Ação popular constitucional

Resumo: Este trabalho acadêmico estuda a importância e a necessidade da ação popular constitucional enquanto ferramenta de fiscalização e controle da Administração Pública em geral e de entidades que são subvencionadas com o dinheiro público. Por meio de uma abordagem histórica e análises jurídica, doutrinária e jurisprudencial, são expostos os aspectos relevantes referentes ao tema proposto, desde seu surgimento até seu cabimento nos moldes atuais. Detalha os meios que o autor popular deve se pautar para utilização da ação popular constitucional, assim como, busca destacar os incentivos trazidos pelo legislador na criação de tal instituto jurídico. Também é proposto um debate sobre a possibilidade de controle de constitucionalidade em sede de ação popular. As peculiaridades processuais da referida ação, igualmente importantes, são trazidas de forma clara e didática, a fim de que qualquer leitor se adapte bem ao entendimento desta obra. Ressalta-se que este estudo foi fundamentado sob o enfoque jurídico, doutrinário e histórico-sociológico. A técnica de pesquisa utilizada foi a bibliográfica-doutrinária, onde teve a aderência de vários ramos do Direito, principalmente os Direitos Constitucional, Administrativo, Processual, Civil, Penal e Ambiental. A pesquisa de campo também foi empregada, com levantamentos de dados estatísticos da ação popular junto ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

Palavras-chaves: Ação Popular. Patrimônio Público. Administração Pública. Remédio Constitucional. Controle Social.

Abstract: This academic work studies the importance and the need for constitutional popular action as a supervision and control tool of Public Administration in general and entities that are subsidized with public money. Through a historical approach and legal, doctrinal and jurisprudential analysis, the relevant aspects related to the proposed theme, from its inception to its appropriateness in today molds, are exposed. Details the ways that popular author must be guided to use the constitutional popular action, as well as, seeks to highlight the incentives brought by the legislature in creating such a legal institute. It is also proposed a debate on the possibility of judicial review on the application of the popular action. The procedural peculiarities of this action, equally important, are brought in a clear and didactic way, so that any reader adapts well to the understanding of this work. It is emphasized that this study was based on the legal, doctrinal and historical-sociological approach. The research technique used was the bibliographical-doctrinal, where there was the grip of various areas of law, especially Constitutional, Administrative, Procedural, Civil, Criminal and Environmental Rights. The field research was also used, with statistical data collections of popular action at the Court of Justice of the Distrito Federal and Territories.

Keywords: Popular Action. Public Property. Public Administration. Constitutional Remedy. Social Control.

Sumário: Introdução. 1. Jornadas de junho, panelaço e ação popular. 2. Histórico da ação popular. 2.1. Origem – Direito Romano. 2.2. Na Idade Média. 2.3. Idade Moderna e Idade Contemporânea. 2.4. No Direito Brasileiro. 3. Noções gerais sobreação popular. 3.1. Conceito. 3.2. Finalidade. 3.3. Bens tutelados. 4. Aspectos processuais da ação popular. 4.1. Pressupostos da ação popular. 4.1.1. Da Lesividade, da Ilegalidade e da Imoralidade. 4.2. Objeto. 4.3. Legitimação ativa. 4.3.1. Ação Popular, hipótese de substituição processual?. 4.4. Legitimidade passiva. 4.5. O papel do Ministério Público. 4.6. Competência. 4.7. Sentença e coisa julgada. 4.8. Recurso. 4.9. Execução. 4.10. Peculiaridades processuais. 5. Ação popular e outros institutos. 5.1. Considerações iniciais. 5.2. Ação popular e ação civil pública. 5.3. Ação popular e mandado de segurança coletivo. 5.4. Ação popular e iniciativa popular. 6. Considerações finais. Referências.

INTRODUÇÃO

A ação popular constitucional, decorrente de toda uma dialética histórica, hoje representa um instrumento popular democrático que garante a participação ativa de qualquer cidadão nas funções de fiscalizar e de proteger o patrimônio público.

Contudo, não obstante a ação popular ser integralmente resguardada pela a Carta Magna vigente, perceber-se-á que, apesar de todo avanço democrático, ela ainda não é perfeitamente difundida da forma que merece e nem explorada em todo seu potencial por parte dos cidadãos.

Nos dias atuais, mais do que nunca, a ação popular deve ser vista como uma ferramenta no combate à corrupção, ao mau uso do dinheiro público, assim como contra os atos imorais que mancham a moralidade e os princípios que norteiam ou, pelo menos, deveriam nortear a administração pública em geral.

A análise da dita ação constitucional demanda a exposição de vários aspectos históricos e positivados na lei, além do esclarecimento de pontos jurídicos controversos.

Tal instrumento democrático se inspira na necessidade de aprimorar a tutela do interesse público, ficando a cargo do cidadão a faculdade de provocar o provimento jurisdicional estatal para defesa de seus interesses.

Como metodologia científica, este trabalho acadêmico se pautou nos seguintes métodos: histórico-sociológico (investigação de fatos, processos e instituições ao longo do tempo); dedutivo (apreciação da visão geral para visão particular). No que tange à técnica de pesquisa, empregou-se a bibliográfica-doutrinária, reunindo interdisciplinarmente Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Processual, Direito Civil, Direito Penal e Direito Ambiental; e também se empregou a pesquisa de campo, junto ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, com levantamentos de números referentes a processos da ação popular.

A presente pesquisa acadêmica, como dito antes, de cunho interdisciplinar, busca contribuir para o enriquecimento dos debates acerca do tema, assim como melhorar seu esclarecimento e sua divulgação para a sociedade em geral, em especial a cada cidadão, uma vez que a ação popular constitucional é uma ferramenta importantíssima para o combate à corrupção e para a defesa da coisa pública, que – na conjuntura dos dias atuais vividos pelo Brasil e diante da má utilização da máquina pública – necessitam de uma maior e mais efetiva participação popular.

1 JORNADAS DE JUNHO, PANELAÇO E AÇÃO POPULAR

A ideia central deste artigo acadêmico – ação popular constitucional – foi definida em decorrência da onda de protestos que aconteceram e vem acontecendo no Brasil, em especial as chamadas “Jornadas de Junho” (AL’HANATI, Yuri, Gazeta do Povo, 2013) e o “Panelaço”. (REDAÇÃO, Carta Capital, 2015).

Além do mais, diariamente nos noticiários brasileiros, aparecem ininterruptos casos de corrupção que colocam o Brasil, segundo Organização de Transparência Internacional (G1, 2014), na posição 69º, entre 175 países, no ranking da corrupção.

Diante disso, este trabalho acadêmico surgiu com a intenção de evidenciar uma ferramenta constitucional que está à disposição de qualquer cidadão brasileiro e que, quando utilizada, torna-se um instrumento efetivo no combate ao mau uso do dinheiro e do patrimônio público, assim como, no combate à imoralidade administrativa e contra atos lesivos ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

As manifestações realizadas no Brasil em 2013, também chamadas de Manifestações dos 20 centavos ou Jornadas de Junho, foram uma série de protestos espalhados por várias capitais e cidades do país, que tiveram início com o propósito de contestar o aumento dos preços do transporte público. Porém, ao longo da jornada dos protestos, tais manifestações foram ganhando força e apoio popular e, quando se viu, milhões de brasileiros estavam postos às ruas, agora não mais só para reivindicar redução de tarifas no transporte, mas, sim, com um objetivo mais amplo, dentro de uma gama de demandas por parte dos serviços públicos, incluindo o fim da corrupção, melhoria na saúde e na educação, gastos com a Copa do Mundo, reforma política, repressão policial, etc. (MILLER, Gustavo, G1, 2015).

Os Panelaços ocorridos no Brasil entre 2014 e 2015 foram manifestações contra a situação política do país, contra a gestão do governo, contra os aspectos negativos da economia, contra a insegurança…, enfim, a população insatisfeita organizou este movimento social para exigir mudanças na postura das autoridades públicas e no trato do patrimônio público em geral.

Assim, torna-se necessário, fundamental, demonstrar à população brasileira, em especial, ao cidadão, que ele tem condições plenas – por meio da ação popular constitucional – de ser um fiscal do bem comum, de exercer o controle sobre o Poder Público ou sobre entidade de que este participe, assim como, proceder pela condenação dos responsáveis pelo o ato lesivo ao pagamento de perdas e danos ou à restituição de bens e valores.

A ação popular hoje é totalmente resguardada pela Constituição Federal, porém, apesar dessa proteção e de todo o avanço democrático, este instrumento popular não é difundido na forma que merece à população e nem é utilizado em todo o seu potencial pelos cidadãos brasileiros.

Em levantamento realizado pela Coordenação de Projetos e de Sistemas de Primeira Instância do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, foram pesquisados processos distribuídos e sentenciados nos anos de 2013 e 2014 nas Varas de Fazenda Pública do Distrito Federal. Há, ainda, dados de processos em tramitação, que se referem àqueles distribuídos em qualquer data até o final de 2013 e 2014. Por tal razão, quanto aos processos em tramitação, há processos que foram contabilizados tanto em 2013 quanto em 2014, veja gráfico:

Como visto, de acordo com o gráfico 1, o número de ações populares é baixíssimo. Daí a importância de divulgação e de explicação sobre o que vem a ser a ação popular, qual sua finalidade, quando se dá seu cabimento, quais os bens tutelados, enfim, há uma série de peculiaridades que precisam ser expostas para que a referida ação constitucional passe a ser utilizada amplamente pelos cidadãos brasileiros.

