Resumo: O presente artigo abordará o direito à privacidade no âmbito eletrônico, no qual o foco será a discussão da possível violação deste direito pela empresa Google, através do sistema de publicidade direcionada, imputado por ela aos usuários do Gmail. Para analisar tal ato, é preciso realizar uma abordagem sobre o contrato de adesão, que é utilizado pelo Gmail. Dessa forma, para alcançar o posicionamento sobre a possível violação do direito à privacidade, utilizou-se da pesquisa bibliográfica juntamente com a análise das cláusulas do contrato do Gmail, além disso, o artigo em comento buscou através do método dedutivo relacionar se o direito à privacidade (premissa maior) é violado pela situação particular que é o contrato do Gmail. Baseado no emprego tanto da técnica da pesquisa bibliográfica, quanto do método dedutivo foi possível concluir que o sistema de publicidade direcionada do Gmail é considerado SPAM e viola o direito à privacidade.[1]
Palavras-chave: Direito à privacidade; Publicidade direcionada; Contrato de adesão; Gmail.
Abstract: The following article will address the right to privacy in an electronic environment, having its discussion focused on a possible violation of such right in Google’s e-mail service, through their publicity system used with GMAIL users. To analyze it, we must to undertake a discussion about the membership contract that is used for GMAIL users. Thus, to achieve a position on the possible violation of privacy rights, was used literature and also an analysis of GMAIL contract terms, besides, the article in comment, sought through deductive method to indentify if the right to privacy (major premise) is violated for this very contract. Based on employment of both, the technical literature and the deductive method, It was possible to conclude that GMAIL’s directed advertising is considered SPAM and violates rights to privacy.
Keywords: Right to privacy; Directed advertising; Contract compliance; Gmail.
INTRODUÇÃO
O surgimento e o aumento progressivo do uso da Internet fez com que tal plataforma digital de comunicação se tornasse parte do cotidiano de grande número de pessoas que tem acesso à rede mundial de computadores. Os impactos sociais, políticos e econômicos são diversos. Se, de um lado, foram gerados benefícios, como o aumento da interação comunicacional e do compartilhamento entre as pessoas, por outro lado, a mesma Internet fez emergir problemáticas diversas no âmbito jurídico, como a violação ao direito à privacidade e à intimidade.
O Direito à privacidade, que pode ser entendido como gênero dos direitos à intimidade e à vida privada, está previsto sob a forma de direito fundamental, especificamente no artigo 5 da Constituição da República Federativa do Brasil, em seus incisos X, XI e XII.
Ocorre, contudo, que os avanços tecnológicos proporcionados pela Internet, principalmente no que se refere à coleta de dados pessoais que, por conseguinte, são indexados em bases de dados, implicam em flagrante desrespeito ao direito fundamental supramencionado. Dentre as diversas formas de invasão da vida privada por meio de ferramentas digitais, está o SPAM, entendido como qualquer espécie de informação ou mensagem veiculada por meio digital e direcionada a determinado usuário sem a prévia autorização deste.
É comum ao meio tecnológico, as mudanças e atualizações de recursos e ferramentas de marketing e publicidade no meio digital se renovam constantemente. Neste passo, a empresa Google inovou no que se refere à publicidade direcionada ao consumidor, tal ato proporciona questionamentos no que tange a violação do direito à privacidade.
Diante do exposto, cabe analisar e fundamentar se o modelo de negócios direcionados proporcionado pela empresa estadunidense pode ser considerado como SPAM. Em caso afirmativo será avaliado também se é admissível responsabilizar civilmente a empresa.
Para responder estes questionamentos é imprescindível analisar o contrato do Gmail que é do tipo contrato de adesão e verificar se existem cláusulas abusivas, ambíguas ou de difícil entendimento para o contratante, se confirmado algum ou todos os atos mencionados acima incumbirá a responsabilização civil da Google. Neste trabalho caberá somente a análise de tal contrato.
