A política criminal apresenta uma natureza dúplice, harmonizando os aspectos teóricos e práticos, ou seja, além de impulsionar o combate à criminalidade, ensinando como combatê-la, também apresenta uma parte investigatória. Logo, é conceituada como um conjunto de princípios e recomendações que orientam as ações da justiça criminal, na elaboração legislativa ou na aplicação e execução da disposição normativa. [1]
A Lei nº 11.340/06 que versa sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher foi denominada de Lei Maria da Penha em homenagem a uma mulher brasileira vitima de violência no lar. Está lei é fruto de uma recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que teve como alicerce a denúncia (1998) da Sra. Maria da Penha Maia Fernandes, que foi vitima de tentativa de homicídio por parte do marido por duas oportunidades em 1983. A Comissão entendeu que a delonga do Estado do Ceará na persecução penal contra o criminoso deveria ser atribuída ao Estado Brasileiro, já que esse violou o Pacto de São José da Costa Rica. Houve por parte deste, uma flagrante negligência em prestar justiça e punir o responsável pela violência.[2]
A supracitada lei inseriu um dispositivo processual (inciso IV do art. 313 do CPP) que autoriza a prisão preventiva para assegurar a execução de medida protetiva de urgência fixada nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Dessa forma a lei criou uma nova hipótese de prisão preventiva.
Para ser decretada a prisão preventiva devem-se preencher os seguintes pressupostos cumulativamente: (a) cautelaridade que são o fumus boni iuris (fumus comissi delicti) e o periculum in mora (periculum libertatis); (b) os requisitos legais que estão previstos nos artigos 313 e 314 do CPP; (c) a incidência de uma ou mais circunstâncias autorizadoras (garantia de ordem pública, da conveniência da instrução criminal e da aplicação da lei penal).[3]
Logo, o inciso IV do art. 313 não pode ser interpretado de maneira isolada, é preciso compatibilizá-lo com o sistema das prisões processuais no ordenamento pátrio. Como menciona a Ministra Ellen Gracie no HC 80.717/SP:
“… significa que a magnitude da lesão não é razão autônoma para decretação de prisão preventiva, mas está dimensão deve ser considerada, quando presentes os pressupostos que a autorizam” [4]
Caso assim não fosse ocorreria uma verdadeira prisão de cunho obrigacional. Mas há autores como Nestor Távora e Rosmar Alencar compreendem que não se pode falar em cunho obrigacional, pois o legislador dá ao juiz, alternativas menos onerosas, como a possibilidade de requisitar a qualquer tempo a força policial para efetivar as medidas protetivas.[5]
De acordo com o STF, o decreto de prisão preventiva é possível, desde que seja interpretado conjuntamente com as autorizações da prisão preventiva para garantia de ordem pública. Estas circunstâncias autorizadoras podem ser compreendidas da seguinte forma: (a) necessidade de resguardo da integridade física e psicológica do paciente; (b) no objetivo de impedir a reiteração das praticas criminosas contra a mulher, desde que demonstrando e fundamentando elementos concretos no decreto da prisão cautelar; (c) para assegurar a credibilidade das instituições públicas, a respeito das decisões judiciais, no sentido da adoção tempestiva de medidas adequadas, eficazes e fundamentadas quanto à visibilidade e transparência da implementação de políticas públicas de persecução penal.[6]
Apesar do Supremo Tribunal Federal já ter definido pela constitucionalidade da aplicação da prisão preventiva, o doutrinador Guilherme Nucci critica essa possibilidade alegando que existem delitos incompatíveis com a decretação da prisão preventiva, pois a pena aplicada no futuro seria insuficiente para “coibir” o tempo de prisão cautelar; levando em conta que no Brasil vigora a chamada política de pena mínima, ou seja, os juízes raramente aplicam a pena acima do piso e quando fazem é uma elevação ínfima.[7]
Em minha opinião vislumbro que é possível a aplicação de prisão preventiva nos casos de violência doméstica, para confirmar tal posicionamento transcrevo o seguinte julgado:
“Habeas corpus. Violência domestica contra a mulher. Ameaça. Imposição de medidas protetivas em favor da vitima. Descumprimento pelo réu. Nova ameaça. Prisão preventiva decretada. Liberdade provisória indeferida. Garantia de ordem pública e conveniência de instrução criminal. Necessidade de manutenção da segregação para assegurar a integridade física e moral da vitima. Evita a prática de novos atos criminosos. Inexistência de constrangimento ilegal. Ordem denegada. Quando as medidas protetivas deferidas em favor da vitima de violência domestica se mostram ineficazes, necessária a imposição de providencias mais rígida que garanta a incolumidade física e psíquica da violentada, ainda que a prisão cautelar esteja com o prazo legal excedido, pois os rigores temporais devem ser mitigados em face da peculiaridade da causa, prestigiando o princípio da razoabilidade. (…)” (TJRS, HC 70.018.702.043. Rel. Lais Rogéria Alves Barbosa, j. 29.03.2007).[8]
Além do mais, o posicionamento de Guilherme Nucci me parece equivocado apesar de brilhantemente defendido, pois se encontra em descompasso com os compromissos assumidos pelo Estado Brasileiro. O dispositivo em análise foi interpretado isoladamente, contrário à idéia fundamental de que o Brasil está tentando aplicar uma política de diminuição da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Bacharel em Direito pela UNIFLU – Faculdade Direito de Campos/RJ, Pós- Graduação em Curso, Cienciais Penais – LFG Anhanguera -UNIDERP.
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