Resumo: O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas visa à celeridade e economia processual, com a proposta de ser mais um remédio contra o déficit judiciário, e que poderá ser instaurado tanto diante das Cortes Superiores como das Cortes de Justiças, com decisões que serão vinculantes, surtindo efeito não apenas nas demandas em curso, como nas futuras demandas. O que não o afastou de algumas críticas da comunidade jurídica interna, inclusive no que concerne a sua constitucionalidade. O estudo realizado procurou traçar considerações sobre esse novo instituto criado pela legislação processual civil brasileira, que alcança outros sistemas como o trabalhista, e cujo legislador pátrio se inspirou no Musterverfahen do Direito Alemão, mas, como uma característica nata, foi desenvolvido com o sincretismo de elementos e experiências do direito interno e externo.
Palavras-chaves: Demandas Repetitivas – Processo Civil – Processo do Trabalho
Abstract: The Incident of Resolution of Repetitive Claims aims at speed and procedural economy, with the proposal of being another remedy against the judicial deficit, and that can be instituted both before the High Courts and the Courts of Justice, with decisions that will be binding, Effect not only on the ongoing demands, but also on future demands. This did not detract from some criticism from the internal legal community, including its constitutionality. The present study sought to draw up considerations about this new institute created by Brazilian civil procedural law, which reaches other systems such as the labor law, and whose native legislator was inspired by the Musterverfahen of German Law, but, as a natural characteristic, was developed with the syncretism of Elements and experiences of domestic and foreign law.
Keywords: Repetitive Claims – Civil Procedure – Labor Process
Sumário: Introdução. 1. Precedentes Jurisprudenciais. 2. Direito Alemão e o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (brasileiro). 3. O julgamento de causas repetitivas e o incidente de resolução de demandas repetitivas. 4. O julgamento de causas repetitivas e o incidente de resolução de demandas repetitivas. 5. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas em aplicação no Processo Trabalhista. 6. (In) Constitucionalização do incidente de resolução de demandas repetitivas. Conclusão. Bibliografia.
Introdução
Na evolução histórica do processo, conforme lições de Cintra, Grinover e Dinamarco, aponta que, passamos de um direito processual visto como dependente do direito material, ou substantivo, para construir a noção de um direito processual autônomo, e agora vivenciamos a fase do direito processual instrumental desenvolvido nas ondas renovatórias, as quais seriam:
“[…] a) uma consistente nos estudos para melhoria da assistência jurídica aos necessitados; b) a segunda voltada à tutela dos interesses supra-individuais, especialmente no tocante aos consumidores e à higidez ambiental (interesses coletivos e interesses difuso); c) a terceira traduzida em múltiplas tentativas com vista à obtenção de fins diversos, ligados ao modo-de-ser do processo (simplificação e racionalização de procedimentos, conciliação, equidade social distributiva, justiça mais acessível e participativa etc).” (2015, p. 67).
A instrumentalização do direito processual é tomada em sua independência, logo, se buscou criar, mistificar e desmistificar decisões judiciais por meio de novas regras processuais, como ocorreu com as ações cautelares, introduzidas nos Códigos de Buzaid, de 1973, então revogado; criou-se as súmulas vinculantes, estas formuladas pelo Supremo Tribunal Federal, cujos enunciados não apenas submetem os Órgãos do Poder Judiciário, mas também os do Poder Executivo; e entre outros mecanismos destinados a dar uma nova moldura ao direito processual se criou um mecanismo de resolução de recursos repetitivos perante Tribunais Superiores, no qual, por meio de recursos parâmetros se julga questões de direito.
Tanto as súmulas vinculantes como o julgamento de recursos repetitivos vieram com a expectativa de introduzir no direito processual brasileiro os chamados precedentes obrigatórios, isto é, aqueles que devem necessariamente ser observados por quaisquer instâncias do Poder Judiciário, e também no âmbito da Administração Pública, excetuando o Poder Legislativo, visto seu caráter próprio legiferante.
O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas é mais um mecanismo de geração de precedentes jurisprudenciais, que terá efeito vinculante obrigatório e não se restringirá ao julgamento inter partes, sendo ainda um procedimento mais abrangente quanto aos órgãos competentes para seu conhecimento, uma vez que poderá ser proposto não só perante aos Tribunais Superiores, mas também junto as Cortes Judiciais.
De fato o legislador pátrio vem buscando técnicas processuais que ao mesmo tempo em que gerem celeridade e economia, também produzam segurança jurídica no direito brasileiro. Desta forma, justifica-se a intenção no fazer Justiça, em contraposição a justiça tardia.
Daí é preciso compreender a Justiça como efeito da realidade social, pois, como Agnes Heller apontava, na sua obra “Além da Justiça”, a Justiça como a sociedade são elementos mutáveis. Assim, se verifica que, ao longo das últimas décadas, o processo judicial brasileiro veio buscando celeridade e economia para que o Poder Judiciário pudesse transmitir ao jurisdicionado, o cliente da justiça, reposta as suas demandas. Para tanto, celeridade e economia processual se tornaram direitos, garantias e princípios constitucionalmente previstos, o que se deu pela o acréscimo do inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, pela Emenda Constitucional n. 45, de 30 de dezembro de 2004.
A institucionalização de precedentes jurisprudências foi apontada como um dos métodos de solução para o volume de processos paralisados junto ao judiciário brasileiro, objetivando dar celeridade às demandas judicializada, bem como forma de mecanismo de garantir a utópica segurança jurídica, seja para quem julga, ou para o próprio jurisdicionado.
O direito brasileiro contaminado com essa problemática – celeridade, economia, segurança jurídica e Justiça – uniu conceitos das experiências em precedentes jurisprudenciais do direito anglo-americano, ou anglo-saxônico, com o incidente de demandas repetitivas do direito alemão, e deste último veio à inspiração, para o novel mecanismo processual, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que é tema desse estudo e pelo qual se pretende perscrutar, inclusive na forma que se uniformiza a sua aplicação entre legislações processuais de direito comum geral e especifico – o processo trabalhista.
1. Precedentes jurisprudenciais
Recorda Gaio Júnior (2017) que, os precedentes jurisprudenciais são construções que marcam o direito anglo-saxônico, no qual as jurisprudências dos tribunais criam direito, sem assumirem a função legislativa, o que fazem por meio da doutrina stare decisis, originado do brocardo: stare decisis et non quieta movere (cumprir a decisão e não criar distúrbios em relação aos pontos já decididos). Portanto, na stare decisis os precedentes são vinculantes, e como as rules of precedentes (regras de precedentes), cujos julgados são apenas orientações, possui a finalidade de ser aplicado a sucessivos casos similares de modo a perpetrar os preceitos de: igualdade, previsibilidade, economia e respeito às decisões consagradas, estas que podemos descrever como relativamente definitivas.
Importa salientar que os precedentes tornam relativamente definitivos determinadas concepções, ou entendimentos sobre o direito analisado nas Altas Cortes, posto que, apesar da estabilização da interpretação da norma aplicada nos casos concretos, nada obsta a sua modificação, seja pela sua superação, ou mesmo substituição, decorrente das mudanças de paradigmas interpretativos e de valores sociais.
Ainda, segundo Marioni, Arenhart e Mitidiero (2016, p. 437 e 438), teria o legislador brasileiro, na confecção do Novo Código de Processo Civil, criado confusão entre precedentes e jurisprudências, assim como o papel de interpretação e precedentes das Cortes Superiores com o papel de controle e jurisprudência das Cortes de Justiças, ou seja, precedentes jurisprudenciais seriam apenas aqueles produzidos pelos Tribunais Superiores, sejam em incidente ou em recursos repetitivos, sendo a última instância para julgamento das questões de direito, e o que se reservou as Cortes de Justiça é a jurisprudência com efeito inibitório, ou seja, quando estas decidirem em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência questão de direito, no âmbito da sua jurisdição, ensejaria a possibilidade de julgamento liminar de improcedente da pretensão do autor da demanda.
Apesar da divisão terminológica apontada, não se pode esquecer que os precedentes judiciais no ordenamento brasileiro são algo recente cujo reforço veio com a criação da súmula vinculante, previsto no artigo 103-A da Constituição da República Federativa do Brasil, com acréscimo dado pela Emenda Constitucional n. 45 de 2004, que dá a decisões do Supremo do Tribunal Federal um caráter vinculatório obrigatório, não somente entre os Órgãos do Poder Judiciário, mas também do Poder Executivo. Lembrando que não há vinculação ao Poder Legislativo diante da função natural normativa que possui.