A metodologia utilizada para este trabalho será pautada no método dedutivo, em que será avaliado se o contrato do Gmail viola ou não o Direito à privacidade. Dessa forma, a análise será feita a partir da premissa maior (Direito à privacidade), para então examinar se a situação particular (o contrato do Gmail) se encaixa nesta premissa.
No que tange às técnicas de pesquisa, utilizou-se a bibliográfica, uma vez que houve uma captação de elementos em livros e cláusulas contratuais para se fundamentar no tema em análise.
1 DIREITO À PRIVACIDADE
O intenso desenvolvimento da complexa rede de internet, principalmente sobre dados pessoais constitui uma poderosa ameaça à privacidade das pessoas, em que a individualidade das mesmas se torna altamente vulnerável, pois há uma facilidade cada vez maior no rastreamento de bancos de dados que revelam a vida dos indivíduos, sem muitas vezes um conhecimento e uma autorização prévia destes.
Com a proposta de facilitar a vida dos usuários do Gmail, com base no interesse pessoal de cada um e a partir disso obter lucratividade, a empresa Google criou informes publicitários que aparecem na página do site Google (Gmail) e estes são promovidos por meio de um sistema que a empresa pratica de monitoramento do conteúdo das mensagens de e-mail, que são enviadas e recebidas pelo usuário de tal correio eletrônico. É o que se observa a seguir no tópico “Informações que coletamos e como a utilizamos – comunicação com o usuário” pertencente à “Política de Privacidade do Google”, (GMAIL, 2010):
“Quando você envia um e-mail ou outro tipo de mensagem para se comunicar com o Google, podemos reter essas mensagens para processar suas consultas, responder às suas solicitações e melhorar nossos serviços. Quando você envia e recebe mensagens de SMS a partir de ou para um de nossos serviços com funções de SMS, coletamos e armazenamos as informações associadas a essas mensagens, como o número do telefone, a operadora de rede sem fio associada ao número do telefone, o conteúdo da mensagem e a data e hora da transação. Usamos o seu endereço de e-mail para enviar comunicados a você sobre nossos serviços.”
Segue abaixo outra comprovação do uso de publicidade direcionada utilizado pelo Google, exposto pela cláusula abaixo que está disponível em: “Anúncios no Gmail e seus dados pessoais” no tópico “Como funcionam os anúncios no Gmail”, (GMAIL, 2010):
“Os anúncios que aparecem ao lado das mensagens do Gmail são semelhantes aos exibidos nos resultados de pesquisa do Google e em páginas de conteúdo de toda a web. No Gmail, os anúncios estão relacionados ao conteúdo das suas mensagens. Nosso objetivo é fornecer anúncios úteis e relevantes aos interesses dos usuários do Gmail. A segmentação de anúncios no Gmail é completamente automatizada e nenhuma pessoa lê seus e-mails para segmentar anúncios ou informações relacionadas. Esse tipo de verificação automática é o modo como muitos serviços de e-mail (e não apenas o Gmail) fornecem recursos como filtragem de spam e verificação ortográfica. Os anúncios são selecionados por relevância e exibidos pelos computadores do Google.”
A partir deste sistema de publicidade direcionado do Google é cabível o questionamento e análise se o mesmo pode ser considerado SPAM, mas para confirmar tal questionamento é imprescindível a análise do contrato existente entre a empresa e o contratante do serviço, que será avaliado mais adiante. Entende-se por SPAMs os e-mails não solicitados que são enviados para o correio eletrônico para um enorme número de internautas. Pereira (2003, p.215), ressalta que:
“[…] desde a perspectiva do internauta individualmente considerado, é indiferente que o SPAM tenha sido enviado somente a ele ou, também, a um incalculável número de usuários da Internet. Para esse internauta individualmente considerado, o recebimento de uma única mensagem de correio eletrônico não solicitada em seu mail-box, qualificar-se-ia como SPAM, independentemente de que outros usuários da Rede das redes a tenham recebido.”
