Aplicabilidade da responsabilidade civil no abandono afetivo parental

Resumo: O presente trabalho pretende demonstrar o instituto da Responsabilidade Civil dentro do Direito de Família, introduzindo a indenização por danos morais no abandono afetivo parental e a conseqüente possibilidade do filho buscar a via judicial para obter uma indenização em nível de reparação.


Sumário: 1. Intróito. 2. Responsabilidade civil. 2.1. Da ação ou omissão. 2.2. Da culpa ou dolo do agente. 2.3. Da relação de causalidade. 2.4. Do dano. 3. Aplicabilidade da responsabilidade civil no abandono afetivo parental. 4. Conclusão. Referências.


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1 INTRÓITO


Diante da nova perspectiva do Direito de Família surge uma nova modalidade de indenização por dano moral, ainda não aceita pela maioria dos tribunais, tratando a Responsabilidade Civil por abandono afetivo parental como um direito subjetivo. Pretende-se demonstrar a partir deste trabalho, que há um equívoco constitucional e social, o qual deve ser revisto pelos nossos tribunais. O foco deste artigo é demonstrar como a falta de afeto interfere nas relações familiares, tornando o filho abandonado afetivamente um ser humano rodeado de sentimentos negativos como frustrações e tristezas, podendo levá-lo à criminalidade.


2 RESPONSABILIDADE CIVIL


Pablo Stolze ensina que, na linha de pensamento de José de Aguiar Dias, “toda manifestação humana traz em si o problema da responsabilidade”[1].


Com base nas palavras dos Professores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho a definição do verbete “responsabilidade” tem como origem na língua latina:


“A palavra “responsabilidade” tem sua origem no verbo latino “respondere”, significando a obrigação que alguém tem de assumir com as conseqüências jurídicas de suas atividades, contendo ainda, a raiz latina de spondeo, fórmula através da qual se vinculava, no Direito Romano, o devedor nos contratos verbais”[2].


Quando há um prejuízo que em decorrência dele origina um fato social, traz a tona o problema da responsabilidade. E é através desta que há a reconstrução do equilíbrio moral e patrimonial que foi perdido. O interesse em se restabelecer o equilíbrio violado é o que constitui o princípio norteador da responsabilidade civil.


A responsabilidade civil está dentro dos direitos obrigacionais, a prática de um ato ilícito gera uma obrigação, um dever de indenizar a vítima que foi lesada pelo ato. O instituto é trabalhado desta forma no dia a dia dos operadores do direito, sempre havendo uma reparação de danos, uma indenização pecuniária ao final de toda demanda processual que gere uma responsabilidade ao autor.


Quando o agente causador do dano, com o seu comportamento, transgride uma lei preexistente ou ocasione dano a um terceiro a responsabilidade passa a ter duas possibilidades de surgimento: a contratual e a extracontratual.


A Responsabilidade Contratual encontra-se no dispositivo 389 do Código Civil, “não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”. Já a segunda, denominada de Responsabilidade Civil Extracontratual ou Aquiliana (Lex Aquillia), consta como regra geral do artigo 186 CC, do ato ilícito. E ocorre quando a norma jurídica violada for diretamente a norma legal (lei). Neste tipo de responsabilidade o agente transgressor viola uma norma jurídica legal preexistente.


“Artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.


Não basta dizer que o artigo 186 é o artigo matriz da responsabilidade. É necessário que haja combinação com os artigos 187 e 927 CC para que a responsabilidade extracontratual seja confirmada.


Artigo 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.


Artigo 927. Aquele que, por ato ilícito (artigos. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”


No artigo 186 do Código Civil, conforme cita o Professor Carlos Roberto Gonçalves “estão presentes os quatro elementos essenciais da responsabilidade civil: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima”  [3].


2.1 Da ação ou omissão


É necessário para fins de definição, que o ato comissivo ou omissivo do agente seja voluntário, pois a conduta humana sempre tem que partir de uma vontade consciente (voluntário do agente). A vontade é o que justifica a responsabilidade civil.


