Resumo: Os avanços da engenharia genética proporcionaram várias inovações para a sociedade e como conseqüência, novas interrogações ao judiciário, como o direito de conhecer a origem genética, que está relacionado com as técnicas de engenharia genética, tendo em vista, que existe uma diferença entre ser pai e ser ascendente biológico, à luz da ordem jurídica vigente temos direito à identidade genética, que assim como outros direitos, é corolário do princípio da dignidade humana, garantindo assim que toda pessoa tenha o direito de conhecer sua origem genética, pois se trata de um direito fundamental, todavia, este instituto difere da investigação de paternidade que tem como objetivo assegurar ao filho o direito ao pai e a mãe, neste caso, quando os mesmos, em conjunto ou sucessivamente, reconhecem voluntariamente o filho, cumprem o dever legal de fazê-lo, se não o fizerem serão declarados ou constituídos por decisão judicial, em ação de investigação de paternidade ou maternidade, enquanto na ascendência genética quando o individuo é privado de sua verdadeira identidade hereditária, poderá investigar judicialmente para saber quem é o seu genitor, haja vista, que saber a identidade pessoal é de suma importância, pois abrangem uma pluralidade de valores que vão além da identidade genética, como a identidade moral, política e cultural, definindo as características subjetivas de cada ser humano, que se manifestam no nome, nas impressões digitais e nos demais traços que lhes são peculiares, individualizando-o perante seus pares. Para compreender o tema foi utilizada a pesquisa bibliográfica e dedutiva, as informações necessárias à análise foram obtidas através de doutrinas, jurisprudências e em outras publicações e trabalhos relativos ao assunto.
Palavras Chave: Paternidade, Ascendência Genética, Aspectos Processuais.
Abstract: Advances in genetic engineering have provided several innovations to society and, consequently, queries to the judiciary, for example, the right to know the genetic origin related to the techniques of genetic engineering, since there is a difference between being a parent and being a biological ancestry. According to the law, everyone has the right to know their genetic identity, which is corollary of the principle of human dignity, ensuring that every person has the right to know their genetic origin, for it is a fundamental right. However, this differs from the investigation of paternity, which has the aim of ensuring the right of the child having a father and a mother. In this case, when the parents voluntarily recognize their child, either together or successively, they obey the law. If they do not do so, they will be investigated by court in order to know about the parenthood. Regarding the genetic ancestry, when the person is deprived of their hereditary identity, they may investigate it by court in order to know who their parents are, since knowing their personal identity is extremely important, because it involves a plurality of values that go beyond the genetic identity, taking into account moral, political and cultural identity, defining subjective characteristics of each human being which are present in the choice of a name, fingerprints and peculiar traces, marking each person as unique before society. In order to analyze the subject, a review of literature was developed. The necessary information to carry out the analysis was obtained via the doctrine and jurisprudence among other publications and research on the theme.
Keywords: Parenthood, Genetic Ancestry, Procedural Aspects.
Sumário: Introdução; 1. O direito à filiação; 2. O status jurídico do pai no direito brasileiro; 3. A ação de investigação de paternidade; 3.1. Origem; 3.2. Fundamento legal; 3.3. Natureza jurídica; 3.4. Procedimento; 3.5. A prova; 3.6. Efeitos e natureza jurídica da sentença; 4. O direito a identidade genética enquanto direito da personalidade; 5 a ação de ascendência genética; 5.1. Conceito; 5.2. Objetivos; 5.3. Fundamento legal; 5.4. Natureza jurídica; 5.5 a prova; 5.6 efeitos e natureza jurídica da sentença; 6. Diferenças entre a ação de investigação e paternidade e de ascendência genética. Considerações finais. Referências bibliográficas
INTRODUÇÃO
O presente ensaio encontra embasamento na Lei nº 8.560/92 que teve alterações da Lei nº 12.004/09 e no Código civil, tendo relação com os princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988, como o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Direito da Cidadania, ao abordar este tema pretende-se mostrar as diferenças e semelhanças entre a ação de investigação de paternidade e ação de ascendência genética, tendo em vista, o avanço tecnológico das pesquisas, principalmente no campo específico da genética, visando os benefícios que essas novas tecnologias podem proporcionar as pessoas, como a proteção da vida.
Assim, essas conquistas científicas representam também um desafio para o Direito, ao exigir a criação de regras jurídicas que disciplinem as condutas dos envolvidos em tais relações, pois se os fatos sociais se alteram no decorre do tempo, torna-se fundamental a criação de normas para regular essas condutas, contudo, os estudos sobre ascendência genética são poucos, de modo que o presente trabalho proporcionará uma fonte de pesquisa.
O direito de investigar sobre a paternidade visa estabelecer laços afetivos e relações de parentesco, enquanto, investigar a origem genética permite ao indivíduo o direito de saber sobre sua história, podendo ser determinada através de exames como o DNA, permitindo assim, que as pessoas tenham sua origem estabelecida.
Dessa forma, considera-se que o presente trabalho encontra sua justificativa na medida em que propicia novos conhecimentos acerca do tema em questão, sendo assim, o objetivo central da pesquisa é analisar as semelhanças e diferenças entre esses dois institutos sobre o aspecto jurídico-processual. Para compreender a complexidade dessas representações, utilizou-se a pesquisa bibliográfica, conforme aponta Gil (2009; p.44), “a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”. Ainda sobre a pesquisa bibliográfica, Gil (2009; p.45) enfatiza que, “a principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente”.
Para coleta de dados utilizaram-se bibliografias já tornadas públicas em relação ao tema de estudo, desde publicações avulsas, revistas, pesquisas, legislação, doutrinas, jurisprudência, entre outros, pois representam uma etapa básica para qualquer investigação, além de apresentar um aprofundamento teórico acerca da temática estudada e uma forma, como afirma Minayo (1992), de confrontá-la com os desejos do pesquisador.
Para desenvolvimento deste estudo foi realizado no capítulo 1 uma abordagem sobre o direito à filiação de como este instituto é tratado no nosso ordenamento jurídico, no capítulo 2 enfocou-se o “status” jurídico do pai no direito brasileiro, contextualizando a evolução jurídica da família ao longo do século XX.
No capítulo 3, tratou-se da ação de investigação de paternidade dando enfoque a origem, fundamento legal, procedimento, entre outros, o capítulo 4 será dedicado ao direito da identidade genética enquanto direito da personalidade, tendo em vista, que o próximo tópico não pode ser visualizado sem que, sejam observados esses direitos.
Dando continuidade a pesquisa, no capítulo 5, serão feitas algumas considerações sobre a ação de ascendência genética, demonstrando algumas possibilidades e conflitos relacionados a identidade genética, por fim, no capítulo 6 apresentar-se-ão as diferenças entre essas duas demandas.
Ao final, levando-se em conta as pesquisas efetuadas ao longo deste estudo, apresentaremos as conclusões, que são reflexões parciais acerca da temática abordada, pois deve-se considerar que a realidade está sempre sujeita a novas leituras e novas interferências.
1 O DIREITO À FILIAÇÃO
Conforme Lôbo (2009, p. 195) “filiação procede do latim filiatio, que significa procedência, laço de parentesco dos filhos com os pais, dependência, enlace”, sendo assim, filiação é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais nascida da outra, ou adotada, ou vinculada mediante posse de estado de filiação ou por concepção derivada de inseminação artificial heteróloga, quando a relação é considerada em face do pai, chama-se paternidade, quando em face da mãe, maternidade.
A Constituição Federal de 1988 no art. 227, § 6º, estabeleceu absoluta igualdade entre todos os filhos, não admitindo mais distinção entre filiação legítima e ilegítima, conforme os pais fossem casados ou não, e adotiva, que existia no Código Civil de 1916, segundo Gonçalves (2008), atualmente, todos são apenas filhos, uns havidos fora do casamento, outros em sua constância, mas com iguais direitos e qualificações. O enunciado do art. 1.596 do Código Civil atual reitera o princípio da igualdade dos filhos, que diz que os filhos de origem biológica e não biológica tem os mesmos direitos e qualificações, proibindo qualquer discriminação.
Após 1988 fica evidente as modificações havidas no direito de família brasileiro, principalmente na concepção de família, pois antes a família era estruturada no casamento, na hierarquia, no chefe de família, na redução do papel da mulher, nos filhos legítimos, nas funções de procriação e de unidade econômica e religiosa, logo, a repulsa aos filhos ilegítimos e a condição subalterna dos filhos adotivos decorriam naturalmente dessa concepção, o que perdurou no direito brasileiro até praticamente a Constituição de 1988.
Segundo Lôbo (2009, p.197), “no Brasil os pais são livres para planejar sua filiação, quando, como e na quantidade que desejarem não podendo o Estado ou a sociedade estabelecer limites ou condições”, ou seja, os filhos podem provir de origem genética conhecida ou desconhecida (doadores anônimos de gametas masculinos ou femininos, art.1.597 do Código Civil), de escolha afetiva, do casamento, de união estável, entre outros. O art. 226, § 7º, da Constituição estabelece que fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é de livre decisão do casal, sendo vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas, todavia, a Lei nº 9.263/96 prevê que o planejamento familiar é direito de todo cidadão e não apenas do casal, como prevê a Constituição.
A Constituição ao fixar a filiação abandonou a primazia da origem genética ou biológica, pois equiparou os filhos naturais aos adotados e atribuiu prioridade absoluta a convivência familiar, o que implica dizer, que o direito ao conhecimento da origem genética não está ligado necessariamente a presunção de filiação e paternidade, e sim ao direito da personalidade, que toda pessoa humana é titular, na espécie direito à vida, pois as ciências biológicas tem ressaltado a relação entre medidas preventivas de saúde e ocorrências de doenças em parentes próximos, enquanto, o estado de filiação deriva da comunhão afetiva que se constrói entre pais e filhos, independente de serem parentes consangüíneos, logo, não se confundem o direito da personalidade à origem genética com o direito a filiação, seja genética ou não.
