Resumo: O artigo se inicia abordando aspectos gerais do bairro Queimadinha, apresentando as características deste como um todo, destacando de que maneira é conhecido no município e região. Desenvolve a diferença entre bairro e comunidade justificando o fato de tecer estudos apenas sobre a comunidade em questão, perpassando pelas lutas já conquistadas e as que se encontram em andamento, explorando a ideia da efetivação da Justiça nesta através da interação da população na busca pela justiça e garantia de direitos.[1]
Palavras-chave:Queimadinha; Justiça; Garantia de direitos; Lutas do bairro.
Abstract: The article starts approaching general aspectsfromQueimadinhaneighborhood, presentingcharacteristics of it as a whole, emphasizing how it’s known in the city and region. It develops the difference between neighborhood and community justifying the fact of weave studies only about the community in question, passing by the struggles already conquered and the ones that are in progress, exploring the idea of Justice realization on thatthroughpopulationinteration in thesearch for justice and rights guarantee.
Keywords: Queimadinha; Justice; Guarantee of rights; Fights the neighborhood.
Sumário: 1. Introdução. 2. Aspectos gerais do bairro. 3. As lutas da comunidade em questão. 4. Efetivação da justiça na comunidade. 4.1. Direito versus justiça. 4.2. O acesso à justiça. 4.3.Interação da população na busca pela justiça e garantia de direitos. 5. Conclusão. Referências.
1 Introdução
A luta pelo Acesso à Justiça é enorme, mas os passos já foram iniciados na Comunidade Queimadinha quando os moradorespercebendo suas necessidades uniram-se e unem-se em prol da melhoria do bairro que é conhecido pelo alto índice de criminalidade e por ser periférico.
Apesardo distanciamento da Comunidade aos meios judiciais, a busca pela justiça e a garantia dos direitos não se dissipa porque este meio não é a única forma para a concretização das demandas que aparecem, razão pela qual, também conseguem solucionar as lides através dos meios extrajudiciais.
A expressão “Acesso à Justiça” é trabalhada ostensivamente por Mauro Cappelletti e Boaventura de Souza Santos, e é através desses ilustres doutrinadores que o presente artigo se fundamenta, visto a necessidade de trazer o enfoque às periferias, mais necessariamente, à Comunidade Queimadinha, que cumpre seu papel cidadão através da intensa participação dos atores sociais, a exemplo da Igreja e do Conselho Local de Saúde conscientes da morosidade e onerosidade processual permitindo o alcance de diversos direitos difusos.
2 Aspectos gerais do bairro
O bairro Queimadinha conta, aproximadamente, com 40 mil habitantes, situa-se próximo ao centro da cidade de Feira de Santana no estado da Bahia entre as principais vias, Avenida José Falcão e Avenida Maria Quitéria. A Rua Intendente Abdom constitui sua via principal, além disso, este bairro abrange dois conjuntos habitacionais: o Conjunto Milton Gomes e o Conjunto Centenário.
A história do bairro acerca de seu surgimento é breve. Conta-se que foi nomeado “Queimadinha” por haver queimadas decorrentes das missas e demais festas profanas, ademais, havia uma fábrica de cal e um cabaré chamado Sonho Azul que deixaram de existir após ser habitado gradativamente.
Nos tempos atuais, o bairro caracteriza-se por instalar principais instituições e órgãos públicos a exemplo do Instituto Nacional de Previdência Social (INSS), o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), o Fórum Des. Filinto Bastos e o Juizado Especial. Comporta, também, escolas com todos níveis educacionais, tendo como os principais, o Colégio Prof. Edelvira Oliveira e a Escola Infantil São João da Escócia, Igrejas e uma Unidade Básica de Saúde (UBS) que atende intensamente aos habitantes locais, além de ter conquistado recentemente uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) que encontra-se em construção.
Apesar de abarcar uma parte do Poder Público, o Bairro Queimadinha é conhecido pela violência consequência do alto índice de tráfico e consumo de drogas. Senão, observa-se a divulgação midiática de tais informações:
“Operação combate tráfico de drogas em Queimadinha, Feira de Santana
Bairro foi ocupado por cerca de 50 policiais civis e militares.
Local tem maior número de assassinatos da cidade baiana, segundo polícia.
