Sâmia Gabrielle Lopes Santos [1]
Rochele Juliane Lima Firmeza[2]
Resumo: A Teoria do Desvio Produtivo do consumidor visa resguardar o tempo produtivo perdido pelo consumidor ao tentar resolver conflitos ocasionados pelos fornecedores na prestação do produto ou serviço. Neste contexto, este estudo possui como objetivo principal analisar como se configura essa Teoria e como ocorre a sua utilização nas decisões judiciais em relações de consumo. Para tanto, fora realizada pesquisa bibliográfica com abordagem dedutiva com o uso de doutrinas, artigos científicos, jurisprudências que enfatizam sobre a aplicabilidade atual do desvio produtivo do consumidor, para tal, observa-se o princípio da dignidade da pessoa humana e a responsabilidade civil no Código de Defesa dos Consumidores. Portanto, é imprescindível a relevância deste estudo em decorrência da recorrente violação dos Direitos Fundamentais garantidos aos consumidores e a sua adequação se amolda em proteger a parte mais vulnerável da relação de consumo.
Palavras-chave: Tempo produtivo. Consumidor. Responsabilidade objetiva. Desvio produtivo.
Abstract: Consumer Theory of Productive Deviance aims to safeguard the productive time lost by the consumer in trying to resolve conflicts caused by suppliers in providing the product or service. In this context, this study has as main objective to analyze how this Theory is configured and how its use occurs in the judicial decisions in consumer relations. To this end, a bibliographic research with a deductive approach was carried out using the doctrines, scientific articles, jurisprudences that emphasize on the current applicability of the consumer’s productive deviation. To this end, the principle of human dignity and civil responsibility in Consumer Protection Code. Therefore, the relevance of this study as a result of the recurrent violation of fundamental rights guaranteed to consumers is essential and its adequacy is based on protecting the most vulnerable part of the consumer relationship.
Keywords: Productive time. Consumer. Objective responsibility. Productive diversion.
Sumário: Introdução. 1. A tutela do consumidor na constituição federal de 1988. 2. Responsabilidade Civil no Código de Defesa dos Consumidores. 2.1. Relação de consumo. 2.2. Responsabilidade Civil: prevenção e reparação de dano ao consumidor. 3. Desvio produtivo do consumidor. 3.1. Entendimentos jurisprudenciais. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Neste presente estudo será analisada a aplicabilidade atual da Teoria do Desvio Produtivo nas relações de consumo, desvencilhando essa “inovação” que reflete no Código de Defesa dos Consumidores através das decisões judiciais, bem como, observando o valor jurídico do tempo para a configuração da perca do tempo útil do consumidor, com o intuito de indenizar possíveis danos ocasionados pelos fornecedores.
Com isso, tem-se como problema de pesquisa a aplicabilidade da teoria do desvio produtivo do consumidor nas relações de consumo de modo atual, observando o posicionamento doutrinário e jurisprudencial com o intuito de resguardar os direitos constitucionais do consumidor, hipossuficiente e vulnerável.
Assim, o presente trabalho tem como objetivo analisar como se configura o desvio produtivo no dia a dia do consumidor, como nos casos de mau atendimento, demora injustificada em filas e etc., como ocorre a sua utilização nas decisões judiciais nas relações de consumo e em que casos vêm sendo aplicada essa inovação no direito do consumidor. Neste sentindo, fora realizada pesquisa bibliográfica com abordagem dedutiva.
Para chegar a este raciocínio, o presente artigo será dividido em três capítulos. Inicialmente, debater-se-á sobre a tutela do consumidor na Constituição Federal de 1988. Posteriormente, terá como preocupação a responsabilidade civil no Código de Defesa dos Consumidores, bem como, a prevenção e a reparação de danos, e finalmente, analisar o desvio produtivo do consumidor, seu conceito, tempo e casos judiciais em concreto com sua aplicabilidade.
Este tema é de grande relevância social e jurídica, pois existe costumeiramente a realização de práticas abusivas pelos fornecedores ao prestarem o produto ou serviço para o consumidor, acarretando uma cadeia de violações aos direitos garantidos aos consumidores, considerando o seu tempo perdido e os aborrecimentos sofridos apenas como “mero aborrecimento ou mero dissabor”. Assim, se configura relevante à proteção a Carta Magna, com o intuito de observar as leis dispostas no seu ordenamento jurídico.
1 A TUTELA DO CONSUMIDOR NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Carta Magna versa sobre os princípios, garantias e direitos fundamentais dos consumidores, tutelando a respeito dos danos existenciais causados a estes, como forma de equilíbrio nas relações de consumo. Neste intuito, visa criteriosamente à análise da tutela do consumidor.
O princípio da dignidade da pessoa humana se embasa como centro norteador para a existência de outros direitos, inclusive os que já são assegurados aos consumidores pela Constituição Federal de 1988. Em virtude dessas considerações é necessário esclarecer brevemente o conceito de princípios.
Para Bonavides (2015, p. 294) os princípios fazem
“À congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema jurídico legítimo. Postos no ápice da pirâmide normativa, elevam-se, portanto, ao grau das normas, de fonte das fontes. São qualitativamente a viga-mestra do sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma Constituição”.