Importante salientar as palavras dos professores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que definem muito bem a ação pela conduta humana:


“O núcleo fundamental, portanto, da noção de conduta humana, é a voluntariedade que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente imputável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz. Por isso, não se pode reconhecer o elemento “conduta humana” pela ausência do elemento volitivo.”[4]


2.2 Da culpa ou dolo do agente


No século XVIII a comprovação de culpa somente surgia do dever de indenizar pelo agente passivo. Com a chegada da revolução industrial a sociedade transformou-se em um modelo que tinha como anseio o desenvolvimento técnico. Os legisladores da época inseriram a culpa na responsabilidade civil para que fosse afastada do empregador a obrigação de responder pelos prejuízos causados sem a sua constatação. A falta de segurança no ambiente laboral servia como ocorrência de inúmeros acidentes aos empregados.


O pressuposto essencial para que fosse configurada a responsabilidade do agente era através da atuação de conduta culposa[5] pelo sujeito ativo. Ou seja, era necessário focalizar a sua análise no aspecto subjetivo. Havendo indícios da existência de todos os demais pressupostos (nexo causal, dano e a conduta do agente), estaríamos a diante da responsabilidade civil subjetiva.


Atualmente, o requisito “culpa ou dolo do agente” traz a cogitação de dolo logo no início (ação ou omissão voluntária) e a culpa (negligência ou imprudência). Conceituando assim, dolo como na vontade de cometer uma violação de direito, e a culpa, na falta de diligência desta[6].


Para que haja o dever de reparar é necessário que a vítima tenha de provar o dolo ou a culpa stricto sensu do agente. Contudo, como esta prova muitas vezes é difícil de ser conseguida, o direito moderno admite em casos específicos a responsabilidade objetiva, que é a responsabilidade sem culpa do agente, baseada na teoria do risco.


2.3 Da Relação de Causalidade


É o pilar fundamental para a solidificação da construção da responsabilidade que sem o requisito do nexo causal não há obrigação de indenizar. Se há o dano, porém, a sua causa não está relacionada com o que o agente realizou não há vinculação. De acordo com o Carlos Roberto Gonçalves é a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente que por seguinte, ocasiona o dano verificado[7].


2.4 Do dano


Para que seja caracterizado o dano, deve ser analisada a violação de um direito e a sua correlação direta com a causa do dano a terceiros. Sem a prova do dano não há como alguém ser responsabilizado. É elemento essencial obter um prejuízo sofrido tanto de ordem material como moral. Portanto, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado prejuízo. Sempre será devida a indenização quando se constatar que um ato ilícito resultou em um dano.


No transcorrer dos anos o dano essencialmente moral foi pacificado no entendimento jurisprudencial. E está se tornando cada vez mais comum demandas envolvendo filhos que se queixam da ausência dos pais, pois o ato preenche os pressupostos de admissibilidade da responsabilidade civil.


“Na França, o primeiro caso com ampla repercussão (envolvendo pais e filhos) foi o chamado affaire perruche, em que a Cour de Cassation reconheceu a um adolescente o direito de ser indenizado pelos danos derivados do seu “nascimento com grave deficiência física” decorrente de rubéola contraída por sua mãe durante a gravidez, muito embora a genitora houvesse expressamente declarado em contratos celebrados com seus médicos seu desejo de interromper a gravidez caso o diagnóstico de rubéola viesse a ser confirmado.”[8]


O dano moral é hoje um dos temas de Direito Civil que mais se transforma ao longo dos anos. Com a constante transformação da jurisprudência moderna fez com que situações antes inimagináveis que ensejassem o dano moral, hoje se tornassem lides processuais. A possibilidade de indenização é pacificada no nosso ordenamento jurídico, sendo que a magna carta de 1988 prevê acerca da possibilidade de proteção jurídica a agravos imateriais. Também com base na doutrina dominante e a jurisprudência que a cada dia traz inovações no instituto do dano moral.


