Resumo: Devido à evolução das garantias aos direitos fundamentais, bem como pela importância que os mesmos vem ganhando, o presente trabalho visa analisar se o principio da dignidade humana e a justiça social são observados na tributação pátria, especialmente no tocante aos direitos do contribuinte, questionando-se as políticas públicas de arrecadação de tributos, bem como a existência de uma efetiva redistribuição de renda e contraprestação ao montante arrecadado. Analisa-se a possibilidade de aliar uma tributação razoável, com uma repartição justa da carga tributária entre os contribuintes, à garantia do mínimo existencial ao indivíduo, para que uns não sejam sacrificados em detrimento de outros para custear o funcionamento do Estado.
Palavras-chave: Dignidade humana. Justiça social. Tributação.
Abstract: Due to the evolution of fundamental rights guarantees, as well as by the importance that the same has been gaining, the present study aims to examine whether the principle of human dignity and social justice are observed in taxation homeland, especially in regard to the rights of the taxpayer, questioning the public policies of tax collection, as well as the existence of an effective redistribution of income and benefit to society in exchange for the amount collected. It analyzes the opportunity to combine a reasonable taxation, with a fair distribution of the tax burden among taxpayers, guaranteeing the existential minimum to the individual, so that some are not sacrificed at the expense of the others to cover the costs of the functioning of the State.
Keywords: Human dignity. Social justice. Taxation.
Sumário: Considerações Iniciais. 1. Direito Fundamental à Dignidade humana. 2. Justiça Social. 3. Análise da tributação pátria no tocante ao respeito da dignidade humana e justiça social. Considerações Finais. Referências.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Falar-se em direitos fundamentais é muito comum nos tempos atuais, mas, nem sempre foi dada a devida importância a tais direitos. Apenas com o advento da Segunda Grande Guerra Mundial, em meio a muito sangue derramado, passaram tais direitos a ter a devida relevância, não apenas de forma positivada, mas principalmente de forma efetiva, sem olvidar a necessidade de constitucionalização de tais direitos.
Direitos fundamentais, sob a ótica de Carl Schimdt, trazida pelo Professor Paulo Bonavides, em seu Curso de Direito Constitucional, podem ser conceituados da seguinte forma:
“ Os direitos fundamentais propriamente ditos são, na essência, entende ele, os direitos do homem livre e isolado, direitos que possui em face do Estado. E acrescenta: numa acepção estrita são unicamente os direitos de liberdade, da pessoa particular, correspondendo de um lado ao conceito do Estado burguês de Direito, referente a uma liberdade, em princípio ilimitada diante de um poder estatal de intervenção, em princípio limitado, mensurável e controlável”.(BONAVIDES, 2009, p. 561)
Dentre os direitos fundamentais, encontra-se como principal pilar do ordenamento jurídico pátrio, o princípio da dignidade humana, que se encontra positivado no art. 1º da Magna Carta, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e deve ser observado pelo ordenamento jurídico brasileiro como um todo uno e harmônico entre si.
Desta forma, tal princípio também deve ser observado quando o Estado, exercendo seu poder de império, realiza a tributação, para que possa alcançar seus fins sociais, como a consecução do bem comum.
Como é cediço, a tributação é necessária não apenas como forma de financiar os custos do próprio Estado, mas para tentar realizar uma redistribuição de riquezas. Assim, é necessário que ela seja justa e proporcional à capacidade contributiva do indivíduo. Mas, será que em nosso país, com uma das maiores cargas tributárias do mundo, há essa preocupação em garantir a dignidade do contribuinte? Busca-se efetivamente a justiça social?
Tais questionamentos serão dirimidos ao longo do texto, sem a pretensão de exaurir o conteúdo, embasado por dados doutrinários coletados em livros, artigos oriundos da internet e outras fontes de pesquisa.
1. DIREITO FUNDAMENTAL À DIGNIDADE HUMANA
O princípio da dignidade humana tem valor fundamental e deve estar presente em Estados Democráticos de Direito, pois ele incita a valorização da liberdade, igualdade, respeito ao próximo, justiça, desestimulando condutas violentas, intolerantes, que excluam ou segreguem outros indivíduos socialmente.