Para Nunes (2018, p. 9) os princípios “são verdadeiras vigas mestras, alicerces sobre os quais se constrói o sistema jurídico. Os princípios constitucionais dão estrutura e coesão ao edifício jurídico. Assim, devem ser estritamente obedecidos, sob pena de todo o ordenamento jurídico se corromper”.
Com estes esclarecimentos, nota-se a essencialidade dos princípios para a interpretação do texto constitucional, atuando no campo de apoio e embasamento para a construção do ordenamento jurídico. Por isso, a violação de um princípio gera uma grave desobediência ao texto constitucional, acarretando uma série de consequências.
Dessa forma, entende-se doutrinariamente que a dignidade da pessoa humana, por se tratar de um princípio possui relevância norteadora como base para outros dispositivos, na qual devem atuar em congruência e respaldo na Constituição Federal de 1988, como ocorre com os consumidores, concedendo assim, uma proteção à parte vulnerável.
Neste sentindo, para Novelino (2017) o princípio da dignidade da pessoa humana teve notoriedade e tutela pelas constituições em diversos países após a Segunda Guerra Mundial, por conta do nazismo e o fascismo, como uma forma de reação contra os abusos sofridos nessa época. Este princípio é considerado um valor constitucional supremo, servindo como base para decisões em casos concretos, elaboração, interpretação e aplicação das normas que compõe o ordenamento jurídico, possuindo o status de direito fundamental para cada indivíduo.
Devido a estes acontecimentos, as pessoas foram inseridas como centro para a construção de normas, que as protegem de fato e que versam sobre direitos inerentes à sua personalidade, como por exemplo, o resguardo e a consagração do direito à dignidade, à cidadania, à igualdade, à vida, e afins. Ademais, observa-se a necessidade de proteção ao mínimo existencial de uma pessoa, como sua qualidade de vida, de tempo e lazer, por exemplo.
Assim, a Constituição Federal (BRASIL, 1988), no seu artigo 1º, inciso III, contemplou a dignidade da pessoa humana como um dos seus fundamentos da República Federativa do Brasil. Conforme dispõe a seguir:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana;”
Com isso, o princípio da dignidade da pessoa humana trata-se de direito fundamental, que possui importância jurídica, se enquadrando como um dos valores máximos da Carta Magna, servindo assim, de amparo para a sociedade e Estado, garantindo uma segurança jurídica, pois todos os cidadãos possuem direito a uma vida digna, conforme estabelece a Constituição Federal de 1988.
Para Nunes (2018, p. 25) “a dignidade humana é um valor já preenchido a priori, isto é, todo ser humano tem dignidade só pelo fato já de ser pessoa”. Assim, deve ser garantido o mínimo existencial para se falar em dignidade da pessoa humana, pois embora o cidadão já possua o seu direito garantido pela Constituição Federal, a sua efetivação deve ser concreta para que de fato exista aplicabilidade.
Deste modo, este princípio é considerado um direito inalienável e irrenunciável, pois se subsiste da própria condição humana, protegendo todos de forma interna e internacional contra possíveis violações ou ameaças a esse direito garantido. Devendo ser assegurados os direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988, como por exemplo, a educação, a saúde, o trabalho, o lazer e a segurança.
Neste sentido, assegura o Código de Defesa dos Consumidores (BRASIL, 1990) no artigo 4º, da Lei 8.078, que:
“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios”.
Nas relações de consumo se tem como objetivo a obediência à dignidade, que está intimamente ligada ao artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, com aplicação na órbita consumerista. Conforme o entendimento do doutrinador Nunes (2018, p. 123) “é garantia fundamental que ilumina todos os demais princípios e normas e que, então, a ela devem respeitos, dentro do sistema constitucional soberano brasileiro”.
Este princípio ganha “efetivação de um ideal de justiça na sociedade pós-moderna posto que constitua um atributo que todo ser humano possui, independentemente de qualquer condição e para o qual convergem todos os seus direitos fundamentais” (FIRMEZA, 2015, p. 42).
Os direitos fundamentais possuem aplicabilidade direta e imediata, sendo indispensáveis para o princípio da dignidade da pessoa humana, por serem direitos reconhecidos e positivados na Constituição Federal, vedando o retrocesso do direito adquirido ao longo dos anos. Possuem caráter universal e atemporal, pois se enquadra a sociedade em todo.
Por conseguinte, no art. 5º, XXXII, da Constituição Federal (BRASIL, 1988) assegura que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e garantindo que o Estado promoverá, na forma da Lei, um regulamento para o direito de defesa do consumidor, já que possui um direito fundamental.
A defesa do consumidor faz parte dos direitos e garantias fundamentais regulamentadas pela Carta Magna, servindo de padrão para toda e qualquer criação de lei, não podendo ferir o que se encontra disposto em seu ordenamento jurídico. A Constituição Federal de 1988 faz necessária a promoção à defesa do consumidor, diante da vulnerabilidade deste perante aos fornecedores.
