Aborto eugênico e o direito fundamental à vida

Resumo: O instituto sobre aborto eugênico remete à seleção humana, discutido e em constante polêmica, e tem como objetivo a formulação de soluções passíveis para a proteção do feto, o qual venha a desenvolver doenças psíquicas ou físicas. Por intermédio de um estudo feito sobre esta polêmica, apresentam posicionamentos, decisões para esse caso específico na maternidade e a interpretação que melhor atende ao direito, à justiça e ao princípio constitucional fundamental da dignidade da pessoa humana e o direito à vida, tendo em vista o feto e sua concepção, não remetendo à perfeição humana. Portanto, considerando que o presente trabalho envolve um tema polêmico, contendo considerações de Direito Constitucional, Direito Civil e Direito Penal, entende-se que o aspecto legal do aborto eugênico somente poderá ser feito a livre arbítrio quando não interferir no direito de outrem, interpretação essa que melhor atende ao direito, à justiça e aos princípios constitucionais fundamentais da vida, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana[1].

Palavras-chaves: Aborto eugênico. Seleção humana. Direito à vida.

Abstratc: The Institute of eugenic abortion refers to human selection, discussed and constantly controversy, and aims at formulating solutions likely to protect the fetus, which will develop mental or physical illness. Through a study of this controversy, present positions, decisions for this particular case in the maternity and the interpretation that best meets the right, justice and the fundamental constitutional principle of human dignity and the right to life, with a view the fetus and its design, not referring to human perfection. Therefore, considering that this work involves a controversial topic, containing considerations of constitutional law, civil law and criminal law, it is understood that the legal aspect of eugenic abortion can only be done when the free will not interfere with the rights of others, interpretation the one that best meets the right, justice and fundamental constitutional principles of life, proportionality and human dignity.

Keywords: Eugenic abortion. Human selection. Right to life.

Sumário: Introdução. 1 Considerações gerais sobre o nascituro e suas teorias. 2 Conceito de aborto e aborto eugênico. 2.1 Precedentes históricos sobre o aborto eugênico. 2.2 Precedente sobre aborto eugênico. 3 Princípio da dignidade da pessoa humana e direito á vida. 3.1. Posicionamentos sobre a seleção humana delito qualificado pelo preconceito: Princípio da proporcionalidade e a proteção do nascituro. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

O aborto eugênico é um assunto discutido no ordenamento jurídico, o qual condiz com uma interrupção da gravidez feita nos casos em que há suspeita de que a criança possa vir a nascer com defeitos físicos, mentais ou anomalias, implicando em uma técnica artificial de seleção do ser humano.

Os artigos 124 ao 128 do Código Penal (CP) incriminam o aborto provocado, com exceções em casos de quando não houver outro meio de salvar a vida da mãe ou quando a gravidez se resultar de um estupro e também anencefalia, tema já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal.

A notícia a seguir trata da regulamentação da interrupção voluntária da gestação no ciclo de 12 semanas feitas pelo Sistema Único de Saúde, a notícia traz um debate sobre o porque de não levar a gravidez adiante se o feto é saudável, pois a maternidade é uma questão de escolha, haja vista, que ao realizar o coito sem nenhum meio de prevenção, poderá acontecer a gestação. O aborto, sendo ilegal ou legal pode trazer a óbito uma mulher e ainda não salvar o feto, e ainda assim muitas mulheres vão abortar clandestinamente, independente de ser ilegal, igualmente ao homicídio que sendo crime ou não, os delinquentes continuam cometendo.

“A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) vai programar uma série de audiências públicas para debater proposta de regulamentação da interrupção voluntária da gravidez, dentro das 12 primeiras semanas de gestação, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Na reunião desta quarta-feira (25), foram aprovados dois requerimentos extrapauta com essa finalidade. O tema entrou em exame na comissão em razão de sugestão popular (SUG 15/2014) encaminhada ao Senado por meio do Portal e-Cidadania, com 20 mil apoios. A proposta depende de aprovação no colegiado para ser convertida em projeto de lei, de iniciativa da própria CDH, assim começando a tramitar. (MALTA, 2015).”

No que tange ao aborto, existem duas hipóteses de aborto legal previstas no art. 128, I e II do Código penal.

A primeira diz respeito ao aborto quando a mãe/ gestante corre risco de vida, e prioriza a vida dela, e na segunda, no caso em que o feto decorreu de um estupro e para a gestante aquilo tem um relevante valor sentimental.

A interrupção da gravidez, ou seja o aborto, é permitida em casos de anencefalia em alguns países. O Brasil autorizou em 2012 a realização do aborto para fetos com má formação no cérebro; de acordo com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, para este específiico caso não se caracteriza o aborto, já que é comprovado que o feto irá nascer e vir a óbito em tempo que também poderá durar até em seu 1° ano de idade, como vir e de imediato falecer. Neste caso os tribunais defenderam que poderá ser realizada a interrupção da gravidez ficando a critério da mãe o aborto para fetos anencéfalos.

No caso do aborto eugênico, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) autorizou, a pedido da gestante e seu marido, a ação solicitando a interrupção da gravidez, mediante orientações médicas, pois foi comprovado por meio de tomografias que o feto iria nascer e vir a óbito devido ao problema chamado displasia tanatofórica, que é uma rara doença óssea que encurta as costelas e membros e entorta os ossos longos do feto, no entanto, a caixa torácica não se desenvolve o suficiente para abrigar os pulmões e então o bebê morre por falta de ar, ou seja, por asfixia.