Se confirmado que o sistema de publicidade proporcionado pelo Google é considerado SPAM, pode-se dizer que este se utiliza de um tipo de SPAM, que é o Comercial, uma vez que o Google é contratado por pessoa física ou jurídica para fazer marketing de algum serviço ou produto. Segundo Vidonho Júnior (2003), SPAM Comercial é aquele que “se utiliza de alguma espécie de propaganda ou publicidade geralmente contratada pela empresa ou pessoa física para envio de e-mails contendo a oferta de serviços e produtos.” No caso em análise, constata-se que não há o envio de e-mail não solicitado (SPAM) para os e-mails do Gmail pela empresa Google, porém esta rastreia o correio eletrônico de cada usuário do Gmail para que seja lançada a propaganda publicitária direcionada na página do correio eletrônico.
A respeito da invasão da privacidade, a Constituição de 1988 declara no artigo 5, inciso X que a vida privada é um direito inviolável. Da mesma forma pensa Pereira (2003, p.155), em que relata a existência de um direito fundamental específico para a proteção de dados pessoais frente ao uso das novas tecnologias, no qual pode ser nomeado de direito à liberdade informática, direito à autodeterminação informativa ou até mesmo de direito fundamental à proteção de dados. Ainda Pereira (2003, p.159) relata que:
“Estamos ante um direito emergente, o qual veio a ampliar a proteção da intimidade das pessoas. Juntamente com outros direitos fundamentais, o direito à proteção dos dados pessoais, ante o uso das novas tecnologias, forma parte do rol dos direitos e liberdades constitucionalmente consagrados, os quais possuem como escopo comum, a proteção da dignidade da pessoa humana.”
É imprescindível o reconhecimento da necessidade de proteger a privacidade no meio eletrônico, para que a dignidade da pessoa humana, um princípio fundamental tutelado pelo Estado não se torne algo vulnerável. De acordo com Silva (2008, p.206), o direito à privacidade de um modo amplo, abarca todas as manifestações da esfera íntima, privada e de personalidade já consagrado pelo texto constitucional. O dicionário da língua espanhola (apud PEREIRA, 2003, p. 118), conceitua privacidade como “âmbito da vida privada que se tem o direito a proteger de qualquer intromissão”. Branco, Coelho e Mendes (2008, p.377), são mais detalhistas ao separarem as esferas do direito à privacidade e à intimidade e conceituar cada um:
“[…] o direito à privacidade teria por objeto os comportamentos e acontecimentos atinentes aos relacionamentos pessoais em geral, às relações comerciais e profissionais que o indivíduo não deseja que se espalhem ao conhecimento público. O objeto do direito à intimidade seriam as conversações e os episódios ainda mais íntimos, envolvendo relações familiares e amizades mais próximas.”
Diante do conceito exposto acima da mesma forma relata Moraes (2007, p. 48) em que a intimidade envolve as relações subjetivas e da esfera íntima da pessoa, relações familiares e de amizade, já a privacidade diz respeito à todos os outros relacionamentos humanos que são objetivos como, relações de trabalho, comerciais, dentre outros.
A privacidade é um tema de total relevância, porém é possível observar hesitações em definir exatamente o direito à privacidade. Mesmo os diplomas legais ou as convenções internacionais não proporcionam um conceito preciso, além disso, não há nas jurisprudências uma única interpretação. Ferraz (apud BRANCO, COELHO e MENDES 2008, p.378) entende que o direito à privacidade é:
“[…] um direito subjetivo fundamental cujo titular é toda pessoa, física ou jurídica, brasileira ou estrangeira, residente ou em trânsito no país; cujo conteúdo é a faculdade de constranger os outros ao respeito e de resistir à violação do que lhe é próprio, isto é, das situações vitais que, por só a ele lhe dizerem respeito, deseja manter para si, ao abrigo de sua única e discricionária decisão; e cujo objeto é a integridade moral do titular.”