Nas relações de consumo, a vulnerabilidade é presumida, por haver uma desigualdade entre as partes, considerando o consumidor o lado mais fraco da relação, se tornando hipossuficiente, necessitando assim de uma guarita de direitos que compense essa desproporcionalidade fática. Neste sentido, se cria medidas de proteção jurídica, como a atribuição de responsabilidade objetiva ao fornecedor por danos ocasionados por seus produtos ao consumidor, e afins (PAULO; ALEXANDRINO, 2014).
Por sua vez, o artigo 170, V, da Constituição Federal (BRASIL, 1998) consagra a defesa do consumidor como um dos princípios gerais da atividade econômica, colocando-a no mesmo patamar da existência de uma vida digna.
Segundo Garcia (2016), a Constituição Federal, de forma inovadora, inseriu o consumidor como agente econômico e social, pois este se encontra no Capítulo de Ordem Econômica e Financeira, na qual possibilitou o Estado a intervir nas relações privadas entre fornecedores e consumidores. Assim, existe uma necessidade de proteger os consumidores do mercado econômico, garantindo o mínimo de segurança jurídica às suas relações econômicas.
A Carta Magna cuidou em respaldar no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), no seu artigo 48, para conferiu ao Congresso Nacional um prazo de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, para a elaboração do Código de Defesa dos Consumidores.
Embora já existisse o dispositivo mencionado acima, o legislador tardou durante dois anos para elaborar de fato o Código de Defesa dos Consumidores (Lei 8.078/1990), em 11 de setembro de 1990, dispondo sobre a proteção do consumidor e dá outras providências, com a criação de normas que regulam as relações entre consumidores e fornecedores.
Portanto, com a análise dos princípios e postulados constitucionais acima tratados, fica claro que a Constituição Federal de 1988 cita reiteradamente a proteção sobre os direitos dos consumidores, por serem partes vulneráveis na relação de mercado, obtendo assim, amparo jurídico nessas relações consumeristas, com o intuito de inibir a violação de direitos essenciais à existência humana digna.
2 RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE DEFESA DOS CONSUMIDORES
É mais comum do que se imagina as práticas delituosas causadas pelos fornecedores, que com o decorrer do tempo se tornam mais recorrentes e abusivas, não se responsabilizando pelos danos ocasionados aos consumidores, sendo necessária a interferência do Estado para reger essas relações de consumo de forma justa e lícita.
Mostra-se assim, necessário abordar sobre a Responsabilidade Civil no Código de Defesa dos Consumidores para analisar a responsabilização do fornecedor sobre a prestação do produto e serviço nas relações de consumo, com o intuito de tentar coibir essas ações reiteradas causadas no dia a dia do consumidor e para melhor entender quando ocorre o desvio produtivo.
2.1 Relação de consumo
O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 1990, cuidou em estabelecer o conceito do consumidor, fornecedor, produto e serviço nas relações de consumo.
Então, assevera o caput do artigo 2º do Código de Defesa dos Consumidores (BRASIL, 1990) que consumidor “é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, ou seja, se um consumidor obtém produtos ou serviços não para si, mas, para revenda este não se enquadra como destinatário final, assim como, a pessoa jurídica quando compra materiais para sua produção.
Observa-se que o papel do consumidor no ordenamento jurídico brasileiro está disposto de forma ampla e que gera discussão referente ao conceito do destinatário final, com isso, o Superior Tribunal de Justiça, há alguns anos, vem adotando a teoria finalista mitigada, considerando consumidor pessoa física ou jurídica, desde que comprovada sua hipossuficiência e vulnerabilidade na relação de consumo, mesmo que está não seja destinatário final do produto ou serviço. Nessa linha de raciocínio, entende-se também que será destinatário final aquele consumidor que adquire para si o produto ou serviço e não aquele que os utiliza com a pretensão de realizar outras atividades produtivas.
Conforme entendimento no julgado a seguir:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECURSO INTERPOSTO NA ÉGIDE NO NCPC. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AÇÃO PROPOSTA POR CONSUMIDOR CONTRA EMPRESA. TEORIA FINALISTA. MITIGAÇÃO. APLICABILIDADE DO CDC. POSSIBILIDADE. VULNERABILIDADE VERIFICADA. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. […]
Já o parágrafo único, do artigo 2º, da mesma lei, trata que “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Para o Nader “trata a hipótese da possibilidade de se reivindicar em nome de uma universalidade de pessoas, determinadas ou não, que tenha adquirido um produto defeituoso ou se utilizado de um serviço com vício” (2013, p. 472).
Ainda equiparam-se a consumidor, de acordo com os artigos 17 e 29 do Código de Defesa dos Consumidores (BRASIL, 1990), respectivamente, todas as pessoas que são vítimas de eventos danosos, e por fim, são considerados consumidores todas as pessoas determináveis ou não, que estejam expostas às práticas previstas, tutelando os direitos coletivos da sociedade consumerista.
O fornecedor encontra-se no outro polo da relação de consumo, sendo previsto no artigo 3º, do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990) que o descreve como:
“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.
