Aplicação do artigo 366 do Código de Processo Penal aos crimes de lavagem de dinheiro

Resumo: O ponto de partida deste trabalho é a possibilidade de aplicação do artigo 366 do Código de Processo Penal aos crimes previstos na Lei nº. 9.613/1998. Assim, com o objetivo de aplicar da melhor maneira possível a lei, e com a finalidade de que a justiça seja realmente cumprida, através de uma bibliografia calcada no método crítico-histórico, resgatando uma visão histórica e conceitual, para, então, adentrar nas fases e nos efeitos causados pelo crime de Lavagem de Dinheiro, em especial, a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 2º, da supramencionada Lei, e sua efetiva aplicação aos crimes em comento.


Palavras-chave: Origem, evolução e conceito da Lavagem de Dinheiro; Crimes Antecedentes; Processo Penal Constitucional; Inconstitucionalidade; Aplicação do artigo 366 do Código de Processo Penal.


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Sumário: Introdução. 1. Do crime de lavagem de dinheiro. 1.1 conceito. 1.2 Histórico. 1.2.1 Estados Unidos. 1.2.2 Suíça. 1.2.3 Espanha. 1.2.4 Alemanha. 1.2.5 Itália. 1.2.6 França. 1.2.7 Portugal. 1.2.8 Brasil. 1.3 Etapas da Lavagem de Dinheiro. 1.4 Características do Crime de Lavagem de Dinheiro. 1.4.1 Bem Jurídico Tutelado. 1.4.2 Sujeitos do Delito. 1.4.3 Objeto Material. 1.4.4 Tipo Objetivo. 1.4.5 Tipo Subjetivo. 1.4.6 Das Penas. 1.4.7 Delação Premiada ou Colaboração Espontânea. 1.4.8 Tentativa. 2. Crimes precedentes. 2.1 Tráfico de Drogas. 2.2 Terrorismo e seu financiamento.  2.3 Contrabando ou Tráfico de Armas. 2.4 Extorsão Mediante Seqüestro. 2.5 Crimes contra a Administração Pública. 2.6 Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. 2.7 Crimes praticados por Organização Criminosa. 2.8 Crimes Praticados por Particular Contra a Administração Pública Estrangeira. 3. Processo penal constitucional. 3.1 Princípio do Devido Processo Constitucional.  3.2 Princípio do Contraditório ou Audiência Bilateral. 3.3. Princípio da Ampla Defesa. 3.4 Princípio do Duplo Grua de Jurisdição.  3.5 Princípio da Presunção de Inocência ou Estado de Não Culpabilidade. 4. Aplicação do artigo 366 do Código de Processo Penal aos crimes de lavagem de dinheiro. 4.1 Natureza Jurídica do Artigo 366 do Código de Processo Penal. 4.2 Suspensão do Processo e da Prescrição. 4.3. Da Inconstitucionalidade do Artigo 2º, § 2º, da Lei 9.613/1998. Conclusão. Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO


O Direito Penal Econômico nasceu do intervencionismo estatal do século XX no domínio econômico. É um direito novo face a uma nova realidade estatal econômica, possuidora de características próprias.


Caracterizou-se como um arsenal de técnicas jurídicas a serviço do Estado, para a realização de suas diretrizes econômicas, significando o instrumento normativo da base de sustentação do sistema econômico do Estado.


Como a economia é um campo extremamente vulnerável a ataques, necessário se faz um conjunto de normas com a finalidade de assegurar que as relações econômicas não ofendam ou coloquem em risco bens jurídicos relevantes.


Assim, é o Direito Penal Econômico o ramo do direito penal que trata das infrações contra a ordem econômica, tipificando condutas que agridem bens jurídicos importantes para o bom e regular funcionamento da economia.


Com efeito, na atual conjuntura mundial, um dos crimes que mais atormentam a ordem jurídica é a Lavagem de Dinheiro, posto o significativo aumento da criminalidade organizada, utilizando técnicas refinadas para mascarar a origem ilícita dos bens, direitos ou valores provenientes de crimes.