Para Salomão Resedá a legislação brasileira não tem um conceito de dano moral formalizado[9]. Alegando que há na Câmara dos Deputados um projeto de lei nº150/99, que busca conceituar o que é o dano moral, segundo seu artigo 1º:


“Constitui dano moral a ação ou omissão que ofenda o patrimônio moral da pessoa física ou jurídica, e dos entes políticos, ainda que não atinja o seu conceito na coletividade.”


É conceituado como dano moral quando a lesão designada não produzir qualquer efeito patrimonial. Ou seja, o dano será de esfera moral quando a diminuição de um bem jurídico abranger a honra, a dignidade, a intimidade, a vida e etc. Atingindo assim, o ofendido como pessoa sem tocar no seu patrimônio. Acarretando a ele uma série de sofrimentos, dores, tristezas, humilhações.


Ao configurar o dano moral é preciso que se evitem excessos, pois só deve ser designado como dano moral “a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem estar. Meros dissabores, aborrecimentos e mágoas estão fora da órbita do dano moral, pois tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do individuo” [10].


Poderão reclamar a reparação do dano moral, além do ofendido, seus herdeiros, cônjuge ou esposa e os membros da mesma família que são ligados ao ofendido afetivamente. Isto é, “serão legitimadas aquelas pessoas que mantém vínculos firmes de amor, de amizade ou de afeição” [11].


Como todos os outros doutrinadores, Maria Helena Diniz afirma que “poderão se apresentar por meio de seus representantes legais, na qualidade de lesados diretos de dano moral, os menores impúberes, os loucos, os portadores arteriosclerose[12]”.


Os absolutamente incapazes como ser humano que são, possuem capacidade de direito ou de gozo, podendo pleitear indenização por dano moral.


Adentrando no tema deste artigo, a ausência da figura paternal pode perfeitamente ser lamentada pela criança, absolutamente incapaz na esfera cível, podendo postular, através de um representante, ação de indenização por danos morais em face de seu pai ou mãe que tenha praticado o dano.


Semelhante o caso para os idosos que são abandonados por seus filhos já em idade avançada que desenvolvem grande afetividade por eles mesmo que não tenham discernimento para perceber o real significado deste sentimento.


Provar um dano moral é muito complexo. Com isso, é concedida ao magistrado a faculdade de deduzir não só de provas que o sujeito passivo veio a experimentar a ofensa sofrida.


Rodolfo Pamplona Filho fundamentado nos ensinamentos de Wladimir Valler, explica que em matéria de prova há três correntes distintas:


Primeira: necessidade de atividade probatória, assim como ocorre com o dano patrimonial;


Segunda: sustenta a tese in re ipsa, segundo a qual o dano moral não precisa ser provado, sendo presumido pelo comportamento do agente;


Terceira: é denominada de intermediária, que se sustenta sobre a presunção formada na mente do juiz, ou seja, ele, na condição de homem, extrai dos fatos da causa a idéia de ocorrência ou não do acontecimento”[13].


Desta forma explica o Professor Carlos Roberto Gonçalves:


 “O dano moral, salvo casos especiais, como o de inadimplemento contratual, por exemplo, em que se faz mister a prova da perturbação da esfera anímica do lesado, dispensa prova em concreto, pois se passa no interior da personalidade e existe in re ipsa”.


Neste sentido, a propósito, decidiu o Tribunal:


“RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – COMPROVAÇÃO PELO OFENDIDO – DESNECESSIDADE – EXISTÊNCIA DO ATO ILÍCITO APTO A OCASIONAR SOFRIMENTO ÍNTIMO – SUFICIÊNCIA – PROVA NEGATIVA A CARGO DO OFENSOR – VERBA DEVIDA – RECURSO PROVIDO”[14].