O bairro de Queimadinha, no município de Feira de Santana, a cerca de 100 Km de Salvador, foi ocupado na terça-feira (11) por cerca de 50 policiais civis e militares.
De acordo com a polícia, a operação tem como objetivo combater o tráfico de drogas e os homicídios na região.
Queimadinha é o bairro com maior número de assassinatos em Feira de Santana e também um dos principais pontos de drogas da cidade, informou a polícia. Durante a ocupação a polícia apreendeu munição, uma quantidade de maconha, crack, duas balanças de precisão e produtos usados para o refino de droga.
Segundo o comandante regional leste, coronel Adelmário Xavier, os policiais vão continuar fazendo a segurança no bairro”.
“Duplo homicídio na Queimadinha
Doisjovensforamassassinados com váriostiros de pistola, natardedestaquarta-feira (14), porvolta de 14 horas, no interior de um bar, localizado no bairroQueimadinha. As vitimaforamidentificadascomo: Micael de Jesus Santos, 18 anos, residente no mesmobairro e outroapenasfoiidentificadocomo Grande, quetambémresidia no mesmobairro.
Segundo testemunhas, as vitima se encontrava conversando na rua Pará, quando três homens a bordos de um veiculo de cor preta, juntamente com mais dois montados em umamotocicleta, surpreenderam as vitimadeflagrandotiros. Elesaindacorreram e entraramnum bar, namesmarua, masoscriminososinvadiram e osexecutaram com váriostiros.
Testemunhasafirmaramaindaque, osatiradoresentraram no bar e informaramaoproprietárioque o mesmoficassedespreocupadoque o assunto era com osdois. Policiais do Serviço de Investigação sob o comandodadelegadaMilenaCalmoncompareceramao local do duplohomicídiojuntamente com peritos do Departamento de PolíciaTécnica (DPT) e realizaram o levantamentocadavérico e iniciaram as primeirasinvestigações”.
A popularidade do bairro deve ser enfatizada com a disparidade social que existe nele, pois abrange conjuntos habitacionais pertencentes tanto a classe média quanto a classe baixa. Osconjuntos Centenário e Milton Gomes constituem a classe média do bairro, enquanto, conjuntos pouco conhecidos, ou talvez, inomináveis representam a classe baixa do bairro.
Neste viés, é possível observar que a noção de bairro pode ser reformulada e substituída por comunidade quando é dividida por classes e grupos. Enquanto bairro trata-se de uma divisão geográfica e urbana, não quer dizer que esta noção reflita os interesses comuns aos moradores, para isto, constituímos a comunidade que se compõe por um grupo de pessoas que compartilham assuntos e interesses em comum, mais necessariamente, que tratem das condições sócio estruturais do local.
Phil Bartleao descrever o conceito de comunidade em seu estudo “O que é comunidade? Uma perspectiva sociológica”aduz a ideia de junção de grupos que objetivam concretizar anseios em comum.
“[Comunidade] é um conjunto de interacções, comportamentos humanos com significado e expectativas entre os seus membros. Não se trata apenas de uma acção isolada, mas de um conjunto de acções que têm como base a partilha de expectativas, valores, crenças e significados entre os indivíduos. (…) Em determinados casos, uma "comunidade" pode nem sequer possuir um lugar físico, mas ser simplesmente demarcada por um grupo de pessoas que partilham um interesse comum”.
Respaldando-se com esta noção de comunidade, verifica-se a existência desta no bairro Queimadinha a partir do momento em atores sociais como o Conselho Local de Saúde, a Associação de Moradores, a Igreja Católica e os habitantes locais desempenham lutas de forma conjunta por melhorias no bairro, pois, na verdade, os moradores possuem consciência que se forem aguardar apenas a ação estatal não obterão respostas rápidas para seus deslindes.
Com isso, a comunidade Queimadinha com seu papel ativo busca o acesso à justiça à sua maneira grupal de compartilhar e unir-se na tentativa de alcançar êxito nas demandas do local, suprindo carências que, por vezes, são esquecidas pelo Estado.
3 As lutas da comunidade em questão
A Queimadinhaé um bairro populoso caracterizado pela pobreza, altos índices de violência e a consistência do tráfico de drogas, estes fatores são conhecidos diante qualquer âmbito social na cidade Feira de Santana e região.
