Resumo: Este breve ensaio se propõe a discorrer sobre os institutos da aceitação tácita e do silêncio contratual apresentando as definições elaboradas pela doutrina e sua aplicação pela jurisprudência. Questiona-se a validade do silêncio contratual e seus desdobramentos no direito privado.
Palavras-chave: aceitação tácita, silêncio contratual, direito contratual, declaração de vontade, negócio jurídico.
Abstract: This brief essay proposes to discuss the institutes of silence and tacit acceptance contractual presenting the definitions developed by the doctrine and its application in the case law. We question the validity of contractual silence and its consequences in private law.
Introdução
Consumo. A sociedade moderna pode ser definida através desta única palavra. Estamos sempre consumindo bens e serviços, quer saibamos ou não quer gostemos ou não.
Estas relações sociais são caracterizadas tecnicamente como contratos. Todos os adventos sociais são realizados através de contratos.
Então, como se dá esta nossa aceitação a estes contratos? Temos realmente autonomia para decidirmos com quem vamos contratar ou simplesmente somos impelidos a contratar por falta de escolha?
Bruno Miragem e Cláudia Lima Marques[1] falam de um sujeito de direito que foi tomado como sujeito racional e livre e que nesta situação este sujeito racional e livre pode autoregrar a sua vida.[2]
Se é verdade que temos esta capacidade de autoregrar a vida no que tange às relações de direito privado, cabe-nos entender como se dá o fato de alguém através de seu silêncio ou que não “assinou” nada possa estar obrigado a fazer ou deixar de fazer, de entregar ou deixar de entregar, bem ou serviço.
Se existe uma “mão invisível” do mercado ela opera em que sentido? Podemos dizer que ela justificaria as desigualdades e desequilíbrios contratuais como querem os liberais mais radicais?
A anuência tácita tem valor vinculativo até que ponto?
Veremos neste rápido ensaio os principais mecanismos de funcionamento da aceitação tácita bem como do silêncio contratual, mas sem esgotar o assunto, apenas mostrando as balizas para uma discussão alicerçada no que os doutrinadores (modernos e contemporâneos) nos tem ensinado acerca destes dois institutos.
A aceitação tácita e o negócio jurídico
Quando nos relacionamos na sociedade, indireta ou direta, presencialmente ou à distância, estamos formalizando algum tipo de contrato.
A questão é: temos a efetiva vontade de realizar estes contratos? Podemos escolher livremente o fornecedor? Sabemos quando contratamos?
Questões como estas passam despercebidas para a maioria dos contratantes, pois estas colocações não tem ingerência alguma na vida destas pessoas, a menos que haja claro, o litígio. Neste momento as pessoas fazem estas perguntas e tomam real conhecimento de que realização de um negócio jurídico. Notam que, na verdade, elas não gostariam de ter realizado o negócio, ou pelo menos não da forma que ele foi realizado.
Neste sentido o direito procura definir (melhor seria desvendar?) o significado da autonomia da vontade e seus desdobramentos, como a aceitação tácita e o silêncio contratual.
Ensina Sílvio de Salvo Venosa que “em qualquer negócio jurídico, a vontade, muito antes de ser somente um elemento do negócio jurídico, é um seu pressuposto.”[3]
Sem a vontade não há efetivamente o negócio jurídico. As pessoas precisam fazer convergir suas necessidades para um ponto em comum para que possa existir o ato negocial.
O professor Flávio Tartuce discorre sobre a relação do ato jurídico do contrato e as declarações de vontade nos seguintes termos:
“O contrato é um ato jurídico bilateral, dependente de pelo menos duas declarações de vontade, cujo objetivo é a criação, a alteração ou até mesmo a extinção de direitos e deveres de conteúdo patrimonial. Os contratos são, em suma, todos os tipos de convenções ou estipulações que possam ser criadas pelo acordo de vontades e por fatores acessórios.”[4]
Neste ato jurídico bilateral resta saber se a vontade deve ser exteriorizada formalmente ou se ela pode ser expressa sem grandes rodeios ou sem grandes preocupações, afinal a relação comercial, o negócio jurídico, já esta em andamento, então para que formalidades?