Vale também destacar que quando este instituto popular foi criado, a intenção precípua do legislador constituinte era fazer de cada cidadão um fiscal do bem comum, ou seja, fazer cada cidadão um responsável pela coisa pública… daí o surgimento da ação popular constitucional: uma ferramenta outorgada a qualquer cidadão, com o cunho de buscar, perante o Poder Judiciário, um provimento que invalide atos lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

2 HISTÓRICO DA AÇÃO POPULAR

2.1 Origem – Direito Romano[1]

Roma, em seu início de desenvolvimento, estava longe de autorizar um indivíduo particular a exercer efetivamente alguma forma de controle na fiscalização do próprio Estado. Porém, Rodolfo de Camargo Mancuso pondera que, por mais rudimentar que se apresentasse, já existia um vínculo natural entre o cidadão e a nação romana. Assim, o autor explica que:

“[…] a falta de um ‗Estado‘ bem definido e estruturado, era ‗compensada‘ com a noção atávica e envolvente do que fosse o ‗povo‘ e a ‗nação‘ romanos. Ou seja, a relação entre o cidadão e a res publica[2] era calcada no sentimento de que esta última ‗pertencia‘ em algum modo a cada um dos cidadãos romanos […]” (MANCUSO, 2001, apud CONSELVAN, 2009).

Assim, José Afonso da Silva (1968, p. 13) comenta que naquele tempo o povo tinha uma noção de que tudo que estava sob a proteção do Estado lhe pertencia também. Deste modo, aquele que exercia seu direito perante a coisa pública, além de atuar como parte, representava igualmente os demais.

É claro que tal ação popular, em Roma antiga, não estava nos moldes que se encontra atualmente. Naquela época para o cidadão se utilizar das ações populares, deveria ele ser o titular do direito violado, tanto na esfera privada quanto na pública. Dessa forma, para atuar como parte e representante do direito violado, este deveria ser um direito coletivo stricto sensu[3], e não difuso[4] – como agora prevê a Carta Magna. (MANCUSO apud CONSELVAN, 2009, p. 28).

Rodolfo de Camargo Mancuso (apud CONSELVAN, 2009) também explica que mais tarde as ações populares, em Roma, foram se estendendo para outras pessoas que não tinham cumulativamente interesses privados a serem tutelados. Sendo, neste caso, um grande avanço no exercício da cidadania, pois a ação popular não ficava mais restrita, como dito anteriormente, ao indivíduo que cumulasse interesse privado e público.

Alguns exemplos de ações populares em Roma são: sepulchro violato, concedido pelo pretor no caso de violação de sepulcro, coisa santa ou religiosa; effusis et deiectis, que era contra quem atirasse, de casa, objetos na rua pública; albo corrupto, utilizada em desfavor de quem cometesse adultério; positis et suspensis; contra pessoas que tivessem objetos em sacadas ou em beirados de telhados e que pudessem cair sobre outras pessoas. (SILVA, 1968, p. 21).

Percebe-se que não existe um instituto específico ou algum marco histórico que seja tido com percursor da referida ação. Deste modo, o que se pode afirmar é que tal ação sempre esteve presente no direito romano, porém, sem se precisar quando foi seu nascimento (CONSELVAN, 2009, p. 31/32).

2.2 Na Idade Média[5]

Segundo a visão eurocêntrica estabelecida no século XVIII, a Idade Média estaria no meio da história, entre a Idade Antiga e a Idade Moderna (VICENTINO & DORIGO, 2002, p. 104). Neste período existia o autoritarismo feudal, as monarquias absolutistas, a “religiosidade ambígua e aterrorizante da Santa Inquisição”. Ou seja, havia um conjunto de fatores que não autorizava a se falar em participação popular na manutenção e fiscalização do Estado Feudal, conforme relata Mancuso (2001, apud CONSELVAN, 2009), que ainda segue argumentando:

“[…] que a opinião mais verossímil seja a de Tomaso Bruno, acatada dentre nós por José Afonso da Silva: […] o direito bárbaro não conheceu esse instituto de modo específico […] Certo é, enfim, que o modo amplo e seguro, onde esta foi reconhecida, sancionada, aplicada e interpretada entre os romanos, não encontra nenhuma correspondência no direito feudal, nem no estatutário‘.”

Outro argumento, também importante sobre a impossibilidade de ação popular no período medieval, relaciona-se com a divindade dos reis, observe:

“[…] os soberanos naquela época tinham como instrumento legitimador de suas autoridades a origem divina de seus poderes. Desse modo, […] ‗é rei porque assim quis deus‘. Diante dessa argumentação […] ao soberano era atribuída a qualidade da infalibilidade, esta que não permitiria a um qualquer do povo questionar o governo […] vendo assim os afastamentos da ação popular como meio de participação política.” (RAMOS, 1991, apud CONSELVAN, 2009, p.34).

Mesmo diante de tais fatos negando a viabilidade das ações populares na Idade Média, ainda existem alguns autores, como por exemplo: Elival da Silva Ramos, que sustentam que a ação popular não desapareceu propriamente, apenas passou por uma crise com o poder político da época, tendo discreta aparição nos estatutos de algumas comunas medievais (CONSELVAN, 2009, p. 33).

2.3 Idade Moderna[6] e Idade Contemporânea[7]

Conforme declina Rodolfo de Camargo Mancuso (2001), após a Idade Média, superando o absolutismo e o despotismo, surge a figura do Estado Liberal no chamado Direito Moderno, onde aparece novamente a ideia de que a coisa pública pertence ao povo. Assim, segundo Conselvan (2009), renasce a ação popular em 1936 na Bélgica, em 1937 na França e, posteriormente, na Inglaterra e na Itália, restabelecendo-se, desta forma, no continente europeu.

Em Portugal, era admitida desde as Ordenações, desde que o bem tutelado se pautasse em coisa de uso comum do povo e importante para a coroa portuguesa (MANCUSO, 2001).

No direito espanhol, tal ação apareceu no texto constitucional de 1931, em seu artigo 123, nº 4, que a consagrou, sobretudo, em matéria criminal. Porém, foi mal regulamentada e pouco difundida, levando-a a ser suprimida, segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2010, p. 352), que ainda afirma que houve medidas semelhantes no Direito da Prússia, de Humburgo, de Bremen, no período nazista, da Baviera pós-nazista, da Itália antes do fascismo etc.

Ferreira Filho (2010) também pontua que “na França um autor como Vedel (Droit administratif, Paris, 1961, p. 403) assinala pontos de contato entre o recurso por excesso de poder e as ações populares romanas”.

Na América Latina convém destacar o direito argentino, onde existiu ação popular em matéria eleitoral em 1912, precisamente na lei 8871, chamada Lei Saenz Peña (MANCUSO, 2001, p. 51).

De maneira geral, as ações populares eram diferenciadas pelo o seu alcance e pelo seu conteúdo.

2.4 No Direito Brasileiro

Preliminarmente, antes de se narrar o histórico da ação popular no Brasil, insta salientar que o Direito Romano era aplicado subsidiariamente quando inexistiam leis portuguesas aqui no país tupiniquim. Portanto, conforme orientação de Conselvan (2009, p. 37), o Brasil “se socorria na legislação portuguesa em razão de ser um Estado incipiente, bem como, no Direito Romano, uma vez que restou vago o direito português.”.

Dessa forma, deve-se introduzir a ação popular no percurso da história brasileira a partir das Ordenações, segundo entendimento de José Afonso da Silva:

“[…] os primeiros documentos que contemplaram a ação popular em território brasileiro foram as ordenações, ou melhor, todo o regime das ordenações. Este que as prevê conforme o direito romano, quer dizer que tal ação tem as mesmas características, sendo elas; a possibilidade de ser intentadas por qualquer do povo e a faculdade de pleitear a conservação ou a defesa de coisas públicas”. (SILVA, 1968, p. 13).

Pedro Lenza (2011, p. 957) explica que embora a Constituição de 1824 falasse em ação popular no seu art. 157[8], tal ação tinha um caráter disciplinar ou mesmo penal. Deste modo, ele concorda com Rodolfo de Camargo Mancuso ao sustentar que a Constituição de 1934 foi o primeiro texto constitucional a dar guarida à ação popular.

Neste raciocínio, Mancuso (2001, p. 55) argumenta que a ação popular apareceu na Constituição de 1934, no item 38 do art. 113, dizendo que: “Qualquer cidadão será parte legitima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios.”. Assim, segundo o mesmo autor, já se podia vislumbrar uma ideia de proteção patrimonial em relação aos entes federativos.

Neste referido período, houve muita polêmica e reações contra a inserção da ação popular no texto constitucional de 1934, no sentido de que alguns juristas e doutrinadores da época entendiam que o Ministério Público poderia ser melhor e mais eficiente que o cidadão para propor a ação popular. (MANCUSO, 2001).

Na Constituição de 1937 não existiu previsão expressa da ação popular, que só ressurgiu em 1946. Porém, nesse intervalo entre as Constituições de 1937 e de 1946, sobreveio o Código de Processo Civil em 1939. Neste contexto, Rodolfo de Camargo Mancuso faz os seguintes comentários:

Os pálidos encômios com que a ação popular veio recepcionada […] não foram, porém, suficientes para que ela sobrevivesse ao advento do Estado Novo e assim foi que, decorridos cerca de três anos de sua fugaz existência, não resistiu ela ao tacão da ditadura que se veio a instalar, acabando suprimida na Carta outorgada em 1937 […]

No intervalo ocorrido entre a Constituição de 1937 e de 1946, sobreveio o Código de Processo civil, em 1939. […] que represtinou antiga ação popular prevista no art. 13 do Dec. 173/1893, ao dispor em seu art. 670: ‗A sociedade civil com personalidade jurídica, que promover atividade ilícita ou imoral, será dissolvida por ação direta, mediante denúncia de qualquer do povo, ou do órgão do Ministério Público‘”. (MANCUSO, 2001, p. 55/57).

Depois de passada a ditadura, período esse ao qual Rodolfo de Camargo Mancuso (2001) atribui como o período das trevas ditatorial, ressurge a ação popular nos debates da Assembleia Constituinte de 1946, nos moldes do parágrafo 38 do art. 141, que dizia o seguinte: “Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista.”. Assim, com essa nova inserção da ação popular, Mancuso leciona que houve uma ampliação do seu alcance, conforme se observa:

“[…] facilmente se percebe […] que não se cuidou apenas de uma reintrodução da ação popular no cenário jurídico-constitucional, mas de uma sensível ampliação de seu objeto, que agora albergava também a administração indireta […]”. (MANCUSO, 2001, p. 57).

