada de delitos pelo agente, uma vez que nessas ocasiões o ilícito, individualmente, poderia ser avaliado insignificante, mas, em um conjunto, indicaria um maior grau de reprovabilidade ou de periculosidade social. Alguns estudiosos acreditam que a aplicação do princípio da insignificância não caberia aos reincidentes, em razão da ofensividade da conduta dos mesmos, que por mais de uma vez violaram norma legal. Outra parcela de estudiosos acredita sim ser possível a aplicação do referido princípio, uma vez que a circunstância da reincidência, por si só, não pode ser apta a impedir o reconhecimento da exclusão da tipicidade.
Destarte, a presente pesquisa buscará, justamente, avaliar de que forma os Tribunais Superiores estão aplicando o princípio da insignificância atualmente, observando quais são os critérios empregados e as principais discussões que permeiam o tema, de maneira especial ao que diz respeito à aplicação deste princípio aos reincidentes.
Deste modo, o presente artigo tem como objetivo analisar a atual visão dos Tribunais Superiores em relação à aplicação do princípio da insignificância aos acusados reincidentes. Avaliando a finalidade precípua do Direito Penal, distinguindo a insignificância do fato praticado das condições pessoais do agente e discorrendo sobre o princípio da insignificância no processo de revalorização do Direito Penal.
1. Do direito penal
Quando ocorrer um ilícito civil, aquele que o causou terá a obrigação de repará-lo civilmente. Contudo, em alguns casos, a reparação civil não se mostra suficiente para restringir a prática de ilícitos jurídicos mais graves, que atinjam bens jurídicos relevantes, razão pela qual o Estado se vale de sanções mais severas, reguladas pelas normas do Direito Penal.
Segundo Cezar Roberto Bitencourt:
“O Direito Penal apresenta-se com um conjunto de normas jurídicas que tem por objeto a determinação de infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes – penas e medidas de segurança. Esse conjunto de normas e princípios, devidamente sistematizados, tem a finalidade de tornar possível a convivência humana, ganhando aplicação prática nos casos ocorrentes, observando rigorosos princípios de justiça”. (BITENCOURT, 2011, p.32)
Deste modo, o Direito Penal é constituído por um conjunto de regras e princípios destinados à tutela dos bens jurídicos mais relevantes para a sociedade, como a vida, honra, liberdade, saúde, propriedade, dentre outros. Este conjunto de normas jurídicas define as infrações de natureza penal e suas consequências jurídicas correspondentes, penas ou medidas de segurança.
Nas precisas palavras de Rogério Greco, “com o Direito Penal objetiva-se tutelar os bens que, por serem extremamente valiosos, não do ponto de vista econômico, mas sim político, não podem ser suficientemente protegidos pelos demais remos do Direito” (GRECO, 2011, p.2).
1.1. Finalidade
O Direito Penal tem como função resguardar os valores fundamentais para a subsistência da vida em sociedade. Essa função é desempenhada não somente pela ameaça, pela possibilidade de uma sanção penal, mas também através de um compromisso ético-social entre Estado e indivíduo. Por este compromisso busca-se o respeito às normas não por medo de uma sanção, mas por conscientização da necessidade de se respeitar os bens jurídicos coletivos.
Toda lesão a um bem jurídico, que mereça a atenção do Direito Penal, trás consigo uma consequência indesejada. Contudo, a ação que causou a consequência nem sempre será censurável, afinal a reprovação depende, além do resultado, do comportamento consciente ou negligente do seu autor. Assim, o Direito Penal deve buscar a justa reprovação da conduta, para que seu papel não seja coercitivo e cause apenas medo na população, de forma que o compromisso ético-social firmado entre o Estado e o indivíduo continue sólido, e este continue levando consigo a consciência dos valores necessários para o seu convívio em sociedade.
1.2. Direito Penal Mínimo
Conforme esclarecido, o Direito Penal deve ocupar-se apenas da proteção dos bens essenciais ao convívio em sociedade. Assim, quando esta tutela puder ser prestada pelos demais ramos do Direito, ele deve afastar-se e permitir que estes assumam o encargo, sem sua intercessão.
A teoria do Direito Penal Mínimo, apesar de não estar positivada no ordenamento jurídico pátrio, vem chamando a atenção de grande parte dos juristas. Segundo essa teoria o Direito Penal só deve interferir nas situações em que o bem jurídico lesado for de real interesse à coletividade e não puder ser reparado pelos demais ramos do Direito, de forma que exista uma adequação entre a conduta e a ofensa ao bem jurídico tutelado. A teoria procura, portanto, evitar que a lei penal seja aplicada em excesso e para tal busca amparo nos princípios basilares do direito, tais como: insignificância, intervenção mínima, adequação social da conduta, fragmentariedade, subsidiariedade, proporcionalidade, dignidade da pessoa humana, dentre outros.
O Direito Penal Mínimo, amparado por estes princípios, busca excluir a tipicidade de condutas que, apesar de se enquadrarem em um tipo penal positivado, não violaram o ordenamento jurídico por serem insignificantes e irrelevantes diante do bem jurídico lesado.
Sobre o tema afirma Paulo Queiroz:
“Dizer que a intervenção do Direito Penal é mínima significa dizer que o Direito Penal deve ser a ‘ultima ratio’, limitando e orientando o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta somente se justifica se constituir um meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. O Direito Penal somente deve atuar quando os demais ramos do Direito forem insuficientes para proteger os bens jurídicos em conflito” (QUEIROZ, 1999, IBCcrim, nº 74)
A teoria ganha ainda mais adeptos quando analisada a atual situação do sistema prisional brasileiro, que tem, muitas vezes, se tornado um meio cruel de punição, chegando inclusive a afetar os bens jurídicos mais importantes, como a vida, a integridade física e mesmo a liberdade sexual. Ademais, o simples fato de se ocupar a justiça com delitos insignificantes, que além de gerar mais gastos para o Estado, faz com que a justiça se torne mais lenta e que aqueles que realmente devem ser punidos fiquem aguardando julgamento em liberdade ou se aproveitando da prescrição, já são motivos à melhor aceitação da teoria em análise.
Deste modo, deve-se observar se a conduta praticada pelo agente lesou um bem jurídico de forma a merecer a apreciação do Direito Penal e a aplicação deste como ultima ratio, afinal o Direito busca a justiça e, portanto, não seria justo que condutas ínfimas fossem enquadradas em tipos penais criados para proteger bens jurídicos relevantes e de maior gravidade.