No direito civil existem dois aspectos da vontade. A expressa, dita formal e a tácita dita informal. Ambas reguladas por normas.
Reza o art. 107 do CC/2002[5]:
“Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”
Verifica-se que temos duas possibilidades para a declaração de vontade. A forma especial e a livre. A livre quando esta não depender de força de lei para que seja um ato jurídico válido. No que tange a forma especial vale visitar o artigo 104 inciso III e artigo 108 do mesmo dispositivo legal:
“Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
III – forma prescrita ou não defesa em lei.
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.”
Com relação ao art. 104 e seu inciso III, comenta a professora Maria Helena Diniz:
“Às vezes será imprescindível seguir determinada forma de manifestação da vontade ao se praticar ato negocial dirigido à aquisição (grifo nosso), ao resguardo, à modificação ou extinção de relações jurídicas.”[6]
Observamos que, por exemplo, na aquisição particularmente de bens imóveis, a forma expressa (ou especial) deve ser realizada, caso não ocorra pode inviabilizar o ato jurídico. O que nos remete o art. 108 citado acima.
Afora estes casos, continua comentando a egrégia professora da PUC/SP:
“O princípio geral é que a declaração de vontade independe de forma especial (CC, art. 107), sendo suficiente que se manifeste de modo a tornar conhecida a intentio do declarante, dentro dos limites que seus direitos podem ser exercidos. Apenas, excepcionalmente, a lei vem a exigir determinada forma, cuja inobservância invalidará o negócio.”[7]
Aqui verificamos que contratar pode ou não requerer uma formalidade, mas o fato desta formalidade não ocorrer não invalida, a menos dos casos previstos em lei, o negócio jurídico.
Para tanto basta observarmos o nosso cotidiano. Quando vamos a uma “vendinha da esquina” comprar pão e leite[8], existe ai um contrato de compra e venda e uma clara manifestação de vontades, a do vendedor de vender e a de comprar do comprador. A conclusão se dá com o pagamento da mercadoria e a posse[9] da mesma pelo comprador. Porém, sem qualquer formalidade.[10]
Por fim, José Augusto Delgado comenta o artigo 107, lembrando que o mesmo “introduz um elemento configurador no negócio jurídico que não foi tratado, de modo expresso, no artigo 104, anteriormente comentado: é o elemento vontade (grifo nosso). Exige-se, pelo art. 104, para a validade do negócio jurídico, apenas, a capacidade do agente, a licitude, possibilidade, a determinação ou determinabilidade do objeto e a forma prescrita ou não defesa em lei, sem ser feita qualquer referência à declaração de vontade do agente (grifo nosso).”[11]
Feito este entendimento acerca da necessidade de formalidade ou não do negócio jurídico, como podemos lidar com a questão da aceitação tácita?
A aceitação é um ato jurídico que manifesta a idéia de vontade por parte de quem recebe uma oferta ou uma proposta e sinaliza a ela de forma positiva. Todas as declarações negociais para que tenham efeito devem ter a aceitação.
Estas relações de vontade, no caso a aceitação, “(…) se relaciona à declaração tácita de vontade, abrangendo a conduta pela qual não se emprega a linguagem como meio de manifestação de aceitação, pressupondo uma inferência a partir de circunstâncias.”[12] Ou seja, a aceitação tácita pode ser feita através de gestos[13] ou mesmo o silêncio, que pode indicar que o oblato[14] manifestou a vontade de contratar mesmo sem expressa manifestação.[15]
Do que foi exposto até o presente momento podemos concluir que a manifestação de vontade é essencial à realização do negócio jurídico[16], sem o qual o mesmo pode não se concretizar ou ainda não ser um ato jurídico lícito. Sendo assim, passamos a discorrer sobre o silêncio como uma manifestação tácita de vontade.