O aborto eugênico pode se tornar um ato legal, devido as suas consequências após o parto? Onde ficaria o Direito à Vida e a proteção do nascituro em provocar a morte de uma criança? A interrupção da gravidez eugênica não deve ocorrer ou ficar a critério da mãe, haja vista que o sofrimento e o abalo psíquico da mãe só poderão ser minimizados pelo amor e apoio da família e por acompanhamento psicológico, fazendo-a compreender que carrega em seu ventre não um ser morto, mas um ser vivo que se desenvolve nos demais aspectos físicos, ainda que com limitações.

A 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais autorizou a interrupção de gravidez de uma professora de Betim com interpretação que a Justiça pode ter sobre tais casos. Como precisa de sua aprovação, o Estado não tem uma interpretação definida sobre o tema, fazendo com que a decisão fique para cada Juiz. No entanto, a prática foi aceita pelo TJMG, mas em caso específico com orientação médica provada, em que o nascituro viesse a óbito.

Mesmo assim, o aborto eugênico, como uma lei, será uma seleção humana remetendo ao período nazista, o qual gerava discriminação contra outras etnias, preconceitos racistas, sexistas, étnicos. Além disso, a margem de erro na medicina existe nesse caso, se considerarmos os levantamentos mundiais e o da clínica obstétrica da Universidade de São Paulo: a porcentagem de malformações na população em geral é de 4% a 4,5%. Quando me refiro a malformações, incluo desde problemas graves, como malformação cardíaca ou cerebral. (BURLACCHINI, 2014).

Este trabalho tem como objetivo geral esclarecer as linhas do instituto aborto eugênico, elucidando a afastabilidade da perfeição humana, o direito à vida, conflitos com crenças religiosas e o princípio da dignidade da pessoa humana. E especificamente demonstrar a importância da proteção do nascituro no aborto eugênico após comprovado que o nascituro virá com anomalias, pois o direito à vida é inalienável e irrenunciável.

 A legalização indiscriminada do aborto eugênico afetará o feto em sua proteção e por estes problemas ele não pode ser privado da vida que possui, até porque não se sabe se sua vida será longa ou curta, ou que homem ele poderá vir a ser, ou seja, um gênio ou igual a qualquer um de nós, cheio de defeitos, mas buscando a evolução. E afinal de contas o que é viver senão um amontoado de erros e acertos.

Algumas mulheres já sofreram com esse tipo de problema materno, esta pesquisa mostra o quanto é angustiante uma mãe passar por esse tipo de “impacto”, que até mesmo pode mudar a sua vida. De forma que o TJMG tentando amenizar o sofrimento da mesma e auxilia-la a enfrentar esse tipo de problema, proferiu decisão buscando ponderar as controvérsias existentes. No entanto, a anomalia diagnosticada não o impede de ter suas funções vitais preservadas, tanto que vem se desenvolvendo durante o período gestacional e também não é caso de morte cerebral, já que possui o tronco cerebral que é responsável pelos batimentos cardíacos, pela respiração, pelos movimentos dos olhos e demais funções.

O presente trabalho trata-se de uma pesquisa bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial. O método adotado de raciocínio é o dedutivo e a forma de abordagem do problema será pesquisa qualitativa.

1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O NASCITURO E SUAS TEORIAS

O Código Civil brasileiro estabelece que, numa leitura da lei o nascituro tem seus direitos assegurados desde sua concepção, porém vai adquirir personalidade civil apenas no momento em que nascer, após o parto.

Reza o artigo 2° do Código Civil: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” Então, o nascituro é sujeito de direito, considerado um ser humano desde a concepção, tanto aquele que teve sua célula fecundada no útero, quanto aquele gerado e conservado em vidro, e em seguida colocado no ventre .

O ordenamento nos traz três teorias que explicam a situação da personalidade jurídica do nascituro:

“A Teoria Natalista nos traz que a personalidade jurídica começa com o nascimento com vida, o que traz a conclusão de que o nascituro não é pessoa, portanto, tem apenas expectativa de direitos. Nega seus direitos fundamentais, tais como, o direito à vida, à investigação de paternidade, aos alimentos, ao nome e até à imagem. A Teoria da Personalidade Condicional que afirma que a personalidade jurídica começa com o nascimento com vida, mas os direitos do nascituro estão sujeitos a uma condição suspensiva, portanto, sujeitos à condição, termo ou encargo, e também a Teoria concepcionalista que vai sustentar que o nascituro é pessoa humana desde a concepção, tendo direitos resguardados pela lei. (GOMES, 2014).”

 A doutrina atual, com relação aos direitos da personalidade, adota a teoria concepcionista, então não há que se falar em aborto, mesmo que comprovado que o nascituro irá nascer com anormalia, não ficando a critério da mãe escolher a interrupção ou não da gravidez, sendo assim norma incriminadora para este específico caso pois terá vida juridicamente falando.

2 CONCEITO DE ABORTO E ABORTO EUGÊNICO

O doutrinador Capez (2003, p. 107) nos trouxe o conceito de aborto e aborto eugênico ou piedoso para melhor expressar o tema que será apresentado:

“O aborto seria a interrupção da gravidez, com a consequente destruição do produto. Consiste na eliminação da vida intrauterina. Não faz parte do conceito de aborto a posterior expulsão do feto, pois pode ocorrer que o embrião seja dissolvido e depois reabsorvido pelo organismo materno em virtude de um processo de autólise; ou então pode suceder que ele sofra processo de mumificação ou maceração, de modo que continue no útero materno.”