Isto ocorre, por sua história ser marcada pela invasão de moradores que decidiram habitar esta área. O abandono estatal, inlato sensu, como se pode notar acontece desde o período de formação do bairro e se perpetua em menor escala nos dias atuais, já houve períodos de muito sofrimento e desafeto provocados pela falta de oportunidade, dificuldade em ter acesso à saúde, baixa escolarização dos moradores, in stricto sensu, por exemplo.
Apesar deste reflexo negativo posto sobre a comunidade, esta também desempenha atitudes positivas que elevam sua imagem. Muitas lutas das que já foram travadas obtiveram êxito e outras estão em andamento.
Inicialmente, a Paróquia de Todos os Santos desenvolveu um papel importantíssimo que era o de amparar os indivíduos e tentar buscar por melhorias no bairro. Seu suporte transcendeu a implementação de valores éticos e morais e construiu a busca pela concretização dos direitos do bairro, já esquecido pelo Estado. Nos dias atuais, a Paróquia desenvolve um trabalho social com os jovens do bairro permitindo uma visão de mundo distinta da criminalidade através da Pastoral da Juventude (PJ).
A Paróquia de Todos os Santos no bairro foi fundada no século XIX. Uma das principais figuras da história da Paróquia foi o Padre Hipólito, mais conhecido por Padre Popó, que trouxe influências da Itália, país ao qual habitava antes de vir para o Brasil e motivou diversas mudanças no bairro à época, a exemplo de grande ajuda na fundação da Unidade Básica de Saúde.
Com o passar do tempo, implantou-se a Associação de Moradores do bairro Queimadinha, entretanto, não possuiu muita representatividade por falta de organização dos próprios fundadores e pela não participação dos moradores, com isso, o dever de centralizar, discutir, esclarecer e informar os problemas do bairro para o Poder Público foi transferido para o Conselho Local de Saúde.
O Conselho Local de Saúde da Queimadinha, apesar de ter como função o controle e a fiscalização de políticas no âmbito da saúde, também atuava na Comunidade em outras áreas,discutindo diversas demandas sociais e políticas em suas reuniões mensais. Os Conselheiros locais apresentavam pautas que tratavam desde a precarização da saúde no bairro e na cidade até a ineficácia do transporte coletivo, consideram que a saúde não é apenas tratar de doenças e medicamentos, mas sim, deve-se abranger o bem estar social e psíquico dos indivíduos, por isso, a falta de saneamento básico em algumas ruas da Comunidade também foi pautas de discussões e manifestações.[2]
Para tanto, em agosto de 2014, os moradores interditaram uma das principais vias que dá acesso ao bairro no intuito de chamar atenção do poder público devido a falta de saneamento básico.
“Em protesto contra situação de rua, moradores interditam Avenida José Falcão
08/08/2014 15h29
De acordo com os moradores, o objetivo é chamar a atenção do poder público para problemas com lama e água empossada.
Moradores da Rua Venceslau, bairro Queimadinha, em Feira de Santana, realizaram uma manifestação e interditaram a Avenida José Falcão no final da manhã desta sexta-feira (8). De acordo com os moradores, o objetivo é chamar a atenção do poder público para problemas como lama e água empossada”.
Uma das lutas conquistadas foi a implantação da Unidade Básica de Saúde (UBS) que é a única representação de amparo à saúde em que preza pelo bem estar físico, mental e social da comunidade, dispõe de clínica geral, um Centro Odontológico,instalado recentemente, entre outras especialidades. Apesar da plena efetivação da UBS, observa-se a existência de algumas precariedades a exemplo do número reduzido de cotas de exames e insuficiente número de profissionais para atendimento.
Por se tratar de um dos bairros mais populosos de Feira de Santana, as precariedades se intensificam em virtude da alta demanda, formando uma nova luta a ser travada pelos atores sociais. Com isto, encontra-se em construção a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) que é uma instalação hospitalar de média complexidade e favorece a comunidade por funcionar em tempo integral e dispor de mais especialidades médicas se comparadas com a UBS.