O direito à dignidade humana, dada sua importância, ganhou caráter universalista quando foi consagrado internacionalmente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual dispõe que:
“Artigo 1.º – Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.
Artigo 2.º – Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.
1. O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade.
2. No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática.
3. Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente aos fins e aos princípios das Nações Unidas.”[1]
Destarte, independente de credo, religião, raça ou qualquer outra distinção, os indivíduos são iguais em dignidade e direitos, devendo agir fraternalmente uns com os outros, respeitando os direitos e liberdades individuais e coletivas, bem como adimplindo com seus deveres perante a sociedade; dentre tais deveres pode ser citado o dever de recolher tributos para satisfazer as necessidades do Estado e dos próprios indivíduos, com vistas à consecução do bem comum, devendo o princípio da dignidade humana servir de diretriz para o ordenamento jurídico pátrio, conforme lição de Luis Roberto Barroso:
“Não tem sido singelo, todavia, o esforço para permitir que o princípio transite de uma dimensão ética e abstrata para as motivações racionais e fundamentadas das decisões judiciais. […]. A percepção da centralidade do princípio chegou à jurisprudência dos tribunais superiores, onde já se assentou que “a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado democrático de direito, ilumina a interpretação da lei ordinária”. De fato, tem ela servido de fundamento para decisões de alcance diverso, como o fornecimento compulsório de medicamentos pelo Poder Público, a nulidade da cláusula contratual limitadora do tempo de internação hospitalar, a rejeição da prisão por dívida motivada pelo não pagamento de juros absurdos, o levantamento do FGTS para tratamento de familiar portador do vírus HIV, dentre muitas outras.”[2]
O conceito de dignidade humana foi construído paulatinamente pelo advento de diversas circunstâncias histórico-sociais, constituindo-se no principal direito para a espécie humana. Sua constitucionalização foi importantíssima para o nosso ordenamento jurídico, como bem observou Luis Roberto Barroso:
“A partir de 1988, e mais notadamente nos últimos cinco ou dez anos, a Constituição passou a desfrutar já não apenas da supremacia formal que sempre teve, mas também de uma supremacia material, axiológica, potencializada pela abertura do sistema jurídico e pela normatividade de seus princípios. Com grande ímpeto, exibindo força normativa sem precedente, a Constituição ingressou na paisagem jurídica do país e no discurso dos operadores jurídicos.”[3]
Mas, afinal, o que seria o direito da pessoa à dignidade? O que seria considerado uma vida digna? Para Barroso:
“O princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um respeito à criação, independentemente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência. […] os princípios, a despeito de sua indeterminação a partir de um certo ponto, possuem um núcleo no qual operam como regras, tem-se sustentado que no tocante ao princípio da dignidade da pessoa humana esse núcleo é representado pelo mínimo existencial. Embora existam visões mais ambiciosas do alcance elementar do princípio, há razoável consenso de que ele inclui pelo menos os direitos à renda mínima, saúde básica, educação fundamental e acesso à justiça.”[4]
Como supramencionado por Barroso o núcleo do principio da dignidade da pessoa humana seria o mínimo existencial, logo, para a compreensão da dignidade humana é necessário conceituar tal mínimo necessário para que os indivíduos possuam uma vida digna. Todavia, tal conceito é de difícil delimitação, pois relativo e mutável ao longo do tempo, estritamente ligado à conjuntura social, econômica e política contemporânea, já que as necessidades consideradas vitais hoje não são as da década passada, nem tão pouco do século passado. Entretanto, apesar de tormentosa tarefa de delimitação de tal conceito, competindo ao legislador delinear os parâmetros para a fixação das necessidades básicas do indivíduo, pode-se dizer que o mínimo existencial compreende um conjunto de direitos sociais fundamentais, tais como direito a um sistema de saúde de qualidade, alimentação, educação, moradia, assistência social, segurança, bem como o pleno acesso à justiça, direitos indispensáveis a uma vida com dignidade. Nesta esteira, veja-se o entendimento judicial abaixo transcrito:
“[…] A noção de "mínimo existencial", que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV). […]. (STF – AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO: ARE 639337 SP , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 23/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125)”. Grifo nossos
Destarte, para o presente artigo considerar-se-á o princípio da dignidade humana como um conjunto de condições mínimas necessárias à existência do indivíduo, podendo ser de ordem moral, espiritual, física ou biológica, tais quais alimentação, saúde, educação, lazer, acesso à justiça, segurança, moradia, liberdade de culto, de expressão, dentro outros direitos básicos, que devem ser garantidos através de prestações positivas do Estado, cujo qual deve zelar para que os indivíduos não venham a sofrer tratamentos desumanos ou degradantes e punir quando desrespeitados os preceitos constitucionais e direitos fundamentais.