Neste mesmo entendimento em relação à ampliação do alcance da ação popular para com a administração indireta, José Afonso da Silva (1968, p. 35) comenta que esse fato decorre do processo evolutivo da administração pública, que vem se descentralizando, bem como do “fenômeno moderno do intervencionismo estatal através de empresas públicas e das sociedades de economia mista”.

Sobre a Constituição de 1967, Mancuso (2001, p. 59) salienta que:

“[…] a ação popular aparecia com uma dicção aparentemente semelhante à da Carta de 1946, mas na verdade, ao utilizar a expressão ‗entidades públicas‘ […] o constituinte acabou por empobrecer o espectro subjetivo da ação, sabido que na rubrica ‗entidades públicas‘ não se encaixam, propriamente, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, que, como se sabe, têm natureza e estrutura de entidade privada […]” (MANCUSO, 2001, p. 59).

Mancuso também declina que apesar desse “empobrecimento” do texto constitucional, havia uma Lei anterior que explicitava os entes da administração indireta, veja:

“[…] Felizmente, a lei regulamentadora – n. 4717/65 – providencialmente promulgada dois anos antes, fora explícita em enumerar os entes da administração indireta alçados no âmbito da ação popular (entidades autárquicas, sociedades de economia mista, sociedades mútuas de seguro, empresas públicas, serviços sociais autônomos, fundações, pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos), o que veio a contornar razoavelmente o problema” (MANCUSO, 2001, p. 59).

Quanto à Emenda Constitucional n. 1 de 1969 – que na verdade deu nova redação ao texto constitucional de 1967 e, por isso, é considerada por muitos uma nova constituição – ela teve redação idêntica à Constituição de 1967: “Art. 153, § 31. Qualquer cidadão será parte legítima para propor ação popular que vise a anular atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas.” (BRASIL, 1969).

Finalmente, tratar-se-á agora da ação popular na Constituição Federal de 1988, que segundo Rodolfo de Camargo Mancuso (2001), optou-se por um critério mais abrangente e analítico, possibilitando o questionamento de atos que ferem a moralidade administrativa, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural.

O atual texto constitucional expressa o seguinte:

“Art.5º, LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”. (BRASIL, 1988).

Tal dispositivo constitucional é regulamentado pela Lei 4.717, de 29 de junho de 1965, conhecida como a Lei da Ação Popular – LAP. Lei essa que, apesar de ser dos anos sessenta, ainda está em pleno vigor.

3 NOÇÕES GERAIS SOBRE AÇÃO POPULAR

3.1 Conceito

Para se conceituar a ação popular de forma plena, deve-se levar em conta sua origem e seus momentos históricos e, consequentemente, depois de tudo isso, chegar aos moldes atuais. Neste contexto, melhor reluz o conceito da referida ação José Afonso da Silva:

“O nome ação popular deriva do fato de atribuir-se ao povo, ou a parcela dele, legitimidade para pleitear, por qualquer de seus membros, a tutela jurisdicional de interesse que não lhe pertence, uti singuli[9], mas à coletividade. O autor popular faz valer um interesse que só lhe cabe […] como membro de uma comunidade […] Mas a ação popular não é mera atribuição de ius actionis a qualquer do povo, ou a qualquer cidadão como no caso da nossa. Essa é apenas uma de suas notas conceituais. O que lhe dá conotação essencial é a natureza impessoal do interesse defendido por meio dela: interesse da coletividade […]” (SILVA, 2010, p. 463).

José Afonso da Silva ainda define a dita ação constitucional como um remédio constitucional pelo qual qualquer cidadão fica legitimado para o exercício de um poder de natureza essencialmente política. Ele afirma que a ação popular “constitui manifestação direta da soberania popular consubstanciada no art. 1º, parágrafo único, da Constituição: todo poder emana do povo […]” (2010, p. 463).

Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2010, p. 352) aponta que tal ação constitucional nasceu da necessidade de se melhorar a defesa do interesse público e da moral administrativa e se inspira na intenção de fazer de todo cidadão um fiscal do bem comum. Assim, nas palavras deste autor, a ação popular é o:

“[…] poder de reclamar o cidadão um provimento judiciário – uma sentença – que declare nulos ou torne nulos atos do poder público lesivos ao patrimônio público, seja do patrimônio das entidades estatais, seja das entidades autárquicas ou sociedades de economia mista”. (FERREIRA FILHO, 2010, p. 352).

Hely Lopes Meirelles conceitua ação popular dizendo que:

“[…] é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos – ou a estes equiparados – ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos” (MEIRELLES, 1997, p. 87). (grifo meu).

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ação popular:

“É a ação civil pela qual qualquer cidadão pode pleitear a invalidação de atos praticados pelo poder público ou entidades de que participe, lesivos ao patrimônio público, ao meio ambiente, à moralidade administrativa ou ao patrimônio histórico e cultural, bem como a condenação por perdas e danos dos responsáveis pela lesão”. (DI PIETRO, 2010, p. 800). (grifo meu).

Com todo o exposto, pode-se finalizar a conceituação da ação popular constitucional brasileira com as palavras do professor José Afonso da Silva (2010, p. 465), onde ele afirma que tal ação é um instituto processual civil, à disposição de qualquer cidadão como remédio constitucional, para a defesa do interesse da coletividade, mediante provocação do judiciário para correção de atos lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

3.2 Finalidade

Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2010, p. 352) já destacava sabiamente que a ação popular “inspira-se na intenção de fazer de todo cidadão um fiscal do bem comum.”. Sendo precipuamente esta sua finalidade.

Nesta esteira de raciocínio, Michel Temer (2003, p. 200) argumenta que a ação popular deriva do princípio republicano. Sendo assim, “se a coisa é do povo, a este cabe o direito de fiscalizar aquilo que é seu.”. Ele explica que a Constituição concede este direito – de fiscalização – sob várias formas. Uma das formas principais é a exercida pelo Legislativo que “fiscaliza a aplicação do dinheiro público por meio do controle externo, além do interno, instituído por lei (no interior do Poder Executivo).”. Além dessa, e, ainda, sob esse prisma, Michel Temer diz que:

“[…] o constituinte não se cingiu à fiscalização por meio de representantes populares. Quis que fosse exercida, também, singularmente, por cidadão brasileiro. Isto para que os titulares da coisa pública possam, individualmente, protegê-la contra atos que a lesionem. A Constituição erige cada um dos cidadãos brasileiros em defensor do patrimônio público”. (TEMER, 2003, p. 200). (grifo nosso).

Por fim, Alexandre de Moraes (2005, p. 166) complementa que, por constituir forma de exercício da soberania popular, é permitido ao cidadão exercer diretamente a função fiscalizatória do Poder Público.

3.3 Bens tutelados

As Constituições anteriores que trouxeram a ação popular a vincularam apenas à proteção do patrimônio público. Não obstante isso, a Constituição vigente ampliou o universo de bens a serem tutelados pela mesma ação. (CARVALHO FILHO, 2007, p. 889).

Leda Pereira Mota e Celso Spitzcovsky (2001, p. 441) afirmam que na noção de patrimônio público “não se incluem apenas os valores em moeda pertencentes à administração direta, indireta e fundacional, mas também o daquelas pessoas jurídicas de que o Estado participe, por exemplo, subvencionando-as.”. Além do mais, eles postulam que:

“[…] a ação popular é eficiente, ainda, para evitar ou coarctar lesão ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultural e para anular atos administrativos que atentem contra o princípio da moralidade que deve, nos termos do art. 37, informar a atuação dos Poderes Públicos”. (MOTA & SPITZCOVSKY, 2001).

Enfim, segundo Carvalho Filho (2007), para fins didáticos[10], pode-se considerar três os bens tutelados: o primeiro sendo o patrimônio público, inclusive o histórico e cultural; o segundo a moralidade administrativa; e o terceiro o meio ambiente.

4 ASPECTOS PROCESSUAIS DA AÇÃO POPULAR

4.1 Pressupostos da ação popular

Genericamente, já se sabe que a ação popular é uma ação civil à disposição de qualquer cidadão. Posto isso, além das condições da ação em geral – interesse de agir, possibilidade jurídica e legitimação para agir -, são pressupostos da ação popular: a qualidade de cidadão no sujeito ativo; ilegalidade ou imoralidade praticada pelo Poder Público ou entidade de que ele participe; lesão ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. (DI PIETRO, 2010, p. 800).

Quanto à cidadania, este assunto – cidadão – será explicado melhor, mais a frente, no tópico Legitimidade Ativa. Inobstante isso, pode-se adiantar que o termo cidadão é utilizado em sua significação técnica como o indivíduo, nacional (nato ou naturalizado), no gozo dos direitos políticos. (MOTA & SPITZCOVSKY, 2001, p. 442). Assim, quem não é detentor dessa qualificação jurídica de cidadão, não pode impetrar essa ação constitucional em pauta (BASTOS, 2002, p. 417).

4.1.1 Da Lesividade, da Ilegalidade e da Imoralidade

Não por acaso, reuniram-se aqui esses três termos: lesividade, ilegalidade e imoralidade, uma vez que a conceituação e as características de cada um deles são bem próximos. Além do mais, a “doutrina e a jurisprudência tem enfrentado o problema de saber se basta a lesividade para autorizar a demanda popular ou se é indispensável a configuração da ilegalidade.” (TEMER, 2003, p. 202).

Michel Temer (2003) argumenta que esta questão pode ser resolvida pela “compreensão de que é impossível a existência de um ato lesivo, mas ‘legal’. É que a lesividade traz em si a ilegalidade.”.

Essa polêmica, também ponderada por Di Pietro (2010, p. 800), refere-se à exigência de ilegalidade juntamente com a lesividade como causa de pedir ou à possibilidade de a simples imoralidade constituir-se em fundamento da ação.