A questão gera debates e críticas por parte de grupos religiosos, que defendem a constância da gestação até o término, mesmo se for resultado de estupro. Para a igreja católica, a vida começa a partir do momento em que o óvulo se funde com o espermatozóide, não devendo ser então interrompida.

Médicos não concordam com os preceitos destas crenças, em geral orientam suas pacientes, destacando os riscos à saúde da mulher; e feministas defendem o direito de escolha da gestante.

Os religiosos fundamentam-se nas sagradas escrituras. A Bíblia sagrada traz uma passagem da palavra de Deus, referente ao nascituro, feita pelo rei Davi, expondo a vida desde a concepção:

“Pois tu formaste o meu interior, tu me teceste no ventre de minha mãe. Graças eu te dou, porque de um modo assombroso, e tão maravilhoso fui feito, maravilhosas são as tuas obras, e a minha alma o sabe muito bem. Os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado, e entretecido nas profundezas da terra. Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe; e no teu livro foram escritos todos os meus dias, quando nem ainda um deles havia. (SALMOS, 139, 12-16).”

Nesta passagem, está clara a teoria da concepção, naquele tempo a questão do aborto era tratada como um homicídio e ainda consta até hoje nas sagradas escrituras em Êxodo 21:22-25:

 “Se alguns homens pelejarem, e ferirem uma mulher grávida, e forem causa de que aborte, porém se não houver morte, certamente aquele que feriu será multado conforme o que lhe impuser o marido da mulher e pagará diante dos juízes. Mas, se houver morte, então, darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.”

A citação acima deixa claro que Deus considera um ser humano o feto e dá a mesma pena a quem comete um homicídio.

A atual posição do Papa a respeito do tema relata que o aborto não deixa de ser uma forma de eliminar pessoas, porém nos mostra também que quer encontrar a proporcionalidade tendo misericórdia das pessoas, proclamando o amor ao invés de dar prioridade ao dever moral e religioso:

“Temos de encontrar um novo equilíbrio, senão o edifício moral da Igreja pode cair como um palácio de cartas, disse Francisco. Os ministros da Igreja devem ter como primeira missão levar uma palavra de “misericórdia”, a mensagem de salvação de Jesus Cristo, sublinhou. “Proclamar o amor redentor de Deus é um dever prioritário, antes do dever moral e religioso. Mas hoje parece que muitas vezes acontece o contrário, afirmou. “Deus está presente na vida de todas as pessoas, mesmo se essa vida tiver sido destruída por maus hábitos, por drogas ou seja o que for. (BARATA, 2013).”

Traz a doutrina de Capez (2003, p. 123) que “aborto eugenésico é aquele realizado para impedir que a criança nasça com deformidade ou enfermidade incurável. Não é permitido em nossa legislação e por isso, configura crime.”

 As práticas eugênicas podem englobar uma série de valores, como os valores racistas, sexistas, étnicos. Apoiar o aborto eugênico nos desenvolve uma volta ao período nazista:

“O aborto eugênico cria e implanta sua política autoritária de seleção das humanos superiores e eliminação das inferiores. Sendo assim, segue o raciocínio em que os indesejáveis se enquadra na prática do nazismo. O raciocínio é simples: é preciso matar, ainda no ventre da mãe, os indesejáveis, isto é, todas as pessoas que não se enquadram no modelo de indivíduo ideal criado pela sociedade atual. Esta eliminação torna-se eficiente porque é financeiramente barata e bastante lucrativa, não atrapalha a vida dos desejáveis, ou seja, das pessoas que se enquadram no modelo de indivíduo ideal, é tecnicamente rápida e eficiente. (SANTOS, 2012).”

Voltar ao período nazista é negar a dignidade humana e valores inerentes ao direito de viver. A medicina deve prevenir os defeitos ou doenças das pessoas, pois morrer não é o mesmo que ser morto. A teoria concepcionista gera efeitos patrimoniais, como o direito aos alimentos decorrentes da personificação do nascituro. E então, o relator do recurso especial número 1.415727 do Supremo Tribunal de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão (2014), entendeu que apesar de não possuir personalidade civil, o feto deve ser considerado pessoa e, como tal, detentor de direitos. Salomão citou diversos dispositivos legais que protegem os nascituros, como a legitimidade para receber herança, o direito da gestante ao pré-natal, garantia do direito à saúde e à vida do nascituro, e a classificação do aborto como crime contra a vida.

“Há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos os demais. O ministro assentou que uma vez reconhecido o direito à vida, não há que se falar em improcedência do pedido de indenização referente ao seguro DPVAT. No seu entendimento, se o preceito legal garante indenização por morte, o aborto causado pelo acidente se enquadra perfeitamente na norma, pois outra coisa não ocorreu senão a morte do nascituro, ou o perecimento de uma vida intrauterina. (SALOMÃO, 2014).”

A doutrina explica que o aborto necessário ou terapêutico justifica-se quando não houver outro meio de salvar a vida da gestante. Assim, o ministro Gilmar Mendes votou pela procedência da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental número 54 por entender que não se deve punir aborto praticado por médico, com o consentimento da gestante, se o feto é anencéfalo, pois também será um aborto necessário com direito ao livre arbítrio da mãe decidir a interrupção. “O aborto, ademais, deve ser o único meio capaz de salvar a vida da gestante, caso contrário o médico responderá pelo crime”. (BITENCOURT, 2010, p. 168).