“DANO MORAL – MORTE DO FILHO – VERBA DEVIDA AOS PAIS – FALTA DE AMOR POR AQUELE NÃO DEMONSTRADA – IRRELEVÂNCIA DOS MOTIVOS DELE NÃO ESTAR PRESENTE NA VIDA DIÁRIA DOS PAIS, COM VISITAS MÚTUAS”[15].


“PROVA – PERÍCIA PSICOLÓGICA – PRETENSÃO A SUA REALIZAÇÃO EM AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – ALEGAÇÕES QUE PODEM SER DEMONSTRADAS POR TESTEMUNHAS – INEXISTÊNCIA DE CARÁTER TÉCNICO A SER VERIFICADO – INDEFERIMENTO – AGRAVO NÃO PROVIDO”[16].


É necessário analisar a posição dos doutrinadores neste sentido, sendo que a indenização em decorrência do dano moral configura uma compensação, seja ele por demasiada tristeza, por demasiado sofrimento, em face de uma dor, trauma ou perda.


3 APLICABILIDADE DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ABANDONO AFETIVO PARENTAL


A responsabilidade civil saiu da esfera contratual para entrar no direito de família brasileiro buscando na indenização pecuniária uma forma de suprir um espaço vazio deixado em razão do grande sofrimento causado pelo abandono afetivo parental.


No Código Penal Brasileiro, no título VII “dos crimes contra família”, dispõe de três formas de abandono, sendo eles: o abandono material, abandono intelectual, e por fim, o abandono moral.


O abandono afetivo, entretanto, tema em questão deste artigo não foi positivado na lei ou sequer mencionado na Constituição Federal (artigo 227, caput). E por mais que tenha havido esforços por parte do legislador, ele não estipulou penas de caráter punitivo pela inobservância do elemento “dever de afeto”.  Assegurou somente o dever da família, do estado e da sociedade. Foi um erro do legislador constitucional, dormiu no ponto ao não fazer nenhuma referência ao afeto, sendo que ele está diretamente relacionado ao desenvolvimento do caráter da pessoa.


“O abandono afetivo é tão prejudicial quanto o abandono material. Ou mais. A carência material pode ser superada com a dedicação de um dos genitores ao trabalho; a de afeto não, porquanto corrói princípios morais se estes não estão consolidados na personalidade da criança ou adolescente”[17].


O abandono gera um desamparo por parte do agente passivo, que via de regra, são os filhos. Não obstante, são eles a parte mais frágil e que mais sofre quando há uma separação do núcleo familiar.


Heloisa Szymanski em seu artigo “Teorias e Teorias de Famílias” preceitua que “desde Freud, família e, em especial, a relação mãe-filho, têm aparecido como referencial explicativo para o desenvolvimento emocional da criança. A descoberta de que os anos iniciais de vida são cruciais para o desenvolvimento emocional posterior focalizou a família como o locus potencialmente produtor de pessoas saudáveis, emocionalmente estáveis, felizes e equilibradas, ou como núcleo gerador de inseguranças, desequilíbrios e toda sorte de desvios de comportamento”[18].


As interpretações das inter-relações começam a ser feitas no contexto da estrutura proposta pelo modelo idealizado (pai, mãe e filhos), e quando a família se afasta deste modelo ela é tachada de “desestruturada” ou “incompleta”. Desde sempre a família fora responsável pelos problemas emocionais de seus filhos, como por exemplo, comportamento deliquencial e fracasso escolar.


A desestruturação e o abandono da família, segundo o Des. Liborni Siqueira, notável especialista brasileiro em Direito do Menor, é a fonte de todas as carências (materiais e emocionais). Pois “é ali que construímos todos os aspectos cognitivos, morfológicos, fisiológicos, afetivos e emocionais da criança. A psicologia labora sua doutrina na compreensão do comportamento humano no seio da família. É na família que socializamos a criança projetando-a para a comunidade. A convivência familiar sadia é indispensável para modular o temperamento e instrumentalizar o caráter. Uma sólida estrutura familiar é o grande segredo da estrutura social[19]”.