Posteriormente, com a reforma do Código de Processo Civil de 1973, então revogado, ficou evidenciada a formação de precedentes por meio de resolução de causas repetitivas no âmbito dos recursos extraordinários e especiais, respectivamente julgados por meio de recursos paradigmas pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.
E a doutrina divide ou classifica os procedentes jurisprudenciais em: a) precedentes declarativos, que declaram o direito em normas já existentes; b) precedentes criativos, os que criam e aplicam nova norma jurídica; c) precedentes persuasivos, que não há uma exigência de serem seguidos pelo juiz que preside determinadas demandas, como, por exemplo, ser chamado à aplicação de posicionamento jurisprudencial de Tribunal pelo qual não se está sujeito; e d) precedentes obrigatórios, estes subdivididos em absolutos e relativos. Os precedentes obrigatórios absolutos, ou coercitivos, seriam aqueles que necessariamente devem ser observados, independente que se entenda que suas razões sejam corretas ou não, e os precedentes obrigatórios relativos são aqueles que o órgão judicante poderá afastá-los com a devida fundamentação.
Mas, como pontua Humberto Theodoro Júnior, “o Novo Código de Processo Civil vai muito além e encaminha-se para uma aproximação maior com a common law, estendendo o dever de submissão ao precedente, principalmente àquele dos tribunais superiores, como regra geral, sem limitar-se às súmulas qualificadas como vinculantes (art. 926)” (Curso de Processo Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento, Procedimento Comum. Vl. 1. 58ª ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2017, p. 43).
É importante frisar que ao se falar em precedente obrigatório absoluto ou relativo, ou persuasivo, não retira o fato de que em si os precedentes são mutáveis conforme a origem da divergência por meio de sua superação, ou afastado pela técnica de confronto.
Assevera-se na aplicação da técnica ou método do distinguishing (distinção) ou transformation (transformação). No primeiro caso traduz um método de confronto na qual o juiz demonstra as razões que o impele de não aplicar o precedente sobre o caso concreto em julgamento, o afastando e no segundo, seria a transformação do precedente adaptando-o as necessidade e atribuições do direito vigente. E como técnica de superação, que seria a substituição de um precedente pela perda de sua força, pode se dar por meio da overruling (anulando ou modificando), em que a incidência do precedente é limitada pelo tribunal pela superveniência de regra ou princípio, logo, a sua superação é parcial e pelo overriding (primordial) o precedente é revogado, podendo se dar em retrospectiva (retrospective), com efeito ex tunc; prospectiva (prospective), com efeito ex nuc; e antecipatório (antecipatory), pelo precedente não constituir good law, revogação preventiva.
Segundo o Fórum Permanente de Processualistas Civis, o qual reúne estudiosos do direito processual civil brasileiro, enunciou-se o entendimento que:
“O órgão jurisdicional trabalhista pode afastar a aplicação do procedimento vinculante quando houver distinção entre o caso sob julgamento e o paradigma, desde que demonstre, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta, a impor solução jurídica diversa”. (E. 326, 2017).
Tal constatação revela o diálogo entre as fontes do direito processual comum com o trabalhista, tomadas em áreas e subáreas autônomas e instrumentalizadas.
O método de estabilização por meio de precedentes tem origem no direito anglo-saxônico, que no Brasil vem sendo fonte de inspiração continua, sendo que a uniformização de jurisprudência foi expressamente prevista após a reforma do Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-lei n. 1.608 de 1939) dada Lei n. 1.661de 1952. Depois veio o Código de Buzaid, Lei n. 5869 de 1973, trouxe previsão das súmulas e o recurso repetitivo incluído pela Lei n. 11.672 de 2008. E a Emenda Constitucional n. 45 de 2004 que acrescento a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, o artigo 103-A, por meio das súmulas vinculantes, trazendo o conceito de precedente obrigatório.
É preciso dizer que o anacrônico problema da desproporção entre demandas que entram no Poder Judiciário e as que por ele são resolvidas fez que na década sessenta, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal encampasse as súmulas como método decisório de precedentes através da criação da Comissão de Jurisprudência pela Ementa ao Regimento Interno de 1940, em 3 de agosto de 1963.
No sistema processual trabalhista, as súmulas tiveram previsão legal como forma de uniformização de jurisprudência com a redação dada à alínea “f”, do artigo 702 da Lei n. 7.033 de 1982, no entanto, conforme iniciativa do Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior do Trabalho formulou o primeiro enunciado sumulado em 1967. E compondo o acervo da Justiça do Trabalho as Orientações Jurisprudenciais que surgiu em 1992, com a constituição de uma Comissão de Jurisprudência, mais tarde institucionalizada no artigo 894 da Consolidação das Leis Trabalhistas, com a redação dada pela Lei n. 11.496 de 2007.
Como bem considerou a Desembargadora Maria Doralice Novaes, do Tribunal Regional da Segunda Região, em seu artigo “O TST e a Necessária Harmonização da Jurisprudência em prol do Interesse Público e do Princípio Constitucional da Isonomia”:
“A Justiça do Trabalho do passado, com esse tipo de procedimento já teve contato, fazendo-o por outro instituto, o denominado prejulgado.
Criado em 1943, quando foi promulgada a CLT, o prejulgado era um instituto próximo àquele que hoje conhecemos como Súmula Vinculante.
Através dele, o Órgão de cúpula da Justiça do Trabalho estava legitimado a fixar, de forma preventiva, o sentido de determinada norma, impedindo, assim, a formação de correntes jurisprudenciais divergentes.
Convém lembrar que a Justiça do Trabalho, à época, não integrava o Judiciário, de forma que, na condição de Órgão Administrativo, estava legitimada a baixar prejulgados, tal como as Administrações Públicas atuais emitem resoluções ou portarias que, de resto, vinculam as esferas inferiores. […]
De se recordar, ainda, que a partir de 1985 os verbetes das Súmulas do TST passaram a ser intitulados Enunciados (Resolução nº 44/85) e que em 2005 o TST recuperou a denominação anterior, Súmula (Resolução nº 129/05).” (2011, p. 348-360).
Com o Código Processual Civil de 2015, Lei n. 13.105 de 2015, a inovação no âmbito de precedentes é o incidente de resolução de demandas repetitivas que possui raízes no Direito Alemão, na Musterverfahren (método padrão ou de padronização), mas com as peculiaridades próprias do direito brasileiro e que serão analisadas à frente.
Pondera-se que o julgamento de leading case (caso principal/precedente) não é algo tão novo, visto que tanto a Lei n. 11.672 de 2008, na esfera do direito processual civil, como a Lei n. 13.015 de 2014, no direito processual trabalhista trouxeram ao mundo processual brasileiro, sobre a resolução de questões de direito em demandas repetitivas, a previsão de julgamento no âmbito dos recursos repetitivos perante os Tribunais Superiores, no entanto, o novel instituto propõe uma nova experiência, a começar pela possibilidade de propositura em procedimento incidental e diante também dos Tribunais de Justiça (incluindo os Tribunais Regionais Federais e Tribunais Regionais Trabalhistas).
2. Direito Alemão e o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (brasileiro)
O direito brasileiro se consagra como uma miscelânea de experiências jurídicas internas e externas na qual busca o melhor direito, não sendo diferente, muito embora a natureza dos precedentes, com finalidade de promover a igualdade, previsibilidade, economia e respeito às decisões consagradas, tivessem sua origem no direito anglo-americano/saxônico (comum law), foi no direito alemão que veio a inspiração para inserir no ordenamento jurídico processual pátrio o incidente de resolução de demandas repetitivas. O que se espera a vir a ser um instituto muito bem sucedido como mecanismo aliado a outros em prol da efetivação do serviço público prestado pelo aparato do Poder Judiciário.
Em justificativa para o Anteprojeto de Código de Processo Civil de 2015, em relação ao incidente de resolução de recurso repetitivo, se pontuou:
“Dentre esses instrumentos, está a complementação e o reforço da eficiência do regime de julgamento de recursos repetitivos, que agora abrange a possibilidade de suspensão do procedimento das demais ações, tanto no juízo de primeiro grau, quanto dos demais recursos extraordinários ou especiais, que estejam tramitando nos tribunais superiores, aguardando julgamento, desatreladamente dos afetados.