Com base no entendimento de Gangliano e Rodolfo Filho (2018) o fornecedor se enquadrará como parte na posição ativa da relação de consumo, assim, exercerá sua função como prestador do bem ou do serviço a desejo do consumidor, que será seu destinatário final.
Fornecedor é todo aquele que oferece seu produto ou serviço aos consumidores, colocando-os no mercado para a comercialização, sendo responsáveis pelos possíveis danos que possam acarretar a essa classe, devendo respeitar o princípio da boa-fé, da publicidade, da vulnerabilidade do consumidor e afins.
Os produtos e serviços também são objetos nas relações de consumo, no que tange o parágrafo §1
º, do artigo 3º do Código de Defesa dos Consumidores (BRASIL, 1990) dispõe que o produto “qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial” e o parágrafo §2º que serviço “é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
Os conflitos existentes entre consumidor e fornecedor ocorrem por conta do produto e do serviço prestado, assim observa-se que o produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, como por exemplo, um carro ou um imóvel, sendo também material ou imaterial, e o serviço será qualquer atividade fornecida, onerosamente, com o intuito de troca, como por exemplo, a construção de uma casa.
2.2 Responsabilidade Civil: prevenção e reparação de dano ao consumidor
A responsabilidade civil se inicia com origem no latim spondeo, que significa garantir, comprometer-se, na qual se vinculava ao Direito Romano nas relações de contratos verbais. Mas, como toda e qualquer atividade, a mesma traz consigo a responsabilidade, precisando de regulamentação jurídica, para que haja um controle dos atos praticados por uma pessoa que viole ou cause danos ao direito de outrem.
Para o Gonçalves (2019, p. 20):
“A responsabilidade exprime ideia de restauração de equilíbrio, de contraprestação e de reparação de dano. Sendo múltiplas as atividades humanas, inúmeras são também as espécies de responsabilidade, que abrangem todos os ramos do direito e extravasam os limites da vida jurídica, para se ligar a todos os domínios da vida social. […] Coloca-se, assim, o responsável na situação quem, por ter violado determinada norma, vê-se exposto às consequências não desejadas decorrentes de sua conduta danosa, podendo ser compelido a restaurar o statu quo ante”.
Como se observa, a responsabilidade tem como objetivo a reparação através da coerção de danos ilícitos causados a um terceiro, com o intuito de reestabelecer o equilíbrio na sociedade, já que as normas devem ser cumpridas e obedecidas por todos e que sua infringência acarreta consequências no mundo civilizado e democrático. Bem como também, a prevenção, pois quando alguém é punido por um ato ilícito, os cidadãos tendem a prevenir suas condutas para não incidir na mesma situação.
Neste diapasão, se configura o ato ilícito quando ocorre um conflito com o ordenamento jurídico, o mesmo se idealiza atendendo os requisitos do artigo 186 do Código Civil (BRASIL, 2002) que dispõe sobre a responsabilidade subjetiva, assim “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Assim, “ocorre que não raro as pessoas agem contrariamente ao Direito, descumprindo seus deveres jurídicos originários e causando prejuízos a outrem, praticando, assim, ato ilícito (latu sensu)” (DESSAUNE, 2017, p. 100).
Com isso, a responsabilidade civil visa à reparação de danos causados a uma pessoa, pois quando um cidadão atua de forma positiva ou negativa gerando um ato ilícito por ação ou omissão, ligado ao nexo de causalidade e culpa contra um terceiro, estará sujeito a prestar esclarecimentos sobre tais atos, podendo ser condenado a pagar uma indenização cabível como forma de coerção a sua conduta.
No mesmo intuito preza o artigo 187 (BRASIL, 2002) que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”, ou seja, quem age com excesso no exercício do seu direito a ponto de causar dano para um terceiro, do mesmo modo, comete um ato ilícito, como por exemplo, a manifestação do seu direito individual não pode interferir no direito do outro de ir e vir em um ambiente público, salvo exceções.
Assim, se um cidadão inflige uma norma e comete um ato ilícito, causando dano à outra pessoa, essa conduta será passível de punição pelo Estado, necessitando do nexo de causalidade entre o causador do dano e a vítima e a sua responsabilização decorrente da culpa, com base no princípio unuscuique sua culpa nocet, ou seja, cada um responde por sua culpa.
Em seguida estabelece o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil (BRASIL, 2002) que:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
A responsabilidade objetiva foi uma inovação no Código Civil de 2002, passando a configurar apenas com a prática do ato ilícito e o nexo de causalidade, independente de culpa ou dolo do agente, sendo irrelevante juridicamente, em decorrência da atividade de risco desenvolvida pelo autor do dano, surgindo assim, o dever de indenizar.
Na mesma linha de raciocínio, o artigo 6º, I, do CDC preceitua que é direito básico do consumidor “a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos” e no inciso VI “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” (BRASIL, 1990).
Todo consumidor possui o direito a prevenção e a reparação de seus direitos materiais e morais violados nas relações de consumo, pois este não está obrigado a resolver conflitos causados pelos fornecedores, muito menos, se submeter a perca do seu tempo, do seu lazer, do seu trabalho, de sua vida no todo em decorrência da falta de assistência do produto ou serviço com defeito ou vício.