Muitas vezes, o ambiente familiar ao invés de ajudar na formação da criança, atrapalha, corroendo toda uma estrutura emocional que ainda se encontra em formação. A criança que é vítima do abandono afetivo não tem discernimento para superar. Ela está no auge de sua formação psicológica, sendo incapaz de determinar as causas da separação de seus progenitores, ou de entender o afastamento de um deles, que com o passar do tempo, ocorre de se tornarem meros (des)conhecidos um para o outro.


Um dos primeiros traumas que a criança sofre na infância é dentro da escola. Com a chegada das datas festivas, como dia das mães ou dos pais, ela geralmente é convidada a fazer uma homenagem ao seu ente querido. – E como explicar a ela que lhe falta este pilar familiar. Que não há um pai por perto para que assista a apresentação -. Não há a maneira mais suave de explicar a uma criança que seu pai, ou sua mãe, o abandonou. Muitos pais quando divorciam rompem o vínculo matrimonial. Porém acabam se afastando não só do ex parceiro, como dos filhos provenientes desta relação. Esquecendo-se que o vínculo de filiação é ad aeternum


Sérgio Resende de Barros explica que “o afeto em si, não pode ser incluído no patrimônio moral de um ou de outro, de tal modo que da sua deterioração resulte a obrigação de indenizar o ‘prejudicado[20]’”. Giselda Hironaka continua a explicação dizendo que a produção do liame necessário – nexo de causalidade essencial – para a ocorrência da responsabilidade civil por abandono afetivo deverá ser a conseqüência nefasta e prejudicial que se produzirá na esfera subjetiva, íntima e moral do filho, pelo fato desse abandono perpetrado culposamente por seu pai, o que resultou em dano para a ordem psíquica daquele[21].


Com isso, é de se constatar que o abandono afetivo parental preenche os pressupostos da responsabilidade civil, tornando-se uma via para se demandar juridicamente sempre que se sentir lesado pela ausência da presença da função paterna ou materna. Lembrando que por ser um direito personalíssimo do indivíduo, esta tutela adota o princípio da imprescritibilidade.


A função paterna é conceituada de forma brilhante pelo magistrado Dr. Mário Romano Maggioni, que deu o primeiro provimento acerca da indenização por danos morais na relação por abandono afetivo paterno-filial no Brasil: “A função paterna abrange amar os filhos. Portanto, não basta ser pai biológico ou prestar alimentos ao filho. O sustento é apenas uma das parcelas da paternidade. É preciso ser pai na amplitude legal (sustento, guarda e educação). Quando o legislador atribuiu aos pais a função de educar os filhos, resta evidente que aos pais incumbe amar os filhos. Pai que não ama filho está não apenas desrespeitando função de ordem moral, mas principalmente de ordem legal, pois não está bem educando seu filho. (…) Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos (artigo 22, da lei nº 8.069/90). A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a presença do pai ajude no desenvolvimento da criança. (…)“É menos aviltante, com certeza, ao ser humano dizer ‘fui indevidamente incluído no SPC’ a dizer ‘fui indevidamente rejeitado por meu pai’”[22]. Em decorrência de o pai ter sido condenado á revelia, a sentença transitou em julgado no 1º grau, não subindo ao TJRS.


Segundo caso de grande repercussão no Brasil foi em Minas Gerais, sendo a primeira vez que esta matéria subiu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), no ano de 2005. O relator foi o ministro Fernando Gonçalves. Tratava-se de um pedido de indenização por danos morais proveniente do abandono afetivo do progenitor, após constituir uma nova família.


O direito à indenização pecuniária foi admitido em segunda instância, pelo voto do juiz relator Unias Silva, da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, na qual reconheceu a legitimidade do dano moral ocasionado pelo abandono paterno. A apelação ao Tribunal de Minas Gerais foi concedida com base no artigo 227 da Constituição Federal. Na decisão, o relator explica que “a responsabilidade (pelo filho) não se pauta tão-somente no dever de alimentar, mas se insere no dever de possibilitar desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana[23]“.


“INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana”.


Decisão semelhante em instância inferior foi acometida em São Paulo (Cf anexo D). A sentença foi proveniente do juiz de 1º grau, Luís Fernando Cirillo, da 31ª Vara Cível da Capital Paulista[24], que condenou o pai a pagar à filha indenização de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) por danos morais para custear tratamento psicológico, em decorrência do abandono sofrido. Foi constatado mediante perícia técnica que a filha apresentava conflitos de identidade ocasionados pela rejeição do pai. A sentença do magistrado admitiu que autora sofria de complexo de inferioridade e tinha problemas afetivos e psicológicos”. Ele ainda entendeu que, “a par da ofensa à integridade física e psíquica, decorrente de um crescimento desprovido do afeto paterno, o abandono afetivo se apresenta também como ofensa à dignidade da pessoa humana, bem jurídico que a indenização do dano moral se destina a tutelar.”


Prevê o artigo 1º, inc. III, da Constituição Federal de 1988 que o nosso Estado Democrático de Direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, sendo observado como um princípio máximo do Direito moderno e considerado pelos doutrinadores como o “ponto de partida do novo direito de família brasileiro”. É com base nele que é discutida toda e qualquer nova lide que surja no âmbito do direito familiar, pois protegendo a dignidade da pessoa humana, estará sendo protegido o núcleo familiar como um todo.


Interligado ao princípio da dignidade está o da afetividade. Este é o principal fundamento das relações familiares. E por mais que não haja no texto maior da magna carta sua caracterização como um direito fundamental, pode-se dizer que o afeto decorre da constante valorização da dignidade da pessoa humana, sendo assim por essência, cláusula pétrea, um direito fundamental do cidadão.


A estrutura familiar não se limita mais apenas ao vínculo biológico. Ela traz o afeto como sua maior característica atualmente. Não cabendo ao pai e a mãe dar somente os alimentos. A nova temática do Direito de Família é dar a devida atenção aos filhos com afeto, educação, proteção e respeito para que esta criança em formação se desenvolva emocionalmente equilibrada.


Pela ausência do princípio da Afetividade, posto isso, é freqüente filhos demandarem judicialmente contra seus pais, cobrando aquilo que deveriam ser deles de direito: o afeto. E muitos questionam se há legitimidade do filho em demandar contra seu pai por abandono afetivo parental.


O dever de indenizar tem correlação direta com o dano moral realizado. Muitos doutrinadores são contra esta medida, dizendo que não há possibilidade de vincular um prejuízo imaterial a um determinado valor econômico.


Data máxima vênia, há sim como vincular um título de contraprestação a título de reparação do ato ilícito praticado, neste contexto, denominado de dano moral. Deixar de indenizar um filho pelo abandono de seu pai abre precedentes para que mais casos semelhantes ocorram, instalando-se desta forma, a impunidade absoluta dentro da relação familiar.


“(…) têm se atribuído à reparação civil uma nova função: a função pedagógica, educativa. Muito mais do que compensar à vítima do dano sofrido ou punir o ofensor, a reparação civil tem a função de alertar à sociedade que condutas semelhantes àquela do ofensor não serão permitidas pelo ordenamento jurídico, portanto, uma função de desestimular condutas semelhantes”[25].


É claro que o dinheiro não tem a capacidade de eliminar a agressão moral sofrida. Porém, servirá como um consolo, no sentido de atenuar o dano decorrente do abandono. Podendo ele ser utilizado para financiar as custas de um tratamento psicológico, por exemplo. E também mostrar aos pais negligentes que esta conduta é vista como incorreta pelo ordenamento jurídico brasileiro. Obrigando aos pais a cumprir o Pátrio Poder. Não há uma tabela de preços para este tipo de sofrimento, o dano é incalculável, sendo a sua função meramente de caráter satisfatório.


Por maior que seja o volume de dinheiro que a vítima receba, as conseqüências do dano não são sanadas.