O silêncio de acordo com o art. 111 do CC/2002
Segundo Renzo Tosi[17] a origem do famoso mote “quem cala consente” teria origem numa peça de Eurípedes chamada Ifigênia em Áulis[18]. A tragédia ocupa 1629 versos na qual Agamemnón convoca um velho servidor, relembra os antecedentes da Guerra de Tróia e revela que Ártemis impede os ventos de soprarem para que o exército grego não embarque. Um oráculo havia ordenado que sacrificasse sua filha mais velha, Ifigênia, para aplacar a deusa, e assim ele avisara Clitemnestra, sua esposa, para enviar a filha até Áulis sob o falso pretexto de casá-la com o herói Aquiles. Arrependido, pede a um velho servidor que leve a Argos uma mensagem com ordens contrárias.[19] A manifestação da vontade é peça fundamental da relação contratual, seja ela expressa ou tácita. Como a forma expressa não envolve polêmicas maiores, passemos a discorrer sobre o silêncio contratual.
É com base neste enredo que, no verso 1142, Clitemnestra se dirige à Agamemnón nestes termos: “É exatamente teu silêncio que demonstra que concordas.”[20]
Ainda segundo Renzo Tosi foram difundidos por toda Europa variantes deste verso que correspondem ao brasileiro “Quem cala consente” e “Quem cala, confessa”.[21]
Se formos analisar os modos e costumes, estes dois motes deitam raízes profundas no senso comum e chegam até a fazer cânone absoluto de tão forte sua influência no cotidiano das gentes.
Dito estas coisas cabe-nos investigar: Tem o silêncio validade jurídica? O silêncio contratual é um ato jurídico lícito?
Para lançar luz sobre o caso analisemos o art. 111 do CC/2002:
“Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.”
O silêncio tem validade jurídica? Sim. Mas, depende.
A redação do art. 111 deixa claro que o silêncio no direito privado implica anuência, ou seja, um consentimento tácito, uma aceitação do negócio jurídico e que este silêncio requer vontade expressa.
O legislador impôs duas circunstâncias para que o silêncio tenha a característica de aceitação:
– depende das circunstâncias em que o silêncio foi utilizado ou quando o uso do silêncio indica claramente, usualmente ou costumeiramente uma aceitação.
– não há a obrigatoriedade de vontade expressa, por força de lei, para a realização do negócio jurídico lícito.
Tomemos como exemplo julgado do TJRS que relativiza a questão do silêncio num contrato de seguro:
“Considerando que a normalidade é a contratação do seguro de veículo pelo prazo de um ano, o silêncio do contrato de financiamento (grifo nosso) sobre o mesmo não poderia levar o autor a presumir que o seguro teria vigência de três anos, mesmo prazo para quitação do financiamento.”[22]
O julgado está alinhado com a doutrina:
“O ordenamento pátrio adotou a teoria do silêncio qualificado (ou circunstanciado), pela qual se admite a juridicidade do silêncio, desde que evidenciada certas circunstâncias – anteriores ou concomitantes – que o legitimem.”[23]
O fato de alguém presumir que o silêncio contratual lhe atribui direitos é um equívoco, pois sempre se observará as circunstâncias em que o silêncio sobre, o negócio jurídico, se perfaz.
Não se toma o silêncio como negativo sempre. No sentido de que “quem cala consente”. Este pensamento não tem validade jurídica entre nós. O silêncio é uma instância de um ato jurídico lícito desde que a lei dispense as formalidades na formação do contrato.