Com os mesmos objetivos, criou-se, com inspiração no direito alemão, o já referido incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta.
O incidente de resolução de demandas repetitivas é admissível quando identificada, em primeiro grau, controvérsia com potencial de gerar multiplicação expressiva de demandas e o correlato risco da coexistência de decisões conflitantes.
É instaurado perante o Tribunal local, por iniciativa do juiz, do MP, das partes, da Defensoria Pública ou pelo próprio Relator. O juízo de admissibilidade e de mérito caberão ao tribunal pleno ou ao órgão especial, onde houver, e a extensão da eficácia da decisão acerca da tese jurídica limita-se à área de competência territorial do tribunal, salvo decisão em contrário do STF ou dos Tribunais superiores, pleiteada pelas partes, interessados, MP ou Defensoria Pública. Há a possibilidade de intervenção de amici curiae.
O incidente deve ser julgado no prazo de seis meses, tendo preferência sobre os demais feitos, salvo os que envolvam réu preso ou pedido de habeas corpus.
O recurso especial e o recurso extraordinário, eventualmente interpostos da decisão do incidente, têm efeito suspensivo e se considera presumida a repercussão geral, de questão constitucional eventualmente discutida.
Enfim, não observada à tese firmada, caberá reclamação ao tribunal competente”.
Como visto, a Comissão de Juristas que auxiliaram o legislador pátrio na formulação do Novo Código de Processo Civil, elencou na justificativa do anteprojeto que a inspiração do incidente de resolução de recurso repetitivo tem origem no direito alemão. Pois bem, na doutrina, desde a discussão do projeto de lei, já assinalava que a inspiração do modelo de padronização de jurisprudência, de inspiração alemã, ao ser regulado no direito brasileiro criou suas próprias características.
Cumpre salientar que é importante entender essa diferenciação, após se ter conhecido o sistema implantado no Brasil, para melhor compreender a sua repercussão.
O Direito Alemão não recepcionou em seu ordenamento a stare decissi do direito anglo-americano, logo, não há que se falar de vinculação de precedentes jurisprudenciais no âmbito das Cortes de Justiça, sendo seus precedentes com força apenas persuasiva. No entanto, admite-se uma única exceção, as decisões do Tribunal Constitucional Alemão, cujos julgados terão efeito vinculante quando versarem sobre a inconstitucionalidade da norma.
No que concerne ao incidente de resolução de demandas repetitivas, o Musterverfahen, modelo padronizado (também chamado de procedimento-modelo ou procedimento-padrão), foi introduzido no ordenamento alemão em 2005, com a Lei de Introdução ao Procedimento-Modelo. Nessa esfera, tal técnica veio a contemplar os casos de tutelas coletivas que não teriam cabimento em ações propriamente coletivas sem representatividade, as demandas de massas individuais. Segundo Antônio do Passo Cabral, no caso alemão, a lei visava à proteção dos investidores em mercado de capitais, perdendo a vigência a partir de 2010, o que já demonstra o caráter restritivo do referido modelo de padronização de jurisprudência.
Naquele procedimento, o incidente-padrão (Musterfestsellungsantrag) era instaurado pelo autor ou réu perante o juízo que preside a Ação da qual se pretende a afetação de coletivização do decidindo, com o apontamento dos pontos litigiosos, demonstrando a repercussão extraprocessual, interferindo em outras demandas similares. E a admissibilidade do procedimento-modelo é apreciada e decidida pelo próprio juízo de origem, em decisão irrecorrível, que ao ser admitido, acionaria a instância de grau superior e o levaria ao registro em depositório público eletrônico. O acervo eletrônico era administrado pelos órgãos federais ligados ao Ministério da Justiça.
Ainda, para admissão do procedimento-padrão se fazia necessário que em 4 meses, outros 9 procedimentos incidentais fossem requisitado sobre o mesmo objeto. E se não observado tal requisito, o juízo rejeitaria a afetação coletiva da demanda.
No julgamento do incidente pelos Tribunais Regionais, na existência da mesma questão em dois ou mais, que, como em um acordo ou conveniência firmados entre os governos estaduais, por razões de segurança jurídica e uniformização de jurisprudência, fossem reunidos perante um único Tribunal.
No processamento do incidente perante o Tribunal, se escolheria uma parte representante dos autores (Musterklãger) e um para os réus (Musterbeklagte) para seremos interlocutores com a Corte. E com a publicação sobre a instauração do incidente automaticamente os demais procedimentos judicializado sobre o mesmo objeto seriam suspensos.
As demais partes interessadas no resultado da demanda, chamados de Beiladung, teriam participação ativa na resolução das demandas. Salienta também Cabral que, o tratamento dado aos Beiladung pelo legislador alemão foi criticado por não ter uma uniformidade, tratados como intervenientes e noutros momentos como litisconsortes processuais. Apesar disso, o que se visou é tornar efetiva a participação do interessado na demanda coletivizada.
Outra crítica apontada pelo citado jurista, é que, no incidente de modelo de padronização, o legislador alemão também não foi claro quanto ao tratamento da coisa julgada na resolução das demandas por ele afetada, e criando discussão doutrinária local, o que se prevaleceu foi o efeito vinculante das decisões geradas. Ou seja, a decisão proferida no procedimento-modelo repercutiria não apenas no caso modelo em julgamentos, mas, em todos, por ele afetado e suspenso, como valeria aos intervenientes à causa, partes ou não de processos já judicializado.
Por fim, a decisão proferida poderia ser atacada por meio de recurso, com indicação de repercussão geral, a exemplo do modelo brasileiro do recurso extraordinário, mas que não poderia incidir sobre o vício da decisão sobre a admissibilidade da coletivização das demandas individuais, sendo ela irrecorrível.
Nota-se que o direito brasileiro ao adotar a fórmula procedimental incidental para resolução de demandas repetitivas, o legislador pátrio foi além, e estudo de comparação, confirma que na sua regulação se buscou criar um sistema que fosse o mais abrangente dentro do possível do previsível.
Logo, como se mostrará adiante, o modelo de incidente de resolução de demandas repetitivas, ao ser adaptado ao ordenamento jurídico brasileiro, o legislador pátrio optou por consagrar maiores poderes ao judiciário, posto que, os julgados que dele vierem terão de vinculação obrigatória, diferente da regra geral em que os precedentes são persuasivos. Outras diferenciações perceptivas quanto ao procedimento pode ser citados: o incidente será proposto diante das Cortes Superiores e nas Cortes Judicias, conforme a competência sobre a matéria objeto; na admissão do incidente, as demandas individuais e coletivas serão suspensas; o registro do incidente em acervo eletrônico se fará junto ao Conselho Nacional de Justiça e será alimentado pelos próprios Tribunais que os julgarão; e as partes interessadas serão ativas no processo, atuando como intervenientes. Além de ser admitido o amicus curiae, que poderá ainda recorrer da decisão.
Também, serão aplicados em demandas individuais repetitivas, suspendendo os processos em curso que caracterizam em demandas individuais e coletivas. Até mesmo em casos demandas coletivas se admite o incidente, afinal de contas, como se observa pelo artigo 16 da Lei n. 7. 347, de 24 de julho de 1985, Lei da Ação Civil Pública, a coisa julgada da sentença tem efeito erga omnes nos limites da competência territorial do órgão prolator.
De todo modo, se a matéria de Ação Coletiva for proposta em âmbito regional e, posteriormente, vier a ter afetação de âmbito coletivo, também com distribuição de outras ações de cunho regional, poderá vir ela a criar um incidente.
3. O julgamento de causas repetitivas e o incidente de resolução de demandas repetitivas
O Código de Processo Civil de 1973 (Lei n. 5.869 de 1973), ora revogado, trouxe a previsão de julgamento de causas repetitivas com o acréscimo dos artigos 543-B e 543-C gerada pela reforma dada pela Lei n. 11.672 de 2008. Na época os recursos extraordinários e especiais que possuíssem idêntica causa de pedir seriam julgados por meio de recursos representativos da controvérsia e suspendia os demais recursos até análise respectiva, conforme o caso, pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça. Também, caberia ao Tribunal Superior determinar a suspensão dos demais procedimentos em curso nos Tribunais de Justiça, enquanto pendente o pronunciamento definitivo. Sendo previsto que o regulamento do recurso repetitivo seria da competência dos Tribunais.
