1 – A Lei nº 8.137/90
(resumo introdutório)
A
legitimação do Direito Penal, para privar a liberdade de um cidadão que
praticou uma conduta delituosa, encontra-se fundamentada no princípio da
legalidade (limitação do Poder Estatal de punir) e no equilíbrio de dois outros
aspectos: a proteção de bens jurídicos e a consideração do desvalor
da ação. O que leva o Direito Penal a proteger um bem jurídico é a importância
que o mesmo revela, pois, se o bem for de escassa importância, defronta-se com
a criminalidade de bagatela. Contudo, é necessário que à importância do bem
jurídico se coadune o desvalor da ação, ou seja,
sobre uma determinada conduta deve recair um juízo social de reprovação, pois,
em não havendo tal juízo, deflagra-se o princípio da insignificância, que
considera a conduta realizada insignificante.
Portanto,
a função do Direito Penal é “a proteção de bens jurídicos fundamentais a uma
sociedade, quando uma conduta represente uma intolerável ofensa àqueles bens e
revista-se de certa relevância que a torne merecedora de pena.” (Ferreira,
Roberto dos Santos. Crimes contra a ordem tributária. Malheiros: São Paulo.1996. p.15)
A
Lei 8.137/90 trata dos crimes contra a ordem tributária, cujo interesse
tutelado é difuso, diz respeito a toda coletividade, enquanto que, sobre a
conduta que se subsume às descrições típicas da
sobredita Lei, recai um juízo negativo social, legitimando o Estado, através do
ordenamento jurídico penal, processar o agente e priva-lo
de sua liberdade.
“As
condutas descritas na Lei 8.137/90, assim, longe de constituírem meras
sonegações fiscais, representam uma violação à normalidade da ordem tributária
com reflexos em toda a coletividade, dada a natureza
do interesse juridicamente tutelado. Assim, a prática de qualquer ação típica e
ilícita contra a ordem tributária provoca um dano ou lesão, que se difunde por
toda a sociedade e de difícil reparação.” (Ferreira, 1996, p.19)
Ultrapassada
a breve análise acerca da legitimação e função do Direito Penal, bem como
demonstrado, em poucas palavras, o objeto jurídico da Lei 8.137/90, é momento
de se perquirir a respeito do artigo 2º, II da referida norma.
2 – Artigo
2º, II, Lei 8.137/90
“Art.
2º Constitui crime da mesma natureza:”
O
entendimento deste dispositivo depende da análise do artigo 1º da mesma lei,
que também prevê crimes contra a ordem tributária e assim explicita:
“Art. 1º. Constitui crime contra
a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e
qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
Significa
que somente haverá crime contra a ordem tributária se o agente realizar
qualquer das condutas descritas em cada um dos incisos do artigo 1º e 2º e
desde que objetivem a supressão ou redução do tributo, ou contribuição social e
qualquer acessório. É imprescindível que, para a existência de crime contra a
ordem tributária, haja um determinado fim de agir que consiste no elemento
subjetivo do tipo. Esse determinado fim de agir caracteriza os crimes contra a
ordem tributária como crimes dolosos, ou seja, exige a vontade e consciência
para a prática do delito, vez que não há crime tributário culposo, por força de
imprevisão legal.
Desta
forma, assim preceitua o artigo 2º, inciso II da Lei 8.137/90:
“Art.2º. Constitui crime da
mesma natureza:
II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de
tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de
sujeito passivo da obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; Pena –
detenção, de 6 meses a 2 anos e multa.”
Assim,
esta conduta descrita no sobredito inciso, somente será crime se o agente visar
a supressão ou redução de tributo ou contribuição
social ou qualquer acessório, conforme dispõe o artigo 1º da Lei em comento.
A
contribuição social mencionada no referido inciso tem natureza tributária por
força do artigo 149 da Constituição Federal de 1988, em razão de este
dispositivo constitucional prever que a contribuição social deve observar os
princípios estabelecidos na própria Magna Carta:
“Art.149.
Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção
no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas,
como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos
artigos 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no artigo 196, §
6º…”
Quanto
ao tipo objetivo, o tipo penal descrito no inciso em tela é omissivo, vez que,
com a ocorrência do fato gerador, o Estado figura como
titular de certa importância em moeda que corresponde ao valor de um tributo e,
uma vez praticado esse fato gerador da obrigação tributária, o sujeito passivo
desta obrigação deve recolhê-lo aos cofres públicos e, o fato de deixar de
recolher o valor de tributo devido, em razão da ocorrência do fato gerador,
constitui uma omissão, caracterizando o tipo como omissivo.
Contudo,
apesar de caracterizar-se omissivo, o tipo pressupõe uma ação anterior, qual seja, a de descontar ou cobrar o valor do tributo, pois
somente deixará o sujeito passivo da obrigação tributária de recolher o valor
do tributo aos cofres públicos, se anteriormente, houve o desconto ou cobrança
desse valor. Portanto, anteriormente à omissão de deixar de recolher,
pressupõe-se a ação de descontar ou cobrar, caracterizando o tipo como omissivo
próprio.