Nesta esteira, o estudo em pauta tem o objetivo de trazer à baila a discussão acerca dos crimes da Lavagem de Dinheiro: seu conceito, origem, evolução e etapas, os crimes precedentes, e em especial, a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 2º, da lei em comento, posto que afronta direitos constitucionais, como a ampla defesa e o contraditório.


Ademais, a leitura do diploma ora estudado deve ser feita sob o prisma da Lei Maior, que garante um devido processo constitucional ao acusado.


Ao final, esperamos alcançar nosso objetivo de sensibilizar conhecedores e leigos em geral, de que, a vedação da aplicação do artigo 2º, § 2º, da Lei de Lavagem é inconstitucional, ou seja, um nada no mundo jurídico, e que a suspensão do processo e da prescrição, previstas no artigo 366 do Código de Processo Penal, é de perfeita e harmônica convivência com a Lei nº. 9.613/1998.


1. DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO


          1.1 Conceito


Lavagem de dinheiro é o meio pelo qual bens, direitos ou valores obtidos com a prática dos crimes listados no artigo 1º da Lei nº. 9.613/98 conseguem se desvincular de suas origens passando a ser reconhecidos como provenientes de alguma atividade legalmente estabelecida, podendo, assim, ser utilizado livremente sem constituir ilícito ou mesmo prejudicar a imagem de seu possuidor.


Sobre o tema, assim se manifestaram alguns renomados doutrinadores:


Lavagem de Dinheiro é um processo através do qual o criminoso busca introduzir um bem, direito ou valor provindo de um dos crimes antecedentes na atividade econômica legal, com aparência de lícito (reciclagem)”.[1]


“Crime de lavagem consiste na operação financeira ou transação comercial que oculta ou dissimula a incorporação, transitória ou permanente, na economia ou no sistema financeiro do País, de bens, direitos ou valores que, direta ou indiretamente, são resultado ou produto dos seguintes crimes: a) tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; b) terrorismo; c) contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; d) extorsão mediante seqüestro; e) praticados contra a Administração Pública; f) cometidos contra o sistema financeiro nacional; h) praticados por organização criminosa”.[2]


“Tradicionalmente, a lavagem de dinheiro tem sido encarada (isoladamente) como a limpeza do dinheiro sujo gerado por atividades criminosas; na imagem mental coletiva, esses crimes estão provavelmente associados ao tráfico de drogas. É claro que a lavagem inclui esse tráfico, mas na verdade abrange muito mais. Para entender e avaliar o poder e a influência da lavagem de dinheiro, é necessário recordar a finalidade dos crimes. A imensa maioria dos atos ilegais é perpetrada para conseguir uma só coisa: dinheiro. Se for gerado pelo crime, o dinheiro será inútil a menos que a fonte sórdida dos recursos possa ser disfarçada ou preferivelmente ‘apagada’. A dinâmica da lavagem de dinheiro assenta sobre o âmago corrupto dos muitos problemas sociais e econômicos espalhados pelo mundo todo”.[3]


“De acordo com o estudo realizado pode-se afirmar que a lavagem de dinheiro se encontra estreitamente vinculada à criminalidade organizada, pois, na maioria dos casos, a comissão desse delito requer uma estrutura não só para a comissão da lavagem como também do delito previsto, o que origina os bens que serão lavados. É certo que, na maioria das vezes, o delito que gera mais ganhos é o tráfico de drogas e, portanto, está muito vinculado à lavagem de dinheiro. Porém, no Brasil, não somente ele gera grandes quantidades aptas à lavagem. Assim, podemos citar outras atividades criminosas com as quais se obtêm grandes somas de dinheiro ou bens, como o tráfico de armas, o jogo ilícito, a subtração de veículos e seu contrabando, a extorsão mediante seqüestro, as redes de prostituição e a exploração sexual, os crimes contra a administração pública, o roubo de cargas etc. As organizações criminais se movem pela facilidade de obtenção de grandes quantias de dinheiro com a comissão de alguns delitos que ultrapassam as fronteiras dos países. Essas grandes somas tendem a ser recicladas mediante sua introdução nos circuitos financeiros, obtendo assim uma aparência de legalidade”.[4]


Portanto, depreende-se que lavagem de dinheiro é o método pelo qual uma pessoa física ou organização criminosa processa os valores decorrentes de um crime buscando conferir a eles uma aparência de licitude.