“O sofrimento psicológico não se estancará com a moeda corrente. Portanto, a função do dinheiro no âmbito do dano moral é configurada de forma derivada, ou seja, a quantia estabelecida como referência não esta direcionada ao pagamento da dor ou do sofrimento experimentado. A sua importância maior está exatamente no lado contrário ao da vítima, ou seja, o ofendido. Ele é a principal razão para a aplicação da quantia em pecúnia quando se fala em dano moral”[26].


Parte da doutrina não reconhece o abandono afetivo parental como pressuposto do nexo de causalidade da responsabilidade civil, simplesmente pelo afeto não constar no ordenamento jurídico brasileiro como um “dever do pai”. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka salienta que pode haver sim uma correlação direta entre o direito de família e a responsabilidade civil:


“A indenização por abandono afetivo, se for utilizada com parcimônia e bom senso, sem ser transformada em verdadeiro altar de vaidades e vinganças ou em fonte de lucro fácil, poderá converter-se em instrumento de extrema importância para a configuração de um Direito de Família mais consentâneo com a contemporaneidade, podendo desempenhar, inclusive, um importante papel pedagógico no seio das relações familiares”[27].


O abandono afetivo parental como fato gerador de indenizar traduz no argumento de que o dano sofrido pela criança seja baseado em uma conduta negligente do pai haja vista que configura espécie de dano moral e ofensa ao direito de personalidade da criança.


A falta do afeto por parte de um dos progenitores é um vazio que nunca será suprido. A criança pode viver a sua vida toda ao redor dos avós, tios e primos, sendo amada por todos. E mesmo assim, sentir uma tristeza profunda pela falta do pai que a abandonou.


“Ser criado sem pai nem sempre representa um trauma, especialmente no contexto da necessidade material. O cerne da questão é o(a) filho(a) ter consciência de que o pai está vivo e exerce a rejeição por livre escolha, muitas vezes, de maneira vil e ardilosa”[28].


Há estudos neste sentido, de que em virtude da ausência do pai e pelo abandono sofrido, as crianças e os adolescentes tenham uma infinidade de graves conseqüências na estruturação psíquica, repercutindo, assim, nas relações sociais como dificuldade de relacionamentos, baixa auto estima, ansiedade, agressividade, delinqüência juvenil e etc..


Podendo, desta forma, se concluir que o abandono afetivo parental implica na desestrutura do próprio Estado. Pois a família quando fortalecida, o Estado se desenvolve. Quando fragilizada se desestrutura, entrando em decadência.


4 CONCLUSÃO


O presente artigo teve como objetivo apresentar a Aplicabilidade da responsabilidade civil no abandono afetivo parental. O tema tornou-se de suma importância com a modernização e constitucionalização do Direito de Família e o conseqüente aumento de demandas relacionadas às indenizações por danos morais. Tal avanço fez com que filhos abandonados afetivamente pelos seus genitores começassem a utilizar a via judicial para sanar ou tentar diminuir este sentimento de vazio.


 


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Notas:

[1] Notícia do site LFG, comentando a decisão da 3ª turma do STJ. Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20091202211019967. Acesso em 14 mar 2010.

[2] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. p. 04.

[3] GONÇALVES, Carlos Roberto. 2005, p. 32.

[4] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. p. 27.

[5] DINIZ, Maria Helena cita em seu livro que “a culpa será grave quando, dolosamente, houver negligência externa do agente, não prevendo aquilo que é previsível ao comum dos homens. A leve ocorrerá quando a lesão de direito puder ser evitada com atenção ordinária, ou adoção de diligências próprias de um bônus pater famílias. Será levíssima, se a falta for evitável por uma atenção extraordinária, ou especial habilidade e conhecimento singular”. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 2007, p. 43.

[6] Savigny, Le droit dês obligationes, §82. apud GONÇALVES, Carlos Roberto. p. 35.

[7] GONÇALVES, Carlos Roberto. p. 36. 2009.