O aborto humanitário ou Ético diz respeito à gravidez resultante de estupro e a gestante ou representante legal concordar em realizá-lo, importando em limite de tempo para a vítima gestante que decidir-se e realizar o aborto, há estudos falando em doze semanas, a prova decorrente do estupro deve ser cabal.

 “Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente vivo, por ser formado por células vivas, e juridicamente morto, não gozando de proteção estatal. O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura. Anencefalia é incompatível com a vida. (MELLO, 2004).”

O aborto anencefálico ficará a critério da gestante realizá-lo em sua faculdade de agir. Diz respeito ao feto que possui má-formação no cérebro, e que após nascer virá a óbito, e no caso da eugenia seria uma seleção racial.

2.1 Precedentes históricos sobre o aborto eugênico

Durante a Primeira Guerra Mundial, o nome aborto eugênico foi mencionado em decorrência de mulheres vítimas de estupro e o aborto eugênico seria o modo para defender a raça de não multiplicar as doenças dos indivíduos.

Na antiguidade já se discutia tal anomalia que se desenvolvia nos fetos, e nisso havia semelhanças com o aborto eugênico, no entanto segundo dados escritos na doutrina de Anelise Tessaro (Aborto Seletivo), na Grécia antiga, os bebês nascidos com algum tipo de defeito físico eram deixados no alto de uma montanha em decorrência dos problemas que poderiam vir a desenvolver no futuro, eram então abandonados e morriam por não existir um meio de corrigirem. Em Roma, os nascidos sem aparência humana eram jogados de penhascos, com a justificativa de não serem pessoas.

No Brasil, os índios matavam os bebês com algum defeito físico e também os gêmeos, os ilegítimos e os adultos que portavam moléstias graves, no entanto com o cristianismo esses hábitos foram diminuídos, com o entendimento que a vida se iniciava no momento da concepção e então esse tipo de tratamento se identificou como homicídio.

2.2 Precedente sobre aborto eugênico

O aborto eugênico pode ser uma forma também de inibir o sofrimento da mãe, haja vista que o Tribunal de Justiça de São Paulo já autorizou o caso apresentado que se compara ao anencéfalo por vir a óbito, porém interromper a gestação por anomalia não se compara ao anencéfalo.

O feto possuía um defeito de fechamento da parede abdominal extenso, com exteriorização de todo o conteúdo abdominal, defeito de fechamento de e estreitamento do tórax. O quadro é compatível com síndrome banda amniótica. A condição é do tipo letal, independentemente do resultado de cariótipo fetal, e as anomalias mencionadas eram incompatíveis com a vida extrauterina . O laudo médico aponta para a morte do recém-nascido nessas condições após o parto, e que a paciente encontra-se angustiada em face da situação sem prognóstico.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos traz um acórdão número 2014.0000163976 que trata-se, de mandado de segurança impetrado por Paloma de Oliveira Amorim contra decisão judicial, 1ª Vara do Júri da Comarca de Capital, que indeferiu autorização para que se interrompa a sua gravidez, requerida por se ter verificado inviabilidade de vida do feto após o parto. A mesma carregava em seu ventre um feto com 22 semanas e 5 dias e que apresenta quadro de defeito de fechamento da parede abdominal extenso, com exteriorização de todo o conteúdo abdominal e estreitamento importante do tórax. O quadro é compatível com síndrome banda amniótica. A condição é do tipo letal independentemente do resultado de cariótipo fetal, estas anomalias são seguramente incompatíveis com a vida extrauterina. Consta também que a literatura médica aponta para a morte do recém-nascido nessas condições após o parto, sendo certo que a paciente encontra-se extremamente angustiada em face da situação sem prognóstico, mas mantém sua capacidade de crítica e decisão. Decidiu-se também:

“A lei admite expressamente a realização do aborto terapêutico ou sentimental, por gravidez produto de estupro, mesmo quando o feto é sadio e perfeito, para preservar os sentimentos da mãe. Estes, com muito mais razão, devem ser garantidos, porque a tanto ela tem direito líquido, certo e até natural, que independe de norma jurídica positiva, no caso de aborto eugênico ou necessário, em decorrência da má formação congênita do feto, em geral anencefalia, evitando-se, dessa forma, a amargura e o sofrimento físico e psicológico à mãe que já sabe que o filho não tem qualquer possibilidade de viver.”

O Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, integrante desta Corte de Justiça, publicou trabalho no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, dezembro de 1.993, acórdão n° 2014.0000163976:

“Impossível a sobrevida do feto, deve ser autorizado o aborto, a ser efetivado após rigorosa perícia médica, pedido de realização de aborto para a interrupção da gravidez, com segurança, longe da clandestinidade, na hipótese em que houve constatação da inviabilidade de vida extrauterina do feto, por malformação física.”

Nessas condições convalidou-se a liminar que determinou a expedição de alvará judicial autorizando a interrupção da gravidez da gestante

No julgado citado, a incompatibilidade com a vida foi comprovada pelos laudos, sem qualquer possibilidade de viver. Estudos já evidenciaram desde os tempos remotos, tanto em discursos médicos, quanto no cunho religioso sobre questões desta natureza; no caso acima, o feto está vivo dentro do ventre, mas após vir ao mundo terá o óbito, comparando-se neste caso à anencefalia.