Em tal procedimento era consenso de que, ainda que a parte desistisse de seu recurso, pela questão de ordem pública declarada na repercussão geral do recurso repetitivo, não impediria que o Tribunal Superior enfrentasse seu mérito, tendo em vista os demais recursos suspensos.
A criação do incidente de resolução de demandas repetitivas foi mecanismo direcionado também a mitigação do acesso à justiça em sede recursal e no estimulo a um instrumento de celeridade e economia processual, com expressão nas questões em tese em recurso especial e extraordinário. Segundo as lições de Fredie Diddie Júnior:
“As causas repetitivas têm exigido do legislador e da doutrina uma atenção especial. Elas são as grandes responsáveis pela crise do Poder Judiciário. São milhões (sem exagero) de demandas ajuizadas com questões idênticas (a correção dos expurgos inflacionários causados pelos planos econômicos governamentais de 1 989 e 1 990 nas contas de FGTS é o principal exemplo). Note que há diversos novos institutos cujo propósito é exatamente o de criar um novo modelo de processo para o julgamento deste tipo de causa: súmula vinculante, julgamento liminar de causas repetitivas (art. 285-A, CPC), ação coletiva para direitos individuais homogêneos (art. 103, Ill, CDC) etc. A por afinidade entre recursos extraordinários repetitivos é mais um exemplo desta tendência.
Sucede que, em vez de essa conexão determinar a reunião dos recursos para processamento e julgamento simultâneos (como ocorre com a conexão para fim de modificação de competência, art. 103, CPC), outros são os efeitos jurídicos desta nova modalidade de vínculo entre causas: a) escolha de alguns "recursos-modelo" e b) sobrestamento dos demais processos para o julgamento por amostragem.
De fato, não seria razoável que a conexão, no caso de demandas repetitivas, tivesse por efeito a reunião dos processos em um mesmo juízo, o que certamente causaria grande confusão e problemas para a solução dos litígios em tempo adequado. Mostra-se aqui, mais uma vez, a força do princípio da adequação (cf. o capítulo sobre princípios), que impõe um processo diferenciado para o julgamento das causas de massa”. (2014, p. 186).
Nessa toada, o Novo Código de Processo Civil, Lei n. 13.105 de 2015, vigente desde 18 de março de 2016, criou o incidente de repercussão de demandas repetitivas (IRDR) que coexistirá em paralelo com o procedimento de julgamento de recursos repetitivas, este com mesma previsão regulamentar que trazia a legislação anterior, no qual se cuidará de solucionar as questões de direito trazidas tanto ao Supremo Tribunal Federal quanto ao Superior Tribunal de Justiça, respectivamente em recurso extraordinário e especial, conforme seus artigos 928, 976 e 987 parágrafo 2º.
Ainda, o incidente de repercussão de demandas repetitivas não se limitará aos Superiores Tribunais, mas poderá ter instauração nos Tribunais de Justiça (Estaduais, Regionais Federais e Regionais Trabalhistas), pois o que se observará é conjunção dos elementos: controvérsia em questão de direito e a pretensão de se firmar solução com isonomia e segurança jurídica (art. 976, inciso I e II do CPC /2015).
Quanto ao sistema processual trabalhista, importa observar que o instituto do julgamento de causas repetitivas, isto é recursos repetitivos, foi nele introduzido em 2014, com o acréscimo dos artigos 896-B e 896-C na Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei de n. 5.452 de 1943), pela Lei n. 13.015 de 2014. E também veio com os mesmos objetivos da legislação processual civilista, contemplando as questões de direito afeta tanto ao recurso extraordinário, direcionado ao Supremo Tribunal Federal, quanto ao recurso de revista, de competência do Tribunal Superior do Trabalho.
No entanto, apesar existência de omissão com relação à propositura da Incidência de Resolução de Demandas Repetitivas, este procedimento é complementar ao procedimento de julgamento de recursos repetitivos, bem como é matéria de ordem geral.
A propósito, cumpre observar que expressamente o artigo 15 do Código de Processo Civil, de 2015, prevê a aplicação da legislação processual civil no processo trabalhista – “art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente” –, e, logo, não se poderia negar a admissão do novel instituto sobre causas repetitivas no processo trabalhista, pois há evidente compatibilidade de rito.
É de se notar também que o incidente de resolução de demandas repetitivas é um instrumento pela qual o juiz ou relator, as partes, o Ministério Público ou a Defensoria Pública, isto é, quem for parte de uma demanda individual ou coletiva poderá aduzir ao Presidente do Tribunal quando presente controvérsia unicamente de direito e com risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica (art. 976 do CPC/2015).
Para Fredie Diddie Júnior e Leonardo Carneiro da Cunha:
“Quer isso dizer que o julgamento de casos repetitivos é gênero de incidentes que possuem natureza híbrida: servem para gerir e julgar casos repetitivos e, também, para formar precedentes obrigatórios. Por isso, esses incidentes pertencem a dois microssistemas: o de gestão e julgamento de casos repetitivos e o de formação concentrada de precedentes obrigatórios. Esses microssistemas são compostos pelas normas do CPC e, igualmente, pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT que foram inseridas pela Lei n. 13.015/2014, a respeito de julgamento de casos repetitivos”. (2016, p 590 e 591).
4. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – questões procedimentais
No Código de Processo Civil de 2015 estabelece o julgamento de ações com teses repetitivas, segundo o qual quando admitidos e processados, reconhecendo o caráter de conectividade pelo objeto do direito, a fim de se assegurar a segurança jurídica e isonomia no resultado dos julgados (art.928, incisos I e II do CPC/2015).
O incidente poderá ser proposto por quaisquer das partes processuais de uma demanda individual ou coletiva – autor, réu, Ministério Público, Defensoria Pública e o próprio juiz ou relator da causa em apreciação – com direcionamento ao Presidente do Tribunal e julgado pelo Órgão Colegiado definido em Regimento Interno.
Diferentemente do julgamento dos recursos repetitivas, que é cabível apenas no âmbito dos Tribunais Superiores, em sede de recurso extraordinário, especial ou de revista, a competência para conhecimento e julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas é concedidos aos Tribunais – incluindo os Tribunais Superiores (“quem pode mais, pode menos”) –, que analisarão as teses de direito, e nunca as questões factuais, e que servirão de parâmetros para demais julgados, os pendentes e os futuros.
Apenas na apreciação dos Tribunais Superiores o incidente terá efeito suspensivo, valendo para todo o território, independente de se encontrar na primeira ou segunda instância (art. 987, § 2º CPC/2015), tal qual ocorre com os recursos repetitivos (art. 1.040, III do CPC/2015). E as matérias afetas a constitucionalidade de norma terá sua repercussão geral presumida (art. 987, § 1º CPC/2015).
Procedimentalmente, arguido o incidente, por quaisquer dos legitimados, será obrigatória a sua ampla e específica divulgação, o que se dará, conforme o artigo 979 do Código de Processo Civil de 2017, pelo registro eletrônico em repositório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Para isso o Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução n. 235, de 2016, e nela regulam os procedimentos administrativos de padronização quanto ao repositório, registro e a ampla publicidade não só dos acervos processuais sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas, mas de recursos com repercussão geral, recursos repetitivos e incidentes de assunção de competência.
Quanto ao registro dos incidentes de resolução de demandas repetitivas, o registro das teses jurídicas conterá pelo menos os fundamentos da decisão que o determina e os dispositivos normativos relacionados (art. 979, §1º do CPC/2015) e o mesmo mecanismo controle tem aplicabilidade aos recursos repetitivos e as repercussões gerais (art. 979, §2º CPC/2015).
O incidente que for reconhecido obrigatoriamente suspenderá os processos pendentes, sejam eles coletivos ou individuais e terá o prazo de 1 ano para ser julgado, caso contrário à suspensão cessa (art. 980, caput e parágrafo único do CPC/2015). Mas o legislador contemplou na parte final do parágrafo único do artigo 980, do Código de Processo Civil de 2015, exceção quanto à automática cessão do efeito suspensivo dos processos afetados pelo incidente, sendo considerada a disposição expressa e fundamentada do relator.
A propósito, em decorrência da relevância do incidente seu processamento terá prioridade na pauta do Tribunal competente para conhecê-lo, ressalvados os processos envolvendo réu preso e habeas corpus (art. 980, caput do CPC/2015).