1.2 Histórico


Remonta-se ao século XVII, na Inglaterra, o início do crime de lavagem de dinheiro, por intermédio da pirataria realizada nas embarcações. Devido ao custo elevado de manutenção de um navio, os piratas acabavam saqueando e roubando os demais navios. Não obstante, o ‘tesouro’ não era enterrado, fato que, na verdade, guarda somente relevância folclórica, sendo que eles utilizavam um método de lavagem semelhante ao atual.


Vários estudos apontam o surgimento da expressão ‘lavagem de dinheiro’ a um fenômeno ocorrido nos Estados Unidos por volta dos anos 20, quando foi montada uma rede de lavanderias para aparentar a procedência lícita do dinheiro auferido com a prática de atividades delitivas.


A expressão lavagem de dinheiro originou-se, historicamente, no costume das máfias norte-americanas, na segunda década do século 20, de usar lavanderias para ocultar a procedência ilegal de seu dinheiro. Deve-se observar que em muitos países, inclusive Portugal, em vez de ‘lavagem de dinheiro’ é usado o termo ‘branqueamento de dinheiro’. Internacionalmente, a expressão ‘money laudering’ é utilizada para designar esta atividade. Esta terminologia vem recebendo algumas críticas no meio jurídico pela sua falta de rigor técnico devido sua origem popularesca, e, inclusive, à expressão branqueamento, é atribuída a pecha de racista. Alguns doutrinadores preferem utilizar o termo Lavagem de Capitais, pelo seu caráter mais abrangente”.[5]


“A expressão ‘lavagem de dinheiro’ parece ter surgido nos Estados Unidos, na década de 20. As quadrilhas daquela época se emprenhavam em fazer mais ou menos a mesma coisa que as quadrilhas de hoje: desvincular os recursos provenientes de crime das atividades criminosas em si. Para conseguir isso as quadrilhas se apoderavam de empresas onde o dinheiro ‘girava’ rapidamente – como as lavanderias e os lava rápidos – passando em seguida a misturar o dinheiro ganho, criando assim uma razão comercial lógica para a existência de grandes somas”.[6]


Todavia, o marco fundamental na criminalização da lavagem de dinheiro foi a Convenção de Viena de 1988, sobre o tráfico de entorpecentes e substâncias psicotrópicas, que fazia referência expressa à ‘lavagem de dinheiro’ como conversão, transferência, ocultação ou encobrimento da natureza, origem, localização, destino, movimentação ou propriedade verdadeira dos bens decorrentes de atividades ilícitas.


“Logo após a realização da mencionada Convenção de Viena, alguns países começaram a criminalizar a ‘lavagem’ de dinheiro, configurando-a somente quando a ocultação dos bens, direitos ou valores tivesse como fato ilícito anterior o tráfico de entorpecentes. Pode-se dizer que esta foi a linha primária de legislação sobre a matéria. Todavia, nos países que adotaram tal sistemática, verificou-se que a ‘lavagem’ também estava sendo utilizada como fase conclusiva de outras modalidades criminosas. A partir disto, o rol de crimes anteriores passou a ser ampliado, sendo que, em algumas legislações, sua abrangência confirmou-se de forma plena para alcançar todo sistema repressivo penal, figurando como exemplos desta ordem as legislações dos Estados Unidos da América, Bélgica, França, Itália e Suíça, as quais admitem a conexão da ‘lavagem’ a qualquer atividade ilícita anterior”.[7]


Inicialmente, a lavagem de dinheiro estava vinculada ao tráfico de entorpecentes, em função da acentuada repercussão na seara econômica dos países. Era a denominada legislação de ‘primeira geração’.


Em seguida, a concepção de crime antecedente sofreu considerável evolução, dando origem à legislação de ‘segunda geração’, sendo exemplos dessa geração as legislações vigentes na Alemanha, Espanha, Portugal e Brasil.


