1. Considerações Iniciais
É sabido que o Direito nasce dos fatos
sociais, das relações travadas entre os seres humanos. Assim dispõe o brocardo
latino “ubi societas, ibi jus”, o Direito está onde estão os homens, onde existe
sociedade. Enfim, com lei ou sem norma, os fatos acabam por se impor perante o
Direito, e este, tem que se adaptar a aqueles. No Direito de Família brasileiro
pode-se exemplificar tal afirmativa com a edição de leis que vieram a
regulamentar o divórcio e a união estável.
Porém, ainda existe uma
certa ignorância do Direito em relação a alguns fatos sociais, como é o
caso das uniões homossexuais ou homoafetivas. O cunho
deste artigo vai um pouco mais além, quer remeter à possibilidade destes
parceiros em adotar crianças, mesmo porque, alguns Tribunais
brasileiros já vem reconhecendo alguns efeitos patrimoniais a estas
uniões.
Assim, cabe evidenciar os motivos que
levam a uma resistência não só legal, mas também cultural e social, bem
como considerar a chance dos casais homoafetivos em oficializar
a adoção de crianças.
2. Razões da obstrução às uniões
entre homossexuais
O primeiro motivo a ser considerado é
de que o casamento como instituição, surgiu com o fim precípuo de procriar,
concepção esta determinada pela própria Igreja, fazendo-se necessário portanto que as uniões fossem heterossexuais.
A Bíblia relata a passagem em que Noé,
quando recebeu a ordem divina para recolher-se à Arca, devia fazê-lo, levando
consigo sua mulher, além de seus filhos, e as mulheres de seus filhos e de tudo
que vive, dois de cada espécie, macho e fêmea.
O homossexualismo já foi considerado
inclusive doença mental ou crime. Seguindo esta lógica, a legislação brasileira
considera casamento somente a união de caráter monogâmico e heterossexual,
assegurando proteção estatal à união estável, também entre parceiros de sexos
diferentes.
Portanto, sejam de fatores religiosos,
históricos ou jurídicos, resulta-se em uma sociedade de cultura machista,
excludente e preconceituosa com relação à união homoafetiva.
3. Evolução legal
Em que pese a
própria conformação da família tenha sido alterada, deixando de ser somente a
tríade pai-mãe-filho, uma transformação cultural e
também legislativa, já que a Constituição Federal reconhece como entidade
familiar àquela monoparental, formada pela mãe e
filho ou pai e filho, não haveria de ter óbice algum à adoção por casais homoafetivos.
A Deputada Federal Marta Suplicy é
autora do projeto de lei n.º 1.151/95, que “Disciplina
a união civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências”,
pretendendo assegurar aos homossexuais o reconhecimento da união civil, visando
principalmente a proteção dos direitos à propriedade. Porém não pretende, nem
de longe, equiparar esta união com o casamento, nem tampouco criar uma nova
espécie de família, pois veda a adoção de crianças.
Já o Estatuto da Criança e do
Adolescente, que regula a adoção de menores, não faz restrição alguma, seja
quanto à sexualidade dos candidatos, seja quanto a
necessidade de uma família constituída pelo casamento como requisitos para a
adoção.
4. O “mal” do preconceito prevalece
sobre o “bem” da adoção
O fundamental é que a adoção é uma
medida de proteção aos direitos da criança e do adolescente, e não um mecanismo
de satisfação de interesses dos adultos. Trata-se, sempre, de encontrar uma
família adequada a uma determinada criança, e não de buscar uma criança para
aqueles que querem adotar1.
Assim, o aumento do número de adoções
resolveria grande parte do problema das crianças órfãos de
nosso país, visto que há um enorme contingente de menores abandonados,
que poderiam ter uma vida com conforto, educação e carinho.
O preconceito
entretanto faz com que a sociedade pereça, e muitas crianças sejam
privadas de ter um lar, afeto, carinho, atenção. Precisamos romper a barreira
da discriminação e permitir que o desejo da adoção, seja por casais
homossexuais ou não, torne-se um instrumento efetivo na resolução dos problemas
com as crianças que não tem lar, nem identidade.
É na adoção que os laços de afetos se visibilizam
desde logo, sensorialmente, superlativando a base do
amor verdadeiro que nutrem entre si pais e filhos. O que determina a verdadeira
filiação não é a descendência genética, e sim os laços de afeto que são
construídos, em especial na adoção2.
5. Uma visão além fronteiras
A solução dada pela Desembargadora
do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias é notável. Não há qualquer
impedimento no Estatuto da Criança e do Adolescente, pois a capacidade para a
adoção nada tem a ver com a sexualidade do adotante, sendo expresso o art. 42
ao dizer: “Podem adotar os maiores de 21 anos, independentemente do estado
civil”. Devendo prevalecer o princípio do art. 43: “A adoção será deferida
quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivo
legítimo” 3.