No que tange a concretização do silêncio contratual na materialização do contrato, alude Silvio de Salvo Venosa:
“Concluímos que o silêncio somente estará apto a materializar um consentimento contratual quando vier acompanhado de outras circunstâncias ou condições, que envolvem a vontade contratual no caso concreto.”[24]
Neste sentido, corrobora Priscila David Sansone Tutikian, em sua dissertação de mestrado[25]:
“Nada obstante a conclusão da aparente desnecessidade da referência à declaração expressa no artigo 111, cumpre avaliar quando tal ressalva interferirá na valoração do silêncio. Assim, no que diz respeito à exigência de aceitação, no campo específico da formação contratual, por meio de declaração expressa, não há exemplos no Código Civil que a exijam, salvo, naturalmente, os casos que recaiam na exigência de forma especial.”[26]
O silêncio contratual é um ato jurídico lícito?
Sim. O silêncio contratual é caracterizado como um ato jurídico lícito e pode ser encontrado em vários instrumentos negociais, por exemplo nos contratos de locação em que o contrato é renovado automaticamente com base no silêncio das partes.[27]
Exemplifiquemos através de julgado a questão da validade do silêncio contratual como ato jurídico lícito:
“Acolhida a preliminar, observo que acerca da emissão e legitimidade do título o demandado nada refere, silêncio que importa em confissão tácita (grifo nosso) do crédito ora pretendido constituir, impõe-se a procedência da demanda.”[28]
Vemos neste julgado que o embargante fez a aceitação do negócio jurídico tacitamente ao entregar os cheques em troca de capital de giro e quis depois desfazer o negócio alegando desconhecimento dos juros cobrados dizendo que o embargado silenciara neste sentido.
Para que o silêncio contratual possa ser considerado um ato ou negócio jurídico lícito deve ser alicerçado pelo princípio da boa-fé (art. 422 do CC/2002) e da confiança na relação negocial.
Um indicativo de que a boa-fé deve permear o silêncio contratual encontra-se no julgado n. 0253336-6/01 do Tribunal de Justiça de Pernambuco que relata o seguinte caso[29]:
1) Não há que se falar em ilegalidade do desconto diretamente no contracheque, posto que o Decreto Estadual n. 26.330 de 27.01.04 expressamente permite que o funcionário público utilize margem do salário para consignações, inclusive para amortizar empréstimos rotativos de cartões de crédito;
2) No caso evidenciado, apesar do Apelado não ter autorizado expressamente o desconto diretamente em seu salário, expressou a concordância tácita seja por providenciar o desbloqueio do cartão aceitando os termos do contrato, seja por ter silencido (grifo nosso) por longos 4 (quatro) anos e 5 (cinco) meses;
3) Admitir o reembolso causaria flagrante locupletamento ilícito (grifo nosso), mormente porque a parte confessadamente utilizou o cartão de crédito para as mais diversas finalidades;
Observa o professor Flávio Tartuce “que a boa-fé é aquela relacionada com a conduta dos contratantes e com deveres anexos, ínsitos a qualquer contrato, que sequer necessitam de previsão no instrumento contratual.”[30]
De nada adiantará apelar para o art. 111 no que tange ao silêncio contratual para invalidar negócio jurídico lícito se este silêncio não estiver apoiado na boa-fé objetiva e na confiança do oblato e do proponente nesta relação contratual.
Destarte, observamos que o mote “quem cala consente” não tem força jurídica, pois o silêncio contratual deve ser circunstancial e o negócio jurídico não deve exigir a formalidade, nos termos da lei – vide art. 104 e art. 108 – e que este silêncio deve estar fortemente apoiado no princípio da boa-fé objetiva, caso contrário o julgador poderá interpretar o silêncio como anuência tácita ao negócio jurídico e legitimá-lo, quando se esperaria que ele fosse anulado ou anulável.
Dito estas coisas, passemos a comparar o art. 111 que é uma norma de direito privado com o art. 39 do CDC que é uma norma consumerista de ordem pública, no que tange ao silêncio como ato jurídico lícito.