2. Princípio da Insignificância
Como o Direito Penal deve se ocupar apenas das ofensas dirigidas aos bens jurídicos relevantes, necessário foi que a doutrina estabelecesse um princípio que excluísse a incidência desse Direito de certas lesões insignificantes. Surgiu, então, o princípio da insignificância.
Segundo o doutrinador Fernando Capez (2012, p.29), e parte majoritária da doutrina, o princípio da insignificância é originário do Direito Romano, de cunho civilista, sendo que o referido princípio funda-se no conhecido brocardo de minimis non curat praetor. Tal princípio foi introduzido no Direito Penal por Claus Roxin, em 1964, na Teoria da insignificância da lesão ao bem jurídico, segundo a qual se excluem os fatos considerados de pequena importância. De acordo com tal princípio, sendo a lesão insignificante, não haverá necessidade de intervenção do Direito Penal, pois este deverá intervir nas relações sociais apenas quando esta interferência mostrar-se estritamente necessária.
O princípio da insignificância não está previsto explicitamente na legislação brasileira, sendo, portanto, uma criação doutrinária, cujos parâmetros de reconhecimento devem ser estabelecidos pela jurisprudência. Logo, por não ter previsão na legislação vigente, a doutrina e também a jurisprudência, encontram certa dificuldade em definir efetivamente este princípio, o que causa também um problema em se estabelecer seu real alcance nas diversas situações, tornando os entendimentos variados.
Cezar Roberto Bitencourt afirma que:
“Segundo este princípio, é necessária uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Frequentemente, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material, por não produzirem uma ofensa significativa ao bem jurídico tutelado. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado”. (BITENCOURT, 2011, p.327-328)
Rogério Greco (GRECO, 2011), ao tratar do princípio da insignificância, ensina que este não será admitido em toda e qualquer infração penal, entretanto, afirma que existem certas condutas que não são merecedoras da atenção do Direito Penal, condutas estas que poderão ser beneficiadas pelo princípio em análise.
Diante do exposto, podemos concluir que o princípio da insignificância busca assegurar que as ofensas inexpressivas aos bens jurídicos não são capazes de justificarem a incidência do Direito Penal, tendo em vista que este só se ocupará das violações relevantes do ponto de vista jurídico.
O princípio da insignificância se sustenta na ideia de que o Direito Penal não deve se ocupar com condutas insignificantes, de mínima importância, que não chegam a causar maiores prejuízos sociais ou materiais, mas sim de condutas que sejam de fato danosas e provoquem desequilíbrio efetivo nas relações sociais.
Portanto sua finalidade é reduzir ainda mais o âmbito de incidência do Direito Penal, reiterando sua natureza fragmentária e subsidiária, de forma a instituir uma apropriada proporcionalidade entre o delito e a pena. Em síntese, deve funcionar como um apoio ou mesmo uma orientação aos operadores do direito, para que estes não se detenham simplesmente a lei positivada, de forma isolada, na intenção de incriminar condutas de pequena ou nenhuma importância econômica ou social.
2.1. Princípios do direito penal
Buscando delimitar o que de fato vem a ser o princípio da insignificância, devemos analisá-lo em conjunto com os demais princípios do Direito Penal, que juntos, formam sua base e seu fundamento.
Pelo Princípio da Intervenção Mínima, o Direito Penal, como amplamente afirmado neste trabalho, deve intervir apenas nas situações em que houver real necessidade de proteção à coletividade. O legislador deve, através de uma análise do momento em que vive a sociedade, e toda vez que entender que os demais ramos do Direito não são capazes de proteger de forma satisfatória o bem ameaçado, selecionar quais condutas irão merecer a atenção desse Direito. Neste sentido, percebe-se um princípio limitador do poder punitivo do Estado.
Assim, o princípio da intervenção mínima busca orientar o legislador na seleção dos bens mais importantes e necessários ao convívio em sociedade e, ainda, servir como um norte para que este retire da proteção do Direito Penal os bens que, no passado, eram considerados especialmente importantes e que atualmente, em razão da evolução da sociedade, podem ser perfeitamente protegidos pelos demais ramos do Direito.
Assim, o Direito Penal assume um aspecto subsidiário e a sua intercessão se justifica quando falharem as demais formas de resguardar o bem jurídico, previstas nos demais ramos do Direito.
Ao se falar de insignificância e intervenção mínima é impossível não remeter à ideia de lesividade, vez que se a lesão é mínima, necessário é aceitar que o bem jurídico tutelado pelo Direito Penal não foi atingido.
Nilo Batista afirma existirem quatro funções básicas deste princípio, conforme preleciona Rogério Greco(BATISTA apud GRECO, 2011).A primeira função do princípio da lesividade, proibir a incriminação de uma atitude interna, assegura que ninguém poderá ser punido por seus pensamentos ou sentimentos pessoais, se estes não forem externados e não produzirem lesão a bens de terceiros. Através da segunda função, proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor, nota-se que o Direito Penal não poderá punir as condutas que não sejam lesivas a bens de terceiros, sempre que estas condutas não excederem ao âmbito do próprio autor.
A terceira função do princípio em análise, proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais, busca impedir que o agente seja punido por quilo que ele é, e não pelo que fez. Finalmente, a quarta função, proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico, busca impedir a incidência de aplicação da lei penal àquelas condutas que, ainda que desviadas, aqui entendidas como as que causam desprezo à sociedade e são reprovadas sob o aspecto moral, não afetam qualquer bem jurídico de terceiros.
A fragmentariedade do Direito Penal é o resultado da adoção dos princípios da intervenção mínima, da lesividade e da adequação social, que buscaram conduzir o legislador no processo de criação dos tipos penais.
Na lição de Rogério Greco:
“O caráter fragmentário do Direito Penal significa, em síntese, que, uma vez escolhidos aqueles bens fundamentais, comprovada a lesividade e a inadequação das condutas que os ofendem, esses bens passarão a fazer parte de uma pequena parcela que é protegida pelo Direito Penal, originando-se, assim, a sua natureza fragmentária”. (GRECO, 2011, p.59)
O ordenamento jurídico se atém a uma grandeza de bens e interesses particulares e coletivos. Deste modo, o legislador, ao estipular um tipo penal, tem em vista tão somente o prejuízo relevante que a conduta tipificada como criminosa possa causar a sociedade e a ordem jurídica, não dispondo de meios para evitar que essa disposição legal atinja, também, condutas insignificantes, de modo desproporcional.