Neste ponto, explica melhor José dos Santos Carvalho Filho:

“[…] tanto a Constituição como a Lei 4.717/65 aludem à anulação de atos lesivos, mas o diploma regulador inclui hipóteses em que, sem embargo da ilegalidade, não há propriamente lesividade. Por tal razão, entendem alguns que, ocorrida a hipótese de ilegalidade prevista na lei, haverá lesividade concreta ou presumida […] Para outros, porém, não basta a ilegalidade formal do ato, exigindo-se que a lesividade seja demonstrada sob o aspecto material ou moral, o que exclui, em consequência, a presunção de lesividade. Para outros, ainda, pode haver ilegalidade ou lesividade.” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 891).

Assim, diante de tudo, este trabalho acadêmico se alinha mais a ideia do primeiro entendimento, pois se a lei elencou, de forma não taxativa, atos nulos e anuláveis por meio da ação popular, ela considerou hipóteses concreta e presumidamente lesivas.

Superada essa dicotomia, vale lembrar que a “expressão ‘patrimônio público’ já encontra definição ampla para abarcar as diversas modalidades sobre as quais ele se encontra materializado.”. (BASTOS, 2002). Ou seja, incluem-se naquela expressão o meio ambiente, o patrimônio histórico e cultural, os bens e direitos de valor artístico, estético, etc.

Posto isso, ressalta-se novamente que, em caráter exemplificativo, a Lei n. 4.717/65 elencou, nos arts. 2º, 3º e 4º, hipóteses caracterizadoras de atos lesivos ao patrimônio público. Assim, tais situações como:

“[…] a admissão ao serviço público; a compra e venda de bens; a realização de concorrência pública e a concessão de vantagens durante a execução de um contrato administrativo, feitos de forma irregular, já caracterizam, por expressa disposição legal, atos lesivos ao patrimônio público”. (MOTA & SPITZCOVSKY, 2001, p. 442).

Indo agora para outro ponto, surge mais uma controvérsia suscitada por Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2010), onde aparecem os seguintes questionamentos: Cabe ação popular contra ato legislativo? Esses atos podem ser lesivos ao patrimônio público? Pois é, Ferreira Filho argumenta da seguinte maneira:

“Em tese, não deve caber ação popular contra atos legislativos. Se o ato legislativo, e mormente a lei, é expressão da vontade geral, com nenhum fundamento teórico se pode pretender que o Judiciário […] possa anulá-lo, por ser a seu critério lesivo ao interesse público. […] Todavia, na prática, os representantes do povo às vezes praticam atos escandalosamente lesivos ao patrimônio público que não podem passar em brancas nuvens. Por isso, os tribunais, em muitos julgados, tem ignorado a doutrina e admitido ações populares contra leis em tese (p. ex., RT, 313: 178).” (FERREIRA FILHO, 2010, p. 354).

Hely Lopes Meirelles (apud MORAES, 2005, p. 167), sobre esse assunto, comenta que:

“Hoje é ponto pacífico na doutrina e na jurisprudência que não cabe ação popular para invalidar lei em tese, ou seja, a norma geral, abstrata, que apenas estabelece regras de conduta para sua aplicação. Em tais casos, é necessário que a lei renda ensejo a algum ato concreto de execução, para ser atacado pela via popular e declarado ilegítimo e lesivo ao patrimônio público, se assim o for.”

O Supremo Tribunal Federal – STF – tem jurisprudência firme à medida que o julgamento de lei abstrata, em sede de ação popular, por juiz de primeiro grau, acarretaria usurpação da competência do STF para o controle abstrato, implicando a nulidade do respectivo processo. Assim, este instrumento constitucional não pode servir como substituto da ação direta de inconstitucionalidade – ADIN. (STF, Recl. 434-1).

O mesmo STF também tem orientação no sentido de que não é possível ação popular contra atos de conteúdo jurisdicional, praticados pelo Poder Judiciário no exercício de sua função típica – decisão judicial. (PAULO & ALEXANDRINO, 2008).

Nesta esteira, Manoel Gonçalves Ferreira Filho explana que:

“Quanto aos atos judiciais, a discussão é acadêmica, pois não consta haver tribunal algum acolhido ação popular contra decisão judiciária. É bem de ver que ação não poderia ser movida senão depois de haver coisa julgada. Ora, havendo caso julgado, admitir contra ele ação popular de caráter rescisório seria preferir a moralidade pública à segurança das decisões judiciárias. Ademais, que valor prático teria ação popular contra ato do próprio poder que a deve julgar?” (FERREIRA FILHO, 2010, p. 354).

Já acerca da moralidade, Celso Ribeiro Bastos (2002) diz que agora são impugnáveis aqueles atos que não consubstanciam necessariamente um esvaziamento patrimonial, mas que equivalem a uma utilização da ordem jurídica e dos instrumentos postos ao alcance do administrador. Nesse sentido, Ferreira Filho (2010) aponta que a moralidade administrativa “abrange o sentido ético da conduta do administrador […]. Quer dizer: em face da moralidade administrativa, o que não é honesto é ilícito […]”.

Neste mesmo entendimento, o Superior Tribunal de Justiça tem orientação que ação popular é plenamente cabível para “afastar lesão à moralidade administrativa, mesmo sem ocorrência da lesividade”. (REsp. 537.342/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 24/11/2003).

Um exemplo de lesão à moralidade sem prejuízo ao erário público, citado por Silva (2007, p. 342), seria quando “o Presidente da República, ao viajar no avião presidencial para a abertura da Assembleia Geral da ONU, acaba oferecendo uma carona ao próprio filho, que pretende passear nos Estados Unidos da América.”.

Neste exemplo, segundo o mesmo autor, uma ação popular seria eficiente para condenar pai e filho a pagarem todos os gastos feitos com o referido ato imoral, apesar de os cofres públicos não terem sofrido prejuízo efetivamente, pois a viagem ocorreria de fato e havia lugares vagos no avião. Silva (2007) ainda finaliza dizendo que “a moralidade protegida constitucionalmente não permite atos dessa natureza, em que se dá a utilização de bens públicos para fins estritamente particulares.”.

O STF, sob esse mesmo prisma, entende que não é necessária a demonstração de prejuízo material ao erário quando o ato administrativo contraria normas específicas que regem a sua prática ou quando ele se desvia dos princípios que norteiam a administração pública. (RE 170.768/SP, j. 26/3/1999).

4.2 Objeto

Conforme lição de José dos Santos Carvalho Filho (2007), o “objeto fundamental da ação popular é o de anular atos lesivos aos bens sob tutela, como ecoa no texto constitucional.”. (grifo do autor).

Diz mais ainda Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, p. 806), onde postula que o que se pleiteia ao órgão jurisdicional é a anulação do ato lesivo e a condenação dos responsáveis ao pagamento de perdas e danos ou à restituição de bens ou valores, conforme artigo 14, § 4º, da Lei 4.717/65.

Alexandre de Moraes também explica que ação popular tem como objeto:

“[…] o combate ao ato ilegal ou imoral lesivo ao patrimônio público, sem contudo configurar-se a ultima ratio, ou seja, não se exige o esgotamento de todos os meios administrativos e jurídicos de prevenção ou repressão aos atos ilegais ou imorais e lesivos ao patrimônio público para seu ajuizamento.” (MORAES, 2005, p. 167).

Lembra também José Afonso da Silva (2011, p. 464) que “o objeto da ação popular foi ampliado, em nível constitucional, à proteção da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural.”.

Em suma, diante do exposto, pode-se conceituar que o objeto da referida ação consiste na anulação do ato lesivo ao patrimônio público (este em sentido lato sensu – moralidade administrativa, meio ambiente, patrimônio histórico e cultural) bem como na condenação dos responsáveis pela prática do ato lesivo e/ou daqueles que dele se beneficiaram.

4.3 Legitimação ativa

Oportunamente, urge destacar que a legitimação do cidadão é ampla, conforme assegura Alexandre de Moraes (2005, p. 168). Sendo assim, o autor quer dizer que o cidadão pode impetrar a ação popular, mesmo que a lide se verifique em comarca distinta do seu domicílio eleitoral, “sendo irrelevante que o cidadão pertença, ou não, à comunidade a que diga respeito o litígio, pois esse pressuposto não está na lei nem se assenta em razoáveis fundamentos.”.

Posto isso, José dos Santos Carvalho Filho (2007, p. 890) assevera que “a legitimação ativa para a ação popular tem início pela própria Constituição ao consignar que qualquer cidadão é parte legítima para promover a demanda. (grifo do autor).

Nesse sentido, Michel Temer (2003, p. 201) argumenta que cidadão é “aquele apto a participar dos negócios políticos do Estado, podendo escolher dirigentes ou ser escolhido para dirigir.”. Ele também pondera que “a ideia de ação popular está ligada à de discernimento, de convicção íntima, de juízo próprio, de apreciação individual.”.

Portanto, diz Alexandre de Moraes (2005) que somente o cidadão brasileiro, nato ou naturalizado, incluindo o de idade entre 16 e 18 anos, e, ainda, o português equiparado, no gozo de seus direitos políticos, possuem legitimação constitucional para a propositura da ação popular.

Dessa forma, podem ser excluídos de serem impetrantes da ação popular os estrangeiros, os apátridas, os brasileiros com os direitos políticos suspensos ou perdidos e as pessoas jurídicas (LENZA, 2011).

Pedro Lenza (2011) ainda aponta que na prática, o português equiparado não pode impetrar a ação popular, uma vez que existe vedação na Constituição portuguesa e, neste caso, faz-se necessário estabelecer o princípio da reciprocidade.

Igualmente, não poderão propor ação popular o Ministério Público, os inalistados, os inalistáveis (menores de dezesseis anos e conscritos). (PAULO & ALEXANDRINO, 2008).