Art. 111 do CC vs. art. 39 do CDC
Vimos anteriormente que o silêncio contratual pode ter a sua legitimidade como ato jurídico lícito na formação contratual, mas isso não se dá de qualquer forma, antes o silêncio deve conferir uma inegável anuência ao contrato e estar cerceado de boa-fé.
Nesta seara qual a relação entre o silêncio contratual e as práticas abusivas do mercado, segundo o art. 39 do Código de Defesa do Consumidor e seus incisos?
Entendem os professores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald que a relação entre o CDC e o CC/2002 no que tange ao silêncio contratual é antagônica:
“Para além do Código Civil, nas relações consumeristas, entendeu o legislador que é inaplicável a regra do artigo 111 do Código Civil. O silêncio do consumidor remete frequentemente a condutas abusivas do fornecedor de produtos e serviços. O artigo 39, III, do CDC, taxa como abusiva a prática da remessa de produtos e serviços sem a prévia solicitação do consumidor, como o envio de cartões de crédito. A inércia do consumidor não importará em aceitação, pois o produto enviado será considerado “amostra grátis” (parágrafo único, art. 39, Lei n. 8.078/90).”[31]
Nosso entendimento é diverso a dos egrégios professores, mas antes de ilustrarmos nosso pensamento, vamos nos ater ao que diz o art. 39 inciso III e o parágrafo único da Lei n. 8.078/90.
“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.”
Comenta a professora Cláudia Lima Marques que nas vendas em que não há a clara manifestação do consumidor fica consubstanciado a prática abusiva tendo em vista que o consumidor não tem condições de devolver a mercadoria e se sente compelido a ter que contratar.[32]
O que o inciso III e o parágrafo único do art. 39 fazem é coibir uma prática que ainda é comum no mercado, o envio de mercadorias, como técnica de vendas[33]. Antes o consumidor se via realmente na situação em que a impossibilidade de devolver a mercadoria e a “tentação” de abrir o pacote e experimentar o produto automaticamente o vinculava contratualmente ao fornecedor gerando desta forma a obrigação e dando respaldo ao ato jurídico lícito. O que o art. 39 do CDC faz é trazer nova ordem a esta relação de consumo, ordem esta que equilibra o negócio jurídico dando ao consumidor a chance de fazer anuência à oferta e ao fornecedor deixa claro que o risco desta técnica de vendas é exclusivamente sua, pois o parágrafo único deixa claro que o envio da mercadoria sem a solicitação do consumidor fica caracterizado como “amostra grátis”.
Destarte, não conseguimos identificar onde estaria a incongruência entre o artigo 111 do Código Civil e o analisado artigo 39, III do CDC.
O aludimos o art. 111 parte do princípio de que o silencio traz a anuência, mas que esta anuência é condicional e não absoluta. Para que a anuência ocorra é necessário que o ato jurídico seja lícito ou que não seja exigida a formalidade dentro dos limites da lei.
É exatamente isso que o artigo 39, III do CDC faz, dá limite ao ato jurídico. Para que o vinculo contratual aconteça deve o consumidor expressar (solicitar) claramente o envio da mercadoria. O silêncio tácito do consumidor neste caso não tem força vinculativa, pois o inciso III do art. 39 é claro ao dizer que o envio de mercadoria e/ou serviço sem a solicitação do consumidor se caracteriza como prática abusiva, logo um ato jurídico ilícito.