Em todos os ramos do Direito nota-se em maior ou menor intensidade a importância dada à dignidade da pessoa humana, a necessidade de resguardá-la. Nesta esteira, vejam-se os ensinamentos de Ferreira dos Santos:
“[…] a dignidade da pessoa humana não é uma criação do legislador constituinte, que apenas reconhece a sua existência e sua eminência, pois ela, como a própria pessoa humana, é um conceito a priori. Porém, ao colocá-la como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, transformou-a "num valor supremo da ordem jurídica", ou seja, "não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural", que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais.” (SANTOS, 1999, p. 79)
Torna-se, então, imprescindível o reconhecimento da existência e eficácia de um sistema em que os direitos fundamentais voltem-se ao ser humano, com o escopo do ordenamento tornar-se uno e justo, tendo por pressuposto que tais direitos sejam elementos de interpretação e integração do sistema, com vistas à consecução de uma justiça efetiva e impeditiva de tratamentos degradantes, desumanos, violadores do mínimo existencial dos indivíduos.
2. JUSTIÇA SOCIAL
Dispõe o art. 3º da Constituição Federal que são objetivos fundamentais do nosso país: construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; garantir o desenvolvimento nacional; bem como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Ademais, a Magna Carta, visando consolidar a necessidade da busca de uma sociedade livre, justa e solidária, estabeleceu em seu art. 170 que a ordem econômica tem por finalidade garantir a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando princípios como a redução das desigualdades regionais e sociais.
Deste modo, urge trazer a lume o que seria uma sociedade justa e o conceito de justiça social. Segundo Kolm[5], a justiça deve ser a razão da sociedade, por isso afirma serem os homens livres e iguais em direitos, a partir disto, entende o mesmo que apenas observando-se esta igualdade entre os homens é que será possível existir uma distribuição igualitária e justa.
No que tange à justiça social, ela refere-se à possibilidade de ser garantido a todos o mínimo para que satisfaçam às suas necessidades essenciais, sejam elas morais, espirituais ou artísticas. Destarte, ela consiste na busca, através da redistribuição de rendas, de uma vida mais justa e digna a todos, onde se garanta uma vida com o mínimo existencial ao ser humano.
Logo, a justiça social está intrinsecamente atrelada à garantia constitucional do mínimo existencial, o qual emana diretamente do postulado do direito fundamental à dignidade humana. Assim, respeitando-se a dignidade de cada indivíduo e a intangibilidade do mínimo existencial, será feita a justiça social.
Neste contexto insere-se o Direito Tributário, já que lhe compete a arrecadação dos valores que custeiam o funcionamento do Estado, como pedra angular neste processo de redistribuição de renda e concretização de uma sociedade justa. Desta forma, pode-se afirmar que conforme previsto na Constituição Federal desde 1988, o Estado deve pautar suas ações de acordo com os ditames da justiça social com o escopo de que todos possam usufruir de um mínimo existencial, para, assim, tornarem-se efetivamente iguais em dignidade e direitos.