Observa-se, contudo, que quanto ao Ministério Público, excepcionalmente, algumas decisões judiciais autorizaram que ele tivesse legitimidade para a propositura da referida ação constitucional. Foi nesse sentido a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, conforme trecho da ementa a seguir:

“[…] A carta de 1988 […] criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. 3. Em consequência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade). […] 5. A lógica jurídica sugere que legitimar-se o Ministério Público como o mais perfeito órgão intermediário entre o Estado e a sociedade para todas as demandas transindividuais e interditar-lhe a iniciativa da Ação Popular, revela contraditio in terminis. […] 7. Hodiernamente, após a constatação da importância e dos inconvenientes da legitimação isolada do cidadão, não há mais lugar para o veto da legitimatio ad causam do MP para a Ação Popular, a Ação Civil Pública ou o Mandado de Segurança coletivo. […]” (STJ – REsp: 427140 RO 2002/0044157-0, Relator: Ministro JOSÉ DELGADO, Data de Julgamento: 20/05/2003, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 25.08.2003 p. 263)

Porém, esta interpretação do STJ – estendendo a legitimidade da ação popular ao Ministério Público – foi um exagero, segundo Silva (2007), “uma vez que essa instituição tem à sua disposição uma ação judicial cujo objetivo é até mais amplo, qual seja, a ação civil pública, prevista no art. 129, III, da Constituição Federal.”.

Voltando às pessoas jurídicas, além do entendimento decorrente do dispositivo constitucional, o STF também postulou a Súmula 365 afirmando que pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular.

Notem, porém, que, conforme orienta Alexandre de Moraes (2005), se tais privações – referentes à legitimidade de impetração da ação popular – forem posteriores ao ajuizamento da ação popular, elas não serão obstáculos para o seu prosseguimento (vide RT 416/131).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, p. 804) lembra a possibilidade de litisconsórcio ativo, que será facultativo, “uma vez que é dado a qualquer cidadão habilitar-se como litisconsorte ou assistente do autor da ação popular, nos expressos termos do artigo 6º, §5º, da Lei nº 4.717/65”.

Também é possível a sucessão na ação popular, ou seja, pode qualquer cidadão ou o Ministério Público promover o prosseguimento da ação se “o autor desistir da ação ou der motivo à absolvição da instância”, conforme art. 9º da LAP.

A prova de ser cidadão – que se traduz na qualidade de ser eleitor – será feita com o título eleitoral ou com documento que a ele seja equivalente, vide art. 1º, §3º, da Lei 4.717/65. (CARVALHO FILHO, 2007, p. 890).

Existe também uma controvérsia doutrinária no que diz respeito sobre a necessidade de assistência no caso do cidadão menor entre 16 e 18 anos. Pedro Lenza (2011) afirma que pode sim, o ajuizamento da ação, mesmo sem assistência, porém, é necessário ajuizar a ação sempre por meio de advogado – pelo fato de se exigir a capacidade postulatória.

Outro argumento que vislumbra a possibilidade de o relativamente incapaz ingressar com a ação popular sem necessidade de ser assistido pelos pais ou responsáveis é no sentido de que tal direito não pode sofrer restrição pela legislação infraconstitucional, uma vez que o direito de participação direta na gestão e no controle da coisa pública decorre expressamente da Constituição. (SILVA, 2007).

Neste entendimento também estão Alexandre de Moraes (2005) e José Afonso da Silva (2010). Observa-se, contudo, que este posicionamento não está pacificado na doutrina.

Rodolfo de Camargo Mancuso (2001), que entende que é necessária assistência ao cidadão entre 16 e 18, pondera que este conflito repousa no sentido de que o menor púbere, em tese, se não estiver em gozo dos seus direitos políticos, não poderia constituir advogado para ajuizar ação popular. Por outro lado, a Constituição de 1988 garantiu a faculdade de alistamento eleitoral e votação aos menores de 18 anos (vide art. 14, §1º, II, da Carta Magna).

Assim, referente a esse tema, o presente trabalho coaduna com a primeira corrente, no sentido de vislumbrar a possibilidade de o menor púbere (o relativamente incapaz), enquanto cidadão eleitor, ajuizar ação popular sem assistência de pais ou responsáveis. Contudo, será exigida a habilitação de um advogado.

Quanto à ação popular na defesa do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural, existem posições doutrinárias e jurisprudenciais que ampliam a legitimidade ativa para o ajuizamento da dita ação. Tal entendimento se dá por inteligência do artigo 225 da Constituição Federal, in verbis:

“Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988).

Daí, Roberto Baptista Dias da Silva (2007, p. 344) argumenta que seria um erro restringir a ação popular para a proteção ao meio ambiente apenas aos que estão com os direitos políticos em dia, uma vez que tal medida judicial, de acordo com a Constituição Federal, dirige-se à defesa do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. E ainda frisa que “por se tratar de um direito de terceira geração e, portanto, universal, não se deve limitar a defesa dele sequer aos nacionais.”.

No entanto, a doutrina majoritária, onde estão inclusos Rodolfo de Camargo Mancuso (2001) e José Afonso da Silva (2011, p.329), entende que o interesse processual do autor é aferido unicamente com a sua condição de cidadão enquanto eleitor. Sendo esta última corrente adotada como orientação do presente trabalho.

4.3.1 Ação Popular, hipótese de substituição processual?

De antemão, ressalta-se que existem duas correntes doutrinárias a respeito deste tema.

A primeira corrente entende que o cidadão age como substituto processual, uma vez que defende, em nome próprio, um interesse difuso que pertence à coletividade. Sob esse prisma, Hely Lopes Meirelles ensina que:

“Tal ação é um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros. Por ela não se amparam direitos individuais próprios, mas sim interesses da comunidade. O beneficiário direto e imediato desta ação não é o autor; é o povo, titular do direito subjetivo ao governo honesto. O cidadão promove em nome da coletividade, no uso de uma prerrogativa cívica que a Constituição Federal lhe outorga”. (apud MORAES, 2005, p. 168).

Fazem parte dessa primeira corrente, dentre outros, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2010, p. 353), Mota & Spitzcovsky (2001, p. 441), além de José Frederico Marques, Seabra Fagundes e Ephraim de Campos Júnior (apud MANCUSO, 2001, p.148).

A segunda corrente doutrinária discorda da primeira no sentido de que “[…] o autor popular age em nome próprio e no exercício de um direito seu, assegurado constitucionalmente.”, conforme orienta Celso Ribeiro Bastos (2002, p. 416).

Neste mesmo posicionamento, Alexandre de Moraes destaca que:

“[…] a ação popular, enquanto instrumento de exercício da soberania popular (CF, arts. 1º e 14), pertence ao cidadão, que em face de expressa previsão constitucional teve sua legitimação ordinária ampliada, e, em nome próprio e na defesa de seu próprio direito – participação na vida política do Estado e fiscalização da gerência do patrimônio público -, poderá ingressar em juízo”. (MORAES, 2005, p. 168).

Além dos autores supracitados (Celso Ribeiro Bastos e Alexandre de Moraes), fazem parte da segunda corrente, dentre outros: José Afonso da Silva (2010, p. 463) e Rodolfo de Camargo Mancuso (2001, p. 168).

Assim, diante de todo o exposto referente à legitimação na ação popular, este trabalho acadêmico se apoia no entendimento da primeira corrente. Esta que é majoritária e considera o autor da ação popular como um substituto processual. Ou seja, o autor busca em nome próprio, perante o Poder Judiciário, a defesa do direito da coletividade.

4.4 Legitimidade passiva

José dos Santos Carvalho Filho (2007, p. 890) assevera que a legitimação passiva será sempre múltipla. Ele afirma que o legislador quis “introduzir no polo passivo do processo todos aqueles que, de alguma forma, tenham interesse no desfecho da causa e na apuração da lesão aos bens tutelados.”. Assim, de forma didática, o autor agrupou três categorias, estando na primeira a(s) pessoa(s) jurídica(s) pública(s) ou privada(s) de onde emanou o ato; estando na segunda os servidores, de qualquer nível, que de algum modo tenham contribuído para a lesão; e, elencando a terceira categoria, os terceiros beneficiários diretos do ato lesivo.

Neste sentido, Di Pietro (2010, p. 804) afirma que “existe, portanto, um litisconsórcio passivo necessário na ação popular, de vez que várias pessoas têm necessariamente que ser citadas”.

Celso Ribeiro Bastos (2002, p. 417) ainda pondera que a “destinatária da ação popular não é determinada em função da sua qualificação jurídica, mas sobretudo em razão da circunstância de estar ou não na gestão de bens expressivos do patrimônio público, cuja proteção é a sua finalidade própria.”.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro traz uma peculiaridade quanto à legitimação passiva. Pois com base no art. 6º, § 3º, da Lei 4.717/65, o sujeito passivo pode tomar três atitudes, sejam elas:

“a) Contestar a ação, continuando na posição de sujeito passivo;

b) Abster-se de contestar;

c) Atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente. Justifica-se essa possibilidade, em decorrência do objetivo da ação popular, que é a defesa do interesse público; como é o autor que assume essa defesa, poderá a pessoa jurídica, desde que isto se afigure útil, passar a atuar do lado dele, na qualidade de assistente, com o que estará reforçando a posição do sujeito ativo […].” (Di Pietro, 2010, p. 804). (grifo do autor).

Nesta mesma esteira, anota-se que o Superior Tribunal de Justiça já admitiu que pessoa jurídica figurasse simultaneamente como parte autora e parte ré na mesma ação popular, veja:

“[…] A pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente. […] 6. In casu, a União é demandada para cumprir obrigação de fazer consistente na exação do dever de fiscalizar a atuação dos delegatários do SUS e, ao mesmo tempo, beneficiária do pedido formulado de recomposição de seu patrimônio por força de repasse de verbas. 7. Revelam-se notórios, o interesse e a legitimidade da União, quanto a esse outro pedido de reparação pecuniária, mercê de no mérito aferir-se se realmente a entidade federativa maior deve ser compelida à fazer o que consta do pedido do parquet. 8. Recurso especial desprovido para manter a União em ambos os pólos em relação aos pedidos distintos em face da mesma formulados”. (STJ, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 19/10/2006, T1 – PRIMEIRA TURMA). (grifo meu).