Vale ressaltar, que a prevenção e reparação dos danos correspondem também sobre os direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos. Então, a Lei visa a prevenir a partir da determinação da tutela do consumidor de agir em juízo contra os fornecedores caso venha a ocorrer algum dano ou para evitá-lo e a reparação efetiva quando de fato se configurar o dano concreto.
Assim, o Código de Defesa dos Consumidores adotou também a responsabilidade objetiva com base no que condiz a responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, assim como, no caso de responsabilidade por vício do produto e do serviço, precisando apenas do nexo de causalidade e do dano para configurar o fornecedor como responsável pelo prejuízo causado ao consumidor. Com exceção dos profissionais liberais que se submete a responsabilidade subjetiva, sendo necessária a configuração da culpa, de acordo com o artigo 14, §4º, da Lei 8.078/1990.
Frisa-se que o fornecedor também responderá independentemente de culpa quando causar danos por conta da má prestação de serviços ou quando não houver informações adequadas ou estas forem insuficientes para a utilização do consumidor, pois configurará violação a um dos direitos básicos dos consumidores, como preza o artigo 6º do Código de Defesa dos Consumidores.
Portanto, a partir do que foi exposto sobre a Responsabilidade Civil no Código de Defesa dos Consumidores fica claro a importância da prevenção e da reparação dos consumidores nos casos de violação aos seus direitos garantidos, assegurando sua proteção indispensável no mercado de consumo, bem como, sendo majoritário o entendimento de que o consumidor é parte vulnerável. Neste sentindo, para que haja a aplicabilidade atual da Teoria do Desvio Produtivo do consumidor nas relações de consumo será necessária à possibilidade da configuração da responsabilidade para embasamento da tese que será analisada a seguir.
3 DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR
Após a análise do sistema de responsabilidade próprio das relações de consumo, passa-se a debater acerca da responsabilização quando há o desvio produtivo, assim como a sua ocorrência.
Essa tese chama atenção por proteger o tempo perdido pelo consumidor ao tentar resolver conflitos ocasionados pelos fornecedores, quando estes não se interessam em resolver de forma rápida e justa o conflito, sempre tentando se aproveitar da parte mais vulnerável, na qual se encontra o consumidor.
Dessaune (2017, p. 25) conceitua que o desvio produtivo “é um evento danoso induzido pelos fornecedores que, de modo abusivo, se eximem da sua responsabilidade pelos problemas de consumo que criam no mercado”. Essa omissão acarreta dano ao consumidor, sendo totalmente passível de indenização.
Como dito, o desvio produtivo enseja indenização ao consumidor, e de certa forma, ajuda no enriquecimento ilícito e sem justificativa do fornecedor, pois quando este não procura resolver de forma espontânea o conflito causado por ele mesmo, na prestação do produto ou serviço, acaba transmitindo a sua responsabilidade para o consumidor, que em estado de carência e vulnerabilidade tentar solucionar o problema, ocorrendo assim, a perda do seu tempo vital e claramente mudando suas atividades corriqueiras (DESSAUNE, 2017).
É notório observar que nem todas as situações acarretam a perda do tempo existencial do consumidor, em decorrência da vida em sociedade ser corrida. Mas, devem-se elencar os casos que extrapolam o tempo de um cidadão a ponto de atrapalhar seus afazeres, desperdiçando o seu dia que seria produtivo, para resolver conflitos duradores causados pelos fornecedores.
Com a colocação dos produtos e serviços no mercado de má qualidade sem a devida solução do fornecedor, desencadeia a perca do tempo e uma série de sentimentos atordoadores nos consumidores, como a decepção, frustação, impotência, raiva, impunidade e afins, sendo submetido a circunstâncias de mau atendimento.
Quando ocorrem conflitos, os consumidores são direcionados ao Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC, embora o artigo 8º do Decreto 6.523/2008 estabeleça que o SAC deve-se pautar nos princípios da dignidade, boa-fé, transparência, eficiência, eficácia, celeridade e cordialidade, isso de fato não ocorre, pois na maioria das vezes o atendimento é de péssima qualidade, existindo uma demora no atendimento de forma significativa, não demonstrando nenhuma solução adequada para o problema.
Notam-se práticas corriqueiras em relação ao desvio do tempo produtivo do consumidor, o fato de ter quer enfrentar horas na fila de um banco, ao perder seu dia de trabalho em busca de assistência técnica, problemas em compras de sites da internet e etc. Pois, diversas das vezes o consumidor se programa para efetuar uma compra ou às vezes é instigado a comprar através de propaganda publicitária, e quando de fato ocorre aderência do produto ou serviço ocorre o vício ou defeito do mesmo, sem qualquer amparo do fornecedor.
Estabelece ainda, o artigo 39, IV do Código de Defesa dos Consumidores (BRASIL, 1990) que configura como umas das práticas abusivas cometidas pelos fornecedores, o fato de “prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”, desta maneira, ocorre à prática abusiva quando o fornecedor incide na fraqueza ou no dessaber do consumidor, se aproveitando da sua situação de vulnerabilidade, agindo de má-fé.