Apesar de raros, já existem algumas
adoções por homossexuais no Brasil, porém ainda individuais. O juiz Siro Darlan, da 1ª Vara de
Infância e Juventude do Rio de Janeiro permitiu que Marcos, mesmo tendo
assumido a condição de homossexual fosse pai de João:
“No caso de João, há muito que sonhava
ter uma família. Mas, para crianças mais velhas e de cor negra como ele, nunca
é tão simples ou rápido encontrar pais adotivos. Agora João conta com o pai
Marcos e com o tio Alexandre. Em entrevistas a assistentes sociais e
psicólogos, João deixou claro o forte desejo de manter a família que conquistou” 4.
E evidente que adoção por homossexuais
é possível e também justa. Não se pode negar,
principalmente àqueles que são órfãos, o direito de fazer parte de uma família,
de receber proteção e amor. E esses atributos são inerentes à
qualquer ser humano, seja ele hetero ou homossexual.
A inadmissibilidade da adoção de
crianças por casais homossexuais, só vem em prejuízo do menor, principalmente
quanto o aspecto patrimonial, já que, sendo filho, passa a ter todos os
direitos pertinentes à filiação, guarda, alimentos e
sucessórios, que ao invés de ter em relação a duas pessoas, terá apenas em
relação ao adotante.
6. Últimas considerações
Vê-se que, se não todo, ao menos um
pouco do preconceito já foi superado por alguns magistrados, e por alguns
olhares menos incrédulos. Porém, ainda há muito que se fazer, não apenas pelos
juízes ou desembargadores, mas também pelos legisladores, doutrinadores, ou, melhor
dizendo, por cada cidadão deste país.
Cabe principalmente ao estudioso e
profissional de direito a tarefa de tomar a iniciativa em tratar os
homossexuais da mesma forma que os outros, encarando com naturalidade as
nuances de uma opção não tradicional ou estigmatizada. Desde o atendimento no
escritório, no gabinete ou no Fórum, até o convívio social, no supermercado, na
universidade. Mas, fundamentalmente não ter medo de difundir esta idéia, porque
seu papel é, sem dúvida, o de difusor das idéias novas e de romper barreiras.
Porque assim como a mulher precisou
brigar por seu espaço tanto no mundo profissional, quanto precisou mostrar de
que era capaz tanto quanto o homem, em todas as áreas da vida humana, assim os
homossexuais acabarão por demonstrar que sua opção sexual não os impede de
viver da mesma forma que todos os outros seres humanos.
E sábia afirmação de Giselda Hironaka:
“Biológica ou não, oriunda do casamento
ou não, matrilinear ou patrilinear, monigâmica ou poligâmica, monoparental
ou poliparental, não importa. Nem importa o lugar que
o indivíduo ocupe no seu âmago, se o de pai, se o de mãe, se o de filho; o que
importa é pertencer ao seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é
possível integrar sentimentos, esperanças, valores, e se sentir, por isso, a
caminho da realização de seu projeto de felicidade pessoal.” 5
A lição que fica é de que a coisa mais
bonita é o sentimento que norteia uma criança no caminho do respeito a si
mesma, do respeito aos outros e ao mundo, na busca por futuro mais tranqüilo,
com profissão definida e sem violência. A verdade jurídica deverá ceder vez à
imperiosa passagem e instalação da verdade da vida6. Então, a adoção, se
tomada por ato de amor e doação pode ser concedida também aos homossexuais
individualmente ou aos parceiros homoafetivos.
Notas
1 ECKER, Maria Josefina.
Assistente social e professora universitária de Porto Alegre/RS. In: CURY,
Munir (coord.) Estatuto da criança e do
adolescente comentado. São Paulo: Malheiros, 1996. p.
148.
2 FACHIN, Luiz Edson. Elementos
Críticos de Direito de Família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 216 e 219.
3 DIAS, Maria
Berenice. União Homossexual – Aspectos sociais e jurídicos. In Revista
Brasileira de Direito de Família n.º 4. Porto Alegre:
Síntese, IBDFAM, 2000. p. 9.
4 MÁIRAN, Paula. Juiz oficializa
adoção de criança por gays. Jornal O DIA: Rio de Janeiro, 02.08.1998.
5 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes
Novaes. Família e casamento em evolução. In:
Revista Brasileira de Direito de Família – N.º 1 – Abr.Mai.Jun/99. Editora Síntese. p. 8.
6 Idem, p. 17.
Advogada em São Miguel do Oeste/SC
Professora de Direito Civil na UNOESC/SC e Mestre em Direito pela UFSC
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