 Neste tema, foi escolhido um posicionamento sentimental, no livre arbítrio, desde que não venha interferir na vida de outrem, há de se falar em casos que a mãe amamentou e após minutos o feto veio a óbito, tudo isso, para cada caso, uma maneira pessoal ligada ao particular de cada maternidade, assim, esta pode ver seu filho e por ato oportuno amamentá-lo.

“A expressão “direito à vida” está particularmente ligada hoje, à discussão sobre a legitimidade da interrupção do processo de gestação e ao debate sobre a liceidade da interrupção voluntária da existência em certas circunstâncias dramáticas e peculiares. O direito à vida porém não tem sua abrangência restrita a estas questões, em outros contextos, o direito à vida aparece vinculado aos direitos à integridade física, alimentação adequada e dignidade. (BRANCO, 2014, p. 256).”

Partindo do entendimento de Branco (2014, p. 255), o pressuposto de todos os outros direitos e liberdades estabelecidos na Constituição Federal de 1988 é a existência humana, cada individuo tem esses direitos nos marcos da vida e para isso tende o usufruí-los. Ainda assim, Branco (2014, p. 257) ressalta: “O direito à vida não pode ser compreendido de forma discriminatória com relação aos seus titulares.” Também não se pode limitar o direito à vida a uma mera escala de tempo, ou seja, concluir que viver é estar pela Terra por sessenta, oitenta ou noventa anos. Porque não se pode permitir a uma criança a oportunidade de viver por 1 segundo ou um dia a menos?

3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DIREITO À VIDA

A Constituição Federal de 1988 (CF) dispõe em seu artigo 5°, caput o Direito à vida: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida […]”.

Segundo Rosenvald (2007, p. 13), o princípio da dignidade da pessoa humana pressupõe uma condição objetiva, ou seja a vida, e então, a vida é um pressuposto de dignidade, sendo uma condição de subsistência.

“A consolidação da noção de dignidade como mola mestra de todo o ordenamento resultou de desastrosas intervenções do Estado sobre a liberdade e a integridade corporal do ser humano, a ponto de alcançar o genocídio como crime contra a humanidade. A visão de direitos humanos como “o direito a ter direitos” é desafiada quando o Estado recusa a condição humana da diversidade e discrimina grupos, raças e etnias. Muitas vidas custaram para a inserção da dignidade nas legislações contemporâneas.”

Também no artigo 1°, inciso III, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana segue subscrito: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […] III – a dignidade da pessoa humana.”

A dignidade da pessoa humana é um valor fundamental e supremo na Constituição Federal de 1988.

“Perante as experiências históricas da aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios éticos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do individuo como limite e fundamento do domínio político da República. Neste sentido a Republica é uma organização política que serve ao homem, não é o homem que serve os aparelhos político-organizatórios. (ROSENVALD, 2007, p. 36).”

O direito à vida elenca o direito de não ser morto, e também o direito de ter uma vida digna. Porém, o Supremo Tribunal Federal não deixa de considerar o sentimento de cada pessoa. Todo ser humano é dotado deste princípio constitucional, no que diz respeito, o nascituro por ser um ente da sociedade deve ter os seus direitos garantidos e protegidos, este princípio deve garantir a todos os mesmo direitos.

O direito à vida é protegido e preservado em determinado grau de qualidade, sendo protegido também o vulnerável titular de um valor supremo na ordem constitucional. Sendo assim, Branco (2014 p. 257):

“A vida preservada e encarecida pelo constituinte há de ser toda a vida humana. Onde não há vida não há mais ser humano. O direito a vida cola-se ao ser humano, desde que este surge até o momento de sua morte. Se todo ser humano singulariza-se por meio de uma dignidade intrínseca e indisponível a todo ser humano deve ser reconhecida a titularidade do direito mais elementar de expressão dessa dignidade única – o direito de existir.”

Onde houver um ser humano, há o direito de viver com dignidade e a concepção já é uma vida intrauterina, haja vista que o direito é resguardado e protegido.

3.1 Posicionamentos sobre a seleção humana, delito qualificado pelo preconceito: princípio da proporcionalidade e a proteção do nascituro

Partindo do reflexo da moral religiosa, a vida é um dom de Deus e nós seres humanos somos apenas zeladores desta, então não se pode permitir que setire a vida de um inocente. (TESSARO, 2008).

“Nos Estados Unidos, a eugenia foi exposta ao país com uma grande publicidade positiva e passou a ser aplicada com o intuito de exterminar indivíduos “defeituosos” (débeis mentais, deficientes físicos, visuais, auditivos, albinos, epilépticos, doentes, miseráveis, etc.). Era necessário rastrear e catalogar a população à procura dos defeitos a serem eliminados. A tentativa do extermínio ocorreu. Procurava-se eliminar não apenas os portadores de características indesejáveis, mas também os “assintomáticos”, assim chamados por portarem o gene depreciativo mas não o demonstrar (porém, ao reproduzir-se, o transmitiria). (MONTEIRO, 2014).”

Por sua vez, deformidades são compatíveis com a vida. Partindo do reflexo ético, o livre arbítrio é considerado, porém não deve interferir no direito do próximo. A eugenia remete ao nazismo com o entendimento de se associar raça, naturalidade, cor e perfeição. ocorridos veridicamente. (Ver Fig.1,2 e 3).