De acordo com o princípio da adequação social, o Direito Penal tipifica apenas as condutas consideradas relevantes socialmente, caso contrário, não seriam imputadas como delitos. Portanto, determinadas condutas, por serem consideradas “socialmente adequadas”, não podem ser consideradas criminosas e nem revestidas de tipicidade, por conseguinte, não serão merecedoras da atenção deste ramo do Direito. Existe, deste modo, uma seleção de comportamentos e valoração desses pelo Direito Penal. Assim, determinadas condutas, mesmo que expressas no dispositivo legal e passíveis de algum tipo de punição precisam ser relevantes, afinal não é incomum a discrepância entre as normas penais positivadas e o socialmente permitido ou tolerado.
Neste sentido dispõe Luiz Regis Prado:
“A teoria da adequação social, concebida por Hans Welzel, significa que, apesar de uma conduta se subsumir formalmente ao modelo geral, não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada”. (PRADO, 2010, p.153)
Deste modo, o princípio da adequação social visa garantir que os comportamentos, independentemente de previsão legal ou não, que não confrontarem o entendimento social de justiça, não podem ser considerados criminosos e tampouco serem passíveis de punição.
Entende-se, portanto, que tanto o princípio da insignificância quanto o da adequação social são motivos para a exclusão da tipicidade material. Entretanto estes princípios se diferem vez que o primeiro se refere a condutas irrelevantes que alcançam o bem jurídico tutelado, independentemente de reprováveis pela sociedade ou não, enquanto o segundo se refere às condutas socialmente aceitas e que por tal razão não podem ser incriminadas. Deste modo, além de buscarem afastar a tipicidade, ambos têm a função de auxiliar os magistrados em suas decisões.
2.2. Críticas ao princípio da insignificância
Por não ter previsão legal o princípio da insignificância não é plenamente aceito. Uma corrente mais radical de doutrinadores entende que, havendo previsão legal, todo e qualquer bem merece a atenção do Direito Penal, pois se assim não o fosse, haveria um estado de insegurança jurídica. Existem ainda críticas no sentido de que, por ser o princípio da insignificância obra doutrinária, não se pode ao certo estipular seu real conceito, ou seja, o princípio padeceria de uma imprecisão terminológica.
Os críticos do princípio da insignificância, baseando-se no artigo 98, inciso I da Constituição Federal, reforçam sua tese argumentando que os juizados especiais já seriam o suficiente e adequado a julgar as infrações de menor potencial ofensivo. Afirmam, ainda, que a aceitação do princípio significaria a ausência de resposta jurídica a situações que violam e lesionam direitos.
Contudo, razão não assiste a estes estudiosos.
Em primeiro lugar, pensamentos extremados como estes nos levariam a situações absurdas. Afinal o legislador ao criar um tipo penal não teve a intenção de abranger com este todas as situações, mas tão somente as de real relevância. Não se pode imaginar, por exemplo, ter tido o legislador a intenção de punir nas iras do artigo 155 do Código Penal, furto, o namorado que, ao passar em frente a uma floricultura delicadamente pega, em um vaso repleto de margaridas, uma destas e entrega à namorada. Em segundo, os juizados especiais criminais buscam regular o processo de ofensas menores, confirmando, portanto, a validade do princípio da insignificância em determinados casos concretos.
Ademais o simples fato de não haver um conceito formal não impede a aplicação do princípio em análise, pois este é baseado nos fundamentos do Direito Penal, pelo seu caráter subsidiário e fragmentário, atuando como um limite implícito da norma penal, evitando seus excessos. Além de ser reconhecido pelos Tribunais Superiores, conforme analisaremos a diante.
Segundo Rogério Greco, “o princípio da insignificância, defendido por Claus Roxin, tem por finalidade auxiliar o intérprete quando da análise do tipo penal, para fazer excluir do âmbito de incidência da lei aquelas situações consideradas como de bagatela” (GRECO, 2011, p.65).
Assim, o princípio da insignificância, apesar de não estar previsto explicitamente na legislação brasileira, vem sendo aceito pela doutrina e jurisprudência, uma vez que o Direito Penal só deve se ocupar com os bens mais relevantes, para que a lei penal não atue em excesso e perca sua real função.
3. Reincidência
Em sentido informal, comum, a expressão reincidir significa repetir um determinado ato, tornar a fazer a mesma coisa. Para o Direito Penal, reincidir significa executar um novo delito quando já se é condenado por delito anterior, sendo necessário o trânsito em julgado desta condenação precedente.
O Código Penal, em seu artigo 63, traz o conceito legal de reincidência, segundo o qual: “verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior” (BRASIL, 2012, p.516).
Para Fernando Capez a reincidência “é a situação de quem pratica um fato criminoso após ter sido condenado por crime anterior, em sentença transitada em julgado” (CAPEZ, 2012, p.507).
Luiz Regis Prado dispõe que:
“De conformidade com o ordenamento jurídico-penal brasileiro, a reincidência perfaz-se pela prática de novo crime pelo agente, depois de transitada em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior (art.63, CP). Não se exige o efetivo cumprimento da sanção penal imposta pelo delito precedente (reincidência ficta), bastando a condenação irrevogável. (…) A reincidência, enquanto circunstância agravante, influi na medida da culpabilidade, em razão da maior reprovabilidade pessoal da ação ou omissão típica e ilícita.” (PRADO, 2010, p.487)
Sua utilização está prevista no artigo 61, inciso I, do Código Penal brasileiro, onde se lê: “são circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I – a reincidência” (BRASIL, 2012, p.515).
Conforme visto, a reincidência está prevista no artigo 63 do mesmo diploma legal, onde. Conforme o artigo 64 do Código Penal, os efeitos da condenação não serão perpétuos, pois essa não prevalecerá se entre a data de cumprimento ou da extinção da pena e a nova infração, posterior, houver decorrido período de tempo superior a cinco anos. Ainda conforme o citado artigo para os efeitos da reincidência não se considera os crimes militares próprios e políticos.
4. A Aplicação do princípio da insignificância aos reincidentes
Por tratar o presente estudo sobre a visão atual de nossos Tribunais Superiores quanto ao âmbito de aplicação do princípio da insignificância aos reincidentes, e tendo como norte toda a matéria abordada até aqui, passemos a análise específica do problema.
4.1. Julgados dos Tribunais Superiores
Analisaremos neste ponto qual tem sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto à aplicação do princípio da insignificância aos reincidentes, em que bases se fundam estes entendimentos e se eles são ou não entendidos de maneira unanime pelos Ministros.