De acordo com Gonçalves (2009), no direito brasileiro a filiação é provada mediante certidão do registro de nascimento, o art. 1.603 do Código Civil dispõe que “a filiação prova-se pela certidão de termo de nascimento registrada no Registro Civil”, devendo conter os dados exigidos no art. 54 da Lei nº 6.015/73, que versa sobre os Registros Públicos, discriminados em nove itens, que prova não só o nascimento como também a filiação, a citada lei nos arts. 50 e 52 prevê que todo nascimento ocorrido no território nacional seja levado a registro, no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da residência dos pais, dentro do prazo de quinze dias.
Para Lôbo (2009), no sistema de registro público, o registro de nascimento das pessoas físicas tem efeito declaratório ao contrário do registro civil das pessoas jurídicas, cujos efeitos são constitutivos, assim, o nascimento com vida faz nascer a pessoa portadora de direitos e deveres, enquanto o registro faz público o nascimento tornando-o inquestionável. Conforme ainda, Lôbo (2009, p.212) “o registro produz uma presunção de filiação quase absoluta, pois apenas pode ser invalidado se comprovado que houve erro ou falsidade, pois a declaração do nascimento do filho, feita pelo pai é irrevogável, cabendo ao pai apenas o direito de contestar a paternidade, se provar, conjuntamente, não ter sido o genitor biológico e não ter havido estado de filiação estável”.
O art. 1.604 do CC estabelece que ninguém poderá vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, a vedação alcança qualquer pessoa, incluindo o registrado e as pessoas que constam como seus pais, todavia, não se pode confundir o direito imprescritível de qualquer pessoa ao conhecimento de sua origem genética, o que autoriza a livre investigação de paternidade, não podendo prevalecer o que contém no Registro Público, ou seja, toda pessoa tem direito fundamental, na espécie direito da personalidade, de vindicar sua origem biológica para que, identificando seus ascendentes genéticos, possa adotar medidas preventivas para preservação da saúde, esse direito é individual e personalíssimo, não dependendo de ser inserido em relação de família para ser tutelado ou protegido, enquanto, a paternidade deriva do estado de filiação, independentemente da origem biológica ou não, como na hipótese de inseminação artificial heteróloga (art. 1.597, V, CC), onde o filho pode solicitar os dados genéticos de doador anônimo de sêmen que constem no arquivo da instituição que o armazenou, para fins de direito da personalidade, mas não poderá fazê-lo com interesse em atribuição de paternidade.
A ação de prova de filiação não se confunde com a investigação de paternidade, pois a primeira visa comprovar a situação de fato, ou a posse do estado de filho, ou de começo de prova por escrito de pais ausentes ou falecidos, ou seja, na filiação busca-se uma regularização do registro de nascimento, que deixou de ser feito ou, se foi feito, não se tem comprovação indiscutível, a paternidade nunca foi discutida, pois o pai sempre se comportou como tal, ao contrário da investigação de paternidade cujo objetivo é o reconhecimento do filho, seja por omissão ou recusa do investigado, tenha ou não havido convivência familiar.
A parte legítima para propositura da ação é o filho, se este, ao falecer, era menor ou incapaz, a ação poderá ser ajuizada por seus herdeiros, em caso de óbito no curso da ação, os herdeiros do autor poderão sucedê-lo no pólo ativo, salvo se o processo for extinto, conforme redação do art. 1.606 do Código Civil.
2 O “STATUS” JURÍDICO DO PAI NO DIREITO BRASILEIRO
Para Fida e Albuquerque (2009), a evolução jurídica da família tem importância para a cultura brasileira a partir de Roma, que tornou sólida a unidade jurídica, econômica e religiosa fundada na autoridade soberana de um chefe, assim, a família patriarcal é a pioneira que entra no domínio da história escrita, pois se baseava no poder incontestável do “pater famílias”, sacerdote, senhor e magistrado, que era exercido sobre os filhos, a mulher e os escravos, sendo permitido dispor livremente das pessoas e dos bens.
Segundo Fida e Albuquerque (2009), as gens eram formadas por um determinado grupo de pessoas, sob a chefia do “pater famílias”, que era o senhor absoluto do lar, a ele estavam submetidos todos aqueles que formavam o grupo doméstico, além disso, só ele tinha direitos, porque como chefe do lar, era a única pessoa “sui juris”, os demais dependentes não tinham nenhum direito, porém o “pater famílias” não era um poder político, era exercido apenas nas gens, se exercitando socialmente nas assembléias dos chefes ou nos comícios da cidade antiga. No entanto, para Lôbo (2009) ao longo dos tempos a família passou por diversas mudanças de função, natureza, composição e concepção, principalmente com o advento do Estado social no século XX.
A família patriarcal, que a legislação civil brasileira tomou como modelo desde a colônia, o Império e durante boa parte do século XX, entrou em crise, culminado com sua derrocada, no plano jurídico, pelos valores introduzidos na Constituição de 1988, pois novos direitos surgiram e estão a surgir, não só aqueles exercidos pela família, como conjunto, mas por seus membros, em todas as situações em que a Constituição e a legislação infraconstitucional tratam à família, como sujeitos de direitos e deveres.
Conforme Lôbo (2009, p.2) “ao longo da história sempre se atribuiu a família funções variadas de acordo com a evolução que sofreu, como a religiosa, política, econômica e procracional, sua estrutura era patriarcal, legitimando o exercício dos poderes masculinos sobre a mulher e filhos, o pátrio poder”.
Atualmente, a família sofreu as mudanças advindas da urbanização acelerada ao longo do século XX, como ocorreu no Brasil, por outro lado, de acordo com Lôbo (2009, p.15) “a emancipação feminina, principalmente econômica e profissional, modificou substancialmente o papel que era destinado a mulher no âmbito doméstico e remodelou a família, tornando-se os principais fatores do desaparecimento da família patriarcal”, assim, a família baseada no domínio do homem, com finalidade de procriar filhos de paternidade incontestável, inclusive para fins de sucessão, tornou-se ultrapassada para a sociedade atual, contudo ainda temos resistências culturais baseadas nos resíduos do modelo patriarcal, que geram formas de discriminação contra a mulher.
Portanto, com o advento da Constituição Federal o pátrio poder foi desaparecendo seja de forma social, seja jurídica, pois se antes os homens eram conservadores e as exigências familiares eram prontamente atendidas, agora o homem convive com mulheres que buscam seu espaço na sociedade, assim, o “status” jurídico do pai no direito brasileiro encontra-se equiparado ao das mulheres, haja vista, que a legislação visa o interesse dos filhos, prevalecendo o interesse de quem tiver melhores condições de criá-lo, importando não a questão financeira, mas psicológica, afetiva, entre outros.
3 A AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
O filho não reconhecido voluntariamente pode obter o reconhecimento judicial forçado ou coativo, por meio da ação de investigação de paternidade, que é ação de estado, de natureza declaratória e imprescritível, desse modo, o filho cujo registro de nascimento não conste o nome de um ou de ambos os genitores, dispõe da ação investigatória de paternidade ou maternidade, a fim de obter, oficialmente, a definição de seus nomes e a regularização de seu registro de nascimento. Por ser uma ação de estado torna-se indispensável à participação do Ministério Público, o rito da ação é ordinário, podendo ser ajuizada a qualquer tempo, pois não se sujeita a prazo decadencial.
3.1 Origem
Segundo Fida e Albuquerque (2009), o direito sempre caminhou unido a toda transformação técnica-científico-cultural que a humanidade, no decurso de sua evolução histórica, experimentou, dessa forma, o nosso Código Civil avançou no sentido da justiça, ao regular as relações entre os filhos ilegítimos e seus pais, pois se o filho nasce da união ilegítima, nem por isso deixa de existir vínculo de sangue entre ele e a pessoa que o gerou.
Conforme Pereira (2009, p.369), com o tempo “os juristas vieram a admitir, mesmo com os efeitos limitados a prestação de alimentos, a prova da paternidade ilegítima por todos os meios, inclusive sobre o juramento da mãe”, entretanto, nesta época essa prova só era admitida sob a exigência de que a mãe prestasse esse juramento durante a gravidez, e de ser virgem até então.
Assim, os filhos “bastardos” não tinham direito de vindicar sua paternidade, segundo Pereira (2009, p.369), “durante a discussão do Código Civil no Conseil d’Étal, Napoleão Bonaparte teria comentado que a sorte dos bastardos não interessa ao Estado”, desse modo, o Código de Napoleão proibiu a investigação de paternidade, com exceção apenas para os casos de rapto, entretanto, o Código Napoleônico foi a primeira legislação ordenadamente organizada que procurou dar direitos e obrigações, servido de modelo para outros códigos, no entanto, o Código Civil de 1916 tinha restrições impostas pelo legislador que foram gradativamente abolidas, dando surgimento a uma legislação mais humana, com prerrogativas à filiação ilegítima. Nessa perspectiva afirma Fida e Albuquerque (2009, p. 80):
“O Código deu um passo, ainda que tímido, no sentido da justiça, nas relações entre os filhos ilegítimos e seus pais. Diz a razão que aquele que vem ao mundo, pelo simples ato de nascer tem direito a existência, e a justiça proclama que tem obrigação de prover à subsistência do filho quem o chamou a vida. Se o filho nasce de união ilegítima, nem por isso deixa de existir o vínculo de sangue entre eles e os que o geraram. Fechar os olhos à ação do pai, e somente reconhecer o parentesco materno, aos filhos naturais, como fazia o direito romano anterior as Novellas, é absurdo e injusto.”
No nosso ordenamento jurídico, a lei faculta ao interessado vários meios de reconhecimento voluntário dos filhos ilegítimos, quer no próprio termo de nascimento do filho, ao ser este registrado por escritura pública e por testamento, além do reconhecimento voluntário, admite o Código Civil o judicial ou forçado, realizado através de ação de investigação de paternidade.