O
bem jurídico tutelado por esta norma é o patrimônio da Fazenda Pública e,
portanto, o sujeito passivo do delito é a União, Estado membro ou Município,
dependendo da capacidade tributária ativa.
O
sujeito ativo do crime, aquele que pratica a conduta descrita no tipo penal, é
aquele que está obrigado a recolher o valor de tributo, descontado ou cobrado,
aos cofres públicos. Assim, o sujeito ativo do delito em comento será o sujeito
passivo da obrigação tributária, podendo ser o contribuinte ou o substituto
tributário (aquele que tem a obrigação de pagar tributo cujo fato imponível foi
realizado por outrem; a lei impõe a obrigação de pagar o valor do tributo ao
substituto tributário por fato gerador que não realizou).
O
momento consumativo do delito em questão consiste no
fato de deixar de recolher o valor de tributo arrecadado aos cofres públicos; o
crime consuma-se com a omissão do agente em entregar à Fazenda Pública o valor
de tributo devido, na qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária.
2.
1 – O art. 2º, II da Lei 8.137/90 e o art. 168 do Código Penal
O
tipo penal do artigo 2º, II da Lei 8.137/90 foi, equivocadamente, assemelhado
ao crime de apropriação indébita, previsto no artigo 168 do Código Penal, o
qual é assim descrito:
“Art.168.
Apropriar-se de coisa alheia móvel, de quem tem a posse ou detenção.”
A
conduta típica da apropriação indébita consiste em, tendo o sujeito a posse ou a detenção do objeto que lhe foi entregue pelo
proprietário, em algum momento, o agente faz mudar o título da posse ou da
detenção, passando a comportar-se como se dono do objeto fosse. Exige-se, para
a configuração da apropriação indébita, o elemento subjetivo, ou seja, o animus rem sibi habendi, que consiste na
vontade consciente de o agente, que está na posse ou detenção do objeto alheio,
passar a se comportar como se fosse dono da coisa móvel. Exige, portanto, uma
ação por parte do sujeito ativo do crime, caracterizando o tipo penal como
comissivo.
Contudo, no delito previsto no artigo 2º, II da Lei
8.137/90, o sujeito passivo da obrigação tributária, que é o agente praticante
da conduta típica, não está na posse ou detenção da coisa alheia móvel que, no
caso, é o valor do tributo arrecadado, porquanto, em se tratando de substituto
tributário, o desconto ou cobrança do valor do tributo para arrecadação, é
meramente escritural, ou seja, aquele que realizou o fato gerador da obrigação
tributária, por exemplo, auferir renda, recebe seu salário com todos os
descontos devidos, inclusive o desconto do imposto de renda, cujo valor, já se
encontra em mãos do substituto tributário. Assim, quando aquele
que praticou o fato gerador recebe seu salário, ele não transmite ao substituto
tributário o montante pecuniário correspondente ao valor do tributo a ser pago;
não há tradição do dinheiro, pois este valor já foi descontado anteriormente
pelo substituto e já se encontra em suas mãos, a fim de honrar a obrigação
tributária. Não há inversão do título da posse ou da detenção, pois aquele
valor do tributo jamais esteve na posse daquele que realizou o fato gerador. Assim,
não há animus rem
sibi habendi no delito
do artigo 2º, II da Lei 8.137/90.
Ademais,
consistindo em mais um elemento diferenciador entre ambas as condutas
delituosas, a apropriação indébita é um tipo comissivo, enquanto que o delito
da Lei 8.137/90, consuma-se com uma omissão.
2.
2 – Extinção de Punibilidade
A
Lei 8.137/90 prevê causa de extinção de punibilidade para os crimes definidos
em seus artigos 1º, 2º e 3º, diferente das causas de extinção de punibilidade
contidas no artigo 107 do Código Penal.
“Art.14.
Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos nos artigos 1º a 3º quando o
agente promover o pagamento de tributo ou contribuição social,
inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.”
Com semelhante redação, o artigo 34 da Lei 9249/95,
também contempla causa de extinção de punibilidade quando o agente pagar o
valor de tributo devido antes do recebimento da denúncia, fato este que
demonstra contradição, pois, aquele que pratica um furto simples, no valor de
R$ 50,00 (cinqüenta reais), mesmo que, antes do recebimento da denúncia, pague
o valor monetário furtado, não será agraciado com a extinção de sua
punibilidade. Contudo, aquele que lesionou o erário em
milhões de reais, agredindo a sociedade de forma mais voraz, e promover o
pagamento desta quantia, antes do recebimento da exordial
acusatória, terá extinta a sua punibilidade.
Acadêmica da Faculdade de Direito de Curitiba/PR
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