4.1.1. Aspectos essenciais
Em termos jurisprudenciais, o Supremo Tribunal Federal, depois de numerosos julgados, quando do julgamento do HC 84.412-SP, instituiu critérios para a aplicação do princípio da insignificância. Critérios estes vastamente aceitos pelos tribunais e pela doutrina. In verbis, teor do HC 84.412-SP do Supremo Tribunal Federal:
“E M E N T A: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL – DELITO DE FURTO – CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE – “RES FURTIVA” NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) – DOUTRINA – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF – PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. – O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: “DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR”. – O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.” (STF HC 84.412/SP, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 19/10/2004, DJ 19-11-2004 PP-00037 EMENT VOL-02173-02 PP-00229 RT v. 94, n. 834, 2005, p. 477-481 RTJ VOL-00192-03 PP-00963). Grifo nosso.
Dessa forma, tem-se aceito que são quatro os aspectos essenciais do fato a serem considerados em se tratando da aplicação do princípio da insignificância: 1) a mínima ofensividade da conduta; 2) a ausência de periculosidade social da ação; 3) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento do agente; e 4) a inexpressividade da lesão jurídica causada. Vejamos cada um deles:
4.1.1.1 Mínima ofensividade da conduta
Por mínima ofensividade da conduta pode se entender aquela que não atinge o bem jurídico tutelado pelo Direito Penal, estando, deste modo, intimamente relacionada ao princípio da lesividade, que proíbe a atuação desse ramo do Direito nas hipóteses em que o bem jurídico relevante de terceira pessoa não esteja realmente sendo atacado.
Por conseguinte, a conduta do agente deve ser capaz a provocar um dano ou um risco de dano relevante a um interesse.
4.1.1.2. Ausência de periculosidade social da ação
Assim, a ausência de periculosidade social da ação, como um dos aspectos essenciais do fato a serem considerados em se tratando da aplicação do princípio da insignificância, versa sobre a ponderação das consequências ocasionadas pela conduta e por sua eventual descriminalização na sociedade como um todo. Ou seja, a aplicação do princípio da insignificância em um caso real só ocorrerá quando não houver perigo social da ação.
4.1.1.3 Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente
O terceiro aspecto essencial a ser analisado em se tratando da aplicação do princípio da insignificância é o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento do agente, que pode ser relacionado ao princípio da adequação social, uma vez que, determinadas condutas, por serem consideradas “socialmente adequadas”, não podem ser consideradas criminosas e nem revestidas de tipicidade, por conseguinte, não serão merecedoras da atenção desse ramo do Direito.
Segundo o princípio da adequação social, os comportamentos que não confrontarem o entendimento social de justiça, não podem ser considerados criminosos e tampouco serem passíveis de punição.
Deste modo, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente consiste na avaliação do desvalor da ação diante da sociedade.
4.1.1.4 Inexpressividade da lesão jurídica causada
O quarto e último aspecto essencial, instituído pelo Supremo Tribunal Federal, a ser analisado em se tratando da aplicação do princípio da insignificância é a inexpressividade da lesão jurídica causada, que diz respeito ao ínfimo valor da coisa.
Assim, a lesão jurídica causada pela conduta do agente deve ser insignificante, ou seja, o Direito Penal não deve se ocupar com condutas que são inexpressivas, de mínima importância, que não chegam a causar maiores prejuízos sociais ou materiais, mas sim de condutas que sejam de fato danosas e provoquem desequilíbrio efetivo nas relações sociais.
4.1.1.5. Crítica aos aspectos essenciais
O doutrinador Paulo Queiroz critica a redundância dos critérios adotados pelo Supremo Tribunal Federal, afirmando que os requisitos repetem a mesma ideia por meio de terminologias diferentes.
Segundo o professor os requisitos são repetitivos, uma vez que, segundo ele, todos tendem para o grau da lesão jurídica:
“É de notar, por fim, que há diversos precedentes do Supremo Tribunal Federal condicionando a adoção do princípio aos seguintes requisitos: a) mínima ofensividade da conduta; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade; d) inexpressividade da lesão jurídica. Parece-nos, porém, que tais requisitos são tautológicos. Sim, porque, se mínima é a ofensa, então a ação não é socialmente perigosa; se a ofensa é mínima e ação não perigosa, em consequência, mínima ou nenhuma é a reprovação; e, pois, inexpressiva a lesão jurídica. Enfim, os supostos requisitos apenas repetem a mesma ideia por meio de palavras diferentes, argumentando em círculo”. (QUEIROZ, 2010, p.63)
4.1.2. Possibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos reincidentes
Não são raros os julgados que verificam a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos reincidentes. Vejamos alguns exemplos:
O julgamento do Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de G.S.D.S.M, contra acórdão formalizado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do HC n.215.912/RS, rel. Min. Laurita Vaz, é um dos exemplos. No presente caso, o paciente foi representado pela prática de ato infracional análogo ao crime de furto simples tentado. A representação ministerial foi julgada procedente e aplicada ao paciente a medida socioeducativa de internação. Inconformada a defesa interpôs recurso de apelação no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao qual foi negado provimento. Impetrando, então, habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça para reconhecimento da incidência do princípio da insignificância, em razão do valor da res furtiva, consistente em apenas R$80,00 (oitenta reais). Ressalte-se, por ser o ponto chave desta pesquisa que, no caso concreto em análise, o paciente é reincidente.
Em seu voto o Relator, Ministro Gilmar Mendes, destacou seu entendimento no sentido da possibilidade de aplicação do princípio da bagatela, ou insignificância, em casos a envolver reincidentes.
Relata o Ministro que “o princípio da bagatela, como postulado hermenêutico voltado à descriminalização de condutas formalmente típicas atua, exatamente, sobre a tipicidade” (STF – Habeas Corpus 112.400/RS. DJe 08/08/2012). Neste sentido, conforme entendimento do Ministro Gilmar Mendes, é necessário conjugar a tipicidade formal e a tipicidade material (item 3.4 deste trabalho) para que se possa falar em um caso típico, que mereça a atenção do Direito Penal, sendo que, no presente caso, não seria razoável que este ramo do Direito atribua relevância a hipótese de furto tentado de uma niqueleira contendo R$80,00 (oitenta reais). Vez que, diante do seu caráter subsidiário, o Direito Penal deve se ocupar tão somente com a proteção dos bens jurídicos mais relevantes.
Considerando os vetores que devem ser objetivamente analisados, para a incidência do princípio da insignificância, o Ministro afirma ter sido o prejuízo material insignificante e a conduta não ter causado relevante lesividade à ordem social, caracterizando atípica a conduta imputada.