Todavia, como é cediço, em uma mesma sociedade formada por indivíduos orgânica e fisiologicamente iguais, existem diferenças, quanto as suas personalidades, desejos, sonhos e acima de tudo esforços e oportunidades para atingirem o que almejam. Consoante tal entendimento segue abaixo as lições do Kolm:
“As afirmações universais simplistas e reducionistas configuram um dogmatismo injustificado e impossível. Às vezes o trabalho, outras vezes a necessidade, determina o que cada pessoa deve receber (no caso do trabalho, a razão é às vezes moral e não somente tem em vista o incentivo). A igualdade ideal às vezes é de liberdade de troca, outras vezes de rendas satisfatórias, outras, ainda de satisfação. A justiça, portanto, é necessariamente poliarquia moral e racional circunscrita. Somente o método de justiça como justeza e justificação é universal”. (KOLM, 2000, p. 12)
Desta forma, alcançar a justiça social não é tratar indivíduos que estejam em situações diferentes de forma igual, como bem explana Sabbag:
“É óbvio que, no Estado de Direito, a igualdade jurídica não pode se restringir a uma igualdade meramente formal, vocacionada ao vago plano da abstração, sem interagir com as circunstâncias concretas da realidade social, que lhe permitem, de fato, voltar-se para a efetiva correção das desigualdades, que subjazem ao plano fenomênico do contexto social em que estamos inseridos”. (SABBAG, 2010, p. 133)
Logo, é necessário utilizar-se da equidade, tratando-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades, para que assim consigamos verdadeiramente atingir a justiça social.
3. ANÁLISE DA TRIBUTAÇÃO PÁTRIA NO TOCANTE AO RESPEITO DA DIGNIDADE HUMANA E JUSTIÇA SOCIAL
Nos últimos anos houve uma maior preocupação com a interpretação do Direito Tributário, em virtude do progresso que tem ocorrido no tocante às garantias aos direitos dos contribuintes resguardados pela Constituição Federal e legislação ordinária, bem como pela valorização e respeito da dignidade humana.
Em todos os ramos do Direito é dever do intérprete analisar sistematicamente as normas, em consonância com os preceitos da Lei Maior, de forma a harmonizar o texto da legislação ordinária com aquela, adequando-a a realidade e buscando uma maior efetividade dos direitos e garantias fundamentais. No Direito Tributário não seria diferente, por isso este deve ser interpretado de forma a adequá-lo aos anseios e realidade contemporâneos, além de garantir que todos possam ter uma vida digna e seja feita a justiça social, sendo de competência do intérprete tributário a harmonização das normas deste ramo do Direito com as diretrizes traçadas pela Magna Carta. Logo, esse necessita compreender o universo jurídico de forma tridimensional, no tocante às normas, às realidades sociais descritas e que integram tais normas, bem como à justiça realizada pela norma no contexto da realidade social contemporânea.
De fato, após o advento da Constituição Federal de 1988 houve uma releitura nos institutos do Direito Tributário, de forma a interpretá-los sob a égide de princípios e preceitos da Lei Maior, como bem descreve Luis Roberto Barroso:
“Este fenômeno, identificado por alguns autores como filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados. Como antes já assinalado, a constitucionalização do direito infraconstitucional não tem como sua principal marca a inclusão na Lei Maior de normas próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de seus institutos sob uma ótica constitucional.[6]”
Segundo, João Eloi Olenike[7], presidente do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), a carga tributária no Brasil vem aumentando a cada ano, mas, não há uma contraprestação que justifique o montante arrecadado. Além do mais entre trinta países constatou-se que as mais elevadas cargas tributárias são as do Brasil, em 2012 o brasileiro teve de trabalhar cento e cinquenta dias para pagar os tributos, sendo tal número inferior apenas à Suécia, já que eles precisaram trabalhar cento e oitenta e cinco dias para arcar com seus tributos deste ano. Entretanto, justifica-se o montante arrecadado na Suécia pela efetiva contraprestação dada à população, eles possuem um sistema de saúde eficiente, sendo investidos 9,4 % do PIB (Produto Interno Bruto) neste setor[8], contam ainda com uma alta expectativa de vida além de uma das mais elevadas rendas médias mundiais.