Por fim, na ‘terceira geração’, o critério definidor foi a menor ou maior gravidade de qualquer fato delituoso antecedente. Assim, países como a Bélgica, França, Itália, México, Estados Unidos e Suíça optaram por conectar a lavagem de dinheiro a todo e qualquer ilícito precedente.


Hoje, na economia globalizada, a aliança mundial de combate à lavagem de dinheiro, justifica-se pelos tipos de delitos que visa coibir, como o tráfico de drogas, armas, mulheres, o terrorismo, dentre outros, que são crimes transnacionais, nos quais uma ação, praticada em determinado país, pode repercutir efeitos em diversos pontos do mundo. Embora a maioria dos países possua leis de combate a lavagem de dinheiro, é necessário que haja uma cooperação mais ágil entre eles, para que se obtenha resultados, realmente importantes.


Sabe-se que não somente o Brasil possui elencadas em seus dispositivos legais, normas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro. Outros países também possuem em seus normativos jurídicos, previsões legais referentes ao crime em tela, os quais serão tratados isoladamente no tópico a seguir.


1.2.1 Estados Unidos


Os Estados Unidos são os pioneiros no combate à lavagem de dinheiro internacional, sendo que internamente contam com diversas normas legislativas e regulamentadoras para controlar o problema.


Fazem parte da história americana dois personagens de maior relevância na origem do crime em comento. O primeiro deles é Alphonse Capone, mais conhecido como ‘Al Capone’, líder do crime organizado na cidade de Chicago, ao final da década de 20, e responsável pelo desenvolvimento de novas técnicas de lavagem de dinheiro. O segundo personagem é Meyer Lansky, que juntamente com Bugsy Siegel, instalou as casas de jogos de Las Vegas, aumentando, assim, as oportunidades de lavar o dinheiro sujo adquiridos nos tempos da proibição.


Em 2001, com os atentados terroristas, os Estados Unidos trouxe para si a tarefa de reduzir a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo em todo o mundo, já que foi com o patrocínio deste dinheiro que os desastres ocorreram.


Destarte, os Estados Unidos mantém-se como país de atividade preventiva e repressiva mais atuante no combate à lavagem de dinheiro.


1.2.2 Suíça


Uma das legislações pioneiras na incriminação da lavagem de dinheiro é o Código Penal da Suíça, em seu artigo 305, que traz aspectos gerais sobre o crime, sendo que uma lei federal especial traz os detalhes.


“As medidas positivas que a Suíça adotou contra a lavagem de dinheiro são mencionadas em diversos pontos deste livro. A legislação contra a lavagem de dinheiro, que entrou em vigor a partir de 1º de abril de 1998, aperfeiçoou indiscutivelmente os sistemas referentes à manutenção de registros contábeis, identificação dos clientes e denúncia das transações suspeitas. Os regulamentos afetam não só os bancos, mas também contadores, advogados e consultores financeiros independentes, bem como as companhias seguradoras”.[8]


1.2.3 Espanha


O Código Penal Espanhol prevê o crime de lavagem de dinheiro, sendo que suas condutas incriminadoras são semelhantes às previstas pela legislação brasileira: adquirir, converter, transmitir, ocultar, encobrir bens de origem ilícita.


Destaca-se na legislação espanhola, a fixação da pena em até seis anos, bem como a possibilidade de agravamento se houver participação do agente em organização criminosa.


1.2.4 Alemanha


Como legislação de segunda geração, o Código Penal alemão traz expressamente quais são os crimes antecedentes à lavagem de dinheiro. Vê-se previsão expressa aos crimes cometidos contra a ordem tributária, a organização dos mercados, assim como os crimes cometidos por intermédio de organização criminosa.