A suspensão processual pelo incidente poderá ser requerida aos Tribunais Superiores pelas partes ou Ministério Público e Defensorias Públicas, em sede de recurso extraordinário e especial, pode-se incluir aqui o de revista também, paralisando os procedimentos individuais e coletivos em curso, com a finalidade de garantia segurança jurídica.
Em caso de solicitação de pedido de tutela de urgência, a parte poderá o fazê-lo diretamente ao juízo onde o processo suspenso (art.982, § 2o do CPC/2015), podendo assim ser ela deferida.
Segundo os enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis, a suspensão pode ser requerida parcialmente, isto é, pode abranger parte matéria trazida nos autos processuais, ou seja, o processo não será suspenso por completo em alguns casos (E. n. 205), como se verá muito nas demandas trabalhistas cujas ações englobam múltiplas causa de pedir e pedidos; e em demandas civis que compreenda matéria não controvertida. E em caso de não observação da declaração em incidente, caberá reclamação ao Tribunal competente, aquele cuja decisão foi descumprida (E. 349).
“205 (art. 982, caput, I e §3º) Havendo cumulação de pedidos simples, a aplicação do art. 982, I e §3º, poderá provocar apenas a suspensão parcial do processo, não impedindo o prosseguimento em relação ao pedido não abrangido pela tese a ser firmada no incidente de resolução de demandas repetitivas. (Grupo: Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e Assunção de Competência). […]
349. (arts. 982, § 5º e 988) Cabe reclamação para o tribunal que julgou o incidente de resolução de demandas repetitivas caso afrontada a autoridade dessa decisão. (Grupo: Precedentes). (2017).
Na fase de conhecimento, o relator do incidente de resolução de demandas repetitivas poderá, e esta é uma faculdade, requisitar informações dos órgãos judicantes onde o objeto de debate seja processado, bem como do próprio Ministério Público. E ouvirá o relator necessariamente as partes e aqueles que demonstram interesse no deslinde da demanda, pessoas, órgãos e entidades, que, inclusive, poderão juntar documentos (art. 983 do CPC/2015).
Observa-se que, para os debates, os prazos para as partes, sejam elas, ainda que, membros da Administração Pública e o Ministério Público se manifestaram no prazo de 15 dias, sem prorrogações, apesar do disposto no artigo 178 e 183 do Novo Código de Processo Civil.
Outro ponto é que, na Seção de Julgamento, todas as partes e interessados poderão sustentar oralmente as suas razões, pelo tempo de 30 minutos, sendo que para o autor, réu e Ministério Público o serão ele integral e individualizado e para outras partes interessadas, os 30 minutos serão divididos entre todos, sendo somente ouvidos os que fizerem sua inscrição com dois dias de antecedência da data da audiência. Mas este prazo poderá ser ampliado em decorrência do número de inscritos.
O incidente de resolução de demandas repetitivas tratará as penas de teses jurídicas, isto é, seus objetos são exclusivamente de direito, não cabe produção de provas sobre fatos concretos, mas tão somente a possibilidade de juntada de documentos que fortifiquem a tese de direito. Também abrangerá o incidente às causas em sede de Juizado Especial e o seu resultado terá efeito vinculatório, obrigatória sua aplicação até que haja a sua superação ou substituição. Nota-se que o precedente vinculará conforme o Tribunal que o decide, logo, se tratando de Tribunais Superiores, terá abrangência nacional e se tratando de Tribunais de Justiça (Estadual ou Federal), a vinculação será local, regionalizada da competência do Tribunal que o declara.
Da mesma forma que se cria um precedente vinculante a ser observado pelos juízes, o precedente também pode ser alterado, pois a permanência de uma norma é relativa, seu caráter é perene, já que o Direito, e consequentemente as normas em geral, são institucionalizadas para regular a vida em sociedade, e por servirem a sociedade, ao interesse público social, podem ser superados conforme a norma perde a sua importância ou outros fatores econômico-político-sociais surgem etc.
O artigo 986 do Código de Processo Civil de 2015 prevê a possibilidade de revisão das teses firmas em incidente por meio do próprio Tribunal que o declarou, sendo medida que pode ser tomada de ofício ou provocação do Ministério Público ou Defensoria Pública.
Ainda, de forma prática, o Novo Código de Processo Civil trouxe a possibilidade de julgamento liminar de improcedência dos pedidos de mérito da ação que contrariar entendimento constituído em incidente de resolução de demandas repetitivas até antes da citação do réu (art. 332, inciso III). E como exceção à remessa necessária se a sentença estiver conforme enunciado do incidente (art. 496, §4º, inciso III do CPC/2015).
Sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), de forma a auxiliar orientar na sua aplicação, são alguns enunciados formulados por juristas brasileiros realizados nos encontros do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC):
“95. (art. 982, §§3º, 4º e 5º) A suspensão de processos na forma deste dispositivo depende apenas da demonstração da existência de múltiplos processos versando sobre a mesma questão de direito em tramitação em mais de um estado ou região. (Grupo: Recursos Extraordinários e Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas) […]
206. (art. 990, § 5º da versão da Câmara dos Deputados69) A prescrição ficará suspensa até o trânsito em julgado do incidente de resolução de demandas repetitivas. (Grupo: Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e Assunção de Competência) […]
334. (art. 947). Por força da expressão “sem repetição em múltiplos processos”, não cabe o incidente de assunção de competência quando couber julgamento de casos repetitivos. (Grupo: Precedentes) […]
342. (art. 976) O incidente de resolução de demandas repetitivas aplica-se a recurso, a remessa necessária ou a qualquer causa de competência originária. (Grupo: Precedentes)
343. (art. 976) O incidente de resolução de demandas repetitivas compete a tribunal de justiça ou tribunal regional. (Grupo: Precedentes)
344. (art. 978, parágrafo único78) A instauração do incidente pressupõe a existência de processo pendente no respectivo tribunal. (Grupo: Precedentes; redação revista no V FPPC-Vitória) 78 Corrigida a remissão legal, originalmente fazia remissão ao art. 976. 79 Foram inseridas remissão aos arts. 928 e 1.036.
345. (arts. 976, 928 e 1.03679). O incidente de resolução de demandas repetitivas e o julgamento dos recursos extraordinários e especiais repetitivos formam um microssistema de solução de casos repetitivos, cujas normas de regência se complementam reciprocamente e devem ser interpretadas conjuntamente. (Grupo: Precedentes; redação revista no V FPPC-Vitória).
346. (art. 976) A Lei nº 13.015, de 21 de julho de 2014, compõe o microssistema de solução de casos repetitivos. (Grupo: Precedentes)
347. (arts. 976 e 15). Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de resolução de demandas repetitivas, devendo ser instaurado quando houver efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito. (Grupo: Impacto do CPC no processo do trabalho)
348. (arts. 987, 1.037, II, §§ 5º, 6º, 8º e seguintes) Os interessados serão intimados da suspensão de seus processos individuais, podendo requerer o prosseguimento ao juiz ou tribunal onde tramitarem, demonstrando a distinção entre a questão a ser decidida e aquela a ser julgada no incidente de resolução de demandas repetitivas, ou nos recursos repetitivos. (Grupo: Precedentes)[…]
471. (art. 982, 3º) Aplica-se no âmbito dos juizados especiais a suspensão prevista no art. 982, §3º. (Grupo: Precedentes, IRDR, Recursos Repetitivos e Assunção de competência).
472. (art. 985, I) Aplica-se o inciso I do art. 985 ao julgamento de recursos repetitivos e ao incidente de assunção de competência. (Grupo: Precedentes, IRDR, Recursos Repetitivos e Assunção de competência).
473. (art. 986) A possibilidade de o tribunal revisar de ofício a tese jurídica do incidente de resolução de demandas repetitivas autoriza as partes a requerê-la. (Grupo: Precedentes, IRDR, Recursos Repetitivos e Assunção de competência).[…]
556. (art. 981) – É irrecorrível a decisão do órgão colegiado que, em sede de juízo de admissibilidade, rejeita a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas, salvo o cabimento dos embargos de declaração. (Grupo: Precedentes, IRDR, Recursos Repetitivos e Assunção de competência).