[8] SCREIBER, Anderson. Op. Cit. p. 91 apud RESEDÁ, Salomão. Função social do dano moral. 1º ed. Conceito Editorial. São Paulo. 2009 p. 72..

[9] RESEDÁ, Salomão, p. 126.

[10] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 9ª ed. Editora Atlas. São Paulo. 2010 p. 78

[11] BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. 3ª ed. Revista dos Tribunais. São Paulo. 1999. p. 156.

[12] DINIZ, Maria Helena. O problema da liquidação do dano moral e o dos critérios para fixação do quantum indenizatório, Atualidades Jurídicas. Editora Saraiva. São Paulo. 2000 p. 252.

[13] PAMPLONA FILHO, Rodolfo. O dano moral na relação de emprego. 2ª ed. Editora LTR. São Paulo. 2002. p. 168.

[14] JTJ, Lex, 216:191 apud GONÇALVES, p. 570. 2005

[15] JTJ, Lex, 230:79 apud GONÇALVES, p. 570. 2005

[16] JTJ, Lex, 231:244 apud GONÇALVES, p. 570. 2005

[17] COSTA, Walkyria Carvalho Nunes. Abandono Afetivo Parental. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=784. Acesso em: 25 ago. 2010.

[18] SZYMANSKI, Heloisa. A família contemporânea em debate: Teorias e “Teorias” de Famílias. P. 23. 3ª edição, 2000.

[19] COSTA, Tarcísio José Martins. A DESESTRUTURAÇÃO FAMILIAR E A CONDUTA JUVENIL DESVIADA. Disponível em: http://www.abmp.org.br/textos/312.htm. Acesso em: 28 ago. 2010

[20] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos – além da obrigação legal de caráter material. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=289 Acesso em: 27 ago. 2010

[21] Op. Cit.

[22] Comarca de Capão da Canoa – RS, em sentença proferida em 16 de setembro de 2003, referente ao Processo n. 141/1030012032-0, da 2ª Vara. Parte da ementa desta sentença: “Indenização danos morais. Relação paterno-filial. Princípios da dignidade da pessoa humana. Princípio da afetividade. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, dever ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana”. Retirado do artigo: CRISPINO, Isabela. Dever de indenizar por abandono afetivo. Disponível em http://www.iuspedia.com.br Acesso em: 26 ago. 2010.

[23] Autor: Alexandre Batista Fortes, de Minas Gerais, correspondente à Apelação Cível n. 408.550-5, da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Decisão em 01/04/2004. Relator Unias Silva, v.u. Naquela ocasião, reformando a decisão de primeira instância, o pai foi condenado a pagar indenização de 200 salários mínimos ao filho por tê-lo abandonado afetivamente. Isso porque, após a separação em relação à mãe do autor da ação, o seu novo casamento e o nascimento da filha advinda da nova união, o pai passou a privar o filho de sua convivência. Entretanto, o pai continuou arcando com os alimentos para o sustento do filho, abandonando-o somente no plano do afeto, do amor. Entretanto, mais recentemente, a decisão foi reformada pelo Superior Tribunal de Justiça, que afastou a condenação por danos morais.

[24] Juiz de Direito Luis Fernando Cirillo, no Processo n. 01.36747-0, da 31ª Vara Cível Central de São Paulo, decisão publicada em 26 de junho de 2004.

[25] MARAFELLI, Mayra Soraggi. Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo: a possibilidade de se conceder indenização ao filho afetivamente abandonado pelo pai. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=1164. Acesso em: 24 ago. 2010

[26] RESEDÁ, p. 180

[27] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos – além da obrigação legal de caráter material. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=289 Acesso em: 27 ago. 2010

[28] COSTA, Walkyria Carvalho Nunes. Abandono Afetivo Parental. Disponível em http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=784. Acesso em: 25 ago. 2010.

Informações Sobre o Autor

Ludmila Freitas Ferraz

Advogada, Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Complexo Damásio de Jesus, Bacharel em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco


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