“Na Alemanha, a lavagem de dinheiro é considerada um delito comparável a todos os crimes sérios. Os regulamentos gerais e a estrutura de controle do país são razoavelmente adequados, mas um tanto controverso é o fato de não existir nenhuma entidade que centralize as informações e os relatórios financeiros sobre a lavagem de dinheiro. Não obstante, a Alemanha tornou obrigatória a prevenção da lavagem de dinheiro para os bancos, as instituições de crédito e de serviços financeiros, as empresas financeiras, a companhias de seguros, os leiloeiros, os cassinos e os negociantes de ouro”.[9]


1.2.5 Itália


O crime de lavagem de dinheiro foi incluído no Código Penal italiano em 1990, sendo que as condutas criminosas envolvem adquirir, receber e ocultar dinheiro e bens provenientes de atividade ilícita, abrangendo os crimes de extorsão, seqüestro, tráfico de entorpecentes e afins.


A pena pode variar de dois a doze anos, acrescida de multa, bem como pode ser agravada no caso de a lavagem de dinheiro ter sido praticada a partir de uma atividade profissional.


1.2.6 França


Assim como Itália e Suíça, a França também é exemplo de legislação de terceira geração, posto que apresenta como crime antecedente a prática de qualquer delito.


“A França definiu a lavagem de dinheiro como algo relacionado aos recursos advindos de qualquer crime, mantém procedimentos de identificação dos clientes e regulamentos que obrigam a denunciar as transações suspeitas, aplicáveis aos bancos e demais instituições financeiras, aos corretores de seguros, às agências de correio, às casas de câmbio, aos tabeliães e aos agentes imobiliários. Todas as informações são coligidas por uma entidade central, a TRACFIN”.[10]


1.2.7 Portugal


A Lei nº. 11, publicada em 27 de março de 2004, traz novo regime de prevenção e repressão do branqueamento de vantagens de proveniência ilícita, estabelecendo medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao crime em comento


“Em Portugal, a lavagem de dinheiro não parece assumir proporções significativas, embora a lavagem dos recursos procedentes do tráfico de drogas constitua um problema especial. A abrangência da legislação contra a lavagem de dinheiro é impressionante: é obrigatória a identificação dos clientes, os registros contábeis precisam ser mantidos durante dez anos e é obrigatória a denúncia das transações suspeitas; além disso, se a transação foi anormalmente substancial, a instituição financeira está obrigada a obter do cliente uma declaração referente à origem dos recursos”.[11]


1.2.8 Brasil


Influenciado pelo compromisso assumido na Convenção de Viena, em 1988, o Brasil editou a Lei nº. 9.613/98, que: a) tipifica os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; b) dispõe sobre a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos na lei; c) cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF.


“Diante da gravidade do fenômeno ‘lavagem’, o legislador ditou normas de múltiplas conseqüências, reunindo-as em um diploma complexo. Não se trata exclusivamente de um conjunto de regras penais, visto que a Lei de ‘Lavagem’, além de especificar os tipos penais em seu art. 1º, incs. I a VIII e parágrafos, também estabeleceu disposições de natureza processual penal (arts. 2º a 8º), bem como avança para outro vasto campo, apresentando mandamentos que dialogam com o direito penal (nacional e estrangeiro), direito administrativo, direito financeiro, direito econômico, direito civil e direito comercial (arts. 9º a 17º)”.[12]


A lei brasileira é dividida em nove capítulos. Nos dois capítulos iniciais (‘Dos Crimes de Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores’ e ‘Disposições Processuais Especiais’), a lei trata especificamente da tipificação do crime de lavagem de dinheiro e de seus aspectos processuais. Adiante, nos capítulos III e IV, aborda os efeitos da condenação e crimes praticados no estrangeiro. Em seguida, do capítulo V ao VIII, traz os aspectos administrativos. Por fim, no capítulo IX, estabelece a criação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF.