557. (art. 982, I; art. 1.037, § 13, I). O agravo de instrumento previsto no art. 1.037, §13, I, também é cabível contra a decisão prevista no art. 982, inc. I. (Grupo: Recursos (menos os repetitivos) e reclamação)
558. (art. 988, IV, §1º; art. 927, III; art. 947, §3º). Caberá reclamação contra decisão que contrarie acórdão proferido no julgamento dos incidentes de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência para o tribunal cujo precedente foi desrespeitado, ainda que este não possua competência para julgar o recurso contra a decisão impugnada. (Grupo: Precedentes, IRDR, Recursos Repetitivos e Assunção de competência).[…]
604. (arts. 976,§1º; 987). É cabível recurso especial ou extraordinário ainda que tenha ocorrido a desistência ou abandono da causa que deu origem ao incidente. (Grupo: IRDR, Recursos Repetitivos e Assunção de competência).
605. (arts. 977; 985, I). Os juízes e as partes com processos no Juizado Especial podem suscitar a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas. (Grupo: IRDR, Recursos Repetitivos e Assunção de competência)
606. (arts. 982; 985). Deve haver congruência entre a questão objeto da decisão que admite o incidente de resolução de demandas repetitivas e a decisão final que fixa a tese. (Grupo: IRDR, Recursos Repetitivos e Assunção de competência).
607. (arts. 986; 926) A decisão em recursos especial ou extraordinário repetitivos e a edição de enunciados de súmulas pelo STJ ou STF obrigam os tribunais de segunda instância a rever suas decisões em incidente de resolução de demandas repetitivas, incidente de assunção de competência e enunciados de súmulas em sentido diversos, nos termos do art. 986. (Grupo: IRDR, Recursos Repetitivos e Assunção de competência).
605. (arts. 986; 927, §§3º e 4º) O acórdão que revisar ou superar a tese indicará os parâmetros temporais relativos à eficácia da decisão revisora. (Grupo: IRDR, Recursos Repetitivos e Assunção de competência). […]
657. (arts. 976, 6º, 10, 317 e 938, §1º) O relator, antes de considerar inadmissível o incidente de resolução de demandas repetitivas, oportunizará a correção de vícios ou a complementação de informações. (Grupo: IRDR, Recursos Repetitivos e Assunção de competência).
658. (arts. 977, I, e 139, X) O dever de comunicação prevista no inciso X do art. 139 não impede nem condiciona que o juiz suscite a instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas nos termos do inciso I do art. 977. (Grupo: Poderes do juiz e intervenção do Ministério Público)
659. (arts. 983, 7º, 1.038, I, 927, III, 928 e 138) O relator do julgamento de casos repetitivos e do incidente de assunção de competência tem o dever de zelar pelo equilíbrio do contraditório, por exemplo, solicitando a participação, na condição de amicus curiae, de pessoas, órgãos ou entidades capazes de sustentar diferentes pontos de vista. (Grupo: IRDR, Recursos Repetitivos e Assunção de competência).
660. (arts. 987 e 1.036) O recurso especial ou extraordinário interposto contra o julgamento do mérito do incidente de resolução de demandas repetitivas, ainda que único, submete-se ao regime dos recursos repetitivos. (Grupo: IRDR, Recursos Repetitivos e Assunção de competência). (2017).
Antes de encerrarmos com as considerações sobre o procedimento adotado pelo Novo Código de Processo Civil, há dois pontos ainda a serem considerados, no primeiro, a figura do amicus curiae no incidente, objeto do enunciado 659 do Fórum Permanente de Processualistas Civis e no segundo, em relação ao dever do juiz de suscitar o incidente de resolução de demandas repetitivas e o dever de oficiar ao Ministério Público e Defensoria Pública, quando diante de demandas repetitivas, e for cabível a propositura de Ação Coletiva, matéria do enunciado 658 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.
Quanto à pessoa do amicus curriae, ora expressamente aceito pela nova lei processualista, tem sua participação no processo regulado pelo artigo 138 e seus parágrafos 1º ao 3º, tendo seus poderes de atuação definidos pelo juiz ou relator que admitir na causa, no entanto, no caso específico de incidente de resolução de demandas repetitivas – “art. 138…§3º. O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas”.
E com relação às Ações Coletivas, no que concerne ao papel do juiz previsto no artigo 138, inciso X do Novo Código, não há conflito quanto à possibilidade de suscitação de incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 977, inciso I do CPC/2015), posto que, as ações coletivas em si não obstaculizam nem substituem as ações individuais em curso.
Segundo o Código de Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078 de 1990, na coexistência de ação coletiva e ação individual na defesa de um mesmo interesse transindividual, coletivo ou individual homogêneo, a primeira só beneficia o autor da segunda, se este expressamente requer a suspensão da sua ação, no prazo de dias, em decorrência e a partir da ciência da propositura da ação coletiva (art. 104). Veja que as ações individuais são autônomas e independentes em relação às ações coletivas, portanto, nada impede que na propositura de uma a outra permaneça em curso. E no caso do incidente de resolução de demandas repetitivas, ainda que proposta a ação coletiva, ela tem o condão de suspender esta última, pois o que se discute é o direito em tese, e este Direito pode versar sobre o próprio direito material (substancial) ou de direito processual (art. 928, parágrafo único do CPC/2015).
Assim, é possível notar que o incidente vem como uma técnica ou método que busca compilar, em alguns casos, os procedimentos na solução de demandas, visando à definição de uma tese que se adeque ao raciocínio jurídico e social contemporâneo e oferecendo uma resposta, senão satisfatória, próxima disso, com sentido estabilizador e simétrico – uma decisão válida para todos os casos semelhantes – e visando as demandas futuras (efeito prospectivo), já que poderá o incidente obstar o prosseguimento, liminarmente, de uma ação cujos pedidos o contrarie.
Ainda, de acordo com Diddie Júnior e Cunha (v. 3, 2017), nada impede que o incidente de resolução de demanda repetitiva possa a vir a ser instaurado por partes diferente no mesmo Tribunal, o que acarretará o seu processamento e julgamento conjuntamente.
Por fim, existindo nos Tribunais Superiores recurso afetado pela repetição, o Código de Processo Civil proíbe que se provoque o incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976, §3º). E tendo incidente caráter resolutivo de matéria de ordem pública, não há custas processuais (art. 976, §4º CPC/2015).
6. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas em aplicação no Processo Trabalhista
Com a Resolução n. 203, de 15 de março de 2016 do Tribunal Superior do Trabalhou, editou a Instrução Normativa n.39 do TST que orienta aos Órgãos da Justiça Especializada quais os artigos do Novo Código de Processo Civil seriam aplicáveis ao processo trabalhista. Entre seus vários apontamentos, acerca do incidente de resolução de demandas repetitivas dispõe:
“Art. 8° Aplicam-se ao Processo do Trabalho as normas dos arts. 976 a 986 do CPC que regem o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR).
§ 1º Admitido o incidente, o relator suspenderá o julgamento dos processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam na Região, no tocante ao tema objeto de IRDR, sem prejuízo da instrução integral das causas e do julgamento dos eventuais pedidos distintos e cumulativos igualmente deduzidos em tais processos, inclusive, se for o caso, do julgamento antecipado parcial do mérito.
§ 2º Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso de revista para o Tribunal Superior do Trabalho, dotado de efeito meramente devolutivo, nos termos dos arts. 896 e 899 da CLT.
§ 3º Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho será aplicada no território nacional a todos os processos, individuais ou coletivos, que versem sobre idêntica questão de direito.”
Logo, a orientação geral do Tribunal Superior do Trabalho foi estender ao processo trabalhista a técnica do incidente tal qual preconizado pela nova legislação processual civil. Ainda, não seria por menos, como a própria Instrução Normativa n. 39 já apontava em seu artigo 1º, a compatibilização da aplicação do respectivo instrumento processual é conforme a sua compatibilização com o processo do trabalho e sua supletiva e subsidiariedade é decorrente de expresso designo do artigo 15 do Código de Processo Civil de 2015.
De outro modo, cumpre observar que, ao se estabelecer o julgamento de recursos repetitivos, inovação dada pela Lei n. 13.015 de 2014, que alterou o texto da Consolidação das Leis do Trabalho e lhe acrescentou os artigos 896-B e 896-C, e se constatando que o instituto da resolução de demandas repetitivas tem com ele simetria e complementariedade, a sua aplicação supletiva a processualidade trabalhista é inegável. Ademais, tanto em recurso repetitivo como em incidente de resolução de mandas repetitivas tem como por objetivo criar um precedente jurídico que seja vinculante e estabilizador da jurisprudência, o que se resume no único termo: segurança jurídica.
