Resumo: Existe grande controvérsia quanto à aplicabilidade da prescrição intercorrente à execução trabalhista, sob os enfoques da Súmula n.º 327 do Supremo Tribunal Federal (que entende ser aplicável o instituto) e da Súmula n.º 114 do Tribunal Superior do Trabalho (que exprime exatamente o contrário). Parte da doutrina e da jurisprudência entende, ainda, que a prescrição intercorrente pode ser aplicada sob determinadas condições. O objetivo deste ensaio é verificar qual desses posicionamentos é o mais razoável. Para tanto, conceitua-se prescrição e prescrição intercorrente, analisam-se vários posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema, para ao final chegar-se à conclusão almejada.[1]
Palavras-chave: Execução trabalhista. Prescrição intercorrente. Aplicabilidade.
Sumário: Introdução; 1. Prescrição; 2. Prescrição Intercorrente; 3. Aplicabilidade da Prescrição Intercorrente à Execução Trabalhista; 4. Legislação e Jurisprudência; 4.1. Súmula n.º 327 do Supremo Tribunal Federal; 4.2. Súmula n.º 114 do Tribunal Superior do Trabalho; 5. Posicionamentos Doutrinários sobre o Tema; 6. Conclusão; 7. Referências das Fontes Citadas.
Introdução
O presente trabalho tem como objeto a prescrição intercorrente e sua aplicabilidade à execução trabalhista.
O seu objetivo é a verificação dos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, favoráveis ou contrários à aplicabilidade da prescrição intercorrente à execução trabalhista, para ao final chegar a conclusão pessoal acerca do problema apresentado.
Para tanto, principia–se tratando dos conceitos de prescrição e de prescrição intercorrente.
Passa-se a analisar a controvérsia existente na doutrina e na jurisprudência quanto à aplicabilidade da prescrição intercorrente à execução trabalhista, sob os enfoques das Súmulas n.º 327 do Supremo Tribunal Federal e n.º 114 do Tribunal Superior do Trabalho.
Nesse compasso, discorre-se sobre diversos posicionamentos de doutrinadores e juízes, tanto os favoráveis quanto os contrários à referida aplicabilidade.
O presente estudo se encerra com a apresentação de pontos conclusivos destacados, seguidos das reflexões sobre o assunto ora tratado.
Para o presente trabalho foram levantadas as seguintes hipóteses:
– É aplicável, em qualquer hipótese, a prescrição intercorrente à execução trabalhista, estando correto o entendimento jurisprudencial consagrado na Súmula n.º 327 do Supremo Tribunal Federal;
– É inaplicável, em qualquer hipótese, a prescrição intercorrente à execução trabalhista, estando correto o entendimento jurisprudencial consubstanciado na Súmula n.º 114 do Tribunal Superior do Trabalho;
– É parcialmente aplicável a prescrição intercorrente à execução trabalhista, estando correto o entendimento manifestado por parte da doutrina e da jurisprudência.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e os resultados expressos no presente trabalho foram compostos na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.
1. PRESCRIÇÃO
Para o consagrado autor Maurício Godinho Delgado, desembargador mineiro recentemente alçado ao Tribunal Superior do Trabalho, o instituto da prescrição é uma figura jurídica que tem como característica “consubstanciar meios de produção de efeitos nas relações jurídicas materiais em decorrência do decurso do tempo”, subdividindo-se em aquisitiva e extintiva.[2]
Correia de Melo, em linguagem concisa e direta, define prescrição como sendo
“A perda do direito de ação ocasionada pelo transcurso do tempo, em razão de seu titular não o ter exercido. É a extinção de uma ação ajuizável (ou […] ajuizada). Contrariamente à decadência, a prescrição resulta na perda do próprio direito e não apenas da faculdade de propor a ação”.[3]
Para este breve estudo interessa apenas a prescrição extintiva, pois é a que afeta as relações trabalhistas. A prescrição aquisitiva é típica do Direito Civil e imprópria ao Direito do Trabalho, pois se destina à “aquisição de propriedade mobiliária ou imobiliária em decorrência de seu prolongado uso pacífico”.[4]
Segundo Delgado,
“A prescrição extintiva constrói-se sob a ótica do titular do direito atingido. Conceitua-se, pois, como a perda da ação (no sentido material) de um direito em virtude do esgotamento do prazo para seu exercício. Ou: a perda da exigibilidade judicial de um direito em conseqüência de não ter sido exigido pelo credor ao devedor durante certo lapso de tempo. Caso, entretanto, se preferisse examinar a figura sob a ótica do devedor (…), a prescrição extintiva poderia ser conceituada como o meio pelo qual o devedor se exime de cumprir uma obrigação em decorrência do decurso do tempo”.[5]
Eduardo Gabriel Saad refere-se aos romanos e até a Platão como responsáveis pelo surgimento do instituto da prescrição:
“(…) a prescrição é instituto indispensável à estabilidade dos direitos. De fato, inexistindo esse instituto, a insegurança se alastra por toda a sociedade, onde, por exemplo, os devedores seriam obrigados a conservar, indefinidamente, os comprovantes do resgate da dívida. Remontando às velhas fontes do Direito Romano, constatamos que a “præscriptio” surgiu no período formulário (de 150 a.C. a 200 d.C.), como parte introdutória da fórmula em que o pretor ordenava ao juiz a “absolvição do réu, se extinto estivesse o prazo de duração da ação” (…). É certo, porém, que Platão (in Livro XII, das Leis), quatro séculos antes de Cristo, já falava da extinção das obrigações por decurso de tempo. Todavia, não se sabe se ele fazia uma proposta para uma cidade ideal ou se aludia a algo preexistente (…)”[6]
Manoel Antonio Teixeira Filho enumera os pressupostos necessários para que se configure a prescrição extintiva: (a) a prefixação, por lei, de prazo para o exercício do direito de ação; (b) o decurso desse prazo; e (c) a inércia do titular do direito.[7]
Paulo Leonardo Vilela Cardoso reconhece o interesse jurídico-social como principal fundamento da prescrição, considerando que tal instituto é medida de ordem pública cujo objetivo é que a instabilidade do Direito não se perpetue, com sacrifício da harmonia social.[8]
2. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE
Na definição de Maurício Godinho Delgado,