Ao que se refere ao fato de ser o paciente reincidente o Ministro Gilmar Mendes esclarece:
“Ademais, malgrado os persuasivos fundamentos invocados pelo Superior Tribunal de Justiça ao denegar a ordem, tenho para mim que, ao invocar a condição de reincidente como obstáculo à aplicação do princípio da insignificância, afastou-se da melhor jurisprudência sufragada por esta Corte. É que, para a aplicação do princípio em comento, somente aspectos de ordem objetiva do fato devem ser analisados. E não poderia ser diferente. Levando-se em conta que o princípio da insignificância atua como verdadeira causa de exclusão da própria tipicidade, equivocado é afastar-lhe a incidência tão somente pelo fato de o paciente ser reincidente. Partindo-se do raciocínio de que crime é fato típico e antijurídico — ou, para outros, fato típico, antijurídico e culpável —, é certo que, uma vez excluído o fato típico, não há sequer que se falar em crime.
É por isso que reputo mais coerente a linha de entendimento segundo a qual, para a incidência do princípio da bagatela, devem ser analisadas as circunstâncias objetivas em que se deu a prática delituosa, o fato em si, e não os atributos inerentes ao agente, sob pena de, ao proceder-se à análise subjetiva, dar-se prioridade ao contestado e ultrapassado direito penal do autor em detrimento do direito penal do fato”. (STF – HABEAS CORPUS 112.400 RIO GRANDE DO SUL – SEGUNDA TURMA. RELATOR: MIN. GILMAR MENDES. PACTE.(S): G.S.D.S.M.. IMPTE.(S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. PROC.(A/S)(ES): DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL E OUTRO(A/S). COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DJe 08/08/2012). Grifo nosso.
Assim, segundo esse entendimento, devem ser irrelevantes as considerações de ordem subjetiva, sendo que para a aplicação do princípio em análise bastariam apenas os aspectos objetivos do fato.
Diante do exposto, o Ministro concedeu a ordem para cassar a decisão emanada do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Segue a ementa de decisão:
“Habeas corpus. 2. Ato infracional análogo ao crime de furto tentado. Bem de pequeno valor (R$ 80,00). Mínimo grau de lesividade da conduta. 3. Aplicação do princípio da insignificância. Possibilidade. Precedentes. 4. Reincidência. Irrelevância de considerações de ordem subjetiva. 5. Ordem concedida.” (STF – HABEAS CORPUS 112.400 RIO GRANDE DO SUL – SEGUNDA TURMA. RELATOR: MIN. GILMAR MENDES. PACTE.(S): G.S.D.S.M.. IMPTE.(S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. PROC.(A/S)(ES): DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL E OUTRO(A/S). COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DJe 08/08/2012). Grifo nosso.
Outro caso concreto, citado como exemplo, é o julgamento do Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de Edilson Bezerra da Silva, em adversidade ao acórdão proferido pelo egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que deu parcial provimento ao apelo defensivo, apenas para reduzir a pena imposta ao paciente em primeiro grau. No presente caso o paciente foi condenado, como incurso nas sanções do artigo 155, caput, c/c artigo 61, inciso I, ambos do Código Penal Brasileiro, à pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, no regime fechado, além de multa.
Em seu voto o Relator, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, também esclarece que o princípio da insignificância tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial, como causa supralegal de exclusão de tipicidade, de forma que a tutela penal seja aplicada somente quando ofendidos os bens mais relevantes e necessários à sociedade.
O Ministro também faz referência aos elementos que devem ser objetivamente analisados para a incidência do princípio da insignificância (item 6.1.1 deste trabalho) e afirma que, no caso em análise, mostra-se aplicável o postulado permissivo, visto que evidenciado o pequeno valor do bem subtraído – uma bolsa usada, avaliada em R$8,00 (oito reais).
Por fim o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho afirma estar consolidado que o fato de ser o paciente reincidente não impede o reconhecimento do delito como sendo insignificante, importando o fato em tela na atipicidade da conduta. Entretanto, apesar de haver absolvido o paciente com fulcro no artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal, o Ministro apresenta uma ressalva, afirmando que, a seu entendimento, a extensa ficha criminal do paciente se mostraria suficiente para impedir a aplicação do princípio. Vejamos:
“Todavia, o paciente possuir extensa ficha de antecedentes criminais, o que, a meu sentir, mostra-se suficiente para impedir a aplicação do princípio da insignificância, visto que revela uma personalidade corrompida pela prática criminosa, denotando, por conseguinte, evidente periculosidade para a sociedade em geral. No entanto, curvo-me ao entendimento já amplamente consolidado nesta Corte Superior.” (STJ HC 146.813/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA,STJ, julgado em 22/06/2010, DJe 09/08/2010).
Como outro exemplo podemos citar o Habeas Corpus impetrado em favor de Silvana Ramos da Silva contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou provimento ao apelo defensivo lá interposto. No presente caso o paciente foi condenado à pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto, e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, pala suposta prática do crime previsto no artigo 180, caput, do Código Penal, pois teria adquirido pela quantia de R$40,00 (quarenta reais), sabendo ser produto de crime, 5 (cinco) cadeiras, bens estes posteriormente avaliados em R$75,00 (setenta e cinco reais). Ressalte-se ser o paciente reincidente.
Em seu voto o Relator, Ministro OG Fernandes, esclarece que:
“A intervenção do Direito Penal apenas se justifica quando o bem jurídico tutelado tenha sido exposto a um dano com relevante lesividade. Não há, outrossim, a tipicidade material, mas apenas a formal, quando a conduta não possui relevância jurídica, afastando-se, por consequência, a intervenção da tutela penal, em face do postulado da intervenção mínima. É o chamado princípio da insignificância. Tal princípio tem sido acolhido como causa supralegal de exclusão de tipicidade. Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força desse postulado”. (STJ HC 142.586/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, STJ, julgado em 10/06/2010, DJe 01/07/2010).
Neste sentido o Ministro esclarece que se verifica a aplicação do princípio em análise quando presentes os elementos que devem ser analisados para sua incidência (item 6.1.1 deste trabalho). Sendo que no presente caso ele reconhece a mínima ofensividade do comportamento do paciente, afirmando ser de rigor o reconhecimento da atipicidade da conduta.
Ao que diz respeito à reincidência o Ministro esclarece:
“Destaca-se, ainda, que, segundo a jurisprudência consolidada nesta Corte e também no Supremo Tribunal, a existência de condições pessoais desfavoráveis, tais como maus antecedentes, reincidência ou ações penais em curso, não impedem a aplicação do princípio da insignificância.” (STJ HC 142.586/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, STJ, julgado em 10/06/2010, DJe 01/07/2010). Grifo nosso.