1.3 Etapas da Lavagem de Dinheiro


O crime de lavagem de dinheiro reclama um processo complexo e bem estruturado, envolvendo várias operações até a sua consumação. A doutrina aponta três fases nas quais se desenvolve o delito:


a) Fase da colocação, que consiste na introdução do dinheiro ilícito no sistema financeiro. Os lavadores costumam se utilizar de algumas técnicas, como o “smurfing”, que é o fracionamento de grandes valores em pequenos, de modo a escapar do controle administrativo imposto às instituições financeiras, que são obrigadas a comunicar a Receita Federal às transações acima de determinando valor. Outra técnica é a utilização de estabelecimentos comerciais que trabalham com dinheiro em espécie.


b) Fase da dissimulação, sendo a realização de uma série de negócios ou movimentações financeiras, a fim de impedir o rastreamento de valores.


c) Fase da integração, em que, já com aparência lícita, os valores são incorporados ao sistema econômico, geralmente por meio de investimentos no mercado mobiliário ou imobiliário e, até mesmo no refinanciamento de novas atividades ilícitas.


Impende ressaltar que, para o Supremo Tribunal Federal, a configuração do delito em comento se dá com a realização de qualquer uma das três fases, não sendo necessária a prática de todas elas.[13]


1.4 Características do Crime de Lavagem de Dinheiro


1.4.1 Bem Jurídico Tutelado


Ainda é motivo de discussões doutrinárias a determinação do bem jurídico tutelado nos crimes de lavagem de dinheiro.


“(…) é importante observar que a ‘natureza do bem jurídico’ no âmbito da lavagem de dinheiro é ainda um tema muito discutido pela doutrina, já que interesses individuais podem ser atingidos pela conduta do agente. Na verdade, tudo dependerá da análise do caso concreto, pois determinada conduta, em razão de sua escassa lesividade ao sistema econômico-financeiro poderá afetar apenas órbitas individuais e menos genéricas (crimes contra o patrimônio e a administração, falsidades etc.), requerendo um objeto de proteção de menor espectro”.[14]


Atualmente, existem três correntes doutrinárias a respeito do tema.


“Um setor minoritário na doutrina defende que o bem jurídico protegido é a Administração da Justiça, ainda que não esqueça que a lei também protege a ordem socioeconômica do país. É que o comportamento do lavador é, de fato, prejudicial ao livre mercado, muitas vezes comprometendo a livre concorrência entre as empresas, pois ao beneficiar-se de capitais ilícitos o lavador não necessita recorrer aos canais legítimos para buscar dinheiro, como, por exemplo, crédito bancário. De qualquer sorte, para esse setor da doutrina, a Administração da Justiça é sempre vulnerada em qualquer das fases de lavagem, o que não ocorre com os outros bens jurídicos indiretamente protegidos, como o sistema econômico”.[15]


Outra corrente afirma que o bem jurídico protegido é o mesmo bem do crime antecedente. Todavia, este entendimento não possui muitos respaldos nos dias de hoje, sendo que era uma boa justificativa à época da legislação de primeira geração, em que o único crime antecedente era o tráfico de drogas.


Por fim, a corrente prevalente nos dias de hoje, é a que traz como bem jurídico tutelado a ordem econômico financeira, já que o crime em foco coloca em risco o equilíbrio do mercado e a livre concorrência, uma vez que a criminalidade organizada, através de sua estrutura altamente organizada, participa ativamente do cotidiano financeiro de qualquer país. Assim, busca-se garantir a mínima segurança das operações e transações de ordem econômica e financeira.


1.4.2 Sujeitos do Delito


Por tratar-se de crime comum, o sujeito ativo do crime de lavagem de dinheiro pode ser qualquer pessoa, seja ele autor do crime antecedente ou não.


Já o sujeito passivo é o Estado, justamente porque o crime em tela deixa nele suas maiores marcas.


“Tendo em vista a objetividade jurídica estabelecida para o tipo, o sujeito passivo principal é o Estado, ao qual cabe o monopólio da administração da justiça. Consoante a natureza do crime precedente mediatamente poderão existir outros lesados(…)”.[16]


1.4.3 Objeto Material


Constituem objeto material do crime de lavagem de dinheiro, os bens, direitos e valores provenientes direta ou indiretamente de crime.