Pela procedimentalidade, como visto alhures, não há divergências, e como os Tribunais Regionais do Trabalho já possuía o mérito de constituir sua própria jurisprudência com enunciados próprios, não será diferente com os incidentes de resolução de demandas repetitivas, agora com força vinculante. Assim, não renovará quanto à descrição do processamento do incidente no âmbito processual trabalhista, porque a este será aplicado tal qual expresso na legislação processual civil, o que já foi demonstrado anteriormente.
Como citado Carlos Henrique Bezerra Lei (2017, p. 291), a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), propôs Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, distribuída junto ao Supremo Tribunal Federal sob o número 5.516, em que questiona a constitucionalidade da Instrução Normativa n. 39 de 2016, do Tribunal Superior do Trabalho, em decorrência da ausência de competência para regulação normativa, em face do artigo 22, inciso I da Constituição da República Federativa do Brasil e ao desrespeito à independência funcional do magistrado norteada pelos artigos 95, incisos I a III e 5º, incisos XXXVII e LIII da Constituição da República Federativa do Brasil, no que reserva ao juiz do trabalho a interpretação e aplicação das normas processuais civis de caráter completiva ou supletiva no processo trabalhista, em conformidade com o artigo 15 do Código de Processo Civil de 2015 e os artigos 769 e 889 da Consolidação das Leis do Trabalho.
A questão que pende de julgamento, mas, ainda que sobrevenha firme tese no sentido de acolher a inconstitucionalidade da Instrução Normativa n. 39, por conseguinte não afeta as hipóteses de aplicação do incidente de resolução de demanda repetitiva (IRDR), tendo visto, como já explanado, o artigo 15 do Código de Processo Civil de 2015 expressamente prevê a sua aplicação como norma geral no processo trabalhista e a técnica incidental não apenas se aproxima como amplia os efeitos da resolução de demandas massificadas da mesma forma como se pretendeu com o recurso repetitivo, regulado pela Lei n, 13.015 de 2004.
Não obstante, não se pode esquecer que, quanto a Instrução Normativa n. 39, o seu efeito não deve ser tomado como vinculante, de obrigatória observação, mas de orientação de como o Tribunal Superior do Trabalho, por definição de seu Plenário, irá aplicar do Novo Código de Processo Civil, o que poderá vir a ser acolhido ou não pelos juízes. Muito embora, há de se decidir se o caráter normativo da referida Instrução, que inova ao ser utilizado como mecanismo antecipatório de divulgação de entendimento jurisprudencial em matéria processual.
E apesar da celeuma e também que outra questão de (in) constitucionalidade que rodeia o Código de Processo Civil de 2015 devido ao efeito vinculante aos novos precedentes jurisprudenciais, mas sem previsão na constitucional, também no processo trabalhista, o resultado do julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas deverá ser aplicado a todas as instâncias, e como salienta Bezerra:
“I. a todos os processais individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;
II. aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986.” (2017, p. 1.295).
7. (In) Constitucionalização do incidente de resolução de demandas repetitivas.
No debate sobre a incorporação do modelo de padronização de precedentes através de um incidente de resolução de demandas repetitivas, muito embora adotada pela legislação processual civil, alguns juristas demonstraram certas resistências, cujas mais relevantes seriam as que supostamente atentariam à constitucionalidade por violação a garantia na ampla defesa e do contraditório, à garantia de acesso à justiça (direito de ação), ao princípio da independência funcional do juiz e a autonomia do procedimento do rito sumaríssimo.
Nesse sentido, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, na obra Comentários ao Código de Processo Civil (Novo CPC – Lei n. 13.105/2015), assinalam:
“3. Inconstitucionalidades do IRDR. A doutrina aponta quatro principais inconstitucionalidades de que padece o instituto do IRDR, criado pelo CPC 976: a) ofensa à independência funcional dos juízes e separação funcional dos poderes; b) ofensa ao contraditório (CF 5.º LV) porque, por exemplo, não há previsão para que o interessado possa optar por excluir-se do incidente (opt-out); c) ofensa à garantia do direito de ação (CF 5.º XXXV); d) ofensa ao sistema constitucional dos juizados especiais, porque prevê vinculação dos juizados especiais à decisão proferida em IRDR (CPC 982 I), sendo que não há vínculo de subordinação entre juizado especial e TRF ou TJ (Georges Abboud e Marcos de Araújo Cavalcanti. Inconstitucionalidades do incidente de resolução de demandas repetitivas [RP 240/221]).” (2015, p. 2.040).
Desta forma, aqueles que aduzem a inconstitucionalidade do procedimento de incidente de resolução de demandas repetitivas por violação da garantia de ampla defesa e contraditório, são de se asseverar que o argumento não se sustenta, posto que, o legislador assegurou as partes diretas da demanda (autor e réu), mas também aos intervenientes terceiros a obrigatoriedade de serem ouvidos, bem como a este último concedeu o direito de realizar a juntada de documentos – lembrando que o debate será sobre o direito (material ou processual) em tese – (art. 983, caput do CPC/2015). Também garantiu a intervenção por meio do instituto do amicus curiae, podendo, inclusive, ser autor de recurso contra a decisão em sede de incidente (art. 138, §3º do CPC/2015). Ademais, verifica a intervenção necessária do Ministério Público, com a finalidade de resguardar o interesse público em torno da demanda.
Em se tratando da proteção ao acesso à justiça, do direito de ação, ao princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional (ou princípio de controle jurisdicional), consagrado no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição da República Federativa do Brasil, constata-se o ordenamento jurídico brasileiro não proíbe a sua mitigação ou relativização. O objetivo do acesso à justiça supera o mero acesso aos órgãos judicantes, pois a finalidade maior é a obtenção da resposta efetiva às questões litigiosas, como já havia expressado o falecido Ministro Teori Albino Zavascki, “mas uma decisão com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos” (1996, p.32-55).
Quanto à autonomia dos procedimentos nos Juizados Especiais, se cita as considerações de Fredie Diddie Júnior e Leonardo Carneiro da Cunha:
“A tese fixada no IRDR aplica-se aos processos dos Juizados Especiais, conforme estabelece o inciso I do art. 985 do CPC. Não parece haver inconstitucionalidade nisso. Se é verdade que não há hierarquia jurisdicional entre os juízes dos juizados e os tribunais, não é inusitado haver medidas judiciais em tribunais que controlam atos de juízos a eles não vinculados. O SIJ, por exemplo, julga conflito de competência entre juízos comuns e juízos trabalhistas, embora estes últimos não estejam a ele vinculados. Ao TRF da respectiva região compete decidir os conflitos de competência entre juizado especial federal e juízo federal da mesma seção judiciária, conforme entendimento explicitado no enunciado 428 da Súmula do STJ. Os juízes dos juizados federais não estão vinculados ao TRF, mas este julga conflitos de competência que os envolvem. Os juízes dos juizados não estão hierarquicamente vinculados ao STJ; não cabe recurso especial de decisões proferidas nos juizados (Súmula STJ, n. 203), mas é evidente que devem seguir o entendimento manifestado pelo STJ em recurso repetitivo e em enunciado de súmula em matéria infraconstitucional (art. 927, III e IV, CPC).
O art. 985, I, do CPC determina que a tese fixada em IRDR se aplica aos processos pendentes nos juizados especiais. Embora não haja previsão expressa no Código de Processo Civil, é evidente que os processos dos juizados devem ser suspensos com a admissão do IRDR. Não faz sentido aplicar a decisão proferida em IRDR sem que se suspendam antes os processos pendentes. A suspensão dos processos, como já se viu, é regra integrante do microssistema de gestão e julgamento de casos repetitivos. Se a decisão proferida no IRDR há de ser aplicada aos processos pendentes nos juizados é porque estes integram o microssistema de gestão e julgamento de casos repetitivos e, sendo assim, devem também ser atingidos pela suspensão decorrente de sua admissão.” (2016, p. 643 e 644).
No que se refere à independência funcional dos juízes, a análise pode ser realizada sobre dois pontos de vista. No primeiro caso, seria a relativização do princípio da independência funcional dos juízes, sendo considerados não individualmente, mas como membros do órgão jurisdicional. E por outro lado, o legislador consagrou a possibilidade da tese firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas serem revista por novos fundamentos (art. 986 do CPC/2015).
Moraes, sobre o princípio da independência do juiz, cita Garcia Enterría e Tomás-Ramón Fernandes, no case of the prohibitions del Roy, de 1612, relatado por COKE, no qual, numa leitura atualizada, e que não deve ser ignorada, absorve-se entendimento de que a função jurisdicional é parte da expressão do Direito e deve por isso ser livre, sem submissão direta ao Estado, que dita as leis e as regras.