Quis o autor mencionar que a privacidade é um direito fundamental assegurado tanto à pessoa física, quanto jurídica, brasileira ou estrangeira, para que estes possam usufruir da finalidade de tal direito que é proporcionar garantia à integridade moral.
Branco, Coelho e Mendes (2008, p. 378), ressaltam que é necessária para a própria saúde mental do homem a reclusão periódica à vida privada. Ademais, a falta de privacidade dificulta o desenvolvimento livre da personalidade. Estar submetido à constante observação alheia proporciona a dificuldade de enfrentar novos desafios, uma vez que a exposição dos erros, dificuldades e fracasso à crítica e à curiosidade de terceiros inibiria a tentativa de auto-superação.
Por fim, é importante lembrar que há grande lacuna na área de regulamentação jurídica em relação a questões que envolvem a Internet, é necessário que os juristas se atentem e se qualifiquem para solucionar as novas ações que surgem nessa área, pois há um aumento no número de Internautas e acelerado progresso técnico-científico. Tal progresso é perigoso por possível inobservância aos direitos fundamentais, justamente pelo déficit de regulamentação de condutas na Internet, portanto, é essencial que se estabeleça um limite pela legislação. Diante do assunto exposto no decorrer deste tópico “Direito à privacidade”, é interessante refletir nas palavras do dramaturgo Miller (apud TEIXEIRA e MENDES, 1996, p.161):
“O computador, com sua incansável sede de informação, com sua imagem de infalibilidade, com sua incapacidade de esquecer o que armazena, chegará a ser o centro de um sistema de vigilância permanente que converterá a sociedade em que vivemos num mundo transparente, em que nossa casa, nossas finanças, nossas associações e instituições, nossa condição física e mental aparecerá una a qualquer observador.“
Quem viola a privacidade de outrem, viola também um dever jurídico e desse modo é possível ser responsabilizado civilmente, portanto cabe ressaltar que, se o Google descumpriu com sua obrigação de não violar o direito fundamental, que é o direito à privacidade, será possível a empresa responder civilmente para reparar o dano decorrente de seus atos. Cavalieri (2007, p.2) conceitua responsabilidade civil como:
“[…] o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário […]. Obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo conseqüente à violação do primeiro.”
No que tange a resposta de tais questionamentos é imprescindível analisar o contrato do Gmail que é do tipo contrato de adesão e verificar se existem cláusulas abusivas, ambíguas ou de difícil entendimento para o contratante, se confirmado algum ou todos os atos mencionados acima incumbirá a responsabilização civil da empresa Google. Neste trabalho caberá somente a análise de tal contrato.
2. CONTRATO DE ADESÃO
Contrato de adesão é um negócio jurídico em que uma das partes estipula as cláusulas previamente, em que compete a outra parte, isto é ao contratante, aceitá-las ou não, integralmente, de modo que não se discuta a respeito do conteúdo. Dessa forma, é perceptível que existe um predomínio de vontade de um dos contratantes, que são aqueles que elaboram todas as cláusulas. Messineo (apud Gonçalves, 2011, p. 99) diz que:
“Contrato de adesão é aquele em que as cláusulas são previamente estipuladas por um dos contraentes, de modo que o outro não tem poder de debater as condições, nem introduzir modificações no esquema proposto; ou aceita tudo em bloco ou recusa tudo por inteiro (‘é pegar, ou largar’). A falta de negociações e de discussão implica uma situação de disparidade econômica e de inferioridade psíquica para o contratante teoricamente mais fraco.”
Diante do que foi citado acima, pode-se notar que não há como discutir para tentar modificar o contrato, ou seja, não há negociação feita antes de celebrar o contrato. A anuência do contratante irá representar sua adesão ao que está instituído no contrato preliminarmente, assim é formada a relação jurídica. Outra observação é a imposição de vontade de um dos participantes do contrato em relação ao outro. Este é um elemento básico do contrato de adesão.