Diante do exposto, e tendo em vista que a reincidência não pode ser condição desfavorável a impedir a aplicação do princípio da insignificância, o Ministro OG Fernandes absolve o paciente.
Por todas as jurisprudências analisadas neste ponto, podemos concluir que, nos casos específicos apresentados, o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto à possibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos reincidentes, se baseiam no fato de que a existência de circunstâncias pessoais desfavoráveis ao agente, bem como o fato de ser ele reincidente, por si só, não impedem a incidência do princípio em análise, o qual deve pautar-se em critérios objetivos.
Para estes juristas, não havendo tipicidade, as circunstâncias pessoais do autor do ato não possuem o condão de transformar esse fato em ilícito. Assim, uma lesão insignificante à tutela do Direito Penal, ainda que de autoria de um reincidente, não pode ser considerada típica, por não haver lesão relevante.
4.1.4. Impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos reincidentes
Por outro lado, vários são os julgados que verificam a impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos reincidentes. Vejamos alguns exemplos:
No julgamento do Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado em beneficio de Charles Pasquali Abreu contra acórdão prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça, no qual o paciente foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 155, caput, c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal (tentativa de furto), por ter supostamente tentado subtrair para si uma bolsa, documentos, cartões de crédito, um celular, uma nota fiscal e a quantia de R$50,00 (cinquenta reais), sendo o paciente reincidente, foi negado o reconhecimento do princípio da insignificância.
Em seu voto o Relator, Ministro Luiz Fux, afirma que o princípio da insignificância só incidirá quando presentes, cumulativamente, as condições objetivas abordadas no item 6.1.1 deste trabalho. Esclarece, ainda, que:
“A aplicação do princípio da insignificância deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais. Em que pese haver entendimento de que somente devem ser considerados critérios objetivos para o reconhecimento dessa causa supralegal de extinção da tipicidade, a prudência recomenda que se leve em conta a obstinação do agente na prática delituosa, a fim de evitar que a impunidade o estimule a continuar trilhando a senda criminosa.” (STF – HABEAS CORPUS 108.403 RIO GRANDE DO SUL. PRIMEIRA TURMA. RELATOR: MIN. LUIZ FUX. PACTE.(S): CHARLES PASQUALI ABREU. IMPTE.(S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. DJe: 05/02/2013).
Afirma o Ministro, em seu voto, que não se deve analisar tão somente o valor da res furtiva, mas também as circunstâncias do fato, para que se possa decidir sobre seu enquadramento ou não na hipótese de crime insignificante, bem como o reflexo da conduta no âmbito da sociedade. Razão pela qual, tendo em vista ser o paciente reincidente, o Ministro assegura ser inaplicável o princípio da insignificância e mantém a decisão do Superior Tribunal de Justiça.
Em outro julgamento do Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus impetrado em favor de Fábio Martins contra acórdão proferido pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, o Relator, Ministro Joaquim Barbosa, também se posiciona pela impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos reincidentes. Neste caso o paciente foi condenado à pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, em regime semiaberto, pela tentativa de furto de um aparelho receptor de antena parabólica, avaliado à época dos fatos em R$100,00 (cem reais).
Em seu voto o Ministro afirma estarem ausentes os requisitos autorizadores da incidência do princípio da insignificância. Afirmando que:
“Como se sabe, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o reconhecimento do princípio da insignificância exige a satisfação de quatro vetores, que são: a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada” (HC nº 84.412, rel. Min. Celso de Mello, Dj nº 222, de 19.11.2004). (STF – HABEAS CORPUS 108.282 MINAS GERAIS. SEGUNDA TURMA. RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA. PACTE.(S): FÁBIO MARTINS. IMPTE.(S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. DJe 09/03/2012).
Neste sentido afirma o relator, Ministro Joaquim Barbosa, que no presente caso, mesmo se considerando o valor da coisa insignificante, não estariam preenchidos todos os requisitos para a aplicação do princípio em análise, uma vez que existe a reprovabilidade do comportamento e a periculosidade da ação, tendo em vista ter sido o furto qualificado pelo concurso de agentes e ser o paciente reincidente e criminoso habitual. Diante disso, o Ministro assegura ser inviável a aplicação do princípio da insignificância.
Outro caso concreto é o julgamento do Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de Leimar Baretta, em face do acórdão proferido, em sede de apelação, pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. No presente caso o paciente foi denunciado como incurso no artigo 180 do Código Penal, por receptar uma bateria automotiva avaliada em R$80,00 (oitenta reais).
Em seu voto a Relatora, Ministra Laurita Vaz, afirma que a aplicabilidade do princípio da insignificância deve observar as particularidades do caso concreto, de forma que se possa avaliar o potencial grau de reprovabilidade da conduta e identificar, ou não, a necessidade da atuação da tutela penal. Neste sentido, afirma a Ministra que:
“De fato, a aplicabilidade do princípio da insignificância é cabível quando se evidencia que o bem jurídico tutelado (no caso, o patrimônio) sofreu mínima lesão e a conduta do agente expressa pequena reprovabilidade e irrelevante periculosidade social.
Na hipótese dos autos, porém, não há como se afirmar o desinteresse estatal à repressão da conduta praticada pelo ora Paciente. (…)
Assim, a despeito do reduzido valor da res furtiva, não ocorre o desinteresse estatal à repressão do delito praticado, pois, conforme ressaltou o acórdão que deu provimento ao apelo ministerial, para determinar o recebimento da denúncia, demonstrado o desvalor da conduta e o fato criminoso não é algo isolado na vida do Paciente, como se verifica da folha de antecedentes criminais acostada às fls. 171/172.” (STJ – HC 205867 / RS – QUINTA TURMA – Relator(a): Ministra LAURITA VAZ. IMPETRANTE: ADRIANA HERVÉ CHAVES BARCELLOS – DEFENSORA PÚBLICA. IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. PACIENTE: LEIMAR BARETTA DJe: 04/12/2012)
Ante o exposto a Ministra afirma que o princípio em análise não possui o condão de proteger e regularizar constantes condutas desvirtuadas, mas sim de impedir que desvios de condutas ínfimas e isoladas sejam sancionadas pelo Direito Penal. Assim, diante da efetiva reincidência do paciente a Ministra Laurita Vaz denega a ordem de habeas corpus.
Diante de todas as jurisprudências analisadas neste ponto, podemos concluir que, nos casos específicos apresentados, o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto à impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos reincidentes, se baseiam no fato de que a verificação da tipicidade penal não deve, e nem pode, ser entendida como um exercício abstrato de adequação do fato concreto à norma jurídica. Segundo este entendimento, para haver ou não a configuração da tipicidade é necessário uma análise valorativa das circunstâncias do caso concreto, buscando verificar se, de fato, a conduta foi socialmente irrelevante.