“Intercorrente é a prescrição que flui durante o desenrolar do processo. Proposta a ação, interrompe-se o prazo prescritivo; logo a seguir, ele volta a correr, de seu início, podendo consumar-se até mesmo antes que o processo termine. O critério intercorrente tem sido muito importante no cotidiano do Direito Penal, por exemplo.” [9]
Arnor Serafim Junior, em sua recente obra A Prescrição na Execução Trabalhista, define a prescrição intercorrente como
“(…) aquele tipo de prescrição que se caracteriza, grosso modo, pela fluência do prazo respectivo durante o curso da relação processual, e que possui estribo legal no parágrafo único do art. 202 do Código Civil, segundo o qual, “A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper”. Por esse dispositivo a prescrição, interrompida com a propositura da ação, recomeça a correr, acaso se verifique a inércia do autor em promover providências processuais que lhe competem.”[10]
Manoel Antônio Teixeira Filho traz definição mais sucinta: “Prescrição intercorrente é a que ocorre no curso da ação; forma-se, portanto, de permeio”.[11]
No mesmo caminho é a definição de Correia de Melo:
“A prescrição intercorrente é espécie prescricional que tem o dies a quo de sua contagem após a citação, sendo ocasionada pela paralisação do processo. Na prescrição intercorrente, o curso do prazo prescricional, antes interrompido pelo ajuizamento da ação trabalhista, recomeça por inteiro, ou seja, o decurso de parte do prazo prescricional anterior não deve ser considerado. Outrossim, o novo curso deverá ter o mesmo prazo que o anterior, interrompido.”[12]
O fundamento lógico que legitima a prescrição intercorrente é trazido por Campos Batalha e Rodrigues Netto:
Prevaleceu, pois, o entendimento segundo o qual, no curso do processo, a prescrição sofre sucessivas interrupções, à medida que se sucedem os atos processuais. Sempre que um ato deixa de ser o último do processo, porque outro lhe sucede, reinicia-se o curso da prescrição, apagando-se o tempo transcorrido.”[13]
3. APLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE À EXECUÇÃO TRABALHISTA
Como se pretende demonstrar, é extremamente controversa a aplicabilidade da prescrição intercorrente à execução trabalhista. Teixeira Filho sintetiza da seguinte forma os argumentos de ambos os lados:
“Durante longo período se discutiu, na doutrina e na jurisprudência, sobre a admissibilidade, ou não, dessa espécie de prescrição no processo do trabalho. Sustentava-se, de um ponto, que, acarretando a prescrição a perda do direito de ação, não se poderia aceitar que viesse a consumar-se após o ajuizamento desta; a este argumento se acrescentava o de que, no processo trabalhista, o juiz pode tomar a iniciativa de praticar os atos do procedimento (CLT, art. 765), máxime na execução (CLT, art. 878, caput), não sendo possível pensar-se, aqui, pois, em prescrição intercorrente. De outro, porém, se afirmava que o art. 8° da CLT autoriza a aplicação supletória de normas do direito civil – atendidos os pressupostos de omissão e de compatibilidade –, motivo por que seria perfeitamente possível a adoção do art. 202, parágrafo único do CC, a teor do qual a prescrição recomeça a fluir a contar do ato que a interrompera.”[14]
Demonstraram sua força ambas as correntes, tanto a que advoga a aplicabilidade da prescrição intercorrente à execução trabalhista, quanto a que se lhe opõe. Isso originou a edição de Súmulas conflitantes em Tribunais diversos: a Súmula n.º 327 do Supremo Tribunal Federal e a Súmula (ex-Enunciado) n.º 114 do Tribunal Superior do Trabalho, as quais serão pormenorizadas a seguir.
4. LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA
4.1. SÚMULA N.º 327 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Em sua sessão plenária de 13-12-1963, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou a Súmula n° 327, com o seguinte teor: “O direito trabalhista admite a prescrição intercorrente”.[15]
Como precedentes jurisprudenciais que justificassem a edição dessa Súmula, o STF indicou os seguintes julgados: AI 14744 (publicação: DJ de 14/6/1951); RE 22632 embargos (DJ de 8/11/1956); RE 30390 (DJ de 27/10/1965); RE 30990 (DJ de 5/7/1958); RE 32697 (DJ de 23/7/1959 e RTJ 10/94); RE 50177 (DJ de 20/8/1962); RE 52902 (DJ de 19/7/1963 e RTJ 29/329); e RE 53881 (DJ de 17/10/1963 e RTJ 30/32).[16]
Desse primeiro julgado – que também é o mais antigo deles –, Agravo de Instrumento datado de 1951, da lavra do Exm.° Ministro Luiz Gallotti, extrai-se a seguinte Ementa:
“Em matéria de prescrição, não há distinguir-se entre ação e execução, pois esta é uma fase daquela. Ficando o feito sem andamento pelo prazo prescricional, seja na ação, seja na execução, a prescrição se tem como consumada. Não exclui a aplicação desse princípio no pretório trabalhista o fato de se facultar ali a execução ex-officio pelo Juiz. Excluiria, se o procedimento ex-officio, ao invés de uma faculdade, fosse um dever do Juiz. (…).”[17]
E o último julgado acima mencionado, o mais recente deles e também o mais próximo da edição da Súmula n.º 327, Recurso Extraordinário de 1963 da Relatoria do Exm.° Ministro Ribeiro da Costa, possui a seguinte Ementa:
“A prescrição da ação é a mesma da execução começando a correr da data em que deveria tomar a iniciativa do ato. Art. 11 consolidado. Recurso Extraordinário improvido”.[18]
A Súmula n.º 327 aponta, como referências legislativas, os seguintes dispositivos da CLT:
“Art. 11. Não havendo disposição especial em contrário nesta Consolidação, prescreve em dois anos o direito de pleitear a reparação de qualquer ato infringente de dispositivo nela contido.
Art. 765. Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.
Art. 791. Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final.
§ 1º. Nos dissídios individuais os empregados e emprega-dores poderão fazer-se representar por intermédio do sindicato, advogado, solicitador, ou provisionado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.
§ 2º. Nos dissídios coletivos é facultada aos interessados a assistência por advogado.”[19]
O art. 11 da CLT teve sua redação alterada em 1998 para admitir a prescrição qüinqüenal, que já havia sido garantida pela Constituição Federal desde 1988 para o trabalhador urbano e que seria admitida também para o trabalhador rural em 2000.