Tal tipo de contrato pode ser abordado nas relações de consumo e nas relações jurídicas negociais. O Código de Defesa do Consumidor de 1990 em seu artigo 54 prescreve sobre contrato de adesão: “é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”. Acerca de tal contrato, existem dois artigos do Código Civil de 2002 fundamentais de serem analisados e interpretados, que são os artigos 423 e 424.
O artigo 423 relata que “quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”. Cláusulas ambíguas são aquelas que proporcionam mais de um sentido, a partir da interpretação gramatical e cláusulas contraditórias são aquelas cujo conteúdo de uma cláusula, é inconciliável com o apresentado em outra.
Tal dispositivo legal é fundamental no que tange aos contratos de adesão, originado do Direito romano: interpretatio contra stipulatorem. Sua aplicação se justifica no Direito atual devido à impossibilidade da prévia discussão das cláusulas do contrato. Estabelece-se, com isso, uma vantagem ao aderente, parte mais vulnerável, amenizando o desequilíbrio da relação contratual (BIERWAGEN, 2003, p. 95).
De acordo com Bierwagen (2003, p.95-96), o dispositivo em comento possui duas funções: ao mesmo tempo em que impede o oblato elaborar cláusulas abusivas ou que proporcionam excessiva vantagem para si (natureza preventiva), estabelece a leitura mais favorável ao aderente, quando houver tais aberrações (natureza corretiva).
É imprescindível a presença deste dispositivo legal 423 mencionado acima, uma vez que permite ao juiz adotar a interpretação mais favorável ao aderente, se houver cláusulas ambíguas ou contraditórias capaz de proporcionarem dúvidas ao juiz.
O art. 424 constitui que “nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”. No pronunciamento de BIERWAGEN (2003, p. 96):
“Quis o legislador proteger especialmente os direitos correlatos que na prática comercial são comumente excluídos por cláusulas padrão, como a de não-reparação pelos danos decorrentes de defeitos da coisa ou pela má prestação de serviços, não-indenizabilidade de vícios redibitórios, evicção, etc. Em se tratando de cláusula nula, considera-se não-escrita, vale dizer, não possui qualquer valor jurídico. Assim, não convalesce com o tempo, podendo ser alegada a qualquer momento; pode ser reconhecida ex officio pelo magistrado; e, por fim, o reconhecimento da nulidade produz efeitos ex tunc (retroativos), de forma que os atos praticados em conformidade com essa cláusula podem ser desfeitos e ensejar perdas e danos, se for o caso.”
Diante do exposto acima as cláusulas nulas podem ser declaradas a qualquer momento e serem determinadas de ofício pelo juiz, além de terem seus efeitos retroagidos no tempo (eficácia ex tunc). Essa possibilidade trazida pelo legislador tem a intenção de resguardar os direitos correspondentes nas relações comerciais que são freqüentemente ignorados por cláusulas-padrão. A seguir serão analisadas algumas cláusulas expostas no contrato de adesão do Google.
3 CLAÚSULAS DO CONTRATO DE ADESÃO DO GMAIL
As primeiras cláusulas (11.2 e 11.3) a serem analisadas encontram-se no tópico “Licença de conteúdo do usuário”, (GMAIL, 2007):
“11.2 O usuário concorda que essa licença inclui o direito do Google de disponibilizar esse Conteúdo a outras empresas, organizações ou indivíduos com quem o Google tenha relações para o fornecimento de serviços licenciados e para o uso desse Conteúdo relacionado ao fornecimento desses serviços.”
É claramente percebido que nesta cláusula do contrato de adesão, o Google expõe sua ação de disponibilizar o conteúdo de mensagens dos e-mails às empresas que fornecem serviços para o Google. No entanto, a cláusula não foi clara, para demonstrar exatamente o tipo de serviço fornecido por essas empresas, o que dificulta o entendimento para o contratante. Entretanto, ao se realizar uma análise minuciosa sobre toda a política de funcionamento do Gmail, sabe-se que se trata de publicidade direcionada, porém de forma alguma é dever do contratante realizar tal análise para então tomar conhecimento desse tipo de publicidade direcionada. Segue abaixo mais cláusulas contratuais.