Para Dessaune (2017, p.162) essa tese tem como desenvolvimento a importância da “noção do tempo pessoal ou subjetivo como valor ou bem”, assim como, na atual sociedade capitalista o tempo se torna precioso, sendo também um bem importante para a vida de um ser humano, podendo equipará-lo ao direito à vida, pois um depende do outro.
Assim, o tempo se torna um recurso produtivo para realizar toda e qualquer atividade possível na vida de um cidadão, e a sua escassez incentiva às pessoas há sempre quererem mais tempo, visando uma qualidade melhor de vida, considerando o tempo como um bem primordial e mais valioso que uma pessoa pode ter na sua vida (DESSAUNE, 2017).
Assim, o tempo para Gagliano (2014, p. 2-3) o tempo se divide em dupla perspectiva: dinâmica e estática que se dá:
“Na perspectiva mais difundida, “dinâmica” (ou seja, em movimento), o tempo é um “fato jurídico em sentido estrito ordinário”, ou seja, um acontecimento natural, apto a deflagrar efeitos na órbita do Direito, como já tivemos, inclusive, a oportunidade de escrever: “Considera-se fato jurídico em sentido estrito todo acontecimento natural, determinante de efeitos na órbita jurídica. Mas nem todos os acontecimentos alheios à atuação humana merecem este qualificativo. Uma chuva em alto mar, por exemplo, é fato da natureza estranho para o Direito. Todavia, se a precipitação ocorre em zona urbana, causando graves prejuízos a uma determinada construção, objeto de um contrato de seguro, deixa de ser um simples fato natural, e passa a ser um fato jurídico, qualificado pelo Direito. […] Em perspectiva “estática”, o tempo é um valor, um relevante bem, passível de proteção jurídica”.
O tempo é capaz de criar, modificar e extinguir direitos no âmbito jurídico. Desse modo, ao decorrer da evolução da sociedade em meios tecnológicos estes buscam alternativas que visam diminuir o tempo gasto com tarefas e obrigações com o intuito de resguardar o seu valioso tempo para atividades de lazer, família, desejando apenas viver, aproveitar o seu tempo de vida.
O tempo também mostra-se relevante no âmbito da Constituição Federal, quando, por exemplo, assegura como direito fundamental, no seu artigo 5º, LXXVIII, a razoável duração do processo e sua celeridade processual, com o propósito de se conceder, no menor tempo possível, um provimento judicial justo e efetivo.
Assim, com o passar dos anos, o tempo vem ser tornando essencial para a existência, sendo um direito imensurável, já que este não retorna ao seu status quo ante, restando apenas ao consumidor usufruir o seu tempo vital e disponível e a sua violação deve ser sancionada de forma indenizatória para evitar danos irreparáveis.
É nítido que as regras que norteiam o consumidor asseguram o atendimento rápido, eficaz e célere, o que resulta por resguardar o princípio da dignidade da pessoa humana, reconhecendo o valor jurídico do tempo e a proteção ao recurso produtivo de um cidadão. Assim, para que configure a Responsabilidade Civil da perda do tempo livre, deve-se observar o dever jurídico originário, sendo obrigação do fornecedor de evitar a perda do tempo do consumidor e a comprovação desse dano enseja a sua responsabilidade (MANCINI, 2015).
O desvio produtivo ocorre na perca do tempo útil do consumidor ao tentar solucionar os conflitos causados pela má prestação do produto ou serviço oferecido pelos fornecedores. Neste caso, não há de se falar em mero dissabor ou aborrecimento, mas sim, de um direito violado por práticas reincidentes.
Conforme lecciona Texeira e Augusto (2016, p. 197-198) que:
“No entanto, felizmente, parte da jurisprudência vem contribuindo paulatinamente para alterar este cenário de desídia relativamente ao tempo, não mais considerado como mero aborrecimento a perda do tempo vivenciada pelo consumidor nas relações de consumo. Ao adotarem a Teoria da Responsabilidade Civil pela Perda do Tempo útil, os Tribunais, reconhecendo a merecida importância do tempo na vida da pessoa consumidora, passaram a admitir a responsabilização dos fornecedores pela perda do tempo útil do consumidor, condenando-os ao pagamento de indenizações por dano moral”.
Nessa linha de raciocínio, foi instaurado no TJ/RJ um Processo Administrativo nº 0056716-18.2018.8.19.0000, tendo como relator o Desembargador Mauro Pereira Martins, a requerimento do Centro de Estudos e Debates do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (CEDES), mediante provocação da OAB/RJ, cujo propósito seria o pedido de cancelamento da Súmula nº 75 do TJ/RJ, a qual previa que “o simples descumprimento de dever legal ou contratual, por caracterizar mero aborrecimento, em princípio, não configura dano moral, salvo se da infração advém circunstancia que atenta contra a dignidade da parte.”