Vale ressaltar, que nem sempre é fácil provar os fatos que indicam a filiação, pois segundo Fida e Albuquerque (2009, p.51) “enquanto a maternidade é um fato de evidência indiscutível, a paternidade é um acontecimento suscetível de controvérsia”, contudo, é certo que hoje existe a pesquisa de laboratório, para efeito de investigação de paternidade, no entanto, a reação dos grupos sanguíneos, nem sempre conduz a solução desejada, pois se em alguns casos chega a excluir categoricamente a paternidade, em outros se limita a admitir sua possibilidade, isto é verificado quando há coincidência do fator comum de determinada constituição genética, sendo assim, a pesquisa sanguínea não oferece nenhum fator positivo, o suposto pai é mera probabilidade, entre todos os homens do fator comum, ou seja, a ciência pode, com critério de segurança, excluir paternidade, mas não dispõe do mesmo critério para afirmar a paternidade, como o exame de DNA (ácido desoxirribonucléico), cuja probabilidade chega próximo dos 100%, mas não se pode considerar uma total exatidão, pois trata-se de uma técnica oriunda do estudo genético do organismo.
Seguindo a evolução dos tempos, novas técnicas vão surgindo em busca de facilitar, bem como, ter margem de segurança e precisão na determinação da paternidade, nessa perspectiva afirma Nader (2006, p.327):
“Os avanços da ciência e de sua correspondente tecnologia favorecem a busca da verdade real, permitindo a definição da origem genética estreme de dúvida. Esta definição é importante em face dos múltiplos direitos e deveres que decorrem do parentesco, especialmente de primeiro grau, e, ainda, pela necessidade que os seres humanos possuem, sobretudo de natureza psicológica, emocional, de conhecer a identidade de seus pais”.
Portanto, a investigação de paternidade tem como objetivo assegurar ao filho o direito ao pai e a mãe, diante disso, quando os mesmos, em conjunto ou sucessivamente, reconhecem voluntariamente o filho cumprem o dever legal de fazê-lo. Se não o fizerem serão declarados ou constituídos por decisão judicial, em ação de investigação de paternidade ou maternidade.
3.2 Fundamento Legal
Segundo Gonçalves (2009), o Código Civil de 1916 no art. 363 exigia a prova de alguns fatos para o reconhecimento da paternidade, entre eles: que ao tempo da concepção sua mãe estivesse concubinada com o pretendido pai, que a concepção coincidisse com o rapto de sua mãe pelo suposto pai ou de suas relações sexuais com ela, que existisse escrito daquele a quem se atribuía a paternidade, reconhecendo-a expressamente, logo, bastava que o menor provasse uma dessas hipóteses. Hodiernamente, no Código Civil, o pleito não se condiciona a qualquer uma daquelas exigências, prevalecendo o princípio da verdade real, assim, a ação de investigação de paternidade pode ser ajuizada sem restrição, por qualquer filho havido fora do casamento e o citado código não especifica os casos em que cabe a investigação, podendo ser requerido como único meio de prova o exame hematológico.
Conforme Nader (2006), o Código Civil de 2002 admite a reprodução assistida e a filiação sócioafetiva, com isso a ação de investigação de paternidade ganha outras dimensões de análise, o fator biológico que era único e decisivo na conclusão da paternidade, passou a ter valor relativo, pois se ocorre a fecundação artificial heteróloga, mediante autorização do marido ou companheiro, não terá qualquer sentido a prova pelo DNA (ácido desoxirribonucléico), no entanto, quando se alega a paternidade ou maternidade consangüínea, o decisivo será a prova pelo DNA, que pode excluir de modo absoluto a paternidade e afirmá-la com elevadíssimo grau de probabilidade, diante deste elemento probatório, todos os outros perdem a sua importância, pois os tribunais consideram o resultado do teste de DNA um elemento probatório suficiente para fundamentar as sentenças judiciais.
Aliás, em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça considerou que o teste de DNA tem um alto grau de precisão, pois a certeza científica alcançada pelo exame genético privilegia a verdade real (STJ – Resp. nº 397.013 – MG. Terceira Turma – Rei. Min. Nancy Adrighi – J. 11.11.2003), assim, o DNA é prova absoluta de paternidade com elevado grau de precisão e credibilidade.
3.3 Natureza Jurídica
Segundo Didier Jr. (2007, p.180), “as ações de conhecimento (certificação) podem ser classificadas como: condenatórias, constitutivas, meramente declaratórias, executivas e mandamentais”, contudo, nos interessa analisar as ações constitutivas e declaratórias.
As ações constitutivas estão relacionadas aos direitos potestativos, conforme Didier Jr. (2007, p.184):
“Direito potestativo é o poder jurídico conferido a alguém de alterar, criar ou extinguir situações jurídicas. O sujeito passivo de tais direitos nada deve; não há conduta que precise ser prestada para que o direito potestativo seja efetivado. O direito potestativo efetiva-se no mundo jurídico das normas, não no mundo dos fatos, como ocorre, de modo diverso, com os direitos a uma prestação. A efetivação de tais direitos consiste na alteração/criação/extinção de uma situação jurídica, fenômenos que só se operam juridicamente, sem a necessidade de qualquer ato material (mundo dos fatos).”
Dessa forma, sempre que do processo resultar uma situação jurídica nova, ou a modificação/extinção de uma situação jurídica já existente, o caso é de demenda constitutiva. Assim, na mesma perspectiva, afirma CINTRA et al (2006, p.325):
“Chama-se, pois, processo constitutivo aquele que visa a um provimento jurisdicional que constitua, modifique ou extinga uma relação ou situação jurídica. E para que proceda à constituição, à modificação ou à desconstituição, é mister que antes a sentença declare que ocorrem as condições legais que autorizam a isso.”
Diante disso, fica evidente que a sentença se limita apenas a declarar um direito já existente, criando uma nova situação jurídica, conforme CINTRA et al (2006), algumas relações ou estados não podem ser desfeitas sem a intervenção do Estado, todavia, em outros casos pode acontecer acordo entre as partes e somente quando não tiver êxito nesse acordo é que se busca solucionar a lide através de um órgão jurisdicional.
A ação meramente declaratória é aquela que tem o objetivo de certificar a existência ou inexistência de uma situação jurídica, conforme o art. 4º, I, do Código de Processo Civil, segundo CINTRA et al (2006, p.323):
“O processo meramente declaratório visa apenas a declaração da existência ou inexistência da relação jurídica; excepcionalmente, a lei pode prever a declaração de meros fatos. A incerteza jurídica determina ou pode determinar a eclosão de um conflito entre as pessoas; existe, portanto, no estado de incerteza jurídica um conflito atual ou ao menos o perigo de conflito. O provimento jurisdicional invocado exaure-se, nessa hipótese, na decisão quanto à existência ou a inexistência da relação jurídica”.
A sentença declaratória visa apenas à obtenção da certeza jurídica, ou seja, de acordo com Didier Jr. (2007), as ações declaratórias são demandas de mera certificação, cabendo ao demandante comprovar a necessidade de intervenção do judiciário, devido a incerteza que se estabeleceu sobre a existência de uma situação jurídica.
De acordo com CINTRA et al (2006), a regra geral é que as sentenças declaratórias procedam efeitos ex tunc, enquanto as constitutivas, segundo Didier Jr. (2007, p. 184), “[…] operam ex nunc. No entanto, não se desconhecem decisões constitutivas-negativas com eficácia retroativa, como é o caso da que anula negócio jurídico (art. 182 do CC-2002)”.
Alguns autores classificam a sentença de investigação de paternidade segundo o seu conteúdo como declaratório, desse modo, a ação de investigação de paternidade que tem conteúdo meramente declaratório é a que busca a existência ou inexistência de paternidade, gerando efeitos ex tunc, ou seja, os efeitos da investigação retroagem a data da concepção ou do nascimento, para Gonçalves (2008), o reconhecimento tem natureza declaratória, pois serve apenas para fazer ingressar no mundo jurídico uma situação que já existia, repousando sobre a filiação biológica, a filiação jurídica, mesmo que declarada muito tempo depois do nascimento, preenchendo todo o espaço decorrido em que não existiu o reconhecimento.
Nader (2006) também reconhece a ação de investigação de paternidade como declaratória e não constitutiva, haja vista, que seus efeitos se operam ex tunc, retroativamente, até a concepção, mas sem atingir os negócios jurídicos constituídos na época do fato, segundo Lôbo (2009, p.245), “o reconhecimento, seja ele voluntário ou forçado, é declarativo do estado de filiação, que já existia antes dele, os efeitos da sentença (e do ato voluntário) retroagem à data do nascimento do reconhecido”, e para Fida e Albuquerque (2009), “o procedimento de investigação de paternidade […] tem por principal objeto uma sentença declaratória do status familiae”.
Dessa forma, muitos doutrinadores classificam a sentença de investigação de paternidade como declaratória, servindo para ingressar no mundo jurídico uma situação que já existia de fato, mesmo que declarada depois de muito tempo, retroagindo a data da concepção, com todos os direitos que se tenham concretizado, dessa forma, o reconhecimento seja voluntário ou judicial, tem apenas efeito declarativo e não atributivo ou constitutivo.
3.4. Procedimento
Segundo Fida e Albuquerque (2009), o procedimento de investigação de paternidade é sempre o ordinário, pois se trata de ação de estado, tendo como principal objeto uma sentença declaratória do “status familiae”, com principal fundamento no art. 1.606 do Código Civil ao dispor que a ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz. A ação é iniciada em conformidade com o disposto nos arts. 282 e ss do Código de Processo Civil, sendo a ação de investigação de paternidade pessoal, o foro competente é o domicílio do réu (art. 94, CPC) e na hipótese do réu ter vários domicílios (art. 94, § 1º), sendo incerto ou desconhecido o domicílio do mesmo, ele será demandado onde for encontrado ou no domicílio do autor (§ 2º).
Quando o réu não tiver domicílio ou residência no Brasil, a ação será proposta no foro do domicílio do autor, se este também residir fora do Brasil, à ação será proposta em qualquer foro (§ 3º), contudo, havendo dois ou mais réus, quando diferentes domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor (§ 4º).