“11.3 O usuário compreende que o Google, ao efetuar as etapas técnicas necessárias para fornecer os Serviços aos nossos usuários, pode (a) transmitir ou distribuir o seu Conteúdo por várias redes públicas e em várias mídias de dados; e (b) efetuar as alterações necessárias ao Conteúdo do usuário para ajustar e adaptar esse Conteúdo aos requisitos técnicos de conexão de redes, dispositivos, serviços ou mídia. O usuário concorda que essa licença permitirá ao Google realizar tais ações.”
É importante ressaltar aqui mais uma vez, a falta de clareza por não exemplificar que tipo de “alterações necessárias ao Conteúdo do usuário”. Outras cláusulas (17.1 e 17.2) a serem analisadas estão inseridas no tópico “Anúncios” (GMAIL, 2007):
“17.1 Alguns dos Serviços são mantidos por receita proveniente de publicidade e podem exibir anúncios e promoções. Tais anúncios podem ser contextuais ao conteúdo da informação armazenada nos Serviços, pesquisas feitas por meio dos Serviços ou outras informações.“
Pode-se dizer que é uma cláusula abusiva, pois a partir do momento em que o usuário concorda com o contrato ele é obrigado a aceitar o rastreamento de seus e-mails pelo Google. Observa-se, portanto, uma exagerada desvantagem do contratante em relação à empresa estadunidense.
“17.2 A maneira, modo e abrangência da publicidade do Google nos Serviços estão sujeitos a alterações sem aviso prévio específico ao usuário. 17.3 Considerando a concessão por parte do Google do acesso e uso dos Serviços, o usuário manifesta o seu acordo sobre a possibilidade de o Google colocar tais anúncios nos Serviços.”
Observa-se aqui também nas duas cláusulas acima a intervenção de forma abusiva do Google, em que demonstra a possibilidade deste modificar o esquema de publicidade, sem se importar em justificar previamente ao usuário sobre tal modificação. Assim, é perceptível a não observância aos princípios do contrato de adesão impostos pelo artigo 423 do Código Civil de 2002.
CONCLUSÃO
Devido ao intenso progresso técnico-científico no meio eletrônico e conseqüentemente a formação de enorme lacuna na área de regulamentação jurídica em tal meio, é imprescindível que os juristas estudem e discutam mais a respeito de questões que abrangem a Internet, principalmente as que violam os direitos fundamentais, para que então eles sejam capazes de elaborar leis que regulamentarão tais assuntos e estabelecerão limites de condutas na Internet, de modo a proporcionar maior segurança aos usuários.
Através da realização de uma análise minuciosa das cláusulas do contrato de adesão do Gmail, é possível perceber através do mecanismo de publicidade direcionada a violação de um direito fundamental que é a privacidade, sendo assim de acordo com o caso concreto, é cabível ao usuário pleitear ação de indenização por dano moral contra o Google, uma vez que este violou um dever jurídico, o que ocasiona a obrigação de reparar o dano decorrente de tal violação, ou seja, é cabível a responsabilização civil da empresa estadunidense. Além disso, fica comprovado que tal ato é considerado como SPAM, uma vez que a maioria dos usuários não tem conhecimento de tal serviço de publicidade e, portanto, não solicitaram tal serviço.
Vale ressaltar que só é aceitável tal indenização se houver violação concreta do direito à privacidade, de modo que é preciso existir abuso da esfera ideal de direitos do usuário. Portanto, a vergonha e o sofrimento por si só não configuram dano moral, ambos são apenas conseqüências do dano, ou seja, nem toda situação, por mais que tenha gerado vergonha e sofrimento, irá caracterizar tal dano. Isso evita que haja banalização do dano moral, além de evitar a formação de inúmeros processos desnecessários.
Acadêmica de Direito pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV).
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