O aborto não é uma questão moral coletiva e sim moral privada e no âmbito coletivo é questão de saúde pública. No que condiz a eugenia, uma seleção de raças, ou seja, um crime contra a vida de um ser que pode viver naturalmente, porém com dependência da ajuda de outrem para praticar alguns atos da vida civil.

Uma gravidez indesejada pode limitar ou frustrar totalmente as expectativas e condições de vida da gestante e após a fertilização, uma vida que se inicia não é questão de querer ou poder, partindo do pressuposto que se tem uma nova vida, um novo ser humano começa a existir.

Partindo do ponto de vista de Ronald Dworkin, segue o raciocínio exemplificativo:

“Adentrando, então, na discussão deste ponto de vista, o questionamento preliminar é do de saber se um feto tem direitos e interesses, principalmente o de não ser destruído a partir da sua concepção. Para Dworkin, esta idéia resulta extremamente problemática. Em primeiro lugar, o autor ressalta que nem tudo o que pode ser destruído tem interesses em contrário. Nesta linha de argumentações a ser desenvolvida, as concepções são tecidas de forma mais abrangente e, aparentemente, arbitrária, entretanto, Dworkin irá produzindo um jogo de aproximações, partindo de coisas e chegando aos seres humanos, visando, com isto, melhor situar a idéia de interesses pela vida. Para tanto, inicia seu argumento constatando que uma bela escultura poderia ser despedaçada, constituindo isto uma grave ofensa ao seu valor intrínseco que grandes obras carregam, afetando o interesse (aqui sim) das pessoas que se comprazem em admirar ou estudar ditas obras, mas isto não significa que a obra em si mesma tivesse, em algum momento, interesses contrários à sua destruição. Mas mesmo aquilo que é vivo ou se encontra em processo de transformação em algo mais amadurecido, também não terá interesses próprios, tal como um broto de cenoura colhido antes da sua maturação para ser servido como uma iguaria, ou mesmo uma borboleta, o fato de ser mais bela que uma lagarta, não faz com que esta última tenha algum interesse em transformar-se em borboleta. Em suma, segundo Dworkin, para que algo tenha interesses, não é suficiente, sequer, que esteja em vias de transformar-se em um ser humano, ou melhor dizendo, não em qualquer circunstância. Em realidade, o aspecto fundamental é que tenha ou tenha tido, alguma forma de consciência, no sentido de algum tipo de vida mental e de vida física. (CADEMARTORI,2007).”

Ao comparar a cenoura com a vida humana, Dworkin vai contra a teoria concepcionista, haja vista que o feto possui percepção mental e corporal e também a cenoura merece maturar o tempo necessário para se desenvolver adequadamente sendo colhida com algum tipo de defeito ou não.

“Mas como é que os filhotes percebem que são indesejados? Telepatia? Não. É que eles estão ligados à mãe pelo cordão umbilical. Se ela fica assustada, libera substâncias que também vão agir neles. Ansiedade, nervosismo e depressão também são transmitidos quimicamente por hormônios. “Toda situação de estresse atinge o feto”, resume a neuropsiquiatra infantil Theodolinda Mestriner Stocche, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto. A conclusão foi de que as conversas de fora podem, sim, ser ouvidas, mas atenuadas pela gordura e pelos tecidos da mãe – um grito lá fora soa como um lamento em voz baixa. Os resultados apontaram outra novidade: vozes graves, como a masculina, chegam mais fortes que sons agudos, como a voz feminina. O médico Eliezer Berenstein, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, acha que existe memória desde a concepção. “Mesmo antes que haja neurônios, as células devem ter alguma maneira de registrar quimicamente o que lhes aconteceu”, acredita ele. Assim, ajudariam o embrião a não repetir experiências ruins. (BURGIERMAN, 2015).”

Como citado vimos que, todas reações exteriores são percebidas pelo feto e além disso, ter presente um ser especial pode trazer curas diversas inclusive um amor incondicional, assim mencionado:

“Conviver com uma criança excepcional é uma ótima cura para a perspectiva egoísta que está na raiz desta posição e que relega ao esquecimento a idéia-chave de nossa civilização, de que cada ser humano é um “império”. (CHARTIER, 2008).”

No aborto, o Estado deve proteger o feto, haja vista que não possui defesa e tirá-lo de seu ventre seria uma pena de morte para ele. Segundo Menezes, (2004): “O Direito confere proteção jurídica ao nascituro por uma inflexão às normas gerais, constitucionais ou mesmo internacionais, que garantem ao ser humano a devida proteção, mesmo antes de nascer.”

O principio da proporcionalidade é a manutenção do ordenamento estabelecido pela Constituição Federal e protege os direitos fundamentais.

“A proporcionalidade é uma máxima, um parâmetro valorativo que permite aferir a idoneidade de uma dada medida legislativa, administrativa ou judicial. Pelos critérios da proporcionalidade pode-se avaliar a adequação e a necessidade de certa medida, bem como, se outras menos gravosas aos interesses sociais não poderiam ser praticadas em substituição àquela empreendida pelo Poder Público. (KONCIKOSHI, 2015).”

Neste contexto, Menezes (2004), argumenta que o direito assiste a proteção do nascituro mesmo antes de nascer. No entanto, o nascituro já possui tutela jurídica e não uma mera expectativa tendo uma proteção integral de seus direitos pois já se possui um ser em formação.