Tal Processo Administrativo teve a seguinte decisão:
“PROCESSO ADMINISTRATIVO INSTAURADO A REQUERIMENTO DO CENTRO DE ESTUDOS E DEBATES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – CEDES, MEDIANTE PROVOCAÇÃO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO (OAB/RJ). PROPOSIÇÃO DE CANCELAMENTO DO VERBETE SUMULAR Nº 75, DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA, TENDO EM VISTA A EXISTÊNCIA DE JULGADOS DESTA CORTE, E TAMBÉM DO STJ, NO SENTIDO DE QUE O INADIMPLEMENTO CONTRATUAL É, SIM, CAPAZ DE GERAR DANO MORAL, DESDE QUE HAJA LESÃO A ALGUM DOS DIREITOS INERENTES À PERSONALIDADE, ADOTANDO-SE A TEORIA OBJETIVA, EM DETRIMENTO DA TEORIA SUBJETIVA A QUE ALUDE O ENUNCIADO DE SÚMULA, QUANDO FAZ REFERÊNCIA AO MERO ABORRECIMENTO, EXPRESSÃO DEMASIADAMENTE AMPLA E CAPAZ DE GERAR AS MAIS DIVERSAS E VARIADAS INTERPRETACÕES, POR PARTE DE CADA MAGISTRADO, DIANTE DE CASOS CONCRETOS FUNDADOS EM UM MESMO FATO DANOSO, COM VIOLAÇÃO, ASSIM, DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA SEGURANÇA JURÍDICA. JULGADOS DESTA CORTE DE JUSTIÇA QUE, DESDE OS IDOS DE 2009, TRAZEM DENTRE OS DIREITOS DA PERSONALIDADE O TEMPO DO CONTRATANTE, QUE NÃO PODE SER DESPERDIÇADO INULTILMENTE, TOMANDO POR BASE A MODERNA TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. […] ACOLHIMENTO DA PROPOSTA DE CANCELAMENTO DO ENUNCIADO Nº 75, DA SÚMULA DE JURISPRUDÊNCIA PREDOMINANTE DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA”. (grifo nosso).
Com isso, a referida Súmula nº 75 do TJ/RJ foi revogada com a justificativa da adoção da teoria do desvio produtivo do consumidor nas decisões judiciais precedentes do STJ e da própria Corte em questão, ao conceder o dano moral em casos que o consumidor possui seus direitos e garantias fundamentais violados pelos fornecedores, transmitindo suas responsabilidades à parte vulnerável da relação de consumo, não existindo o porquê de o consumidor perder seu tempo – já escasso – para resolver conflitos que não lhe compete. Da mesma forma, que a utilização do “mero aborrecimento” ou “mero dissabor” acarretava o enriquecimento ilícito dos fornecedores, bem como, servia como incentivo para a continuação dessas práticas reiteradas.
Para compreender melhor a tese do desvio produtivo do consumidor, faz-se necessário analisar alguns julgados relacionados ao tema em questão.
3.1 Entendimentos jurisprudenciais
O primeiro julgado a ser analisado acerca da aplicação do desvio produtivo do consumidor teve origem na 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no julgamento do Recurso de Apelação, nº do processo: 0023939-48.2018.8.19.0042, cujo relator fora o Desembargador José Carlos Paes, que decidiu o seguinte:
“APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. TELEFONIA MOVÉL. COBRANÇA INDEVIDA. DANO MORAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. SUCUMBÊNCIA.
Neste presente caso, com julgamento no dia 31 de julho de 2019, a Empresa Tim Celular S/A foi condenada no pagamento de indenização por dano moral, no valor de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), pela demora na resolução do problema da apelante que comprovou a perca do seu tempo existencial através da demonstração da quantidade de protocolos de atendimentos, anexados na exordial, assim, com evidência do fornecedor na prática do ato ilícito, o mesmo responde de forma objetiva, independentemente de culpa, sendo suficiente para sua configuração o nexo causal e o dano provocado a outrem, conforme dispõe o Código de Defesa dos Consumidores.
Similarmente, Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que:
“APELAÇÃO – COBRANÇA INDEVIDA – CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA – DANO MORAL – DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. 1 – Fornecimento de energia elétrica – cobrança abusiva – Valores cobrados superiores à média de consumo. Reconhecimento do erro por parte da fornecedora após, a propositura da ação.
2 – Dano moral configurado – Valor da indenização arbitrado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigido do arbitramento pela Tabela do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação. RECURSO PROVIDO”.
(TJ-SP – AC: 10180043420188260068 SP 1018004-34.2018.8.26.0068, Relator: Maria Lúcia Pizzotti, Data de Julgamento: 02/10/2019, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/10/2019) (Grifo nosso).
No julgado citado acima, a Requerente estava sendo cobrada por uma fatura de energia elétrica em um valor superior ao seu consumo de fato. Ao entrar em contato com a Requerida, a mesma informou que os valores estavam corretos e o não pagamento ensejaria o corte de energia. Em virtude disto, a Requerente impetrou a presente Ação, para reverter o ato ilícito causado a ela, sendo reconhecido o desvio do seu tempo útil ao tentar solucionar problemas ocasionados pelo fornecedor, contraindo despesas que não lhe são devidas, causados pelo descaso e ineficiência da parte ré.