Além desses, outro dispositivo consolidado muito invocado pelos defensores da aplicabilidade da prescrição intercorrente ao Direito do Trabalho é o art. 884, § 1º, da CLT, pois a prescrição nele mencionada só pode se tratar da intercorrente, já que os demais tipos de prescrição já se encontram preclusos na fase de execução:
“Art. 884. Garantida a execução ou penhorados os bens, terá o executado 5 (cinco) dias para apresentar embargos, cabendo igual prazo ao exeqüente para impugnação.
“ § 1º. A matéria de defesa será restrita às alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da dívida. (grifou-se).”[20]
Paradoxalmente, após a edição da Súmula n.º 327 o Supremo Tribunal Federal praticamente não mais tratou do assunto. Há apenas mais algumas Ementas tratando sobre o tema, uma delas proveniente do julgamento do RE 55374 pela 2ª Turma em 1965, cujo Relator foi o Exm.° Ministro Hermes Lima (publicado no DJ 08-09-1965):
“Prescrição da execução de juros moratórios pelo decurso do biênio previsto no art. 11 da Consolidação das Leis do Trabalho. Recurso não conhecido, na conformidade da Súmula n° 150 que diz: Prescreve a execução no mesmo prazo de execução de prescrição da ação. E Súmula nº 327: o direito trabalhista admite a prescrição intercorrente.”[21]
4.2. SÚMULA N° 114 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
Em 1969, o Tribunal Superior do Trabalho passa a emitir Enunciados de Jurisprudência Uniforme. Porém, somente em 1980 surgiria o Enunciado n.º 114, com o seguinte teor, diametralmente oposto ao da Súmula n.º 327 do STF: “É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente”.[22]
Arnor Serafim Junior comenta a cizânia sumular:
“Com efeito, a Súmula n. 327 do Supremo Tribunal Federal (…) está em vigor e, em princípio, como se afigura claro, deveria nortear a interpretação da matéria pelos demais tribunais e instâncias inferiores. Tal, no entanto, não é o que ocorre. Aliás, muito ao contrário, já que o próprio Tribunal Superior do Trabalho – TST (…) adota entendimento exatamente oposto (…). A inconveniência desse conflito de súmulas de jurisprudência salta aos olhos”.[23]
Ainda segundo Serafim Junior, a Súmula n.º 327 do STF surgiu em 1963, época em que a Excelsa Corte possuía ampla competência para apreciação de recursos extraordinários em ações trabalhistas, pois tal apelo era cabível quando a decisão recorrida fosse contrária à Constituição Federal ou a lei federal, conforme art. 101, III, da Constituição Federal de 1946.[24] Com o surgimento do art. 143 da Emenda Constitucional n.º 1/1969,[25] a situação se inverteu, pois não cabia mais recurso extraordinário por contrariedade a lei federal. Dessa forma, “a doutrina passou a propugnar que as súmulas de jurisprudência do STF em matéria trabalhista perderam muito de sua importância”.[26]
Desde antes do surgimento do Enunciado n.º 114, centenas de julgados do TST trataram e ainda tratam sobre a aplicabilidade da prescrição intercorrente ao direito do trabalho. Apresentam-se, abaixo, duas dessas Ementas, por serem bastante recentes e próprias ao breve estudo ora proposto:
“(…) PRESCRIÇÃO TOTAL. PROCESSO DE EXECUÇÃO. VIOLAÇÃO LEGAL. NÃO-CONFIGURAÇÃO. I – É sabido que a prescrição intercorrente pressupõe a deflagração do processo de execução, a qual não é admitida no Processo do Trabalho, nos termos da Súmula nº 114 do TST, ao passo que a superveniente ou total ocorre na hipótese de inércia do credor pelo prazo de dois anos para iniciar a ação executiva, contados do dia em que teve ciência do trânsito em julgado da sentença de cognição. III – Com essa singularidade, de tratar-se de prescrição total, e não intercorrente, não há falar em observância do citado verbete sumular, nem se divisa a propalada violação direta e literal aos arts. 765 e 878 da CLT. Primeiro, porque os aludidos dispositivos não tratam de prescrição. Segundo, porque há controvérsia, tanto na jurisprudência quanto na doutrina, sobre ser o impulso oficial um dever ou uma faculdade do juiz, quando o exeqüente está assistido por advogado regularmente constituído, como no caso dos autos. IV – Dessa forma, não existindo orientação jurisprudencial ou súmula pacificando o posicionamento de ser faculdade ou dever do juiz impulsionar o processo de execução, o apelo encontra óbice no item I da Súmula nº 83 do TST. (…) III – Recurso a que se nega provimento.” (ROAR – 692/2004-000-05-00 – Rel. Exm.º Min. Barros Levenhagen – Publ. DJ – 19/10/2007).
“RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INAPLICABILIDADE NA JUSTIÇA DO TRABALHO. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. COISA JULGADA. OFENSA. Nos termos preconizados na Súmula nº 114 do TST, é inaplicável, na Justiça do Trabalho, a prescrição da execução, no caso, intercorrente. Esta Corte vem proferindo decisões no sentido de haver ofensa à coisa julgada a aplicação da prescrição intercorrente na execução, impossibilitando o cumprimento da sentença exeqüenda e a efetividade da coisa julgada, com a entrega definitiva da prestação jurisdicional. Recurso de revista conhecido e provido para afastar a prescrição da execução e determinar o retorno dos autos ao tribunal de origem, para que prossiga no exame das demais matérias constantes do agravo de petição da executada.” (RR – 2425/1995-067-15-00, Rel. Exm.ª Min. Dora Maria da Costa, publ. DJ 05/10/2007).