Havendo vida em qualquer fase, o direito a vida é assegurado na vida aos nascituros que surgem da fecundação humana.

O Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro da 7ª Câmara Criminal, no Habeas Corpus nº 0046983-67.2014.8.19.0000, processo originário nº 0272307-72.2014.9.19.0001 apreciou habeas corpus preventivo, em favor dos pacientes Débora Cristina da Silva e Tiago Carvalho da Rocha, sustentando tal HC sustenta que a paciente estaria sendo submetida a constrangimento ilegal por parte do juízo impetrado 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital – I Tribunal do Júri que, ao apreciar pedido de autorização de interrupção de gravidez em decorrência de holoprosencefalia em sua forma grave (síndrome de Patau), devidamente instruído com laudos médicos atestando a malformação incompatível com a vida extrauterina. O TJRJ entendeu por julgar e indeferir o pedido, por não haver elementos de certeza quanto à inviabilidade de nascimento e da sobrevivência do feto após o seu nascimento, asseverando que se trata de hipótese diversa de anencefalia.

Analisando o caso, verifica-se que conforme laudo médico recomenda-se à gestante que solicitasse autorização judicial para praticar o aborto, pois ultrassonografias constataram as malformações do feto, e o relatório médico relatou possibilidades tanto de morte do feto dentro do útero ou nascimento sem vida ou, ainda, óbito em no máximo seis meses após o nascimento.

No que traz este laudo, gera a incerteza de haver óbito do feto decorrente de más-formações, porém o risco materno, tais como polidramnia e hipertensão também são descritos e posto o direito de liberdade da paciente.

Em pesquisa o relator Des. Siro Darlan de Oliveira da 7° Câmara Criminal negou a liminar, preservando a saúde da gestante, seguindo a Organização Mundial da Saúde, que o aborto seria viável até vinte semanas de gestação ou um feto de até 500 gramas, recomendação com rigor, sob o posicionamento que iria aumentar o risco do perigo de vida da gestante, caso viesse ocorrer o aborto em gestação em seu estágio final, em que se conclui ser possível atingir um índice de morbidade cirúrgica quatro ou cinco vezes maior do que os riscos do procedimento após as vinte semanas. (RJ, H.C. 0046983-67.2014.8.19.0000, processo originário nº 0272307-72.2014.9.19.0001).

Instaurou-se, portanto, um conflito entre a manutenção da vida da gestante e a do nascituro, aparentemente incompatíveis entre si em razão do quadro patológico decorrente daquele cenário gravídico.

No caso, proporcionalmente no sentido estrito e adequada à defesa da dignidade da mãe, não se verifica, o prisma adequação, restam em torno de 3 a 4 semanas para que se conclua a gestação em seu ciclo normal e a autorização do aborto terapêutico neste estágio, ao passo que não alteraria a realidade social que estará por vir, concluiu-se que elevaria significativamente o risco de complicações do parto, aumentando o risco da saúde da paciente.

Neste contexto, pode se afirmar que o relator não se omite a proteger a vida e decide assim não interromper a gestação enunciada, aplicando o princípio da proporcionalidade nos que tange ao direito fundamental que se adequou em ponderar o tempo e risco de autorizar o aborto citado negando a liminar.

Outra decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Habeas Corpus nº 325.460 – RJ (2015/0128386-2), o qual pretendia a obtenção de autorização judicial com pedido de liminar, impetrado em favor dos gêmeos siameses (fetos) de Joseane da Costa Soares, contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para induzir antecipadamente o parto dos gêmeos siameses da paciente, portadores de gemelaridade imperfeita, do tipo dicefalia, apresentando duplicação da coluna vertebral, quatro membros e um coração que impediria de ter vida extrauterina.

 Os documentos que instruem a inicial causaram dúvidas sobre o real estado de saúde dos fetos e suas possibilidades de sobrevida após o parto, tendo em vista que havia taxa de mortalidade de 54% logo após o nascimento. Decidiu-se então, (RJ, H.C. 325.460-2015/0128386-2):

“Alia- dos ao laudo pericial atestado pela médica designada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, conclui-se, com base em opinião estritamente científica, que os gêmeos siameses são portadores de uma anomalia insuperável, que não os permitirá sobreviver após o parto, independentemente de qualquer intervenção médica hipótese dos autos, além dos laudos médicos atestarem a impossibilidade de vida dos nascituros, ressaltam ainda que o prosseguimento da gestação poderá causar graves riscos à saúde da gestante, podendo resultar até mesmo em infertilidade irreversível. Ademais, o Supremo Tribunal Federal, ao decidir a ADPF nº 54, que tratava de caso semelhante, qual seja, a interrupção da gravidez em situações de feto anencéfalo, entendeu ser inconstitucional tipificar tal conduta nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal, porquanto naquele se tratava de doença congênita letal, para a qual não haveria cura e tampouco possibilidade de vida, situação idêntica ao caso sob análise, em que, repita-se, atestado por laudos médicos a impossibilidade de vida extrauterina. Ante o exposto, indefiro o pedido de liminar.”