“a ideia essencial da independência da Magistratura não é mais do que uma implicação natural da independência do Direito em relação ao príncipe, pois expressa que o juiz deve ser visto como um órgão próprio, não do Estado, nem da Coroa, mas sim da lex terrae, como viva vox legis, tendo em conta que para essa conclusão, lex não expressa a vontade de um governante, mas sim o direito estabelecido na comunidade e por ela mesmo aceito e vivido. Se o Juiz não pode receber ordens do Rei é porque o Rei não tem a disponibilidade sobre o direito, porque o juiz não atua segundo a vontade do Rei”. (2017, p. 373).
Traduzindo em miúdos, conforme externado pelo decano do Supremo Tribunal Federal, Ministro Celso de Mello:
“(…) a independência judicial constitui exigência política destinada a conferir, ao magistrado, plena liberdade decisória no julgamento das causas a ele submetidas, em ordem a permitir-lhe o desempenho autônomo do officium judicis, sem o temor de sofrer, por efeito de sua prática profissional, abusivas instaurações de procedimentos penais ou civis.” (Inq 2.699‑QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-3-2009, Plenário, DJE de 8-5-2009.)
Portanto, a independência funcional dos magistrados, tal qual aos dos membros do Ministério Público, refere ao exercício das funções públicas livres de pressões externas, estranhas as relações institucionais, e não a questão de submissão a um precedente jurídico, pois a este há um interesse público de maior segurança jurídica em relação aos jurisdicionados.
E a última questão de inconstitucionalidade trazida à baila refere-se ao efeito vinculante das decisões em incidente de resolução de demandas repetitivas, que obriga os demais órgãos judicantes a seguirem, porque não estaria previsto no texto constitucional, como ocorre no caso da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade (art. 102, §2º) e da Súmula Vinculante (artigo 103-A, caput).
O contexto jurisdicional atual clama para que seja sentido o ideário de Justiça, que o resultado da demanda de fato venha trazer uma solução justa, que reflita segurança jurídica, que estabeleça a confiança jurídica.
Segundo Diddie Júnior:
“O princípio da proteção da confiança é um subprincípio do princípio da segurança jurídica. O princípio da proteção da confiança é a dimensão subjetiva do conteúdo do princípio da segurança jurídica. O fundamento de ambos é o Estado de Direito. Como não há na Constituição texto expresso nesse sentido, afirma-se que se trata de princípio constitucional decorrente do §2º do art. 5º da CF/1988. […]
O princípio da proteção da confiança impõe que se tutele a confiança de um determinado sujeito, concretizando-se, com isso, o princípio da segurança jurídica.” (2015, p. 138 e 139)
Ora, se o que é proposto é o oferecimento de resposta coesa e engendradora de igualdade, previsibilidade, economia e respeito às decisões prolatadas ao jurisdicionado, o cliente da Justiça tem que ter confiança na satisfação de sua demanda, a seu favor ou não. E para isso, caberia existir uma determinação decisória com acolhimento por todos os órgãos judicantes?
O neoconstitucionalismo trouxe valores éticos a nortear o ordenamento jurídico como um todo, logo, o Poder Judiciário não é visto como um ente que se compõe por entes desemparelhados e individualizados, mas como um único sistema que julga e prima pela constitucionalidade e ordem harmônica entre as relações dos particulares e destes com o Estado, e vice-versa, quando devidamente acionado. Nessa lógica, tendo em mente a função estabilizadora que se identifica com os precedentes jurídicos, seria desarrazoado não entender que possui o julgado através de causas paradigmas efeito meramente orientador, e que isto seria contrária a Constituição.
O próprio duplo grau de jurisdição compreende a necessária resignação das partes processuais e, inclusive, o juízo que conheceu da causa monocraticamente, à decisão Colegiada, pois nela teria um juízo de certeza maior de satisfação quanto ao objeto da causa.
O presente estudo compartilha da posição que a Constituição deu ao Poder Judiciário, pelo artigo 93, inciso X, o poder-dever de julgar fundamentadamente as causas postas a sua apreciação, e esse poder dá ao Poder Judiciário, como instituição, a função principal de atuar em situações de crise (litigio), portanto, não é um privilégio constitucional o efeito vinculante, mas um efeito inerente do procedimento adotado para organização dos órgãos judicantes e direcionado a efetivação de uma segurança jurídica das decisões como fator de promoção de Justiça in concreto.
A violação do direito existiria se o efeito vinculante das decisões em precedentes vinculasse meramente as questões factuais, mas os julgados se darão apenas em relação à aplicação do direito (norma) interpretada. As teses serão oportunamente apreciadas, com amplo contraditório e ampla defesa, sendo que, como se verá mais a frente, irrecorrível será a decisão de afetação do incidente, mas os embargos de declaração e os recursos especiais e extraordinários serão elementos a disposição do cliente da justiça para debater todas as questões que envolver o precedente por incidente.
Nota-se que, não somente ao judiciário que foram dadas novas competências e reponsabilidades de atuação, mas, também, o jurisdicionado, que se chama a atenção para fazer um bom e otimizado uso do sistema judicante.
Além disso, a principal diferença entre os vieses da formação dos precedentes pátrios é que, numa matéria meramente enunciada em súmula ou decidida em recurso com validade inter partes, terá função de precedente persuasivo, pois a submissão do direito não é aberta ao exaustivo debate comunitário, como se pode apreender com o novo sistema de precedentes vinculantes trazido em lei infraconstitucional.
Da mesma forma, nada impede que o incidente de resolução de demandas repetitivas seja reiterado, com mais elementos e melhores fundamentações, quando rejeitado num primeiro momento. E a lei expressa, sob nova argumentação, em permitir a revisão da tese firmada em incidente.
Assim, percebe-se com a presente análise que não há elementos para nulificar a aplicação do procedimento de incidente de resolução de demanda repetitiva dentro ordenamento brasileiro, em face das teses já apresentadas.
Conclusão
O incidente de resolução de demandas repetitivas marca uma nova etapa da processualidade instrumentalista brasileira, compilando elementos das experiências jurídico-normativas do direito externo e adaptando a realidade brasileira.
O efeito vinculante das demandas resolvida em precedentes afetados com a massificação do seu objeto balizam os preceitos também constitucionais de celeridade e economia processual, isonomia e equilíbrio social e a estabilização da norma jurídica. Não no sentido estagnado da estabilização, que é a real preocupação dos juristas pátrios brasileiro, que seria o uso em demasia do instrumento de resolução de causas repetitivas e o boicote ao fomento de novas teses de fundamentação apoiada numa segurança jurídica velada.
Orientando-se aqui que a segurança real seria sinônima de estabilização, mas esta somente existe com a aplicação do sentido de Justiça jurídico-político-social.
Não se constata a inconstitucionalidade dos precedentes vinculatórios, seja pela ausência de previsão constitucional explícita, ou então, porque, direta ou indiretamente, afrontaria algum direito ou garantia constitucional individual, pois o sistema regulado no seio do ordenamento jurídico processualista cuidou de tratar o assunto com maior detalhamento e profundidade do que ao direito alemão cujo sistema foi desenvolvido para tratar de uma única e exclusiva situação temporal.
Tem-se que todas as áreas da Justiça terão a ganhar com o novel instituto, seja pela confiança jurisprudencial que gera e seja pela adequação organizacional que cria com decisões em causas massificadas.
Os jurisdicionados também são beneficiados com sistema, seja para evitar a frustrante sensação de que, em mesmas causas de pedir, uns ganham e outros perdem, e reestabelecendo a sua confiança num judiciário mais rente, ou que poderá ter maior previsibilidade sobre a sua questão de direito a ser judicializada e já estabelecer uma constatação de maior probabilidade de satisfação do resultado da causa a seu favor, ou não.
E com as demandas aviadas na Justiça do Trabalho os benefícios não serão diferentes.
Quanto aos temores sobre o poder normativo do Judiciário, muito embora não seja desassistido de certa razão, apenas com as aplicações do sistema de precedentes vinculados, ora alcançando os Tribunais de Justiças e os Tribunais Regionais Federais e do Trabalho, descobriremos se será ele algo de fato positivo e se sim, havendo falhas, discutir e resolvê-las.
Advogada.
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