Por isso, a realidade social vivida em nosso país, com uma das maiores cargas tributárias, um dos piores índices de desenvolvimento humano e de redistribuição de renda, exige que sejam tomadas medidas visando proteger as necessidades vitais dos indivíduos para que sejam tratados como seres humanos e não apenas como contribuintes, a fim de atender aos dispositivos constitucionais. Mas, será que há observância do princípio da dignidade humana e busca da justiça social na tributação pátria?
A tributação é uma forma de controle da liberdade individual, suas normas tem caráter cogente, tal coação visa garantir o bem comum e indiretamente tenta incentivar a solidariedade entre a sociedade, é um instrumento de estímulo ou desestímulo de condutas. Deste modo, o Direito tributário é uma expressão da soberania estatal. Completando tal entendimento, veja-se a lição de Sabbag:
“Cria-se, desse modo, o cenário afeto à invasão patrimonial, caracterizadora do mister tributacional, em que o Estado avança em direção ao patrimônio do súdito, de maneira compulsória, a fim de que logre retirar uma quantia, em dinheiro, que se intitula tributo, carreando-o para os seus cofres. Tal invasão é inexorável, não havendo como dela se furtar, exceto se o tributo apresentar-se ilegítimo, i.e., fora dos parâmetros impostos pela norma tributária, mostrando-se constitucional ou não, o que poderá ensejar a provocação do Poder Judiciário, no intuito de que se proceda à correção da situação antijurídica.” (SABBAG, 2010, p. 38)
Tal compulsoriedade na cobrança dos tributos está expressamente prevista no art. 3º do Código Tributário Nacional, o qual descreve o conceito de tributo, transcrito ipsis litteris: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
É cediço que o Estado para manter-se precisa da captação de receitas para desta forma poder oferecer serviços para satisfazer as necessidades da coletividade, tendo como principal fonte de custeio desta estrutura o montante resultante da arrecadação de tributos. Destarte, a tributação é necessária para que o Estado consiga atingir seus objetivos, por isso, pode-se considerar que ela tem fins éticos, quais sejam: manter o funcionamento do Estado e buscar o bem comum, tendo por pressuposto a repartição dos encargos financeiros do Estado entre os cidadãos. Nesta esteira, veja-se Ricardo Lobo Torres apud Roberto Wagner Lima Nogueira:
“ […] ela vai buscar fora de si, na ética e na filosofia, os seus fundamentos e a definição básica dos valores. Temas como o da justiça fiscal, da redistribuição de rendas, do federalismo financeiro, da moralidade nos gastos públicos voltam a ser examinados sob a perspectiva da Ética, da Filosofia Política e da Teoria da Justiça, que recuperam o seu prestígio nos últimos anos.”[9]
Mas, em um Estado Democrático de Direito esta tributação deve ser justa, buscando-se sempre melhorar a distribuição da carga tributária, devendo ser esta proporcional à capacidade contributiva dos indivíduos, de modo a garantir um mínimo existencial a todos. Ademais, acima de tudo o contribuinte é um indivíduo que merece ter uma vida digna e seus direitos resguardados. Outrossim, é de fundamental importância observar que tanto quanto em outros ramos do Direito é necessário que o contribuinte seja tratado com equidade, tratando-se os iguais igualmente e os desiguais desigualmente na medida de suas desigualdades.
Por isso, os Poderes Públicos ao criar as leis e exigir os tributos e o intérprete tributário ao subsumir o fato à norma devem respeitar princípios como a legalidade, capacidade contributiva, vedação do confisco, proporcionalidade, moralidade, razoabilidade, dentre outros para que se atendam necessidades vitais como saúde, segurança pública, educação, lazer, acesso à justiça.
Insta salientar que o poder de tributar do Estado não é ilimitado, existindo limitações na própria Constituição Federal que regulam o referido poder. Na Magna Carta há mecanismos que visam aferir a capacidade do indivíduo para mensurar quanto deve pagar relativamente a cada tributo, ademais, tenta-se com estes mecanismos onerar de forma proporcional os contribuintes e assim permitir que eles tenham uma vida minimamente digna, isto é, que lhes restem recursos financeiros suficientes para empregar na alimentação, saúde, educação, moradia, lazer, segurança, direitos sociais mínimos que deveriam ser garantidos a todos.