Esta construção foi interrompida em seu início devido a uma ação movida pelo proprietário do terreno contra a Prefeitura de Feira de Santana. Apontou-se que houve uma desapropriação ilegal da área destinada a UPA, pois o proprietário não havia sido indenizado e alegou sequer ter conhecimento dessa obra em sua propriedade. Como consequência desta ação, a obra foi embargada e a Prefeitura decidiu transferir a UPA para outro terreno localizado à Rua Carlos Valadares, mais afastado da comunidade que deveria beneficiar, pertencente a Santa Casa de Misericórdia da cidade.
No entanto, a Prefeituranão obteve êxito na negociação com os sócios da Santa Casa de Misericórdia, optando por fazer o devido processo de desapropriação do terreno da comunidade onde a unidade seria inicialmente feita, facilitando, assim, o acesso da UPA aos moradores.A obra, que se iniciou em 2012, está atualmente em andamentocom previsão de conclusão para fevereiro de 2016, conforme comunicado da prefeitura.
“Prefeitura justifica atraso na obra da UPA do bairro Queimadinha
Após matéria do programa 'Bom Dia Brasil', na Rede Globo, veiculada ontem (15), denunciando o atraso nas obras da Unidade de Pronto Atendimento do bairro Queimadinha, em Feira de Santana, obra federal executada pelo município, a prefeitura informou que somente na última quinta-feira (11) a verba de R$ 1,3 milhão para conclusão da obra foi recebida.
(…) Ainda segundo a prefeitura, mesmo sem a liberação dos recursos por parte da União, a empresa responsável pela construção não suspendeu os serviços nesse período. Mantiveram operários no local, porém com os trabalhos transcorrendo em ritmo lento. “Com o dinheiro em caixa, a obra vai acelerar o ritmo. O novo cronograma dos serviços prevê a conclusão da UPA para fevereiro de 2016”, informou o comunicado”.
Diante o exposto, pode-se observar o papel participativo que a Comunidade desenvolve dentro do seu próprio bairro, sempre reivindicando por melhorias através da contribuição dos diversos atores sociais presentes no bairro.
4 Efetivação da justiça na comunidade
4.1 Direito versus justiça
A organização da sociedade deve-se a legitimidade do Direito quando pré-determina condutas que são consideradas praticáveis e impraticáveis. A sua finalidade não se resume apenas em gerar ordem na sociedade, mas vai, além disso, tutela condições mínimas de sobrevivência que o ser humano, quanto indivíduo, deve possuir.
Dentre tais condições de sobrevivência, existe o direito à vida, à liberdade, à segurança, à livre circulação, à residência e à religião, por exemplo. Estes direitos são objetos de ampla proteção estatal, tutelados pela Constituição Federal e reconhecidos por Tratados Internacionais, entretanto, a positivação dos direitos não garante sua efetivação na sociedade, esta depende da atuação positiva do Poder Público, daí que podemos entender a diferença entre Direito e Justiça.
Enquanto Direito são normas positivadas que tutelam condições mínimas existenciais, a Justiça surge quando estas são efetivadas na sociedade trazendo igualdade, embora possa afirmar que para alcançar a Justiça não é necessário repartir de forma igual, mas sim, conforme a necessidade de cada um de maneira que atinja a igualdade.Tomás de Aquino, ilustre filósofo da Idade Média, definiu que “a justiça é uma constante e perpétua vontade de dar a cada um o seu direito”.
4.2 O acesso à justiça
É importante destacar que o conceito de Justiça sofreu alteração com o passar dos tempos, o Acesso à Justiça é um direito fundamental, contudo, antes de tornar-se positivo, era um direito natural e, por isso, o Estado possuía comportamento passivo em relação a este direito. Assim, Cappelletti e Garth (1988:9) em sua obra Acesso à Justiça aborda sobre o tratamento do Estado diante o Acesso à Justiça quanto um direito natural, in verbis:
“Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. O Estado, portanto, permanecia passivo com relação a problemas tais como a aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defende-los adequadamente, na prática”.
O sistema jurídico priorizava a exegese e a dogmática do Direito e mantinha-se afastado dos problemas reais. Com a complexidade das relações sociais, o conceito de Acesso à Justiça sofreu uma transformação no que tange ao reconhecimento de uma atuação ativa do Estado de forma que se tornasse efetivo e acessível à sociedade, portanto, a preocupação em resolver as lides processuais em potencial e de forma prática ou o Estado dispor de recursos para enfrentar o litígio é recente.