O Superior Tribunal de Justiça também vem adotando a teoria do desvio produtivo do consumidor, inclusive coletivo, conforme o julgado citado a seguir:
“RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. TEMPO DE ATENDIMENTO PRESENCIAL EM AGÊNCIAS BANCÁRIAS. DEVER DE QUALIDADE, SEGURANÇA, DURABILIDADE E DESEMPENHO. ART. 4º, II, “D”, DO CDC. FUNÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE PRODUTIVA. MÁXIMO APROVEITAMENTO DOS RECURSOS PRODUTIVOS. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. DANO MORAL COLETIVO. OFENSA INJUSTA E INTOLERÁVEL. VALORES ESSENCIAIS DA SOCIEDADE. FUNÇÕES. PUNITIVA, REPRESSIVA E REDISTRIBUTIVA. […] 7. O dever de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho que é atribuído aos fornecedores de produtos e serviços pelo art. 4º, II, d, do CDC, tem um conteúdo coletivo implícito, uma função social, relacionada à otimização e ao máximo aproveitamento dos recursos produtivos disponíveis na sociedade, entre eles, o tempo.
O referido caso trata-se da interposição de Recurso Especial ao STJ, que atuou como Recorrente a Defensoria Pública do Estado de Sergipe contra o Banco do Estado de Sergipe S/A pleiteando a condenação do recorrido em dano coletivo por infringência às normas municipais e federais que estabelecem como deve ocorrer a adequada prestação do serviço de atendimento presencial nas agências bancárias, bem como, o tempo de espera em um fila, assento que ajudassem as pessoas com problemas de locomoção.
Logo, a Recorrente utilizou como tese para seus argumentos a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, já que essas pessoas sofreram um dano coletivo ao ter o seu tempo subtraído de forma abusiva e injusta, de forma a prejudicar sua qualidade de vida por culpa do fornecedor, ora recorrido, pois este se eximiu da sua obrigação perante a lei, submetendo o consumidor (vulnerável e carente) a tal ato ilícito. Assim, o STJ entendeu que deve ocorrer a proteção ao tempo e ao seu máximo aproveitamento nos direitos coletivos quando foram violados, sendo passível de responsabilização civil pela perda do tempo.
Por fim, com base em todo o exposto acima, em especial as doutrinas e julgados coletados, é possível observar a aderência da Teoria do desvio produtivo do consumidor com mais frequência, por se perceber uma realidade marcada pelo descaso, mau atendimento e desconsideração pelas normas consumeristas por parte dos fornecedores. Assim, tal situação gera, indubitavelmente, dano moral ao consumidor pela perda do seu tempo útil, produtivo e existencial.
CONCLUSÃO
A partir de tudo o que foi debatido e analisado, observa-se a notória importância do tempo no século XXI em meio a uma sociedade capitalista, que, exatamente por ser corrido e indisponível na sua totalidade, preza pelo seu tempo livre. Dessa forma, a adequação da teoria do desvio produtivo gera uma proteção aos consumidores e de certa forma previne e repreende os abusos cometidos pelas grandes empresas, que violam reiteradamente os direitos dos consumidores por vício ou defeito no produto ou serviço prestado.
Os recentes julgados levam em consideração todo o transtorno sofrido pelo destinatário final, se demonstrando nítidas as práticas delituosas causadas pelos fornecedores, que, com o decorrer do tempo, se tornam mais recorrentes e abusivas, sendo os consumidores afetados no seu tempo produtivo, como por exemplo, o atendimento nos SAC’s. Dessa forma, se torna passível a condenação através da indenização por dano moral, a fim de tentar ressarcir o tempo perdido do consumidor.
Percebe-se que a tutela constitucional do consumidor estabelece como garantia e direito fundamental a criação da defesa do consumidor com o intuito de resguardar a parte vulnerável na relação de consumo, sendo utilizada como princípio norteador a dignidade da pessoa humana que assegura o mínimo existencial de uma pessoa, por se tratar de princípio fundamental na Carta Magna.
Neste passo, a responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor estabelece as formas de prevenção e reparação em casos de danos causados aos consumidores, por ser este hipossuficiente e vulnerável. Com a ocorrência do nexo de causalidade e do dano aplica-se, quando houver desvio do tempo produtivo, a responsabilidade objetiva, independentemente se o fornecedor incidiu em culpa ou não.
Portanto, resta demonstrado a aplicabilidade prática da teoria do desvio produtivo do consumidor quando houver a perda do tempo produtivo do consumidor, por causar-lhe um dano moral irreparável e não retroativo, agindo como uma forma de prevenir e de repreender esses atos lesivos, por ferirem, frontalmente os direitos dos consumidores.
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[1] Graduanda do curso de bacharelado em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. E-mail: samia.gaby.sg@gmail.com
[2] Advogada e Professora do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho. Mestre em Direito pela PUCRS. Especialista em Direito Público com habilitação em Docência do Ensino Superior pela FAETE. E-mail: rochelefirmeza@hotmail.com
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