E do corpo deste Acórdão extraem-se as seguintes passagens, de grande utilidade para o presente estudo:
“O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região deu provimento ao agravo de petição interposto pela empresa executada para declarar a prescrição da execução trabalhista. Para assim proceder, adotou o seguinte fundamento:
Versa a questão trazida à revisão acerca da prescrição intercorrente não decretada pelo MM. Juízo a quo, contra o quê revolta-se a agravante, asseverando ter o feito permanecido inerte por quase sete anos. De fato, o último ato que deveria ter sido praticado pelo autor teve como prazo final a data de 01 de dezembro de 1997, sendo certo que, após tal data, só houve novo impulso pela autora aos 28 de julho de 2004, quando juntou procuração e, ato contínuo, requereu a feitura de penhora on line. É salutar ressaltar, em primeiro lugar, que o instituto da prescrição visa a estabilidade social, uma vez que seria extremamente nefasto ter o devedor que aguardar indefinidamente, a prova do pagamento ou da inexistência da dívida, sem saber quando poderia o credor tentar fazer valer seu direito. No entanto, entendo que na aplicação da prescrição intercorrente no Processo do Trabalho algumas cautelas devem ser guardadas, a fim de se garantir os princípios peculiares norteadores do mesmo. Antes de mais nada, deixo claro que é o próprio artigo 884 § 1º da CLT o sustentáculo para encerrar o dilema acerca da aplicação da prescrição intercorrente nesta Justiça Especializada, ao dispor, expressamente, que o executado poderá alegar, como matéria de defesa, em sede de embargos à execução, a prescrição da dívida.
Superado o primeiro momento de reflexão, conforme acima exposto, deparo-me com os diversos posicionamentos acerca da delimitação das hipóteses nas quais, na execução trabalhista, pode ser aplicada a referida prescrição, sem que se venha a macular o princípio do impulso oficial insculpido no artigo 765 da CLT. Neste ponto, filio-me ao entendimento esposado pela Professora Alice Monteiro de Barros em sua obra Aspectos Jurisprudenciais da Prescrição in Curso de Direito do Trabalho que diz: “a prescrição intercorrente se verifica durante a tramitação no feito na Justiça, paralisado por negligência do autor na prática de atos de sua responsabilidade”.
Da análise dos autos, a partir do auto negativo de praça e leilão (fl. 339) decorreram quase sete anos para que a reclamante formulasse a sua pretensão de executar e ver saldado o débito ao qual a empresa estava condenada. In casu, entendo patente que operou-se a figura da prescrição intercorrente.
Convém colacionar as lições de Valentin Carrion, a seguir:
“Paralisada a ação no processo de cognição ou no da execução por culpa do autor, por mais de dois anos, opera-se a chamada prescrição intercorrente; mesmo que caiba ao juiz velar pelo andamento do processo (CLT, art. 765), a parte não perde, por isso, a iniciativa; sugerir que o juiz prossiga à revelia do autor, quando este não cumpre os atos que lhe forem determinados, é como o remédio que mata o enfermo. Pretender a inexistência da prescrição intercorrente é o mesmo que criar a lide perpétua (Russomano, Comentários à CLT), o que não se coaduna com o Direito Brasileiro. Entretanto, a prescrição intercorrente trabalhista, reconhecida pelo STF (Súmula 327), é contestada por grande parte da doutrina (Süssekind, Comentários; Amaro, Tutela, v. 1) e por Súmula do TST (114), apesar de haver lei expressa que a prevê (CLT, art. 884, 1º). Não sendo encontrados o executado ou bens para penhora, suspende-se a execução sem que a prescrição corra (L. fiscal 6.830/80, art. 40, em apêndice, aplicável à execução trabalhista), mesmo que os autos tenham sido arquivados. Entretanto, se a suspensão não ocorreu por ausência de bens para penhora, mas por descuido, opera-se a prescrição”. (in Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 27ª edição, 2002, Ed. Saraiva, p. 78).
(…) Aceito, pois, o pedido de reforma, para declarar extinta a obrigação, pela ocorrência de prescrição, nos moldes do art. 794 do CPC (fls. 469/471).
A exeqüente interpõe recurso de revista asseverando, em síntese, a inaplicabilidade do instituto da prescrição intercorrente ao Processo do Trabalho. Indica violação dos artigos 5º, XXXVI, e 7º, XXIX, da Constituição de 1988. Requer a aplicabilidade do teor da Súmula nº 114 deste Tribunal e colaciona arestos ditos divergentes.
Inicialmente, em se tratando de recurso de revista interposto em processo de execução, a regra é o seu não-cabimento, salvo na hipótese de ofensa literal e direta à norma da Constituição Federal (CLT, art. 896, § 2º, e Súmula nº 266/TST). Assim, afasta-se a análise da divergência jurisprudencial. É consabido que a imutabilidade da coisa julgada material é protegida pelo disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição de 1988. No caso dos autos, uma vez proferida a decisão de mérito, transitada em julgado, perfeita torna-se a coisa julgada material, gozando o comando sentencial de plena eficácia, visto que inalterável pela via recursal, que já se encontra esgotada. A decisão regional, ao aplicar a prescrição da execução, retirou a eficácia da decisão transitada em julgado e, portanto, violou de forma direta o instituto da coisa julgada, insculpido no artigo 5º, XXXVI, da Carta Magna. Com efeito, não há, na Justiça do Trabalho, a prescrição intercorrente, uma vez que, nos termos do artigo 878, da CLT, os procedimentos poderão ser de ofício, independentemente, do impulso das partes. (…) Ademais, extrai-se, do acórdão regional, que a execução ficou suspensa a partir do auto negativo de praça e leilão, presumindo-se que inexistia outros bens a executar, e, somente, em 2004, requereu-se a penhora on-line, instituto que só foi colocado à disposição dos exeqüentes recentemente. A jurisprudência desta Corte já firmou o entendimento de que a prescrição intercorrente é inaplicável na Justiça do Trabalho (Súmula nº 14). Dessarte, conhece-se do recurso de revista por contrariedade ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição de 1988.
II MÉRITO.
A conseqüência lógica do conhecimento do recurso de revista por violação de dispositivo constitucional é o seu provimento. Assim, dá-se provimento ao recurso de revista para, afastando a prescrição declarada, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que prossiga no exame das demais matérias constantes do agravo de petição da executada.” (grifou-se).