Nas ações em que o ausente for réu, corre no foro do seu último domicílio (art. 97, CPC) mas, nas ações em que o incapaz for réu, processar-se-á no foro do domicílio de seu representante (art. 98, CPC). Vale ressaltar, que a parte deverá ser representada em juízo por advogado legalmente habilitado, porém, é lícito postular em causa própria, quando tiver habilitação legal ou, não a tendo, no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houver (art. 36, CPC).
A ação de investigação de paternidade é revestida de caráter personalíssimo, cabendo ao filho, tão somente, o direito de postular, tendo sempre como requerido à figura do pretendido pai, no entanto, na maioria das vezes o filho é civilmente incapaz, cabendo a representação à mãe ou seu representante legal, conforme dispõe o art. 81 do Código de Processo Civil, portanto, a legitimidade para a ação é exclusiva do filho, mas a contestação pode ser feita por qualquer pessoa, que justo interesse tenha, assim, interessados são todos aqueles que possam ser afetados pela decisão judicial, a saber: o genitor biológico, o genitor registrado, se houver, o genitor socioafetivo (hipótese comum no cônjuge ou companheiro da mãe), o cônjuge ou companheiro do suposto genitor e os herdeiros deste. Os parentes colaterais, inclusive os irmãos, não têm interesses juridicamente protegidos para ajuizamento da ação.
3.5. A prova
O DNA é o elemento que contém todas as informações genéticas de cada indivíduo, pois tem características únicas, contudo, segundo Croce e Croce Jr. (2009, p.704):
“[…] a única e remota possibilidade de erro é no caso de comparação das estruturas genéticas de gêmeos idênticos. Afora isso, a probabilidade de indivíduos que não são parentes terem a mesma “impressão digital do DNA” é apenas um para cinco quatrilhões, ou seja, praticamente zero; para irmãos, essa qualidade de provável é de um para cem milhões”.
Dessa forma, para comprovar a paternidade é feito uma análise das impressões genéticas dos pais e do filho, com proporções iguais de material genético do pai e da mãe, sendo assim, cada característica do DNA do filho deve ser encontrada em um dos pais, porém, se existirem na impressão do DNA do filho pelo menos dois fragmentos que não aparecem nos pais, um deles não é legítimo, ocasionando a exclusão da paternidade ou maternidade.
O exame de DNA para efeito de prova processual, deve ser realizado com alguns cuidados, como a escolha de um laboratório idôneo dotado de profissionais com habilitação específica, como também a coleta do material, que deve ser acompanhada pelos assistentes técnicos indicado pelas partes e o material bem conservado e identificado, sendo assim, conforme Croce e Croce Jr. (2009), os exames que visam à investigação de paternidade devem ser realizados por imuno-hematologistas, por farmacêuticos-bioquímicos habilitados e por quaisquer profissionais (médicos legistas, geneticistas, etc) que, isoladamente ou em equipe tenham qualificação e responsabilidade para desempenhar a função que tais laudos exigem.
Ademais, conforme Gonçalves (2008), todos os meios de prova admitidos no diploma civil são válidos para determinar a paternidade, desde que, não seja possível realizar o exame hematológico, conforme a Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça dispõe, “em ação de investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantun de paternidade”, enquanto o art. 231 do Código Civil diz que, “aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa”, diante do exposto, fica evidente que ninguém é obrigado a fornecer amostras de seu sangue para realização de prova pericial, contudo, a recusa do réu pode levar o juiz a decidir de forma desfavorável ao mesmo, desde que, existam outros elementos indiciários.
A lei nº 12.004/09 que alterou a lei nº 8.560/92 apresentou mudanças importantes para a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento, conforme observa-se:
“Art.1º. Esta Lei estabelece a presunção de paternidade no caso de recusa do suposto pai em submeter-se ao exame de código genético – DNA;
Art. 2º. A Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 2º-A;
Art. 2º-A. Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos;
Parágrafo único. A recusa do réu em submeter-se ao exame de código genético DNA gerará a presunção de paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.”
Diante do exposto, fica evidente que na recusa do pai em submeter-se ao exame de DNA, será gerada a presunção da paternidade, desde que apreciada juntamente com o conjunto probatório, desse modo, temos que ressaltar, que nem sempre a recusa do réu em submeter-se ao exame hematológico, pode resultar na presunção da paternidade, pois se ficar comprovado nos autos que o mesmo não teve relações sexuais com a mãe do investigante e a mesma vive em zona de meretrício, neste caso não há como presumir essa paternidade.
Conforme Gonçalves (2008), embora a prova pericial genética seja de suma importância, não é o único meio hábil para comprovação da filiação, mesmo porque nem sempre é possível a sua realização, por isso, diante da ausência do exame de DNA, admitem-se outros tipos probatórios, como o documental e o testemunhal, sendo assim, o art. 1.609, II, do Código Civil de 2002 incluiu o “escrito particular, a ser arquivado em cartório”, como um dos modos de reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento, que vale por si, independente de qualquer outra providência. Já a prova testemunhal é admitida com cautela e restrições nas ações de investigação de paternidade, dada sua falibilidade, segundo o art. 405, § 2º, I, do Código de Processo Civil, nas aludidas ações que dizem respeito ao estado das pessoas, o testemunho do cônjuge, bem como do ascendente em qualquer grau, ou colateral, até o terceiro grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consangüinidade ou afinidade, se não se puder obter de outro modo à prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito.
A existência de concubinato e de união estável, previstas nos arts. 1.727 e 1.723 do CC dispõem sobre a vida em comum, sob o mesmo teto ou não, significando uma importante prova na decisão da paternidade, pois são situações semelhantes ao casamento, sobretudo, a união estável, conforme o art. 226, § 3º, da Constituição Federal que declara, “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento”.
Segundo Gonçalves (2008), à semelhança física entre o investigante e o investigado, sobretudo quando relacionada com características particulares, não deve ser subestimada, mesmo que não possa servir de prova de paternidade, no entanto, se combinada com outros elementos podem ajudar na formação da convicção do magistrado, além disso, a posse do estado de filho apenas completa ou reforça outros meios de prova, caso não existam esses meios o juiz não pode recorrer apenas à prova isolada da posse de estado para julgar o caso.
Vale ressaltar, que o art. 334 do Código de Processo Civil admite fatos que não dependem de provas, como:
“I – notórios;
II – afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;
III – admitidos, no processo, como incontroversos;
IV- em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade. “
Sendo assim, na investigação de paternidade o juiz pode analisar as presunções e indícios que sejam capazes de gerar uma certeza relativa, como por exemplos, se existirem provas suficientes da amizade entre a mãe do autor e seu pretendido pai, ou mesmo do relacionamento exclusivo entre eles, etc., resultando numa convicção de que o investigado é o pai do investigante, servindo de provas no processo, desde que o investigado não esteja contestando essa paternidade.
Destarte, conforme (2008, p. 331), “todos os meios de prova são admissíveis nas ações de filiação, especialmente as biológicas, consideradas hoje as mais importantes”, com o avanço científico e a invenção do teste de DNA, a paternidade pode ser decidida com total certeza, tendo em vista, que a comparação genética através do DNA é indiscutível, assim como as impressões digitais que se obtêm na datiloscopia, chegando a um resultado matemático superior a 99,9999%, sendo assim, o exame de DNA é de suma importância nas ações de investigação de paternidade, podendo excluir de modo absoluto ou afirmá-la com elevadíssimo grau de probabilidade.
3.6. Efeitos e natureza jurídica da sentença
Segundo Gonçalves (2008), o reconhecimento de um filho produz efeitos de natureza patrimonial e de cunho moral, estabelecendo a relação jurídica entre pai e filho, produzindo efeitos no momento de sua realização, sendo retroativos ou retrooperantes (ex tunc), gerando conseqüências não da data do ato, mas regressando até o dia do nascimento do filho, ou mesmo de sua concepção, assim, o efeito retrooperante é característico das situações jurídicas definitivamente constituídas, em face de direitos de terceiro e pela proteção legal concedida a certas situações concretas, como por exemplo, depois do reconhecimento não se pode anular o casamento do filho natural contraído sem autorização paterna, porque o poder de consentir não existia no momento da celebração.
Após o reconhecimento, o filho pode ingressar na família do genitor e usar o sobrenome deste, o registro de nascimento deve ser alterado para que constem os dados relativos à sua ascendência, porém, se for menor, sujeita-se ao poder familiar, ficando os pais obrigados a sustentá-lo, de tê-lo sob sua guarda e de educá-lo (art. 1.566, IV, CC), conforme o art. 1.696 do CC, entre o pai e o filho reconhecido existem direitos recíprocos aos alimentos, e o art. 1.829, I e II do CC, regula a sucessão.
Conforme Gonçalves (2008), se o filho havido fora do casamento e reconhecido por um dos cônjuges, não puder residir no lar conjugal por faltar o consentimento do outro, conforme descrito no art. 1.611 do CC, então, caberá ao pai ou a mãe prestar ao filho reconhecido, fora do lar, idêntico tratamento ao que dispensa ao filho havido no casamento, se o tiver, correspondente à condição social em que viva, esta regra encontra fundamento no principio da absoluta igualdade entre ao filhos, disposto no art. 227, § 6º, da Constituição Federal e no art. 1.596 do Código Civil de 2002.
Conforme o art. 1.612 do Código Civil, “o filho reconhecido, enquanto menor, ficará sob a guarda do genitor que o reconheceu, e, se ambos o reconheceram e não houver acordo, sob a de quem melhor atender aos interesses do menor”, no entanto, se ambos os genitores reconhecerem o menor, aquele que não tiver a guarda não perde o poder familiar, cabendo ao mesmo o direito de visitar e ter o filho em sua companhia, bem como fiscalizar sua educação e demais direitos e deveres decorrentes desta relação.