Acerca da aferição desta capacidade econômica do contribuinte, denominado princípio da capacidade contributiva, dispõe o § 1º do art. 145 da CF, ipsis litteris:
“Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
O principio da capacidade contributiva, considerado um meio de se instrumentalizar o princípio da isonomia, trata-se de um critério justo de distribuição da carga tributária, em que é aferida a capacidade econômica do contribuinte, o qual é tributado em valor proporcional a suas rendas, com o escopo de alcançar a justiça social, devendo ser aplicado pelos operadores do direito.
Um bom exemplo dessa aferição ocorre com o IR (Imposto de renda), em que o Estado estabelece uma faixa de isenção para aqueles que recebem até determinado valor. Tendo como característica ser um tributo progressivo, isto é, quanto maior a renda auferida, maior é a alíquota do imposto, tendo este tributo cinco faixas de tributação, incluindo a faixa de isenção.
Apesar do art. 145 da Magna Carta referir-se apenas aos impostos, deve-se dar ao referido dispositivo interpretação extensiva[10] aos demais tributos, quais sejam: taxas, contribuição de melhoria, contribuições e empréstimo compulsório. Neste sentido, veja-se o entendimento de Sabbag, segundo o qual “[…], estamos que o princípio da capacidade contributiva deve, evidentemente, ser observado, também, por outros tributos, obedecendo, todavia, às peculiaridades de cada espécie” (SABBAG, 2010, p. 156).
A partir deste princípio não pode o Estado, sob pena de transgredir também o princípio do não confisco, previsto no art. art. 150, inciso IV, da Constituição Federal, impor uma carga tributária superior à capacidade do indivíduo e o impeça de exercer seu direito de propriedade. Logo, a cobrança de tributos não pode ser feita em detrimento de outros direitos fundamentais como a dignidade humana.
Entretanto, a mensuração da capacidade contributiva encontra alguns óbices, principalmente no tocante aos tributos indiretos. Consideram-se indiretos aqueles tributos em que há a possibilidade de transferência do encargo financeiro a outrem, geralmente, o consumidor final, que adquire o bem. Já os tributos diretos não admitem essa transferência, o encargo do tributo recai sobre um único contribuinte. Destarte, como nos tributos indiretos há esta possibilidade de transferência do ônus tributário, a capacidade econômica não irá ser aferida quanto à pessoa do contribuinte, mas sim quanto à utilidade social do bem, através da técnica da seletividade.
A seletividade é uma técnica informadora principalmente do ICMS (Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços) e do IPI (Imposto sobre produtos industrializados), que visa adequar a incidência das alíquotas conforme a essencialidade do bem. Desta forma, bens como alimentos e vestuário tem uma alíquota menor do que cigarros, bebidas alcoólicas e lanchas, tendo em vista a nocividade e superfluidade dos referidos bens.
Além desta limitação ao poder de tributar quanto à mensuração da capacidade do contribuinte, existem outras, como impossibilidade do confisco, a preservação do mínimo existencial, atendimento ao princípio da justiça tributária, isonomia, anterioridade da lei tributária, distribuição equitativa da carga tributária, os quais impossibilitam que a tributação onere excessivamente o indivíduo. Outrossim, deve haver o respeito irrestrito aos direitos fundamentais e garantias constitucionais.
É o que se vislumbra na Lei 7.713/88, a qual prevê que os rendimentos recebidos por pessoa física serão isentos do Imposto de Renda, caso o indivíduo seja portador de neoplasia maligna, hanseníase, esclerose múltipla, cardiopatia grave, dentre outras doenças, tendo em vista à necessidade de se preservar a dignidade humana do indivíduo, que nesses casos despendem muito dinheiro em seu tratamento. Nesta esteira, veja-se a atualizada jurisprudência pátria:
“Mandado de Segurança. Isenção de imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria. Neoplasia maligna. Art. 6o, XIV, da Lei 7.713/88. Desnecessidade de demonstração da atualidade da moléstia. Sacrifícios e tormentos que se prolongam no tempo. Necessidade de atender ao princípio da dignidade da pessoa humana no patamar mínimo existencial. Segurança concedida. (MS 933722320118260000 SP 0093372-23.2011.8.26.0000, TJSP, Relator: Caetano Lagrasta. Data de Julgamento: 15/02/2012, Órgão Especial, Data de Publicação: 02/03/2012)”. Grifos nossos.