5. POSICIONAMENTOS DOUTRINÁRIOS SOBRE O TEMA
Um dos doutrinadores mais respeitados no direito trabalhista atualmente, Maurício Godinho Delgado firma a posição que, no seu entender, a prescrição intercorrente possui no processo do trabalho (grifos no original):
“Na medida em que o Direito é fórmula de razão, lógica e sensatez, obviamente não se pode admitir, com a amplitude do processo civil, a prescrição intercorrente em ramo processual caracterizado pelo franco impulso oficial. Cabendo ao juiz dirigir o processo, com ampla liberdade (art. 765, CLT), indeferindo diligências inúteis e protelatórias (art. 130, CPC), e, principalmente, determinando qualquer diligência que considere necessária ao esclarecimento da causa (art. 765, CLT), não se pode tributar à parte os efeitos de uma morosidade a que a lei busca fornecer instrumentos para seu eficaz e oficial combate. De par com isso, no processo de conhecimento, tem o juiz o dever de extinguir o processo, sem resolução de mérito, caso o autor abandone o processo, sem praticar atos necessários à sua condução ao objetivo decisório final (art. 267, II e III e § 1°, CPC). A conjugação desses fatores torna, de fato, inviável a prescrição intercorrente no âmbito do processo de cognição trabalhista. Por isso o texto da Súmula 114 do TST. Na fase de liquidação e execução também não incide, em princípio, regra geral, a prescrição intercorrente. O impulso oficial mantém-se nessa fase do processo, justificando o prevalecimento do critério sedimentado na súmula do tribunal maior trabalhista.”[27] (grifou-se).
Apesar de seus fundamentos anteriormente apresen-tados, Delgado manifesta-se favoravelmente quanto à aplicação da prescrição intercorrente na fase executória do processo trabalhista, de forma a permitir a harmonia entre a Súmula n.º 327 do STF e a Súmula n.º 114 do TST:
“Trata-se da omissão reiterada do exeqüente no processo, em que ele abandona, de fato, a execução, por um prazo superior a dois anos, deixando de praticar, por exclusiva omissão sua, atos que tornem fisicamente possível a continuidade do processo. Nesse específico caso, argüida a prescrição, na forma do art. 884, § 1°, CLT, pode ela ser acatada pelo juiz executor, em face do art. 7°, XXIX, CF/88, combinado com o referido preceito celetista (ressalvada a pronúncia de ofício, a teor da Lei n. 11.280/2006, se for o caso).[28] (grifou-se).
O consagrado autor mineiro, porém, faz a seguinte ressalva, com o objetivo de resguardar o interesse do exeqüente:
“Mas atenção: a ausência de atos executórios derivada de falta de bens do executado (ou de seu desaparecimento…) não enseja a decretação da prescrição. É que, nesse caso, a inércia processual não pode ser imputada ao exeqüente. Por esse motivo, a alternativa processual que emerge para o juiz executor, em tais situações, será aquela prevista no art. 40, §§ 2° e 3°, Lei n. 6.830/80 (aplicável ao processo do trabalho por força do art. 889, CLT). Ou seja: “decorrido o prazo máximo de um ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos” (§ 2°). Porém fica aberta a ressalva: “encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução” (§ 3°). No caminho executório formulado pela Lei de Execuções Fiscais não há, em tal situação, como se vê, também espaço para a intercorrência de prescrição (§ 3° do art. 40, Lei n. 6.830/80).”[29] (grifou-se).
A clássica obra do desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia, Raymundo Antonio Carneiro Pinto, traz o seguinte comentário sobre a Súmula n.º 327 do STF e, conseqüentemente, sobre a aplicabilidade ou não da prescrição intercorrente ao direito trabalhista:
“Na opinião de Roberto Rosas, no seu livro “Direito Sumular”, o STF, ao editar a aludida súmula, pensou apenas no processo de conhecimento, mas teria razão o TST quando entende que é inaplicável a prescrição intercorrente no processo de execução, que pode ser impulsionado, de ofício, pelo Juiz (art. 878 da CLT). Esqueceu-se, porém, da hipótese em que a liquidação deverá ser por artigos e o Juiz da Vara (antiga Junta) nada pode fazer, pois a iniciativa de apresentá-los é privativa da parte interessada. Destaque-se, por outro lado, que o art. 4° da Lei n. 5.584/70 – revogando-se em parte o art. 878 consolidado – estabeleceu que o processo somente pode ser impulsionado de ofício pelo juiz “Nos dissídios de alçada exclusiva das Juntas e naqueles em que os empregados ou empregadores reclamarem pessoalmente…”. Desse modo, o magistrado está impedido de agir ex officio, no caso, quando a parte tem advogado. “[30] (grifou-se).
Feitas essas observações, Carneiro Pinto declara comungar com o entendimento do TST:
“(…) no tocante à prescrição intercorrente propriamente dita, assiste razão ao TST. Registre-se, por fim, que a Lei n. 6.830/80 (execução fiscal) – que serve de fonte subsidiária ao processo executório na Justiça do Trabalho, ex vi do art. 889 da CLT – dispõe no art. 40 que “O juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição”. Eis aí uma norma que, a nosso ver, é aplicável à execução trabalhista”. [31]
Francisco Antonio de Oliveira é outro mestre que invoca a Lei n° 6.830/80, colocando-se francamente contrário à aplicabilidade da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho:
“(…) feita a citação não mais haverá a possibilidade de prescrição. Nem há falar em prescrição intercorrente. Outra não é a mens legis contida na Lei 6.830/80, aplicável ex vi do art. 889 da CLT, e, em especial, do que dispõe o art. 40 (…). Assim, não localizado o devedor ou, se citado, não foram encontrados bens para que se desenvolva normalmente a execução, o processo aguardará no arquivo até que sejam encontrados bens suficientes ou localizado o devedor para que indique os bens. Poderá haver o caso de não ser localizado o devedor, mas existirem bens que bastem ao sucesso da execução. Neste caso, serão arrestados bens pelo oficial de justiça (art. 653, CPC) e providenciada a citação por edital (art. 654, CPC), convertendo-se o arresto em penhora e realização de hasta pública (…). Deve prevalecer a orientação do TST, posto que a súmula da Excelsa Corte está superada. “[32]
De todos os posicionamentos analisados, o mais incisivo é o de Ari Pedro Lorenzetti, que sugere, pura e simplesmente, o banimento da prescrição intercorrente não só do direito trabalhista, como também de todo o direito civil brasileiro:
“Na verdade, a prescrição intercorrente é instituto que deveria ser banido do direito civil pátrio, incluído o trabalhista, uma vez que, enquanto pendente a lide, a exigência do crédito está em curso, não se exauriu. As conseqüências dos atos ou omissões das partes no curso da demanda devem ser as previstas nas regras jurídicas que disciplinam as relações processuais, ainda que reflexamente possam afetar o direito material dos litigantes. Assim, antes de acarretar conseqüências de direito material, a conduta das partes, na relação jurídica processual, deveria sujeitá-las aos efeitos que o próprio direito instrumental estabelece, consoante a inobservância diga respeito a ônus, obrigações ou deveres processuais. Só mediatamente, pois, é que o comportamento das partes, no processo, deve influir na relação jurídica material. Assim, como a lei processual estabelece remédios específicos para os casos em que a parte negligencia na prática dos atos processuais que lhe cabem (CPC, arts. 267, II e III), não há razão para querer transformar a prescrição em panacéia para toda e qualquer omissão do credor. Afinal, da mesma forma que não se fala em decadência intercorrente, não temos necessidade de uma prescrição intercorrente, pelo menos não na esfera civil lato sensu.”[33]