O art. 1.613 do CC diz que “são ineficazes a condição e o termo apostos ao ato de reconhecimento do filho”, dessa forma, o reconhecimento é incondicional, não podendo ser subordinado a condição ou a termo, sendo vedado o reconhecimento à determinada data ou período, segundo Gonçalves (2008), tem validade erga omnes, não podendo ser considerado que alguém seja filho de uma pessoa para uns, e não seja para outros, logo, o estado que é conferido pelo documento projeta-se a todos os demais parentes e a terceiros em geral.
O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável, conforme enunciado do art. 1.609 do Código Civil, contudo, o ato pode ser anulado pelo investigado ou seus herdeiros desde que provado qualquer defeito que possa denegrir o ato jurídico. Dessa forma, provando-se a falsidade ideológica do registro de reconhecimento de paternidade não presumida, poderá ser alterado e retificado o conteúdo, conforme disposto no art. 1.604 do CC, “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”.
Dispõe o art. 1.616 do Código Civil que, “a sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento, mas poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade”, sendo assim, o dispositivo permite que a criança possa permanecer na companhia de quem a acolheu e criou.
Segundo Lôbo (2009), outro efeito da sentença que reconhecer a paternidade é o da fixação de alimentos provisionais e definitivos do reconhecido que deles necessite, conforme prevê o art. 7º da Lei nº 8.560, que o juiz deverá determinar, ainda que não tenha havido pedido expresso do interessado, a Súmula 1 do STJ enuncia que o foro do domicílio ou da residência do alimentando é o competente para a ação de investigação de paternidade, quando cumulada com a de alimentos.
Portanto, a lei nº 8.560/92 que regula a de investigação de paternidade foi uma inovação importante para a sociedade, a partir do momento em que um juiz baseado em um conjunto probatório pode atribuir a paternidade a um homem que se nega a fazê-lo de livre vontade, contudo, no Brasil não se sabe quantos casos se tornam disputas jurídicas, devido o segredo de justiça, no entanto, cabe a todos o direito de investigar sua paternidade, desde que, evidentemente não tenham pais.
4. O DIREITO A IDENTIDADE GENÉTICA ENQUANTO DIREITO DA PERSONALIDADE
Segundo Catão (2004, p.101), “a análise etimologica do termo personalidade nos remete ao latim, personalitas, de persona, que significa o conjunto de elementos que são inerentes a pessoa”, desse modo, a personalidade é algo inseparável dos seres humanos, traçando características próprias e diferenciado-os entre si, além de atribuir um perfil unitário e específico em uma pessoa.
Os direitos da personalidade são conceituados por Gagliano e Pamplona Filho (2009, p.169), “como aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais”. Assim, o sujeito tem protegido não apenas o seu patrimônio, mas uma série de valores como a vida, a honra, a intimidade, entre outros.
Nas palavras de Nader (2007, p. 210-211):
“O princípio básico do qual derivam todos os direitos da personalidade é o que se refere ao direito à vida.” […] “O Direito da Personalidade vai surgir em decorrência de um princípio constitucional do respeito à vida, a partir da concepção, protegendo, assim, o nascituro. Em conseqüência, derivam-se outros aspectos do Direito da Personalidade, como o direito ao nome, à imagem e à intimidade, proteções que a Constituição explicitamente traz e resguarda”.
Dessa forma, os direitos da personalidade são poderes que o indivíduo exerce sobre sua própria pessoa, ou seja, são direitos essenciais, pois sem eles a pessoa não tem condições de desenvolver e exercer seu potencial. Segundo Nader (2007, p.211), “os direitos da personalidade são intransmissíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis e, conforme análise supra, absolutos”, ou seja, decorrem diretamente da personalidade, da forma de ser de cada pessoa, sendo assim, não há como modificar o pólo ativo das relações jurídicas quando o objeto é um bem que faz parte da personalidade.
O art. 2º do Código Civil dispõe que, “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”, de acordo com a definição do citado artigo todo homem é capaz de direitos e obrigações, por outro lado, predomina na doutrina a concepção dos direitos da personalidade como poderes que o indivíduo exerce sobre a sua própria pessoa.
Nas palavras de Hammerschmidt (2008, p.75):
“Esses bens de personalidade, tendo-se em vista terem a pessoa como seu titular, são considerados objetos de direito que a ela pertencem. Constata-se que a ordem jurídica reconhece a pessoa a faculdade subjetiva de defendê-los, de protegê-los, de exercê-los, o que implica em dizer que a sociedade compreende que para alguém ser alçado à condição de pessoa é imprescindível ser possuidor de certos bens e de certos poderes sobre esses bens e sobre as outras pessoas da comunidade, de forma tal que delas pode exigir respeito àqueles bens.”
Desse modo, os direitos da personalidade se configuram a partir do momento em que surge o ser humano, pois o ordenamento jurídico lhe garante proteção, ainda que o mesmo não tenha adquirido o status de pessoa, o que só ocorrerá com o seu nascimento, de qualquer forma a vida humana está protegida desde a concepção, sendo assim, tornam-se de suma importância os direitos da personalidade como forma de tutelar os valores fundamentais da pessoa, pois segundo Hammerschmidt (2008, p.81), “considera-se que quanto melhor for o sistema normativo de defesa dos valores da pessoa, maior será o grau de civilização do povo que os codificou”, ou seja, os direitos da personalidade constituem uma das mais valiosas conquistas da civilização, pois todo indivíduo é um ser geneticamente irrepetível e único, sendo o reflexo de sua individualidade e de seu caráter personalíssimo.
A identidade genética, segundo Hammerschmidt (2008), corresponde ao genoma de cada ser humano e as bases biológicas de sua identidade, assim, a identidade genética da pessoa humana é um bem jurídico a ser preservado, enquanto uma das manifestações essenciais da personalidade humana.
Nas palavras de Petterle (2007, p.111):
“[…] a identidade pessoal não se resume a identidade genética. A identidade pessoal é noção bem mais complexa e abrangente, com dois componentes, um referencial biológico, que é o código genético do indivíduo (identidade genética), e um referencial social, este construído ao longo da vida, na relação com os outros.”
Nesse sentido, existem duas dimensões do direito a identidade pessoal, uma individual, que torna cada ser humano um ser único, original e irrepetível, diversidade esta que diferencia a humanidade, e a outra é relativa à identidade pessoal, que se caracteriza pela relação com outras pessoas, formando a construção da história pessoal.
De acordo com Petterle (2007, p.111), “o direito à identidade genética é um direito de personalidade que busca salvaguardar o bem jurídico-fundamental ‘identidade genética’, uma das manifestações essências da personalidade humana, ao lado do já consagrado viés do direito à privacidade e do direito à intimidade”.
Assim, quando a doutrina faz referência a um direito fundamental a identidade genética, pretende defender a formação genética individual, que é única em cada ser humano.
Ademais, o desenvolvimento da engenharia genética, que muito tem contribuído para a descoberta de novas técnicas terapêuticas, que no futuro possam prevenir e curar doenças, haja vista, que o direito fundamental a saúde está descrito no ordenamento jurídico, seja no título que trata dos direitos e garantias fundamentais (Título II), no capítulo que trata dos direitos fundamentais sociais, seja no título que trata da ordem social (Título VIII), da Constituição Federal.
Conforme o art. 196 da CF/88: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Segundo Catão (2004), o art. 196 da CF/88 consagra o direito de todos à saúde, de modo que, ao direito dos cidadãos corresponde o dever do Estado de prestar ou fazer prestar os serviços voltados à promoção, proteção e recuperação da saúde, e quando o mesmo não puder oferecer os serviços voltados à promoção, proteção e recuperação da saúde, e quando o mesmo não puder oferecer os serviços, deverá fiscalizar e controlar as atividades de terceiros, inclusive pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, pois as ações e serviços de saúde são de relevância pública.
Nesse contexto, com as novas técnicas atualmente disponíveis aos homens, o direito a saúde exige uma posição de respeito por parte dos poderes públicos, assim, o Estado não pode impedir a liberdade que as pessoas têm de investigar sua origem genética. Portanto, é dever do Estado legislar sobre a matéria, estabelecendo mecanismos que possam garantir ao indivíduo conhecer sobre sua genética, além disso, o direito à ascendência genética é de suma importância para os novos tratamentos de saúde, através de pesquisas podem ser evitadas várias enfermidades para as gerações futuras.
5. A AÇÃO DE ASCENDÊNCIA GENÉTICA
Diante das transformações que a família sofreu em seu núcleo estrutural nas últimas décadas, consolidou-se a elaboração dos direitos da personalidade, que dizem respeito à pessoa em si, sendo assim, a origem genética perdeu seu papel legitimador da filiação e migrou para os direitos da personalidade com finalidades distintas, ou seja, o estado de filiação é decorrente dos laços afetivos estabelecidos no cotidiano de pai e filho, constituindo-se em relação fundamental para a atribuição de paternidade ou maternidade, distinguindo-se assim do direito que cada pessoa tem de conhecer sua origem genética, o que significa dizer, que são situações diferentes, a primeira busca seus fundamentos no direito de família, enquanto a segunda no direito da personalidade.
Contudo, para garantir o direito da personalidade não há necessidade de investigar a paternidade, pois o direito traz essa distinção quando diz que ao ser humano concebido fora da comunhão familiar dos pais socioafetivos, mesmo desfrutando do estado de filiação deve ser assegurado o conhecimento de sua origem genética, como direito da personalidade, sem qualquer finalidade de parentesco legal. Em suma, esse direito é individual e personalíssimo, não depende de relação familiar para ser tutelado ou protegido, tendo em vista, que a paternidade deriva do estado de filiação, independente da origem biológica.
Dessa forma, saber a identidade pessoal é de suma importância, pois abrange uma pluralidade de valores que vão além da identidade genética, como a identidade moral, sexual, política e cultural, definindo as características subjetivas de cada ser humano, que se manifestam no nome, nas impressões digitais e nos demais traços que lhes são peculiares, individualizando os seres humanos.