Como supramencionado, o tributo tem uma finalidade fiscal de captação de recursos, mas possui também uma finalidade extrafiscal, qual seja: buscar o desenvolvimento socioeconômico, a redistribuição de riquezas, regular a economia, através de instrumentos tributários capazes para estimular e desestimular comportamentos. Contudo, cumpre salientar que a extrafiscalidade dos tributos tem caráter de exceção, destinada a atender as necessidades da sociedade, tendo em vista que a regra para a tributação é a captação de recursos para financiamento do Estado.
É mister reconhecer que a captação de recursos por parte do Estado não vem sendo utilizadas como deveriam, para bem satisfazer os indivíduos. Apesar da elevada carga tributária, nosso Estado não conta com uma ampla rede de saúde em plenas condições de funcionamento, o saneamento básico é precário, não há uma correspondente contraprestação aos valores captados sob o título de tributos.
Ademais, no Brasil há proporcionalmente uma maior carga tributária sobre as pessoas que ganham menos e uma evidente omissão legislativa quanto a um imposto previsto na Constituição Federal no art. 153, inciso VII, o imposto de competência da União sobre as grandes fortunas, que deveria ter sido regulado por lei complementar, mas até hoje não o foi, apesar de existir projeto de lei tramitando com a tentativa de regulamentá-lo. Note-se o entendimento de Sabbag: “O Brasil possui uma carga tributária elevada e em ascensão, e sua distribuição pela sociedade beneficia quem ganha mais, e, de modo perverso, sacrifica quem ganha menos” (SABBAG, 2010, p. 176).
Entretanto, não se deve generalizar, pois quando os recursos captados mediante a cobrança de tributos são aplicados para a assistência social, a fim de promover o combate à fome, à miséria, amparar crianças e adolescentes carentes, bem como garantir um salário mínimo às pessoas portadoras de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios suficientes para garantir sua subsistência, há uma efetiva redistribuição de renda. Logo, é feita a justiça social, garantindo àqueles que não dispõem das mínimas condições existenciais possam ter um alimento para comer, uma roupa para vestir, é uma tentativa de promoção da inclusão social.
Ressalte-se que as medidas consideradas assistencialistas, como programas sociais tais qual o Bolsa Família, defendidas ferrenhamente por uns e atacadas por outros, por vezes tem sido a válvula de escape para as diversas falhas do sistema político. Apesar de tais medidas não resolverem efetivamente os problemas da sociedade, mas garantem que de certa forma, seja feita justiça social, pois às famílias necessitadas é garantido um mínimo de condições de sobrevivência, significando, às vezes, que tenham pelo menos um alimento para oferecer aos seus filhos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
À luz do supraexposto, vislumbrou-se que a tributação ocorre não apenas para custear o funcionamento do Estado, mas sim para satisfazer as necessidades da coletividade e, assim, atingir o tão almejado bem comum. Todavia, apesar dos instrumentos constantes na Constituição para garantir a dignidade humana do contribuinte e, consequentemente, a justiça social, não há uma efetiva contraprestação do Estado que justifique a carga tributária suportada atualmente pelos brasileiros.
Embora seja a finalidade da ordem econômica realizar a justiça social e um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, prevista na Lei Maior, a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como redução das desigualdades sociais e regionais, pouco tem sido feito para efetivamente diminuir as disparidades existentes no país.
De fato, é necessária uma reforma tributária para que se desonere a parte menos favorecida da população, que proporcionalmente é quem suporta uma maior carga tributária, bem como de uma reforma política, para que os recursos captados com a tributação sejam utilizados para bem satisfazer as necessidades coletivas.
Destarte, constata-se que a justiça é resultante das preferências econômicas e determinações da estrutura política do Estado. Logo, é mister reconhecer que o jurídico é condicionado pela conjuntura política, econômica e social.
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