Ainda conforme entendimento desses juristas a lei não seria útil se fosse admitida a reiteração de delitos que, se analisados individualmente, não superariam determinado valor tido como insignificante, mas em conjunto seriam excessivos e ofensivos à coletividade. Afirmam também que a possibilidade de incidência do princípio da insignificância aos reincidentes caracterizaria um verdadeiro incentivo ao descumprimento da norma legal, de forma que a criminalidade “insignificante” se tornaria um meio de vida.
4.1.5. Divergência de entendimento entre os Tribunais
Os julgamentos dos Tribunais Superiores estão, em sua grande maioria, condicionados a acolher a necessidade da utilidade de determinados elementos que devem ser considerados para que se possa admitir ou não a possibilidade de se aplicar o princípio da insignificância. Elementos estes que foram instituídos pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do HC 84.412-SP, sendo: a mínima ofensividade da conduta; a ausência de periculosidade social da ação; o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento do agente; e a inexpressividade da lesão jurídica causada (ver item 6.1.1).
Contudo, a grande divergência de entendimento entre os próprios Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme exposto nos itens anteriores, está relacionada à possibilidade ou não de se considerar critérios subjetivos daqueles infratores sentenciados que cometeram novo delito.
Parte da jurisprudência entende que para a aplicação do princípio da insignificância só devem ser analisados os critérios objetivos, instituídos pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do HC 84.412-SP (item 6.1.1). Portanto, segundo este entendimento, os critérios subjetivos, tais como reincidência, personalidade, culpabilidade, dentre outros, não devem ser levados em consideração.
Deste modo, a reincidência não poderia ser obstáculo à aplicação do princípio em análise, uma vez que somente aspectos de ordem objetiva do fato devem ser considerados. Ou seja, a insignificância exclui a própria tipicidade do fato, e não havendo tipicidade não há que se falar em fato típico e consequentemente em crime, não existindo, assim, razões para impedir a aplicação do princípio somente pelo fato de ser o paciente reincidente.
Apesar de haver entendimentos de que somente devem ser considerados critérios de ordem objetiva para o reconhecimento desse princípio, outra corrente entende ser necessária sim a consideração de critérios subjetivos.
Para essa parte da jurisprudência os critérios subjetivos podem indicar a afeição do paciente à prática delituosa, e a impunidade, proporcionada pelo benefício da aplicabilidade do princípio, servirá somente para estimulá-lo a seguir um caminho criminoso. Assim, a aplicação do princípio contribuiria para aumentar a sensação de insegurança jurídica vivido pela sociedade.
Portanto, segundo este entendimento, os critérios elencados pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por si só, não podem ser suficientes para caracterizar ou não a aplicabilidade do princípio da insignificância, devendo o magistrado analisar também os critérios subjetivos e as circunstâncias do caso concreto. Afinal o criminoso reincidente, ainda que cometa crime insignificante, não pode ser julgado pelo Direito Penal como se tivesse tido um comportamento irrelevante, pois crimes ajuizados insignificantes, quando avaliados isoladamente, mas relevantes, quando em conjunto, não merecem referido benefício de exclusão de tipicidade.
Neste sentido exemplifica a Ministra Cármem Lúcia:
“Imagine-se a pessoa que, mesmo já tendo sido condenada em definitivo por crime anterior, todos os dias, furta de bancas de jornal, situadas em locais diversos, um cartão telefônico no valor de R$ 15,00, de maneira que os delitos subsequentes não fossem considerados como continuação do primeiro. Um único crime, quando analisado sozinho, poderia configurar a bagatela, porém, no final do mês, essa pessoa teria furtado aproximadamente R$ 450,00, quantia próxima à do salário mínimo vigente e com a qual muitos trabalhadores honestos sobrevivem.” (STF – HABEAS CORPUS 111.618 MINAS GERAIS. PRIMEIRA TURMA. RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA. DJe 15/06/2012)
Desta forma, para essa parte da jurisprudência o princípio da insignificância não possui a finalidade de proteger reiteradas condutas ilícitas, mas tão somente de impedir que condutas ínfimas e isoladas sejam apreciadas pelo Direito Penal.
A doutrina também diverge sobre o tema. Luiz Regis Prado preceitua que:
“A restrição típica decorrente da aplicação do princípio da insignificância não deve operar com total falta de critérios, ou derivar de interpretação meramente subjetiva do julgador, mas ao contrário há de ser resultado de uma análise acurada do caso em exame, com o emprego de um ou mais vetores – vg., valoração socioeconômica média existente em determinada sociedade, culpabilidade, personalidade, conduta social, antecedentes – tidos como necessários à determinação do conteúdo da insignificância. Isso do modo mais coerente e equitativo possível, com o intuito de afastar eventual lesão ao princípio da segurança jurídica”. (PRADO, 2010, p.158)
Logo, para o doutrinador, devem ser considerados aspectos subjetivos à aplicação do princípio da insignificância.
Os doutrinadores Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini também discorrem a respeito do tema. Vejamos:
“Acentua-se que na aplicação do princípio da insignificância devem ser considerados somente os aspectos objetivos do fato, excluindo-se outros de caráter subjetivo (antecedentes, personalidade, motivação etc.), os quais estariam vinculados à culpabilidade. Ou o fato praticado pelo agente, objetivamente e em si mesmo considerado, é contrário ao Ordenamento Penal ou não é. Parte da jurisprudência, porém, inclina-se para a consideração também de critérios subjetivos. A controvérsia tem se evidenciado, sobretudo, nos casos de maus antecedentes, reincidência, habitualidade ou prática reiterada de delitos que individualmente seriam considerados de bagatela, mas que em seu conjunto apontam para um maior grau de reprovabilidade ou de periculosidade social. Consistindo a culpabilidade na reprovabilidade da conduta típica e antijurídica, é certo que não se devem invocar critérios de medida de culpabilidade atinentes à pessoa do agente para afastar a insignificância onde esta deve ser reconhecida. A insignificância há de ser aferida de forma objetiva, porque a antijuridicidade é uma medida objetiva, diante do caráter de validade geral da norma e porque a verificação da contrariedade ou não de um fato ao Ordenamento independe de quem o praticou”. (MIRABETE; FABBRINI, 2012, p.103)
Neste sentido, para os doutrinadores, à aplicação do princípio da insignificância devem ser analisados somente os aspectos objetivos, afinal a contrariedade ou não de um fato ao ordenamento penal não está condicionada a quem o praticou, ou o fato é contrário por si só, ou não.