5.1. Conceito
Segundo Sparemberger e Thiesen (2010), com o avanço da engenharia genética tornou-se possível à decodificação do genoma humano, fazendo surgir questões referentes à identidade genética e a identidade pessoal do ser humano, e consequentemente, novas indagações ao direito, pois os meios técnicos e científicos existentes não permitem que todos sejam investigados acerca de tudo.
Petterle (2007, p.25-26) assegura que o termo identidade genética está:
“Focalizado no indivíduo; na identidade genética do indivíduo como base biológica de sua identidade pessoal. Nesse sentido, a identidade genética corresponde ao genoma de cada ser humano, individualmente considerado. Sob este prisma, significa dizer que identidade genética é sinônimo de individualidade genética, permanecendo resguardadas, portanto, as diferenças de cada um.”
As reflexões da autora partem do princípio de que cada ser humano é único, sendo a identidade genética individual, dessa forma, conhecer a ascendência genética é um direito fundamental, pois tem importância em casos de doenças curáveis através da compatibilidade consangüínea, da possibilidade de transplantes de órgãos e tecidos, além disso, temos a questão referente aos impedimentos matrimoniais por laços consangüíneos, pois parentes poderão se unir, sem saber que já são vinculados por laços de sangue, sendo assim, o direito de investigar a origem genética tem fundamento na preservação da saúde e da vida humana, mas também serve para averiguar a existência de empecilhos matrimoniais.
Nesse contexto, a importância em saber as origens genéticas encontra embasamento jurídico nos direitos da personalidade, na espécie direito à vida, admitindo ao indivíduo o direito de saber sobre sua história, pois o código genético permite conhecer a identidade biológica que é exclusiva em cada ser, assim, com o estudo sobre o genoma humano e a conseqüente revelação do mapa genético de nossa espécie, é que constituem um marco de referencia a tutela dos direitos da personalidade.
5.2. Objetivos
O direito de avaliar a ascendência genética é de fundamental importância nos dias atuais, pois com o avanço da engenharia genética tornou-se possível o conhecimento sobre a vida humana, segundo Hammerschmidt (2008, p.86):
“A seqüência do DNA tem permitido decifrar o “livro da vida” ou o “livro do homem”, abrindo uma nova porta a investigação científica e dando lugar ao conhecimento de características de nosso organismo até agora ignoradas e ao descobrimento de novas terapias capazes de solucionar problemas que se acreditavam de difícil ou impossível solução”.
Dessa forma, os progressos no conhecimento do genoma humano implicam em uma esperança de solucionar, prevenir e tratar inúmeras doenças que até agora não tem solução, por isso, conhecer a origem genética é fundamental para o cuidado e tratamento de doenças. Ademais, não seria justo negar o direito de saber sobre seus ascendentes, principalmente, se o mesmo tiver buscando essa informação por motivos de saúde, de proteção ou preservação da própria vida.
Essa discussão acerca do conhecimento da ascendência genética, surge no ordenamento jurídico atual como um bem jurídico essencial, tendo em vista, o avanço da engenharia genética, que permite garantir o direito à vida e a proteção das futuras gerações, sendo assim, o ordenamento jurídico deve se aperfeiçoar e buscar embasamento para um assunto que interfere no modo de vida do homem e, consequentemente nas relações sociais.
5.3. Fundamento Legal
A ação de investigação de ascendência genética é um tema sobre o qual não se tem muito fundamento teórico, todavia, é preciso diferenciar a ação de investigação de paternidade da ação de investigação de ascendência genética, pois se trata de institutos distintos.
Lobo (2009, p.206) enfatiza que:
“O direito ao conhecimento da origem genética não está coligado necessária ou exclusivamente à presunção de filiação e paternidade. Sua sede é o direito da personalidade, que toda pessoa humana é titular, na espécie direito à vida, pois as ciências biológicas têm ressaltado a insuperável relação entre medidas preventivas d e saúde e ocorrências de doenças em parentes próximos”.
Nas palavras do autor, fica evidente a distinção entre a investigação da ascendência genética e da paternidade, pois pesquisar sua origem genética é procurar saber sobre sua ascendência, até mesmo pela necessidade de preservar a saúde, como já discutido anteriormente, enquanto a investigação de paternidade visa o direito a filiação, estabelecendo laços de afeto, independente de serem parentes consangüíneos.
Ademais, com o avanço científico tornou-se possível determinar a origem genética com elevado grau de probabilidade, no entanto, a atribuição da paternidade biológica não substitui o estado de filiação, como por exemplo, na inseminação artificial heteróloga os que utilizaram material genético de material genético de terceiros, não pode questionar a paternidade ou a maternidade, neste caso, vale ressaltar, que o art. 227 da CF/88 assegura o direito dos filhos a convivência familiar, que é uma prioridade absoluta construída nas relações afetivas do dia-a-dia, não podendo ser prejudicado por razões de origem biológica.
Portanto, a ação de investigação de ascendência genética tem fundamento no direito da personalidade, tendo em vista, que o direito ao conhecimento da origem genética é um direito fundamental, personalíssimo, irrenunciável e imprescritível do ser humano, tendo como intuito, o perfeito desenvolvimento de sua personalidade, contudo, não existe no ordenamento jurídico brasileiro uma ação própria, prevista em lei, para este fim, que é investigar a ascendência genética, ou tutelar o direito à origem genética.
5.4. Natureza Jurídica
O direito ao conhecimento da ascendência genética é essencial ao ser humano de forma individual, pois se trata de direto personalíssimo, no qual o interessado investiga se quiser, porém, o Estado deve proporcionar mecanismos necessários para sua concretização normativa, desse modo, o direito de conhecer a origem genética tem proteção legal em algumas normas, conforme Hammerschmidt (2008, pág. 97):
“O direito a intimidade genética encontra seu fundamento em diversos textos internacionais, a saber: a Declaração Universal sobre Genoma Humano e os Direitos Humanos da Unesco (art. 7º); o Convênio relativo aos Direitos Humanos e Biomedicina do Conselho da Europa, realizado em Oviedo, em 04.04.1997 (art. 10º); e a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos, aprovada na Conferência Geral da Unesco, em 16.10.2003 (art.14ª), entre outros.”
No nosso ordenamento jurídico, a CF/88 dispõe sobre a dignidade da pessoa humana no art.1º, III, e 227, caput, aborda a importância dos direitos humanos no art.4º, II, e o art. 5º, caput, o direito à vida, o CC/2002, institui no art. 11 que os direitos da personalidade são irrenunciáveis e não podem sofrer limitações, além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) estabelece no art. 27, que “o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça”.
O ECA no art. 27 não prevê restrições para se propor uma ação investigatória da ascendência genética, que deverá ter efeitos limitados ao conhecimento da origem do individuo, não tendo os efeitos da investigação de paternidade, dessa forma, a ação para investigar a origem genética não deve ser proposta por intermédio da ação de investigação de paternidade, embora muitas pessoas confundem esses institutos, porém, devido o fato de não existir ação própria, a ação de investigação de paternidade vem sendo utilizada para este fim por aqueles que desejam conhecer sua ascendência genética, sendo concedida com efeitos limitados.
Portanto, conhecer a origem genética é um direito fundamental do ser humano, contudo, não existe no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma ação apropriada para concretização desse direito, por isso, torna-se necessário que o legislador estabeleça uma ação própria para defender esse direito que é amparado constitucionalmente, inclusive, de preferência, estabelecendo uma tutela jurisdicional diferenciada, ou seja, um procedimento especial que fuja das amarras do procedimento ordinário, dadas as particularidades do instituto em comento.
5.5. A prova
Com o avanço das pesquisas do genoma humano, os testes para analise do DNA nos permitirão conhecer os detalhes da constituição genética de cada pessoa, permitindo novas perspectivas com relação à prevenção e tratamento de doenças, contudo, com esse progresso da genética torna-se de suma importância a definição de normas que estejam em conformidade com o respeito aos direitos humanos fundamentais e a dignidade da pessoa humana.
A Constituição Federal de 1988 consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado democrático de direito, segundo Petterle (2007, pág.176):
“O princípio da dignidade da pessoa humana […] visa proteger a pessoa humana na sua própria essência, confirmando-a como fundamento e fim da sociedade e do Estado brasileiro. Além de informar todo o ordenamento jurídico, o princípio da dignidade da pessoa humana é fundamento para a maioria dos direitos elencados catálogo de direitos fundamentais, conferindo, de tal sorte, unidade de sentido ao sistema de direitos fundamentais”.
Dessa forma, a identidade genética, por sua relevância e conteúdo, foi elevada a posição de direito fundamental à vida, é nesse contexto, que todo ser humano tem o direito de investigar sua origem genética, contudo, conforme já citado anteriormente, o investigado tem o direito de não se submeter ao exame de DNA na ação de investigação de paternidade e neste caso, o que se questiona é se o exame de corpo delito indireto é válido, pois segundo Croce e Croce Jr. (2009), quando existir recusa da vítima em submeter-se ao exame pericial a que não está obrigada e para cuja lavratura não permite a lei condução coercitiva, importando saber que o exame de corpo delito indireto é realizado de forma subsidiária, podendo ser feito através de um fio de cabelo, uma bitola de cigarro, através de impressão digital deixada em algum lugar, entre outros.
Nesse contexto, temos o caso da mexicana Glória Trevi, que acusou policiais federais de estupro, assim, a pedido do juiz da 10º Vara Federal do Distrito Federal, o Supremo Tribunal Federal autorizou e determinou a realização de exame de DNA na placenta da cantora, pois entenderam os ministros que o interesse público se sobrepõe aos interesses individuais da extraditanda, também os interesses dos policiais que estavam sob suspeita e não se recusaram a fazer o exame sanguíneo para solucionar a dúvida quanto a paternidade do bebê, atitude que não foi seguida pela mesma, além disso, o ministro Carlos Velloso defendeu o direito do bebê em saber a verdadeira identidade de seu pai. Dessa forma, o ministro Celso de Mello confirmou que a garantia constitucional à intimidade não tem caráter absoluto, pois necessidades públicas podem restringir direitos individuais em benefício da comunidade.