Nos casos apresentados a proporcionalidade nos traz soluções de conflitos, e nesse contexto, Ramos (2011) apresenta suas finalidades:

‘O princípio da proporcionalidade (que em inúmeras oportunidades é tratado como princípio contido no âmbito da razoabilidade) tem por finalidade precípua equilibrar os direitos individuais com os anseios da sociedade. Sendo assim, ressoa nítida a importância do referido princípio nos dias atuais visando amparar à proteção dos direitos do cidadão em face de eventual arbítrio do Poder do Estado, merecendo destaque à previsão infraconstitucional expressa e a interpretação evolutiva e ampliativa que vem sendo dada por nossos pretórios. Devido a toda essa complexidade, o princípio ora em voga terminou por ser dividido em três subprincípios (ou requisitos), como consequência dos avanços doutrinários nessa área, quais foram: a adequação (ou utilidade), a necessidade (ou exigibilidade) e, por último, a proporcionalidade em sentido estrito.”

Trazendo este conceito para melhor entendimento, trouxe também os subprincípios da proporcionalidade, sendo eles a adequação ou utilidade; traz uma regra de compatibilidade entre o fim pretendido, a necessidade ou exigibilidade, versa sobre a escolha de medida restritiva de direitos indispensável à preservação do próprio direito por ela restringido ou a outro em igual ou superior patamar de importância e a proporcionalidade em sentido estrito; traz um real sistema de valoração, na medida em que, ao se garantir um direito, muitas vezes é preciso restringir-se outro. Impõe-se que a medida adotada traga vantagens que superem quaisquer desvantagens, trazendo a importância do princípio da proporcionalidade nos dias atuais, visando amparar a proteção dos direitos do cidadão em face de eventual arbítrio do Poder do Estado.

“O princípio da proporcionalidade pode ser facilmente deduzido a partir da previsão de proteção de direitos fundamentais amparados pela Constituição de 1988, tais como a declaração da liberdade como um valor superior do ordenamento jurídico, o reconhecimento da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, a igualdade – que proíbe o legislador ordinário de discriminações arbitrárias –, a proibição da aplicação de penas cruéis e desumanas, dentre outros. No entanto, estes são meros exemplos da presença do princípio da proporcionalidade na Constituição brasileira. Seu campo de atuação é ainda maior. Sua abrangência, e, por que não dizer influência, vai além da simples confrontação das consequências que podem advir da aplicação de leis que não observam este princípio. Ele atinge, inclusive, o ato de legislar do poder legislativo. (RABELO, 2015).”

A eugenia é crime porque nega que a natureza leva à vida, não há que se falar em “perfeição”. Tudo tem uma razão, um por que. Não se deve, porém, limitar a visão quanto a plenitude e perfeição da vida a um mero elemento exterior, como uma doença ou anomalia, não somos perfeitos, se a natureza não fosse assim, todos nós seriámos perfeitos.

“A eugenia representa, sem dúvida, uma tentativa da própria raça humana de eliminar as imperfeições expressando perfeição e excelência, o desejo de burilar a si mesma. Com os avanços científicos contínuos a eugenia perdeu sua força na comunidade científica, mas deixou no mundo as mazelas de uma busca desordenada pela perfeição que, como sabemos, representou um dos maiores genocídios da história da humanidade, o Nazismo de Hitler. (LOPES, 2015).”

Segundo Tessaro (2008 p. 71), selecionar pessoas abortando ou não um feto com anomalias, acarretará um preço a ser pago em angústia, culpa e sofrimento. Do exposto, observa-se em não colocar a interrupção da gravidez decorrente de anomalia se o feto vai viver, haja vista que o tipo penal resguarda a vida do nascituro.

CONCLUSÃO

O presente estudo buscou demonstrar o instituto do aborto eugênico, seus informativos, bem como seu campo de concentração, seja no âmbito do direito constitucional, civil e penal. Não há ninguém perfeito fisicamente no mundo inteiro, até porque a perfeição é algo decorrente da mente humana, a qual está sujeita a conjecturas e interesses momentâneos muitas vezes a frieza e o encarceramento da mente humana, não lhe permite enxergar além do aspecto físico e exterior, porém é na essência das coisas e dos seres onde reside a verdadeira beleza.

Através da bibliografia utilizada, pode-se perceber que o aborto eugênico surgiu como meio de selecionar pessoas perfeitas, em face dos atos praticados, que eliminavam os fetos com anomalias.

No Brasil a ordem constitucional de1988 prioriza o indivíduo e o Estado Democrático de Direito, estabelecendo nos direitos e garantias individuais, os pilares de sustentação da República.

Portanto, considerando que o presente trabalho envolve um tema polêmico, contendo considerações de Direito Constitucional, Direito Civil e Direito Penal, entende-se que o aborto eugênico merece ser repudiado do ordenamento jurídico, pois nega o direito à diferenças, limitando-se a julgar que os seres humanos são clones perfeitos e acabados, reservando a ingerência sobre a vida humana ao livre arbítrio momentâneo de pessoas ou autoridades em contradição ao princípio fundamental e basilar da dignidade da vida humana que assegura, antes de qualquer outro benefício, o direito de nascer e nascer, por si só já é, reconhecer a dignidade da vida.

 

Referências
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TESSARO, Anelise. Aborto Seletivo. 2. ed. rev. atual. Curitiba: Juruá, 2008. 128p.
Nota:
[1] Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito do Instituto Machadense de Ensino Superior como parte dos requisitos para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me. Lucas Valério de Castilho.

Informações Sobre o Autor

Cintia de Souza Kersul

Advogada. Bacharel em Direito pelo Instituto Machadense de Ensino Superior Machado – MG


Equipe Âmbito Jurídico

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