Portanto, com fundamento no art. 6º, §3º, da LAP, as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, não estão obrigadas a defenderem um ato lesivo, podendo, caso o interesse público exigir, atuar ao lado do autor da ação popular.

4.5 O papel do Ministério Público

Como já visto anteriormente (vide legitimação ativa), apesar de poucas decisões judiciais em contrário, o Ministério Público – MP – não possui legitimação para o ingresso de ação popular. Porém, inobstante isso, esta instituição possui papel fundamental no curso do processo.

A Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65) conferiu diversas funções ao Ministério Público. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, p. 805/806), didaticamente, as separou em obrigatórias e facultativas.

São funções obrigatórias: o empenho na produção de provas (art. 6º, §4º); a responsabilização civil ou criminal dos que nelas incidirem (art. 6º, §4º); a promoção de diligências para que as requisições (art. 7º, I, b) sejam atendidas dentro do prazo (art. 7º, §1º); e a promoção da execução da sentença condenatória quando o autor não o fizer; nos termos do artigo 16, sob pena de falta grave.

São funções facultativas: dar continuidade ao processo em caso de desistência ou de absolvição de instância (extinção do processo, sem julgamento do mérito, por falta de providências a cargo do autor) – é o que decorre do artigo 9º, que dá essa possibilidade a qualquer cidadão ou ao representante do Ministério Público; e recorrer de decisões contrárias ao autor (art. 19, §2º), o que também pode ser feito a qualquer cidadão.

Por fim, no que se refere ao papel do Ministério Público na ação popular, pode-se sintetizar que o MP é uma instituição pública autônoma, que zela pela regularidade do processo e promove a responsabilização civil e criminal dos responsáveis pelo ato ilegal e lesivo ao patrimônio público, manifestando-se, em relação ao mérito, com total independência funcional (CF, art. 127, §1º). (MORAES, 2005, p. 169).

4.6 Competência

No que diz respeito à ação popular, a Constituição Federal não estabeleceu regras de competência. Assim, com base no artigo 5º e parágrafos seguintes, da Lei 4.717/65, pode-se afirmar que a competência será determinada conforme a origem do ato ou omissão a serem impugnados, observando-se, obviamente, os parâmetros constitucionais e legais, incluindo-se, neste último, o conjunto de leis de organização judiciária de cada ente federativo.

Sobre este assunto, José dos Santos Carvalho Filho pondera que:

“[…] mesmo que o ato lesivo emane de alguma das autoridades sujeitas à jurisdição de Tribunais, sempre será parte na ação a própria pessoa jurídica a que pertence o autor do fato. Desse modo, a ação deverá ser deflagrada nos juízos de primeira instância da Justiça Federal ou da Justiça Estadual, conforme o foro apropriado para a pessoa jurídica.” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 889/890)

Neste contexto, o STF já tem jurisprudência vasta e pacífica no sentido de que não possui competência originária para o processo e julgamento de ações populares, ainda que ajuizadas contra o Presidente da República, o Presidente do Senado, o Presidente da Câmara dos Deputados, Ministros de Estado ou outros que estejam sob sua jurisdição em virtude do mandado de segurança. Assim, tal ação deverá ser processada e julgada perante a Justiça de primeiro grau. Neste sentido, segue um exemplo, dentre muitos julgados, da Suprema Corte:

“O Supremo Tribunal Federal — por ausência de previsão constitucional — não dispõe de competência originária para processar e julgar ação popular promovida contra qualquer órgão ou autoridade da República, mesmo que o ato cuja invalidação se pleiteie tenha emanado do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, ou, ainda, de qualquer dos Tribunais Superiores da União.” (Pet 2.018-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 16/02/01).

No mais, cabe destacar o artigo 5º da Lei 4.717/65, em especial o parágrafo 2º, onde trata da possibilidade de envolvimento das três esferas do Poder estatal – a federal, a estadual e ou municipal – de modo que, conforme a origem do ato impugnado, o pleito interessando “simultaneamente à União e a qualquer outra pessoa ou entidade, será competente o juiz das causas da União, se houver; quando interessar simultaneamente ao Estado e ao Município, será competente o juiz das causas do Estado, se houver”. (BRASIL, 1965).

4.7 Sentença e coisa julgada

A Lei da Ação Popular é peculiar no que se refere à sentença, pois, conforme demonstra Carvalho Filho (2007, p. 892), mesmo que o autor tenha formulado o pedido apenas para desconstituir a relação jurídica do ato lesivo, o legislador admitiu que a sentença tenha conteúdo constitutivo-condenatório simultaneamente. Isto por força do artigo 11 da mesma Lei, observe:

“A sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa”. (BRASIL, 1965).

Daí a dupla natureza da ação, constitutiva e condenatória. A despeito disso, Carvalho Filho (2007) ainda ensina que “se a sentença julgar improcedente a ação, estará reconhecendo que inexistiu ato lesivo e ilegal a ser desconstituído, gerando, em consequência, decisão de caráter declaratório.”. (grifo do autor).

Celso Ribeiro Bastos (2002, p. 420) também lembra que “os efeitos da ação popular se traduzem tanto na anulação do ato praticado, na sua sustação, caso iminente a sua consumação, como também na ordenação da sua prática, na hipótese de omissivo.”. E, é claro, consequentemente, a “[…] recomposição do patrimônio público lesado, ou indenização; responsabilização penal, se for o caso, por meio de denúncia a ser oferecida pelo Ministério Público; e, responsabilização administrativa, por exemplo, perda do cargo.”. (MOTA & SPITZCOVSKY, 2001, p. 444).

Posto isso, cabe agora pôr em destaque o artigo 18 da Lei 4.717/65 (LAP), onde, diga-se de passagem, foi uma inovação no sistema processual segundo a doutrina, veja:

“Art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível "erga omnes"[11], exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”. (BRASIL, 1965). (grifo nosso).

Assim, segundo Carvalho Filho (2007), três conclusões podem ser extraídas deste texto acima. A primeira é que se o juiz julgar a causa com convicção quanto à prova, a coisa julgada é erga omnes, independente de o pedido ser procedente ou improcedente; a segunda conclusão é que se o juiz julgar procedente o pedido por deficiência de prova por parte do réu, a decisão também fará coisa julgada erga omnes, pois a produção de prova é ônus do próprio réu; e a última conclusão é que se o juiz julgar improcedente o pedido, por deficiência de prova por parte do autor, a decisão fará coisa julgada somente entre as partes, nada impedindo que outra ação idêntica seja ajuizada, desde que o autor se socorra de nova prova.

Segundo Alexandre de Moraes (2005, p. 170), uma das razões para a coisa julgada ser oponível erga omnes “[…] é impedir a utilização eleitoreira da ação popular, com objetivos político-partidários de desmoralização dos adversários políticos, levianamente.”. Além do mais, conforme declina Carvalho Filho (2007), se o ato for reconhecido como válido ou lesivo, será assim para todos e não somente para as partes do processo.

José dos Santos Carvalho Filho (2007, p. 893) ainda explica, inteligentemente, a preocupação do legislador para com a questão da deficiência de provas em sede de ação popular, note:

“[…] o legislador se preocupou com a repercussão do julgado como fator de dependência dessa prova. Poderia ocorrer que o autor popular fosse desidioso ou tivesse má-fé e deixasse de produzir a prova adequada para demonstrar a ilegalidade e a lesividade. Poderia até mesmo o autor firmar conluio com os réus para oferecer prova deficiente […]. resguardou-se, por isso, e admitiu que a coisa julgada não se estendesse erga omnes […]”. (CARVALHO FILHO, 2007, p. 893).

De qualquer forma, o autor popular, em ambas as hipóteses de improcedência, salvo comprovada má-fé, ficará isento de custas judiciais e do ônus de sucumbência, conforme artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal.

4.8 Recurso

Quanto ao tópico recurso, a Lei da Ação Popular trata deste assunto em seu artigo 19, que prevê o seguinte:

“Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de  1973).

§ 1º Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973).

§ 2º Das sentenças e decisões proferidas contra o autor da ação e suscetíveis de recurso, poderá recorrer qualquer cidadão e também o Ministério Público. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973)”. (BRASIL, Lei nº 4.717, 1965).

Como visto, apesar da referida Lei ter sido bastante concisa no que diz respeito aos recursos, ela trouxe muitas peculiaridades e muitas informações.

Neste sentido, o primeiro detalhe que salta aos olhos é a obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição quando a decisão for denegatória. Assim, nas palavras de Mota & Spitzcovsky (2001, p. 444), o recurso será de ofício caso o autor popular, o cidadão ou o Ministério Público não recorram.

Agora, quanto à decisão de mérito, julgada procedente, caberá o recurso de apelação com efeito suspensivo. Porém, neste caso, somente aqueles que ocuparem o polo passivo poderão recorrer.

Quanto às decisões interlocutórias, conforme o parágrafo 1º do mesmo artigo, caberá o recurso de agravo de instrumento.

Desta forma, a Lei n. 4.717/65 faz referência expressa apenas a dois recursos (apelação e agravo de instrumento). Porém, existe doutrina, como a de Rodolfo de Camargo Mancuso (2001), que entende que são cabíveis os demais recursos cíveis previstos no Código de Processo Civil. Segundo este autor, tal entendimento se fundamenta no artigo 22 da Lei da Ação Popular, veja:

“Art. 22. Aplicam-se à ação popular as regras do Código de Processo Civil, naquilo em que não contrariem os dispositivos desta lei, nem a natureza específica da ação. “(BRASIL, Lei nº 4.717, 1965).

Assim, Mancuso (2001) entende que não existe razão para o impedimento dos demais recursos cíveis, citando como exemplos os embargos de declaração, o recurso extraordinário, o recurso especial, os embargos infringentes, dentre outros.

Porém, no sentido contrário ao posicionamento de Mancuso (2001), este trabalho acadêmico e outra parte da doutrina, como Di Pietro (2010, p. 808), por exemplo, acreditam que a apelação e o agravo de instrumento são os únicos recursos cíveis cabíveis na ação popular, visto que “Lex specialis[12] se sobrepõe a Lex generalis[13].