Em nossa Constituição, o artigo 5º, inciso XXXV aponta o acesso à justiça como o direito da tutela jurisdicional, através da possibilidade de ingressar no sistema jurisdicional e no processo, assim descreve: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário,lesão ou ameaça a direito” (Artigo 5º, XXXV da Constituição Federal Brasileira). Esse conceito mais restrito confunde-se com o acesso ao Poder Judiciário, ao passo que pressupõe a obrigação do Estado em solucionar conflitos não só caso haja lesão de direito, mas sim ameaça de lesão, contudo, acesso à justiça também engloba outras esferas jurídicas, como o aconselhamento e a consultoria. Dessa forma, o movimento de acesso à justiça é também um movimento de acesso à informação.
Para que se efetive esse caráter amplo do acesso à justiça foram criados, no Brasil, mecanismos diversos como os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e a Defensoria Pública. Tais mecanismos atuam em prol da universalização da justiça, seja facilitando o julgamento de causas cíveis e criminais de menor complexidade ou exercendo a orientação e defesa jurídica de uma parte da população mais carente.
Por fim, apesar de toda a estrutura jurídica atual no que se refere facilitar a solução de conflitos e tentar promover um acesso à justiça que atenda toda a sociedade, é necessário lembrar que o Poder Judiciário, mais especificamente, os Juízes ainda necessitam de uma postura mais humanizada, não sendo meros aplicadores do Direito, assim como, os advogados devem estar atentos à sua função social e os servidores precisam ser bem mais qualificados a fim de tornar um acesso à Justiça mais eficaz.
4.3 Interação da população na busca pela justiça e garantia de direitos
O Estado capitalista selvagem que vivemos na contemporaneidade dificulta a concretização dos direitos tutelados positivamente pelo Estado causando a sensação de inércia aos indivíduos que não dispõem de recursos sejam financeiros ou de conhecimento intelectual.
Cappelletti (1994:9) menciona três obstáculos ao acesso à Justiça: o econômico, o organizacional e o processual. No primeiro aduz que a pobreza dificulta o acesso à informação e à representação adequada, no segundo, a dificuldade encontra-se na inércia do indivíduo frente aos direitos coletivos e difusos, assim trata:
“(…) Os direitos sociais acarretam, ou tendem acarretar, benefícios para amplas categorias de pessoas fracas ou anteriormente discriminadas: crianças, mulheres, idosos, minorias raciais ou linguísticas, deficientes, etc. Em todos esses casos, o indivíduo isolado é em regra incapaz de vindicar efetivamente os direitos em causa, uma vez que se cuida de direitos coletivos ou difusos(…)”.
E, por último, o obstáculo processual em que tece críticas acerca da morosidade no trâmite processual e que deve ser substituídas pelos meios alternativos de solução de conflitos como a conciliação, a arbitragem e a mediação, por exemplo.
Os moradores da Comunidade Queimadinhasão atingidos por esses obstáculos, poispertencem a um bairro composto majoritariamente por pessoas carentes, no qual, o Estado se comporta de forma omissa influenciando um direcionamento falho à educação daqueles que não dispõem de recursos financeiros para suprir esta lacuna. A esse propósito, faz-se mister trazer à colação o entendimento do eminente Boaventura de Souza Santos (2011) que assevera:
“Porque os tribunais não foram feitos para julgar para cima, mas sim para julgar os de baixo. As classes populares, durante muito tempo, só tiveram contato com o sistema judicial pela via repressiva, como seus utilizadoresforçados. Raramente o utilizaram como mobilizadores ativos”.