Neste viés, segundo entendimento de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2012, p.103), deve haver prudência na aplicação do princípio da insignificância, a fim de impedir a impunidade de comportamentos que, embora gerem danos insignificantes, sejam altamente reprováveis ou revelem alguma periculosidade social. Assim como para se evitar o incentivo, pela previsão da possibilidade de afastamento da sanção penal, a habitualidade ou mesmo a propagação de ataques aos bens tutelados pelo ordenamento jurídico.
5. Conclusão
Por todo o exposto no presente trabalho, verifica-se que o princípio da insignificância nasce como um dos modos de limitação do poder de punir do Estado, afastando a tipicidade material das condutas que não lesionem de forma significativa os bens jurídicos de maior relevância para o convívio social.
Os legisladores não possuem meios de antever e nem mesmo de abarcar as novas situações que a todo o momento surgem do convívio entre os membros da sociedade. Nesse sentido, o princípio da insignificância tem a função de garantir uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a necessidade de intervenção do Estado, de forma a afastar, quando necessário, a incidência do Direito Penal, que deve ser a ultima ratio. Neste ponto a jurisprudência assume papel fundamental, vez que, são os magistrados, quando da análise de cada caso concreto, que irão decidir pela aplicação ou não do princípio em estudo.
Ao que diz respeito aos critérios para aplicação do princípio da insignificância, instituídos pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do HC 84.412-SP, nota-se que existe certa pacificação desse entendimento, servindo o julgamento, inclusive, como norte para os demais órgãos julgadores. Deste modo, em regra, os Ministros averiguam em cada caso concreto a existência dos quatro requisitos necessários ao reconhecimento do princípio, sendo eles: a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento do agente e a inexpressividade da lesão jurídica causada. Portanto, mais do que aferir o valor econômico do bem lesado, os julgados observam e ponderam as situações em que se deu a conduta.
Contudo, mesmo diante da atenção aos requisitos essenciais à aplicação do princípio em tela, verifica-se que os julgamentos nem sempre seguem a mesma linha quando se trata da aplicação desse princípio aos reincidentes, conforme demonstram as ementas colacionadas a título exemplificativo neste trabalho. Alguns Ministros entendem que para a aplicação do princípio da insignificância só devem ser analisados os critérios objetivos, instituídos pelo Supremo Tribunal Federal, de forma que os critérios subjetivos, tais como reincidência, personalidade, culpabilidade, dentre outros, não devem ser levados em consideração. Já para outros Ministros os critérios elencados pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por si só, não podem ser suficientes para caracterizar ou não a aplicabilidade do princípio da insignificância, devendo o magistrado analisar também os critérios subjetivos e as circunstâncias do caso concreto, inclusive o fato de ser o agente reincidente ou não.
Assim, nos voltando para o tema central do trabalho, o problema versa sobre a possibilidade, ou não, de se conceder a aplicação do princípio da insignificância aos reincidentes, ou seja, à possibilidade ou não de se considerar os aspectos subjetivos daqueles infratores sentenciados que cometeram novo delito.
Neste momento oportuno é relembrar, por já ter sido alvo de estudos desta pesquisa, e antes de uma discussão final, a realidade da justiça criminal no Brasil. Como afirmado, a pena, que além de punir deveria servir como meio de prevenir a prática de novos delitos e promover a reinserção social do condenado, não atende às suas funções. O condenado, que após cumprir a pena imposta, deveria se sentir novamente útil, bem como à sua família e à sociedade em que vive, de forma que conseguisse aderir a uma nova forma de vida e não mais se convertesse às práticas ilícitas, acaba, em razão do ambiente carcerário, agravando suas carências. Afinal, as penitenciárias no Brasil se encontram em preocupante estado, por faltarem as mínimas condições para tratar da recuperação destes indivíduos apenados.
Diante disso, imperioso é aceitar a importância do princípio da insignificância no processo de revalorização do Direito Penal, que cada vez mais tende a abandonar um sistema meramente legalista, evitando punições que ao invés de ajudar a suprir as falhas dos condenados acabam por prejudicar ainda mais a formação desses.
Os crimes de bagatela, ou insignificantes, são delitos que provocam ínfima lesão ao bem jurídico tutelado, não merecendo, portanto, serem punidos pelo ramo mais rígido do Direito. Pois, uma punição àquele que cometeu um ilícito insignificante à vida em sociedade, mesmo que já tenha sido condenado por outro delito, pode acabar por prejudicar ainda mais a índole desse condenado.
Ao se analisar a possibilidade da aplicação do princípio da insignificância devem ser apreciados apenas os aspectos objetivos do fato, afinal, o princípio atua exatamente sobre a tipicidade, requisito para a caracterização de crime. Condutas formalmente típicas podem não ter relevância material, de modo que, havendo tipicidade formal, mas não material, o caso será atípico. Ademais, como inúmeras vezes afirmado, o Direito Penal deve se ater tão somente às condutas mais relevantes. Portanto deve ser analisada a conduta em si e não as características próprias ao agente, ou o fato em si é contrário ao ordenamento penal ou não é.
Entretanto não se deve deixar de lado a real função do princípio em estudo, que busca limitar a tipificação penal e não proteger ou regular reiteradas condutas ilícitas. Assim, a aplicação do princípio exige elevada dose de prudência, de forma a se evitar a impunidade de comportamentos que, embora a princípio insignificantes, sejam reprováveis ou revelem alguma periculosidade social. Deve-se evitar, ainda, pela antevisão do possível afastamento da tutela penal, que condutas insignificantes se tornem habituais ou mesmo um meio de vida.
Portanto, a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância deve ser ponderada em cada caso concreto, afinal não será o fato, simplesmente, de ser o acusado reincidente capaz de impedi-lo de receber a exclusão da tipicidade, mas sim toda a análise das circunstâncias que o levaram a cometer o ilícito, de acordo com as especialidades do caso, cabendo ao magistrado uma atividade interpretativa.
Diante do exposto, vislumbra-se que o exame das peculiaridades de cada caso real se mostra de essencial importância para a aplicação do princípio da insignificância.
Referências
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BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. I v.
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Informações Sobre os Autores
Cíntia Prímola de Melo
Advogada formada pela Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira
Geórgia Lage Pereira Carmona
Professora de Direito Penal na Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira-Funcesi. Especialista em Ciências Criminais pela Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais. Mestranda em direito público da Universidade Fumec. Advogada
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