Por outro lado há que se considerar que o art.5º, II, da CF/88 dispõe que, “ninguém será obrigado a fazer alguma coisa senão em virtude da lei”, dessa forma, o suposto ascendente pode se negar a fazer exame de DNA, porém se isso ocorre em ação de investigação de paternidade, conforme o disposto no art. 2º, parágrafo único, da lei 12.004/09, ele será presumido o pai, no entanto, se o indivíduo busca a sua origem genética, a presunção não vai promover efeito desejado, nesse caso, surge um impasse a ser esclarecido no ordenamento jurídico, como por exemplo, se for necessário conhecer o ascendente genético por motivo de saúde, no qual o indivíduo precisa de um transplante de medula, de que serve a presunção, se ele precisa da certeza.
Diante da falta de definição em lei para a ação adequada na busca da investigação da origem genética o ordenamento judiciário busca no princípio da proporcionalidade a solução do conflito, esse princípio é aplicado quando se pretende definir qual dos princípios deve ser utilizado conforme o fim que se busca alcançar, sendo assim, afasta um direito existente em benefício de outro que protege um bem superior e mais adequado à situação.
Segundo Moraes (2006, pág.97):
“[…] com base no Princípio da Proporcionalidade, hipóteses em que as provas ilícitas, em caráter excepcional e em casos extremamente graves, poderão ser utilizadas, pois nenhuma liberdade pública é absoluta, havendo possibilidade, em casos delicados, em que se percebe que o direito tutelado é mais importante que o direito a intimidade, segredo, liberdade e comunicação, por exemplo, de permitir-se sua utilização”.
A teoria da proporcionalidade visa uma redução do poder estatal em benefício da garantia de integridade física e moral dos que buscam o direito, sendo assim, quando existir um conflito entre normas no ordenamento jurídico, torna-se indispensável recorrer aos princípios e, através da aplicação do principio da proporcionalidade torna possível proteger o direito a vida.
5.6. Efeitos e Natureza Jurídica da Sentença
O direito de conhecer a ascendência genética pode ser pleiteado a qualquer tempo, devido o mesmo ser imprescritível, a investigação da ordem genética pode ser feita, sem que resulte em discriminação ou desconsideração da filiação socioafetiva formada, e sem implicar em quaisquer outros diretos referentes à filiação, como herança, alimentos, convívio, entre outros, devendo limitar-se apenas ao conhecimento genético.
O simples fato de investigar a ascendência genética não significa atribuir à paternidade biológica, pois esta não substitui o estado de filiação, conforme Lôbo (2009) existe uma divergência entre direito da personalidade, garantido a cada um sem efeitos de parentesco e o reconhecimento da filiação derivado da relação socioafetiva desenvolvida entre pais e filhos biológicos ou não, na convivência cotidiana.
Com o avanço da tecnologia científica surgem novos meios de resguardar a vida humana, assim, o indivíduo busca no ordenamento jurídico o direito de saber sua origem genética, com o intuito de prevenir doenças e não objetivando direitos sucessórios ou desfazer os laços familiares constituídos.
Diante da inexistência de um procedimento específico em lei, de uma ação para a busca da origem genética torna-se viável propor a ação de investigação de paternidade, porém com efeitos limitados, pois na investigação de paternidade quando a ação é julgada procedente gera efeitos de reconhecimento patrimonial e moral, o que não se busca numa ação de investigação de ascendência genética, sendo assim, a ação de investigação de paternidade tem efeitos diferentes do desejado na investigação de origem genética.
Por fim, conhecer a identidade genética é um direito personalíssimo, que deve ser proposto através de ação de investigação de paternidade, o que não significa, por exemplo, que no caso dos filhos adotados, seja desconstituída a paternidade ou a superioridade da filiação biológica em face da filiação socioafetiva, apenas visa conhecer a história genética.
6 DIFERENÇAS ENTRE A AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO E DE ASCENDÊNCIA GENÉTICA
Nos últimos anos, os avanços proporcionados pela engenharia genética trouxeram vários benefícios para a sociedade, como a vantagem que a informação genética oferece para a cura de enfermidades, além de revelar nossa herança e a vinculação com nossos parentes e familiares, ou seja, quando se busca informação sobre os antecedentes, na realidade se pretende conhecer sobre si mesmo, além disso, como conseqüência trouxe também várias indagações ao Direito, por não existir normas específicas acerca do tema.
Dessa forma, no ordenamento jurídico brasileiro não existe uma proteção efetiva da identidade genética, por isso, existe um entendimento na doutrina, no sentido de reconhecer como meio adequado para o conhecimento da origem genética a ação de investigação de paternidade prevista na Lei nº 8.560/92, porém, esta ação não é adequada para o fim que se pretende, pois são institutos diferentes.
Na ação de investigação de paternidade tem-se o reconhecimento forçado do filho, decorrente de decisão judicial, trata-se de uma ação de estado, de natureza declaratória e imprescritível, também é personalíssimo e indisponível, conforme o art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que assim dispõe, “o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça”.
Os efeitos da sentença que declara a paternidade são os mesmos do reconhecimento voluntário e também ex tunc, pois retroage a data do nascimento, conforme art. 1.616 do Código Civil. Vale ressaltar, que a ação de investigação de paternidade é imprescritível, porém os efeitos patrimoniais do estado da pessoa prescrevem em dez anos, a contar não da morte do suposto pai, mas do momento em que foi reconhecida a paternidade, conforme esclarece a Súmula nº 149 do STF que diz, “é imprescindível à ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança”, assim, a qualquer tempo o filho têm o direito de vindicar a sua paternidade.
A legitimidade para a ação é exclusiva do filho, mas a contestação pode ser feita por qualquer pessoa, que tenha justo interesse, o que significa dizer que interessados são todos aqueles que possam ser afetados pela decisão judicial, a saber, o genitor biológico, o genitor registrado, se houver, o genitor socioafetivo (hipótese comum para o cônjuge ou companheiro da mãe), o cônjuge ou companheiro do suposto genitor e os herdeiros deste, no entanto, os parentes colaterais, inclusive os irmãos, não tem interesses juridicamente protegidos para ajuizamento da ação.
A Lei nº 8.560/92 permite que a referida ação seja ajuizada pelo Ministério Público, na qualidade de parte, havendo elementos suficientes, quando o oficial do Registro Civil encaminhar ao juiz os dados sobre o suposto pai, fornecidos pela mãe ao registrar o filho (art.2º, § 4º), ainda que o registro de nascimento tenha sido lavrado anteriormente à sua promulgação, trata-se de legitimação extraordinária deferida aos membros do Parquet, na defesa dos interesses do investigado.
Com relação à utilização do exame de DNA, nas ações de investigação de paternidade, o exame não confere a paternidade e a filiação a quem quer que seja, porque são conceitos jurídicos, mas confirma ou não a origem genética, ou seja, do exame não sai o pai ou a mãe, mas o genitor biológico, que pode ser eventualmente um doador anônimo de sêmen ou de óvulo, todavia, ninguém pode ser constrangido a fornecer amostras do seu sangue para a realização da prova pericial, mas a negativa do réu pode levar o juiz, a quem a prova é endereçada, a interpretá-la de forma desfavorável àquele, havendo outros elementos indiciários.
Dessa forma, segundo o art. 231 do CC, “aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa”, complementando o art. 232 do citado código, “a recusa a perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame”. No entanto, a presunção que resulta da recusa do réu em se submeter ao exame hematológico não deve, ser tida como absoluta, merecendo ser desconsiderada quando contrariar outros elementos indiciários constantes dos autos, como a não comprovação das relações sexuais com a mãe do investigante e a farta demonstração da exceptio plurium concubentium por viver esta na zona do meretrício.
A prova pericial genética, embora importante, não é o único meio hábil para a comprovação da filiação, mesmo porque nem sempre se torna possível sua realização, assim, tem-se decidido que diante da ausência do exame de DNA, admitem-se outros tipos probatórios, como o documental e o testemunhal, tais provas servem ainda para colaborar com a prova técnica, reforçando a certeza científica, ou para contradizê-la, exigindo a realização de novo exame, em laboratório diverso, assim, a recusa do investigado pode levar a presunção ficta da paternidade, desde que, observado o conjunto probatório, pois a recusa ao exame pode reforçar a prova, mas sozinho não deve ser considerado como prova suficiente para declarar o vínculo de existência de paternidade.
Quando o filho for maior de 18 anos e capaz é necessário seu consentimento para que o reconhecimento voluntário, pois a filiação não pode ser imposta, ainda que seja indiscutível a origem biológica, porém o consentimento do filho menor é dispensado por duas razões: em virtude da regra geral da incapacidade, o que impede de ser considerada sua manifestação de vontade, e em virtude da presunção de ser feito o reconhecimento em seu benefício.
A lei não estabelece qualquer forma especial para o consentimento, quando for prestado perante o oficial do registro de nascimento, este o tomará por termo e averbará. Se o pai foi acompanhado do filho ao cartório de registro de nascimento, o oficial recolherá ambas as manifestações para fins da averbação.
Segundo Lôbo (2009), o reconhecimento não depende do consentimento, para que possa ser considerado válido, se for realizado mediante uma das espécies previstas no art. 1.609 do Código Civil (no registro do nascimento, por escritura pública, por escrito particular arquivado em cartório, por testamento ou por manifestação direta e expressa perante o juiz). Todavia, sua eficácia, inclusive para fins de averbação no registro do nascimento, só pode ser produzida quando houver consentimento, ainda que posterior. Se o reconhecimento do filho maior não vier acompanhado do consentimento deste, nunca produzirá efeitos.