Com base na entrevista desenvolvida com profissionais da UBS e um morador do bairro, comprova-se a sensação de distanciamento que possuem quando se trata do acesso aos meios judiciais conforme se apresenta:
“Eu acho a justiça, muitas vezes, injusta. Nós somos leigos nessa área por falta de conhecimento e informação. O pouco que chegamos a saber quando tomamos conhecimento de algum problema dificilmente temos apoio, ou você paga um profissional para receber a porcentagem dele ou você fica sem receber” (M.J. – Agente Comunitária de Saúde)”
“Falar em relação à Justiça é complicado, porque há dois lados: a justiça que procura resolver a vida do cidadão e a justiça que através das próprias leis que foram criadas dificulta a vida do cidadão. Aquilo que é lei, muitas vezes, não agrada. Existe o lado da justiça que pune, que cobra, mas existe o lado injusto que a lei desfavorece o cidadão”. (M.O. – Conselheira Local de Saúde)
Apesar das grandes demandas sociais na comunidade, a população pouco recorre aos meios judiciais para solucionar seus conflitos por motivos já supracitados(devido a sensação de impotência quanto a onerosidade e a morosidade nos trâmites processuais), assim podemos constatar a justificação desta ideia quando Boaventura (2011) menciona:
“São múltiplos os impactos negativos da morosidade judicial nos objetivos a serem cumpridos pelos tribunais. (…)Em primeiro lugar, o método de decisão baseado num sistema adversarial depende de se preservar a memória dos fatos. Quanto maior o intervalo de tempo entre o fato e a aplicação do direito pelos tribunais, menor é a confiança na justiça da decisão.
Por outro lado, a demora, ao prolongar a ansiedade e a incerteza nas partes, abala a confiança que estas têm nos tribunais como meio de resolução de seus conflitos. Quando a morosidade é um problema estrutural, a desconfiança generaliza-se, influenciando as percepções sociais acerca da justiça”.
Esse distanciamento da comunidade aos meios judiciais não reduz a busca pela justiça e a garantia dos direitos porque este meio não é a única forma para a concretização das demandas que surgem na comunidade. Observa-se que muitas lutas foram travadas e, ainda são, gerando êxitos em sua grande maioria mesmo que não seja de forma completa e rápida, mas há alcance.
Tratamos da polêmica da UPA que, embora não tenha sido totalmente concretizada, pois a unidade ainda se encontra em construção,utilizou não só de meios judiciais como extrajudiciais para seu andamento. Destacam-se entre os meios extrajudiciais utilizados a participação do Conselho Local de Saúde juntamente com a Justiça Universitária Popular – a Assessoria Jurídica Universitária Popular da Universidade Estadual de Feira de Santana que através de reuniões, discutiram e esclareceram diversos pontos, além de auxiliarem na construção de uma Ação Popular em prol da obra. Além disso, as manifestações acerca das demandas da comunidade executadas pelos moradores e representantes do Conselho Local de Saúde também são formas de meios extrajudiciais na busca pela justiça no bairro.
Diante o exposto, apesar dos direitos tutelados pela Constituição Federal objetivarem alcançar todos os indivíduos da sociedade com base no princípio da isonomia, ainda não se encontra presente em diversos meios sociais e, por conta disso, precisam de uma atenção maior por parte do Estado, assim, cabe à sociedade utilizar-se do instrumentos necessários para pleiteá-los. A Comunidade Queimadinha apesar de sua condição periférica já conquistou muitos direitos através da busca pelo Acesso à Justiça de forma judicial ou extrajudicial.
5 Conclusão
Com base no estudo desenvolvido no presente artigo constata-se que os moradores da Comunidade Queimadinha no caráter individual possuem restrições na busca pelo acesso à Justiça, com isto, fundamentado pelas ideias de Cappelletti pode-se verificar os motivos aos quais dificultam que os moradores recorram ao Judiciário para pleitear ações a fim de garantir ou exigir direitos. Esta conduta se justifica pela sensação de impotência visto a diferenças sociais constantes da nossa sociedade capitalista.
A mesma Comunidade é capaz de concretizar direitos, mas desta vez, difusos, extrajudicialmente, e isso permite que se comprove a importância que os atores sociais – a Paróquia e o Conselho Local de Saúde – possuem na busca pela melhoria da comunidade e, até mesmo, do bairro.
Em virtude disso, é plausível afirmar que o acesso à Justiça na comunidade Queimadinhanão se restringe apenas à procura do Judiciário, pois também concretizam suas demandas coletivas por meios extrajudiciais permitindo que os indivíduos conquistem suas lutas promovendo um efeito erga omnes.
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