Paulo Leonardo Vilela Cardoso também exprime sua posição contrária à prescrição intercorrente, de modo geral, tanto no processo trabalhista quanto fora dele:
“Portanto, firme o entendimento de que estando suspensa a execução, a requerimento do credor, pela inexistência de bens penhoráveis, não deve haver curso do prazo prescricional. Isto porque não se pode imputar qualquer desídia ao credor que não pôde agir por não ter encontrado bens do devedor, acrescentando-se, também, que não é a inércia do exeqüente que paralisa o feito, mas sim, disposição processual. Ademais, os institutos da prescrição e decadência têm por escopo a paz social e não o locupletamento de quem quer que seja, ou muito menos a punição do credor em face da ocultação ou desaparecimento do devedor. Conclui-se, então, que quando se operar a suspensão da execução por ausência de bens penhoráveis a requerimento do credor, não ocorre a prescrição intercorrente, posto que não há negligência do credor, nem tampouco providência que deva tomar. Existe sim, disposição expressa que determina a suspensão sine die da execução (art. 791, III).[34] Para não mais existir lacuna a este respeito e evitar as decisões contraditórias pelos tribunais do País, melhor seria uma reforma no artigo 791 do Código de Processo Civil, para regulamentar a matéria. O ideal, seria que o artigo 791, a exemplo do artigo 40 da Lei 6.830/80,[35] fixasse prazo para o término desta suspensão e findo este período, o processo seria submetido a uma espécie de arquivamento administrativo. Com a adoção deste procedimento, o processo de execução ao contrário de extinto, é remetido ao arquivo. Com esta hipótese, encontrados, a qualquer tempo, bens penhoráveis em nome do devedor, o processo é desarquivado e a execução prosseguirá.”[36] (grifou-se).
Eduardo Gabriel Saad, por seu turno, tem posicionamento favorável à aplicabilidade da prescrição intercorrente na seara justrabalhista:
“ Em doutrina, tem prevalecido o entendimento de que, na Justiça do Trabalho, é inaplicável a prescrição intercorrente, o qual foi encampado pelo Enunciado n. 114 do Tribunal Superior do Trabalho. De resto, essa posição doutrinária, anteriormente, fora repelida pelo Supremo Tribunal Federal através da Súmula n. 327 (…). Essa posição conciliatória diante da controvérsia foi abraçada pela 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do recurso de revista n. 153.542/94.5 (…) em cuja ementa se lê o seguinte: “A prescrição intercorrente é inaplicável na Justiça do Trabalho quando desacompanhado o Reclamante de advogado ou, então, naqueles casos em que a paralisação do processo se dá por motivo de desídia do juízo na efetivação de diligência a seu cargo, tendo em vista o art. 765 da CLT, que consagra o princípio do inquisitório, podendo o juiz, até mesmo, instaurar execuções de ofício a teor do art. 878 da CLT”. Como se vê, na própria Justiça do Trabalho já se registram pronunciamentos dissentindo do susocitado Enunciado n. 114 do TST. Em verdade, a CLT não dá guarida a uma única disposição que, de modo expresso, veda a aplicação da prescrição intercorrente ao processo do trabalho. Essa a razão por que não erra quem entende ser de aplicação subsidiária ao processo do trabalho o art. 173 do Código Civil:[37] “A prescrição interrompida (com o ajuizamento da ação) recomeça a correr da data do ato que a interrompeu ou do último do processo para a interromper”. Sem sombra de dúvida, a Súmula n. 327 do Supremo Tribunal Federal tem como supedâneo o supracitado preceito do Código Civil.”[38] (grifou-se).
Dos principais autores justrabalhistas, Manoel Antonio Teixeira Filho é aquele que se detém mais detalhadamente sobre o tema. No início de sua análise, o autor apresenta argumentos no sentido de que o texto consolidado admite a prescrição intercorrente:
“(…) o Tribunal Superior do Trabalho dá a lume a Súmula n. 114, para, em boa hora – mas em acerto discutível –, estatuir que “é inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente”. Colocamos em dúvida o acerto da orientação adotada pelo TST por, no mínimo, duas razões. Em primeiro lugar, estamos convencidos de que a possibilidade de ser alegada a prescrição intercorrente no processo do trabalho está insculpida, de forma nítida, no art. 884, § 1°, da CLT; com efeito, ao dizer que o devedor poderá, em seus embargos, argüir – dentre outras coisas – a “prescrição da dívida”, a norma legal citada está, a toda evidência, a referir-se à prescrição intercorrente, pois a prescrição ordinária deveria ter sido alegada no processo de conhecimento. A entender-se de maneira diversa, estar-se-ia perpretando o brutal equívoco de imaginar que o devedor poderia, no momento dos embargos, afrontar a autoridade da coisa julgada material, pois a sentença exeqüenda poderia, até mesmo, ter rechaçado a argüição de prescrição, suscitada no processo cognitivo. Enfim – indagamos –, se não é a intercorrente, então de que prescrição se trata a que o § 1° do art. 884 da CLT permite o devedor alegar no ensejo dos embargos que vier a oferecer à execução? Em segundo, porque o sentido generalizante, que o enunciado da Súmula n. 114 do TST traduz, comete a imprudência de desprezar a existência de casos particulares, onde a incidência da prescrição liberatória se torna até mesmo imprescindível. Ninguém desconhece, por suposto, que em determinadas situações o Juiz do Trabalho fica tolhido de realizar ex officio certo ato do procedimento, pois este somente pode ser praticado pela parte, razão por que a incúria desta reclama a sua sujeição aos efeitos da prescrição (intercorrente), sob pena de os autos permanecerem em um infindável trânsito entre a secretaria e o gabinete do Juiz, numa sucessão irritante e infrutífera de certificações e despachos. Exemplifiquemos com os artigos de liquidação. Negligenciando o credor no atendimento ao despacho judicial que lhe ordenou a apresentação desses artigos, consistiria despautério indisfarçável imaginar que, diante disso, caberia ao próprio juiz deduzir os artigos de liquidação, substituindo, dessa maneira, o credor na prática do ato; não menos desarrazoada seria a opinião de que, na espécie, deveria o juiz transferir ao próprio devedor o encargo de realizar o ato. Que o devedor pode apresentar artigos de liquidação, disso não se duvida; daí a compeli-lo a tanto vai uma ousada agressão à lei. A solução, portanto, seria aguardar-se o decurso, em branco, do prazo de dois anos, contado da data em que o credor foi intimado a oferecer os artigos de liquidação, para, em seguida – e desde que haja alegação do devedor nesse sentido –, pronunciar-se a prescrição intercorrente e, em virtude disso, extinguir-se o processo de execução com exame do mérito.”