Assim na ação de investigação de paternidade a sentença judicial supre a falta do reconhecimento voluntário e será averbada no registro de nascimento do filho, do mesmo modo que o ato de reconhecimento voluntário. A averbação gera a presunção da paternidade, com todo o complexo de direitos e deveres atribuídos à relação entre pai ou mãe e filho. Não poderá haver averbação da sentença e, portanto, não produzirá efeitos, enquanto não se der cancelamento ao registro anterior, se houver. Outro efeito da sentença que reconhecer a paternidade é o da fixação de alimentos provisionais e definitivos do reconhecido que deles necessite, conforme prevê o art. 7º da Lei nº 8.560, que o juiz deverá determinar, ainda que não tenha havido pedido expresso do interessado, além disso, a Súmula nº 1 do STJ enuncia que o foro do domicílio ou da residência do alimentando é o competente para a ação de investigação de paternidade, quando cumulada com a de alimentos.
Desse modo, os filhos poderão pesquisar sua verdade biológica, mesmo em detrimento da paternidade socioafetiva, através da ação de investigação de paternidade ou maternidade, entretanto, a decisão judicial apenas declara o genitor biológico pois, ser pai ou mãe não é uma questão hereditária mas envolve outros assuntos como por exemplo, a pessoa que cria, estar presente nas dificuldades e alegrias, educar, enfim, o importante é a pessoa que realmente exerce a função de pai ou de mãe prevalecendo o que for melhor para a criança ou o investigante.
Na ação de investigação de ascendência genética, o objetivo é assegurar o direito da personalidade, na espécie direito a vida, segundo Catão (2004, p.155):
“A vida humana constitui o elemento primordial e estruturador da personalidade, na medida em que a unifica e lhe permite desenvolver-se. Assim, a vida deve ser considerada em sua totalidade biológica, desde a concepção até a morte. E a tutela da personalidade humana individual implica na proteção, quer da vida humana pré-natal, quer da vida humana pós-natal, incluindo, nesse caso, toda a fase de crescimento e maturidade, até a morte.”
Assim, cada pessoa compartilha totalmente do bem insubstituível que é a vida, de modo único e irrepetível, não podendo comparar a sua vida com a das outras pessoas pois, todas as pessoas tem a mesma dignidade vital, independente de raça, sexo, condição social, etc, por isso, o art.5º caput da CF/88 a declara inviolável e, é nesse contexto, que o ordenamento jurídico impõe a terceiros, em determinadas circunstancias deveres de ação de modo a evitar a lesão desse inestimável bem.
Nesse sentido, torna-se fundamental que o indivíduo possa saber a sua origem genética, visto que, os dados da ciência atual apontam para a necessidade das pessoas conhecerem a história de saúde de seus parentes biológicos próximos, para a prevenção de problemas de saúde que no futuro possa ter, desse modo, torna-se fundamental saber as bases biológicas da identidade do ser humano.
Para conhecer a origem genética, não há necessidade de se atribuir a paternidade a alguém, o que significa dizer que, ter direito ao conhecimento da origem genética não significa discriminação ou preponderância da filiação biológica em face da filiação socioafetiva, apenas garante a certeza da origem genética como, por exemplo, as pessoas que foram geradas por doadores anônimos de sêmen, ou o que foi concebido por inseminação artificial heteróloga, logo, são casos em que as pessoas não precisam de um pai e sim saber sua origem genética.
Sendo assim, podemos citar ainda como exemplo os adotados, que demonstram que o direito à origem genética não se confunde com a investigação de paternidade, tendo em vista, que o direito ao conhecimento da origem genética não significa necessariamente direito à filiação. Sua natureza é de direito da personalidade, de que é titular cada ser humano, portanto, uma coisa é reivindicar a origem genética, outra a investigação de paternidade, desse modo, busca-se o direito ao patrimônio genético, que é de suma importância em casos de doenças curáveis através da compatibilidade consanguínea e da possibilidade de realização de transplantes de órgãos e tecidos, e certas doenças como a leucemia.
Conforme Pereira (2009), com o aumento dos exames genéticos, principalmente pelo fato de não existirem duas pessoas com igual seqüência de DNA em todo mundo, exceto os gêmeos univitelinos que possuem o mesmo padrão de DNA, a perícia genética tem provocado uma revolução nos meios jurídicos, haja vista, que na investigação de paternidade a recusa em realizar o exame comprobatório de paternidade, resultou na aprovação da Súmula nº 301 do STJ, estabelecendo que na recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade, todavia, ao buscar a identidade genética o individuo visa identificar seu ascendente genético, principalmente, se esta busca for motivada por questões de saúde.
Neste contexto, o Estado não pode ficar imparcial diante da realidade científica que progride a cada dia, sendo assim, deve acompanhar esse desenvolvimento estabelecendo mecanismos jurídicos que possam auxiliar na investigação da ascendência genética, tendo em vista, que atualmente não existe um instituto próprio para este fim.
O direito de investigar a origem genética diz respeito ao ser humano em particular, pois é um direito personalíssimo, dessa forma, não pode ser renunciado por quem não seja o seu titular, também não pode ser objeto de empecilho pelo Estado, visto que, o Direito e a ciência devem caminhar juntos, pois com o progresso científico o Direito tem se deparado com situações novas e nem sempre está em condições de oferecer respostas adequadas para a realidade ou fenômenos novos, como ocorre com a investigação da ascendência genética.
Portanto, diante da defasagem entre a formulação legal e o desenvolvimento científico, o ordenamento jurídico se torna indefinido em alguns assuntos, contudo, o conhecimento deve estar sempre a serviço da humanidade e por isso o Direito protege valores como a vida, a dignidade humana, a saúde, entre outros, com isso, o avanço das técnicas cientificas e o direito pode levar a humanidade a uma vida melhor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente o conceito de paternidade encontra-se vinculado ao conceito biológico e socioafetivo, ou seja, a filiação é determinada não apenas em face do vínculo biológico, mas também em face do vínculo socioafetivo, pois o que se busca é o melhor interesse da criança, assim, forma-se a filiação e, esta filiação socioafetiva não poderá ser contestada, prevalecendo sobre as outras formas de filiação, ainda que sobre a biológica. Dessa forma, o vínculo de filiação quando formado, não pode mais ser contestado, impondo direitos e obrigações relativos a filiação.
Ao reconhecer o filho de forma voluntária o pai ou a mãe cumpre o dever legal de fazê-lo, caso contrário, serão condenados por decisão judicial, em ação de investigação de paternidade ou maternidade, assim, na ação de investigação de paternidade é permitido ao filho obter a declaração de seu respectivo status familiae e segundo o CC pode ser ajuizada a ação sem restrições por qualquer filho havido fora do casamento, requisitando ainda, como único meio de prova o exame de DNA.
Os efeitos da sentença de investigação de paternidade são declaratórios, pois servem para fazer ingressar no mundo jurídico uma situação que já existia de fato, além disso, tem caráter personalíssimo, cabendo somente ao filho o direito de postular, exceto, se for incapaz, pois terá como representante a mãe ou uma pessoa devidamente habilitada legalmente.
Ademais, nesta ação a recusa do investigado em submeter-se ao exame hematológico, induz presunção juris tantum de paternidade, desde que, apreciado com outras provas, contudo, o reconhecimento de um filho gera efeitos de natureza patrimonial e cunho moral, formando uma relação jurídica entre pai e filho, tornando o seu reconhecimento irrevogável, dessa forma, a Lei nº 8.560/92 que regula a investigação de paternidade, permitiu ao juiz atribuir a paternidade a alguém que se recusa a fazê-lo de forma espontânea.
A ação de investigação de ascendência genética tem como objetivo pleitear o direito a origem genética, buscando nos ascendentes a identificação genética do indivíduo, pois se necessário poderá adotar medidas preventivas de saúde, por isso, não se confunde, a investigação de paternidade, pois esta visa estabelecer a filiação, constituindo laços de afeto e determina relações de parentesco.
O direito de investigar a origem genética é personalíssimo, irrenunciável e imprescritível, sem que isso implique em outros direitos essenciais à filiação, como o direito sucessório e atribuição de paternidade, além disso, o direito ao conhecimento da origem genética não implica em desconstituição ou preponderância da filiação biológica em face da socioafetiva, apenas assegura a certeza da origem genética, pois a informação genética revela a sua herança e conexão com a família e parentes, por se transmitir entre gerações, sendo assim, cada indivíduo é dotado de uma configuração genética característica e nela influem diversos fatores educativos, ambientais e pessoais, bem como, relacionamentos afetivos, sociais e culturais dele com outros seres humanos.
O direito de conhecer a origem genética encontra embasamento nos direitos da personalidade, na espécie direito a vida, assim, como direitos da personalidade devem ser entendidos como aqueles que o indivíduo tem em face de sua própria condição e que são resguardados a partir do momento em que surge o ser humano, aliás, são todos os direitos imprescindíveis a realização da personalidade humana, se caracterizam por direitos essenciais, irrenunciáveis, imprescritíveis, entre outros.
Contudo, não existe no nosso ordenamento jurídico uma ação específica para a investigação de ascendência genética e a ação de investigação de paternidade não é o meio adequado para tal finalidade, por ter efeitos diversos do pretendido, haja vista, que o objetivo da ação é apenas o conhecimento da origem e não extinguir um parentesco constituído.
Para concluir, propõe-se um projeto de lei para criação de uma legislação específica, que possibilite ao indivíduo conhecer sua história genética, até mesmo por uma questão de saúde, pois com os avanços científicos e os novos tratamentos de saúde, vão surgindo novas técnicas capazes de salvar vidas e restabelecer a saúde das pessoas, protegendo assim, o direito fundamental que é a vida.
Assim, esperamos que este trabalho estimule a reflexão desta temática e a realização de novos estudos e pesquisas nesta área.
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Bacharel em direito pela UNESCe em serviço social pela UEPB
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba, Especialista em Direito Processual Civil e Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Mestrando em Desenvolvimento pela UEPB/UFCG, professor das disciplinas de Direito Processual Civil e Teoria Geral do Processo do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos (CESREI), professor da Disciplina de Direito Processual Civil e Juizados Especiais da UNESC Faculdades, professor de cursinhos preparatórios para concursos e para o Exame da OAB . Advogado Militante e Palestrante
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