Além disso, notem que antes da redação dada pela Lei n. 6.014, de 1973 – que alterou os recursos cabíveis na Lei da Ação Popular – havia previsão expressa autorizando outros recursos previstos no Código de Processo Civil. Portanto, se o legislador, ao editar nova lei, podendo fazer diferente, optou por delimitar apenas dois recursos (apelação e agravo de instrumento), realmente o argumento que “Lei especial se sobrepõe a Lei geral” deve prosperar. Observe a LAP antes da alteração feita pela Lei n. 6.014/73:

Art. 19. Da sentença que concluir pela improcedência ou pela carência da ação, recorrerá o juiz ex officio, mediante simples declaração no seu texto, da sentença que julgar procedente o pedido caberá apelação voluntária, com efeito suspensivo.

§ 1º Das decisões interlocutórias poderão ser interpostos os recursos previstos no Código de Processo Civil.” (BRASIL, 1965). (grifo meu).

Como visto, o legislador, antes da alteração realizada, autorizava a utilização dos demais recursos cíveis previstos no CPC, porém, ao editar a alteração da LAP, o legislador optou por restringir os recursos cabíveis à apelação e ao agravo de instrumento.

4.9 Execução

Como já sabido, a sentença da ação popular possui dupla natureza, desconstitutiva e condenatória. Assim, nas palavras de Mancuso, isso resulta o seguinte:

“[…] de um lado, da dicção do art. 11 da LAP: “A sentença que julgando procedente a Ação Popular decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis […]”; de outro, a própria procedência da ação confirma que houve lesão ao patrimônio público que, portanto, terá que ser de algum modo recomposto: seja pela restituição das coisa ao status quo ante (casos de execução por quantia certa, quando seja quantificável o dano ao erário ou ainda como sucedâneo da execução em espécie, acaso tornada impossível”). (MANCUSO, 2001).

Diante disso, pode-se dizer que a execução da ação popular acontecerá de uma forma ou de outra. Pois observe o seguinte, de acordo com o art. 16 da LAP, se o autor popular ficar inerte nesse passo da ação, poderá qualquer outro cidadão promovê-la. Se, ainda assim, persistir a inércia, deverá o Ministério Público obrigatoriamente, sob pena de falta grave, promover a execução.

E, conforme o art. 17 da mesma lei, será sempre permitido às pessoas ou entidades referidas no art. 1º (aquelas que foram chamadas ao processo), “ainda que hajam contestado a ação, promover, em qualquer tempo, e no que as beneficiar a execução da sentença contra os demais réus.”.

Por último, quanto à execução, cabe destacar que na Lei da Ação Popular há previsão de medida cautelar para garantir a efetividade da execução, uma vez que “a parte condenada a restituir bens ou valores ficará sujeita a sequestro e penhora, desde a prolação da sentença condenatória”, conforme art. 14, §4º.

4.10 Peculiaridades processuais

Quis o legislador que a ação popular, como ferramenta fiscalizadora do Estado que é, possuísse mecanismos eficientes na sua atuação. Deste modo, já se pontua aqui que ela obedecerá ao procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil, contudo, com algumas alterações e peculiaridades trazidas pela Lei n. 4.717/65 e pela Constituição Federal.

Porém, antes de mais nada, anota-se que é evidente o cabimento da medida liminar na ação popular, uma vez que um ato lesivo, ao patrimônio público, pode produzir dano irreversível se não for suspenso, assim como existirá perigo na demora do desfecho da ação popular. Por tudo isso, será possível a medida liminar, em ambos os casos, para se evitar a consumação de dano irreparável.

Com isso, José dos Santos Carvalho Filho salienta o seguinte:

“A Lei nº 8.437/92 consignou que é inviável a concessão de medida liminar quando o ato provém de autoridade sujeita, na via do mandado de segurança, à competência originária de Tribunal (art. 1º, §1º). Contudo, excluiu a incidência da norma os processos de ação popular e ação civil pública (art. 1º, §2º). Assim, mesmo que a ação popular, por exemplo, alveje ato de Governador (que normalmente se sujeita à competência do Tribunal Estadual respectivo), será possível, se presentes os pressupostos legais, que o juiz conceda a medida liminar”. (CARVALHO FILHO, 2007, p. 892). (grifo meu).

Di Pietro (2010, p. 807), em análise do art. 7º da Lei da Ação Popular, lembra que o magistrado, ao despachar a inicial, deverá requisitar os documentos indicados pelo autor às entidades indicadas no processo ou outros que lhe pareçam necessários, fixando o prazo de 15 a 30 dias para o aditamento.

Ela comenta que, a rigor, tais documentos devem ser juntados pelo autor popular, que poderá solicitá-los às entidades referidas. Estas que terão o prazo de 15 dias para atender, exceto na hipótese de sigilo, que, neste caso, será requisitado pelo juiz e correrá em segredo de justiça, o qual cessará com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Observa-se, contudo, que, apenas por motivo de segurança nacional não será atendida a requisição feita pelo juiz. (art. 1º, §§ 6º e 7º).

E, de acordo com o art. 7º, VI e parágrafo único, a sentença, quando não proferida em audiência de instrução e julgamento, deverá ser proferida em 15 (quinze) dias do recebimento dos autos, sob pena de privar o juiz da inclusão em lista de merecimento para promoção, durante 2 (dois) anos, e acarretar a perda, para efeito de promoção por antiguidade, de tantos dias quanto forem os do retardamento.

Por fim, no que concerne a esse tópico, é salutar agora fazer um aparato de itens importantes e já trabalhados ao longo deste trabalho acadêmico, de modo que se possa evidenciar os incentivos – trazidos pelo legislador – à propositura da ação popular.

Assim, cabe destacar que a legitimação do cidadão é ampla, isto é, pode o cidadão impetrar a ação popular mesmo que a lide se verifique em comarca distinta do seu domicílio eleitoral.

Se houver desistência da ação popular por parte do autor, pode outro cidadão ou o Ministério Público dar continuidade ao processo.

isenção de custas judiciais e do ônus de sucumbência, salvo comprovada má fé, conforme artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal.

Na defesa, as pessoas citadas podem contestar a ação, podem absterem-se de contestar ou podem atuar ao lado do autor popular.

Na sentença, mesmo que o autor tenha formulado o pedido apenas para desconstituir a relação jurídica do ato lesivo, o legislador admitiu que ela tenha conteúdo constitutivo-condenatório simultaneamente, além do efeito erga omnes;

A ação popular se submete obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição, ou seja, o juiz deverá recorrer de ofício caso julgada improcedente a ação. Além disso, é facultado a qualquer cidadão e também ao Ministério Público recorrer dessa decisão.

Na fase executiva, poderão, além do autor popular, qualquer outro cidadão, o Ministério Público, assim como as entidades chamadas ao processo, promoverem a execução da ação constitucional, desde que obedecidas as exigências legais.

Nos termos do art. 21 da LAP, a prescrição se dá em 5 (cinco) anos, e conforme Di Pietro (2010), esta prescrição não alcança a reparação de danos – que é imprescritível -, de acordo com o art. 37, §5º, da Constituição Federal.

5 AÇÃO POPULAR E OUTROS INSTITUTOS

5.1 Considerações iniciais

As ações coletivas iniciaram sua história moderna no sistema processual brasileiro com a promulgação da Lei da Ação Popular […] que se tornou o primeiro instrumento sistemático voltado à tutela de alguns interesses coletivos em juízo, em especial o patrimônio público. (ZANETI JR. & GARCIA, 2012, p. 11).

A ação popular, juntamente com a ação civil pública e o mandado de segurança coletivo, foge dos esquemas tradicionais do direito de ação, direito este que, mormente, é estruturado para proteger o direito subjetivo, o direito individual. E, nesses três institutos, o que se protege são os interesses metaindividuais, os chamados interesses públicos. (DI PIETRO, 2010, p. 810).

Mancuso (2001) declina que “situando-se no plano da ‘existência-utilidade’, os interesses se apresentam numa gama extremamente variada”. Porém, para este tópico proposto, conceituar-se-ão aqui – sucintamente – os interesses difusos, os interesses coletivos e os interesses individuais homogêneos.

Basicamente, interesses individuais homogêneos têm ligação em um evento de origem comum, contendo integrantes determinados ou determináveis de um grupo, categoria ou classe. (CASTILHO, 2004). Apesar de aparentemente serem direitos coletivos, sua essência é individual. Como hipótese exemplificativa, pode-se citar compradores de um lote de celulares com o mesmo defeito.

Os interesses coletivos, ainda segundo Castilho (2004), “cujos interesses são indivisíveis de um grupo, determinado ou determinável de pessoas, reunido por uma relação jurídica básica comum”, têm como exemplo hipotético contribuintes de um mesmo sindicato.

Por fim, quanto aos interesses difusos, Castilho (2004) afirma que eles consistem nos interesses transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, compreendendo grupos menos determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático preciso. Um exemplo clássico de direito difuso é o direito a um meio ambiente sadio e equilibrado.

Deste modo, infere-se que os interesses individuais homogêneos e os interesses coletivos abarcam uma categoria determinável de indivíduos, enquanto os interesses difusos envolvem um grupo indeterminável de pessoas.

5.2 Ação popular e ação civil pública

De início, é importante ressaltar que a ideia aqui, ao comparar estes dois institutos, é apontar genericamente aspectos semelhantes e distintos entre essas duas ações.

Como visto, a ação popular busca tutelar o patrimônio público, incluindo-se neste a moralidade administrativa, o patrimônio histórico e cultural e o meio ambiente. Já a ação civil pública abarca a defesa de quaisquer direitos coletivos em sentido lato sensu, ou seja, compreende os direitos individuais homogêneos, os direitos coletivos stricto sensu e os direitos difusos.