Vejamos, mais uma vez, a jurisprudência[34]:
I – Para se presumir o dano moral pela simples comprovação do ato ilícito (grifo nosso), esse ato deve ser objetivamente capaz de acarretar a dor, o sofrimento, a lesão aos sentimentos íntimos juridicamente protegidos. II – A reiteração de assinaturas de revistas não solicitadas é conduta considerada pelo Código de Defesa do Consumidor como prática abusiva (art. 39, III). Esse fato e os incômodos decorrentes das providências notoriamente dificultosas para o cancelamento significam sofrimento moral de monta, mormente em se tratando de pessoa de idade avançada, próxima dos 85 anos de idade à época dos fatos, circunstância que agrava o sofrimento moral. III – O conteúdo normativo dos artigos 3º e 267, VI, do CPC, não foi objeto de debate no v. Acórdão recorrido, carecendo, portanto, do necessário prequestionamento viabilizador do Recurso Especial. Incidem, na espécie, as Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. IV – Só é possível a intervenção desta Corte para reduzir ou aumentar o valor indenizatório por dano moral nos casos em que o quantum arbitrado pelo Acórdão recorrido se mostrar irrisório ou exorbitante, situação que não se faz presente no caso em tela. Recurso Especial improvido. [35]
Feitas estas observações concluímos que não há um antagonismo entre o art. 111 do CC/2002 e o art. 39, III do CDC. O que temos aqui é um diálogo de coordenação e adaptação sistemática das fontes.[36]
Concluímos, portanto, que pode haver aplicabilidade do art. 111 do CC/2002 na relação consumerista no que tange ao silêncio contratual, pois esta norma deixa claro que a anuência é condicional e depende de expressão formal quando a lei assim o determinar, e é exatamente o caso do art. 39, III da Lei 8.078/90.
Conclusão
O dito popular “quem cala consente” não possui força vinculativa em nosso ordenamento a menos que venha seguido por costumes e tradições que indiquem claramente que o silêncio do contratante dá anuência ao contrato e desta forma gerar a obrigação.
Assim ensina a professora Maria Helena Diniz sobre o silêncio contratual:
“Assim sendo, até mesmo pelo silêncio pode ser feita a emissão volitiva[37]. Porém não é, obviamente, qualquer silêncio que é hábil para traduzir uma vontade, mas apenas aquele que, contendo manifestação volitiva, permite extrair dele a ilação de uma vontade contratual.”[38]
O silêncio contratual também deve estar baseado na confiança[39] e na boa-fé objetiva[40], caso em que estes requisitos não sejam aceitos poderá acarretar em nulidade ou anulação do ato jurídico.
Concluímos também que não existe uma incongruência entre os artigos 111 do CC/2002 e o artigo 39 inciso III do CDC. O que existe é um diálogo entre as duas fontes que deve ser entendido como uma coordenação sistemática das fontes, pois um rege o conceito do silêncio no ato jurídico de forma geral (art. 111 do CC/2002) enquanto o outro rege a especificidade (relação de consumo). O Código Civil aceita o silêncio nas relações privadas e entendemos que o consumo de bens e serviços seja um ato jurídico privado. Por sua vez o CDC deixa claro que haverá prática abusiva por parte do fornecedor que entender que o silêncio do consumir que não solicitou os seus bens ou serviços tenha força vinculativa. Em havendo a constatação da prática abusiva fica patente o ato jurídico ilícito por ter violado lei de ordem pública que é o CDC.
Devemos notar que as relações contratuais são essenciais dentro do sistema mercadológico em que estamos contextualizados. Não há como se ver livre desta situação dentro do atual modus operandi do capitalismo.
No entanto, podemos estar alertas quanto as formas em que estes vínculos contratuais se formam para que não sejamos pegos na armadilha do silêncio ou da anuência tácita como formas de vínculo obrigacional absolutos e irrevogáveis.
Este estudo mostrou a possibilidade de termos o silêncio contratual como ato jurídico válido, mas também ilustrou que esta validação para que torne o ato contratual perfeito, é circunstancial e depende da confiança e boa-fé objetiva.
O homo fabe[41]r é necessário e é uma realidade social, mas não pode ele ser atado a velhas tradições e abusos de direito.
Pós-graduado em Direito Contratual pela EPD – Escola Paulista de Direito, MBA Gestão e Business Law pela FGV-Rio, Mestrando em Direito na UNIMEP, Consultor em gestão de contratos na R&C Consultoria
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