Partindo dessa assertiva, aliás, podemos construir a regra doutrinária segundo a qual o processo do trabalho deve admitir a prescrição intercorrente sempre que a prática do ato estivesse, exclusivamente, a cargo do credor; com o emprego do advérbio exclusivamente queremos deixar sublinhado que o juiz não poderia (por motivos lógicos e jurídicos) fazer as vezes do credor, no que respeita à realização do ato; fazê-lo seria, acima de tudo, tornar-se parcial, pois estaria, na verdade, formulando uma pretensão que constitui faculdade apenas da parte (credor). Ainda que, na execução, o credor tenha posição de preeminência, e o devedor estado de sujeição, isto não significa que o juiz deva declinar do seu ontológico dever de neutralidade para colocar-se, surpreendentemente, ao lado do primeiro. É curial que se em determinada hipótese (que não a dos artigos de liquidação) o juiz puder praticar o ato (que atende aos interesses do credor ou do devedor) sem quebra do seu dever de imparcialidade, não se haverá de cogitar de prescrição intercorrente, visto que a incidência desta ficará afastada pela possibilidade da incoação judicial. É a outra face da regra, que acabamos de enunciar quanto à prescrição intercorrente no processo do trabalho.”[39] (grifou-se).
Por fim, Teixeira Filho realiza uma ponderação para chegar à conclusão de que o art. 40 da Lei n° 6.830/80 é aplicável ao processo do trabalho:
“Deve o juiz tomar o cuidado de não atribuir a uma das partes a prática do ato que incumbia, particularmente, à outra, máxime quando a norma processual contiver solução para o caso. Digamos, p.ex., que o devedor tenha abandonado o endereço constante dos autos e o juiz ordene, por despacho, que o credor forneça o endereço atual daquele. Não se pode negar que essa providência se justifica até o ponto em que há certo interesse do credor em fornecer ao juízo elementos que possibilitem a localização do devedor (para ser citado, intimado da penhora, entregar os bens que guardava como depositário etc.). Ocorrendo, todavia, de o credor deixar de atender ao despacho judicial, não será lícito ao juiz resolver o impasse contra o direito ou os interesses legítimos do credor, sob pena de acabar premiando a quem, em última análise, deu causa a tudo: o devedor. Devemos observar que no exemplo em pauta o juiz deverá considerar como realizado o ato (citação, intimação e o mais), pois, conforme adverte o art. 39 do CPC, constitui dever da parte comunicar ao escrivão (diretor da secretaria) qualquer mudança de endereço, sob pena de serem consideradas “Válidas as intimações enviadas (…) para o endereço constante dos autos”. Essa norma é perfeitamente aplicável no processo do trabalho, pois representa eficaz instrumento de desobstrução do procedimento, circunstância que se liga, com intimidade, ao princípio (?) da celeridade. (…)
Precisamente por revelar-se respeitosa do princípio de que não se deve impor gravame ao credor, por ato a que não deu causa, é que consideramos aplicável ao processo do trabalho a disposição encartada no art. 40 da Lei n. 6.830/80, segundo a qual o juiz suspenderá o curso da execução: a) enquanto não for localizado o devedor; ou b) não forem encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora (caput); decorrido o prazo de um ano, sem que o devedor tenha sido localizado ou os bens encontrados, determinará o arquivamento dos autos (§ 2°); contudo, “encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução” (§ 3° – sublinhamos)”.[40]
Obra interessante a ser consultada para aprofundamento do assunto é a de Oswaldo Moreira Antunes, que cita vários outros autores que se debruçaram sobre a aplicabilidade da prescrição intercorrente ao Direito do Trabalho, tais como José Augusto Rodrigues Pinto, Amaro Barreto, Wagner Giglio e Christóvão Piragibe Tostes Malta, dentre outros.[41]
Antunes,[42] após citar e transcrever vasta doutrina e jurisprudência, conclui favoravelmente à aplicabilidade da prescrição intercorrente, nos seguintes termos:
“A despeito do En. 114 do TST, editado em 22.10.89, poderá ser suscitada a prescrição intercorrente na impugnação aos artigos de liquidação dentre outras matérias, observando-se o disposto no art. 609 do CPC,[43] sem prejuízo de sua renovação nos embargos opostos à execução na forma do § 1° do art. 884 da CLT,[44] evitando-se eventual preclusão (art. 473 do CPC).[45] (…) O mesmo procedimento poderá ser adotado na execução de prestações sucessivas regulado pelos artigos 890 usque 892 da CLT,[46] no tocante à prescrição intercorrente parcial (art. 617 do CPC).”[47]
Arnor Serafim Junior relaciona diversos juristas com posicionamento favorável à aplicabilidade da prescrição intercorrente à execução trabalhista, portanto contrários à Sumula n.º 114 do TST, da magnitude de Valentin Carrion, José Augusto Rodrigues Pinto, Estêvão Mallet, Emílio Gonçalves e Marco Aurélio Aguiar Barreto.[48]
O próprio Serafim Junior entende que o direito do trabalho admite a prescrição intercorrente:
“De tudo o que longamente se aduziu é possível dizer que a Súmula n. 114 do TST encontra sérias e fundamentais restrições em relação a sua aplicação indiscriminada, sem qualquer temperamento. Situações existem, como se pretendeu demonstrar, que nenhuma razão jurídica de relevo fornece sustento sólido à afirmação de que a prescrição intercorrente é inaplicável na Justiça do Trabalho. O abandono indefinido da causa por parte do titular do direito, presente em juízo com assistência de profissional do direito ou de Sindicato de classe, não encontra nenhuma justificativa plausível para o afastamento da regra da prescrição extintiva, que conhece inegável prestígio na legislação pátria, encontrando previsão em esparsas leis trabalhistas específicas, mesmo antes da edição do texto consolidado, que a agasalhou de forma expressa e iniludível. (…). Além de tudo isso que, salvo melhor juízo, atualmente justifica de forma plena uma revisão desse entendimento jurisprudencial sedimentado, existe previsão legal expressa constante do § 1° do art. 884 da CLT, onde se prevê a prescrição da dívida como uma das matérias de defesa nos embargos à execução a serem apresentados pelo devedor. Não se pode fazer letra morta dessa disposição legal explícita. E, se assim é, qual seria essa “prescrição” lembrada pelo legislador como matéria defensiva do executado? Se não é a “prescrição da pretensão executória” (que pode ser denominada como “espécie” do gênero “intercorrente”, no sentido daquela que eventualmente flui durante o curso do processo – ou entre o processo de conhecimento e o de execução), qual seria? Piores resultados trariam para a marcha processual se se entendesse, por hipótese, que tal referência à prescrição (que é a da “dívida”, conforme a dicção legal) guarda relação com aquela relativa ao exercício da pretensão condenatória, posto que aí poderia, inclusive, haver confronto com a coisa julgada, uma vez que se a mesma não foi oportunamente argüida na fase cognitiva, por certo não foi aventada pelo título sentencial, o qual, de resto, não poderá ser alterado na fase executória. Nada obstante tudo isso, o fato é que o TST, na recente revisão de suas Súmulas, aprovada em novembro de 2003, manteve incólume a redação do controvertido texto de sua Súmula n. 114.”[49] (grifou-se),
Por fim, Correia de Melo manifesta-se a favor da plena aplicabilidade da prescrição intercorrente ao processo trabalhista:
“Os que advogam em prol do posicionamento do STF sustentam que pretender a inexistência da prescrição intercorrente nas lides trabalhistas seria o mesmo que criar a lide perpétua. Nesse sentido, grife-se que o STF é, por excelência, o guardião da Constituição Federal, ápice de nosso ordenamento jurídico e pilar principal do Estado Democrático de Direito brasileiro, e hodiernamente suas decisões consolidadas são ainda mais prestigiadas, podendo atingir, inclusive, efeito vinculante (conforme inovações da Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, que trouxe o artigo 103-A à Constituição Federal). Ademais, o § 1º do artigo 884 da CLT prevê que “a matéria de defesa será restrita às alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da dívida”. Assim, cabe observar que a própria CLT acolhe expressamente a preclusão intercorrente em execução. De toda sorte, porquanto de extrema importância para o exame do problema posto, cumpre lembrar que o instituto da prescrição foi recentemente enaltecido pela Lei nº 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, que, em seu artigo 3º, alterou o artigo 219 do CPC em seu § 5º, determinando ser dever do magistrado declarar, de ofício, a prescrição. Por todo o visto, seja por que prisma se veja, inclinamo-nos no sentido de que a prescrição intercorrente tem plena aplicação no processo laboral. Assim, paralisada a ação, seja na cognição ou na execução, por culpa do Autor e decorrido o lapso temporal prescricional (2 (dois) ou 5 (cinco) anos, conforme o caso) opera-se a chamada prescrição intercorrente, que deve ser reconhecida de ofício pelos magistrados, mesmo que caiba aos mesmos velar pelo andamento do processo”.[50]
6. conclusão
Dentre as hipóteses levantadas na introdução do presente estudo, conclui-se ser a mais razoável a terceira delas, ou seja, é parcialmente aplicável a prescrição intercorrente à execução trabalhista.
É certo que “os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas” (art. 765 da CLT).
Também é certo que, na seara trabalhista, a execução poderá ser promovida ex officio pelo próprio Juiz (art. 878 da CLT).
Dessa forma, a possibilidade do impulso oficial, a princípio, afastaria a prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho, sem se entrar no mérito da discussão sobre este impulso ser ou não uma obrigação do Magistrado.
Porém, há certos procedimentos que somente podem ser realizados pelo exeqüente, não pelo Juiz, tais como a apresentação de artigos para liquidação.
Em tais casos, parece mais correto o entendimento exposto por grande parte da doutrina trabalhista, inclusive por expoentes como Alice Monteiro de Barros, Manoel Antonio Teixeira Filho, Valentin Carrion, Maurício Godinho Delgado e Raymundo Antonio Carneiro Pinto, todos eles devidamente citados no corpo deste estudo.
Ou seja: se o feito encontra-se parado há mais de dois anos por negligência do exeqüente, que não praticou atos que seriam de sua exclusiva responsabilidade, nesse caso é aplicável a prescrição intercorrente à execução trabalhista.
Nesses casos específicos, não se pode exigir que o Juiz impulsione a execução, pois deixaria de ser imparcial.
Até mesmo há previsão legal para a decretação da prescrição intercorrente na execução trabalhista, pois o art. 884, § 1º, da CLT prevê que o executado pode alegar a prescrição da dívida em seus embargos à execução. Essa prescrição, obviamente, só pode se tratar da prescrição intercorrente, em virtude da fase em que o processo se encontra.
Logicamente, deve haver o cuidado de apenas se declarar a prescrição intercorrente na execução trabalhista naqueles casos em que a inércia processual possa ser imputada exclusivamente ao exeqüente. Caso não tenham sido encontrados o executado ou os bens dele, não se pode declarar a prescrição intercorrente, devendo o processo ser arquivado, para desarquivamento a qualquer tempo quando encontrados o devedor ou seus bens, na forma do art. 40, §§ 2° e 3°, da Lei n.º 6.830/80, de aplicação subsidiária ao Direito do Trabalho.
Servidor público federal do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Bacharel em Direito e Contador pela UFSC, com especialização em Direito do Trabalho pela UNIVALI/AMATRA 12 e em Finanças pela FEPESE
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