Desta forma, como a ação popular também objetiva tutelar alguns interesses difusos e coletivos, como o meio ambiente e o patrimônio público, é possível em alguns casos “a utilização da ação popular ou da ação civil pública para postular a tutela da mesma espécie de bens jurídicos.”. (CARVALHO FILHO, 2007, p. 903).

Existem também distinções mais objetivas, que residem na legitimação ativa e passiva das referidas ações. Enquanto na ação popular somente o cidadão, no pleno gozo dos direitos políticos, pode propor tal instrumento popular, na ação civil pública podem ajuizá-la o Ministério Público, as pessoas de direito público (pessoas federativas, autarquias e fundações autárquicas), empresas públicas, sociedade de economia mista, fundações governamentais de direito privado e associações constituídas pelo mínimo de um ano e que tenham entre suas finalidades institucionais a proteção de interesses difusos e coletivos, conforme preceitua o art. 5º da Lei nº 7.347/85.

Quanto à legitimidade passiva na ação civil pública, segundo José dos Santos Carvalho Filho (2007, p. 890 e 905), no polo passivo não há qualquer especificidade. Ou seja, “quem quer que se conduza de forma ofensiva a tais interesses, seja pessoa física ou jurídica, pública ou privada, será o demandado […]. A legitimação passiva, por conseguinte, é daquele cuja conduta vulnerar os interesses sob tutela.”. Já na ação popular, estarão no polo passivo a(s) pessoa(s) jurídica(s) pública(s) ou privada(s) de onde emanou o ato lesivo, os servidores, de qualquer nível, que de algum modo tenham contribuído para a lesão e os terceiros beneficiários diretos do ato lesivo.

5.3 Ação popular e mandado de segurança coletivo

Destarte, cumpre trazer à baila a Súmula 101 do STF, que diz que “o mandado de segurança não substitui a ação popular”, e vice versa.

O mandado de segurança, que é também um remédio constitucional, é utilizado para proteger direito líquido e certo do interessado contra ato do poder público.

Posto isso, tratando agora especificamente do mandado de segurança coletivo, segundo José dos Santos Carvalho Filho (2007, p. 880), ele “é impetrado por pessoas jurídicas para a defesa de seus membros ou associados. É o caso em que uma entidade de classe ou uma associação se insurge contra ato do poder público ofensivo a direito de seus membros ou associados.”.

Há várias diferenças entre esta ação e a ação popular. Como, por exemplo, pode-se apontar que o mandado de segurança coletivo obedece regras de prerrogativa de função, enquanto a ação popular não; o mandado de segurança coletivo não é gratuito, enquanto a ação popular é; o mandado de segurança coletivo corre sob o rito sumário especial, enquanto a ação popular sob o rito ordinário; a legitimidade ativa de uma ação é diferente da outra; enfim, há várias características e técnicas processuais distintas entre tais institutos.

Porém, a diferença que mais afasta uma ação da outra reside no fato de que a ação popular cuida de direitos difusos, enquanto o mandado de segurança coletivo trata de direitos coletivos e individuais homogêneos.

5.4 Ação popular e iniciativa popular

Tais institutos constitucionais apresentam semelhança nos nomes, daí que muitos da população em geral, que não se familiarizam muito bem com o Direito, banalizam e confundem uma ação com outra. Porém, há de se notar que as poucas semelhanças entre essas ações são pelo fato de serem direitos/garantias constitucionais e por serem formas de exercício da soberania popular.

A Iniciativa Popular de lei, prevista no art. 14, inciso III, da Constituição Federal, poderá se exercida pela “apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.”. (MORAES, 2005, p. 577). Ou seja, tal iniciativa cuida da possibilidade de cidadãos apresentarem projetos de lei para serem votados e eventualmente aprovados.

Com objeto totalmente diverso, a ação popular busca, junto ao poder judiciário, anular atos lesivos ao patrimônio público.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não há dúvida que uma boa educação cívica proporciona à sociedade condições mais favoráveis para o exercício de suas garantias e direitos, além de, logicamente, permitir uma maior atuação na exigência de melhorias na prestação de serviços públicos.

Assim, a maior motivação na elaboração deste trabalho acadêmico foi promover o esclarecimento da ação popular para que ela possa ser mais difundida e utilizada. Esta ação que é um instrumento constitucional disponível a qualquer cidadão, em pleno gozo dos direitos políticos, que busca obter a invalidação, perante o Judiciário, de atos lesivos ao patrimônio público, ao meio ambiente, à moralidade administrativa ou ao patrimônio histórico e cultural, praticados pela Administração Pública direta ou indireta, assim como, por entidades subvencionadas por esta.

A análise deste tema proposto demandou a explanação de vários aspectos da ação popular constitucional. Inicialmente, foram trazidas à baila as manifestações sociais ocorridas entre os anos de 2013 a 2015, as chamadas “Jornadas de Junho” e o “Panelaço”. Ocorrências estas, de cunho reivindicatório, onde a população reclamava aos agentes públicos melhorias no trato dos serviços públicos (como saúde, educação, transporte, segurança, etc.), assim como, melhoria na administração do patrimônio público em geral (como o fim da corrupção e da imoralidade administrativa).

Foi também evidenciado a possibilidade de cada cidadão se utilizar da ação popular para combater o mau uso do dinheiro público, a má gestão administrativa e a imoralidade na máquina pública. Assim, foi demonstrado que, por meio da ação popular, cada cidadão tem capacidade de controlar e fiscalizar o poder público e as entidades subvencionadas por ele, além de proceder pela condenação dos responsáveis por atos lesivos ao pagamento de perdas e danos ou à restituição de bens e valores.

No capítulo seguinte, foi traçado o roteiro histórico da ação popular, desde seu surgimento em Roma antiga até os dias atuais. Ação essa que passou por várias mudanças, privações e inovações ao longo do tempo. Foi feita também uma cronologia da ação popular no Direito Brasileiro, com suas características e conteúdos desde a Constituição de 1824 até à Carta Magna vigente.

No capítulo quarto, conceituou-se a referida ação no sentido de explicar o que seria tal instrumento, qual seria sua finalidade e quais seriam os bens passíveis de sua tutela.

Posteriormente, no capítulo quinto, foi realizada uma abordagem sobre os aspectos processuais da ação popular. De forma didática e em linguagem simples, foram expostos os pressupostos da referida ação, seu objeto, os legitimados a atuarem como parte, o papel do Ministério Público, a competência, a sentença e a coisa julgada, os recursos cabíveis, a execução, enfim, foram explanados todos os aspectos processuais relevantes sobre a ação popular. Anota-se também que várias peculiaridades processuais foram evidenciadas com o cunho de demonstração das vantagens da proposição da ação popular em detrimento de outras ações.

Por último, no capítulo final, foi proposto um comparativo entre a ação popular e outros institutos jurídicos, como a ação civil pública e o mandado de segurança coletivo, além de ter sido feito um esboço com explicações referentes aos direitos individuais homogêneos, aos direitos coletivos e aos direitos difusos.

Reitera-se, finalmente, que a intenção maior deste trabalho acadêmico foi ampliar o conhecimento da ação popular, não somente aos operadores do Direito, mas, sobretudo, ao cidadão de forma geral, para que este possa se sentir estimulado a exigir daqueles que lidam com o patrimônio público o maior zelo possível com a coisa pública. Até porque, anotando-se novamente, uma vez que a coisa pública pertence ao povo, cabe ao próprio povo o papel de fiscalizar, controlar e cuidar do que lhe pertence. E, para isso, quis a Bíblia Política, quis a Constituição Federal brasileira que tal papel fosse exercido, de forma singular, por cada cidadão, por meio de um instrumento de tutela do patrimônio público, qual seja: ação popular constitucional.

 

Referências
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Notas
[1] Direito Romano corresponde ao conjunto de regras jurídicas que governaram a sociedade romana desde a fundação de Roma, em 753 a.C. até o ano de 565 d. C., quando morreu o Imperador Justiniano (VICENTINO & DORIGO, 2002).
[2] Res publica: expressão latina que significa coisa pública. (FONTANELLA, 2003).
[3] Stricto sensu: expressão latina que significa sentido estrito (FONTANELLA, 2003).
[4] Direitos difusos são os passíveis de serem fruídos por um grupo mais ou menos imprecisável […] Uma característica dos bens protegidos pelos direitos difusos é a indivisibilidade, pois, o bem é de todos e de cada um e vice-versa, portanto, não existe um número certo de beneficiários. (BASTOS, 2002, p. 272).
[5] Período de aproximadamente mil anos que vai convencionalmente da queda de Roma, após ocupação pelos hérulos em 476, até a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453 (VICENTINO & DORIGO, 2002, p. 104).
[6] Tradicionalmente, tem início em maio de 1453, quando ocorreu a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos, e o término com a Revolução Francesa, em 1789 (VICENTINO & DORIGO, 2002).
[7] Considerada pelos historiadores o período atual desde a Revolução Francesa (VICENTINO & DORIGO, 2002, p. 286).
[8] Art. 157 da Constituição de 1824: Por suborno, peita, peculato, e concussão haverá contra elles acção popular, que poderá ser intentada dentro de anno, e dia pelo próprio queixoso, ou por qualquer do Povo, guardada a ordem do Processo estabelecida na Lei. (BRASIL, 1824).
[9] Uti singuli: expressão usada para empregar referência a coisa ou pessoa considerada individualmente. (FONTANELLA, 2003).
[10] Fins didáticos, pois o referido autor entende que a noção de patrimônio público já tem amplitude suficiente para alojar os demais aspectos mencionados na Carta Magna. (CARVALHO FILHO, 2007, p. 889).
[11] Erga omnes: o que é válido contra todos. Diz-se de ato ou lei que obriga a todos. (FONTANELLA, 2003).
[12] Lex specialis: lei especial. (FONTANELLA, 2003).
[13] Lex generalis: lei geral. (FONTANELLA, 2003).

Informações Sobre o Autor

Rafael Alves Batista

graduado no curso de Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio de Sá. Servidor público do Núcleo de Arquivos da PFDF do governo do Distrito Federal


Equipe Âmbito Jurídico

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