Para a doutrina que tratou do tema, o objeto material no delito de lavagem de dinheiro previsto na Lei brasileira são os bens, direitos e valores que sejam produtos dos crimes antecedentes previstos na Lei. Seguindo a mesma interpretação da doutrina espanhola, fica claro que o objeto de proteção não são os bens, direitos e valores em si, senão a circulação destes no mercado como um elemento essencial para seu bom funcionamento e o da economia em geral que pode ser perturbada enquanto outros bens que tenham origem delitiva se incorporem a essa circulação. Mas, diferentemente do legislador espanhol, o legislador brasileiro se referiu expressamente a todos os bens que sejam objeto material a um número taxativo de delitos prévios.


O legislador brasileiro fez menção expressa a estes objetos materiais na redação do artigo 1º da Lei 9.613/98 que estabelece: ‘ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime’”.[17]


1.4.4 Tipo Objetivo


O tipo objetivo do crime em estudo vem explicitado no caput do artigo 1º, da Lei nº. 9.613/98, que dispõe:


“Art. 1º. Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direita ou indiretamente, de crime”.


Para uma melhor compreensão do tipo objetivo, necessário se faz o significado dos verbos “ocultar” e “dissimular”.


Ocultar significa encobrir, esconder, sonegar, não revelar, enquanto dissimular é ocultar com astúcia, fingir, disfarçar”.[18]


“‘Ocultar’ é o ato de esconder, de tornar algo inacessível às outras pessoas. Esta ação pode ser efetuada diretamente, sem a utilização de qualquer ardil ou artifício (…); já ‘dissimular’ é encobrir, disfarçar, mascarar, fraudar, escamotear ou alterar a verdade. Assim é possível dissimular a localização de um bem modificando sua aparência exterior para que não seja reconhecido ou simplesmente mentindo acerca de onde se encontra”.[19]


1.4.5 Tipo Subjetivo


O tipo subjetivo do crime de lavagem de dinheiro é o dolo, seja ele direto ou eventual. Todavia, a doutrina majoritária entende ser somente possível o dolo direto.


“A conduta do sujeito deve estar dirigida à ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade dos bens provenientes dos crimes enumerados na Lei de Lavagem, o que significa, em princípio, que só é possível o dolo direto nestas condutas. Não consideramos que o sujeito, na comissão destes delitos, possa ser indiferente sobre a ocultação ou dissimulação dos bens sobre os quais vai atuar, porque os bens têm que ser provenientes dos crimes expressamente enumerados, o que significa que o sujeito atua com uma finalidade específica”.[20]


Ademais, não é possível a modalidade culposa, já que não há expressa previsão legal.


“Em primeiro lugar, cabe dizer que a lei brasileira não menciona a modalidade culposa, pois todos os crimes são dolosos. O legislador brasileiro não estabeleceu a figura culposa para o delito de lavagem de dinheiro. Ademais, o Código Penal brasileiro adota o sistema taxativo (numerus clausus) para a incriminação da culpa, é dizer, os tipos que permitem a comissão culposa estão expressamente previstos na Parte Especial do Código. Assim, ainda que os tipos sobre a lavagem não estejam contidos no Código, seguem as mesmas regras contidas na Parte Geral deste, ou seja, só admitiriam a comissão culposa se houvesse a previsão expressa pelo legislador”.[21]


1.4.6 Das Penas


A pena cominada para o delito de lavagem de dinheiro é de três a 10 anos de reclusão e multa. Em relação à pena de multa, deve-se observar o disposto nos artigos 49 a 52 do Código Penal brasileiro.


Com efeito, por tratar-se de crime acessório, a maioria da doutrina critica a desproporção entre as penas do crime de lavagem, que é acessório, e as penas dos crimes antecedentes.


“A autonomia e intensa lesividade social do delito estudado, em nossa opinião, justificam plenamente a exacerbação de sua punição mas não retiram seu caráter acessório. Conseqüentemente, não há como justificar-se uma apenação completamente desproporcional àquela que é cominada para determinados crimes antecedentes”.[22]


Ainda, em relação às penas, o parágrafo 4º, do artigo 1º, da Lei de Lavagem, traz as causas de aumento de pena. Referido dispositivo legal determina:


A pena será aumentada de 1 (um) a 2/3 (dois terços), nos casos previstos nos incisos I a VI do caput deste artigo, se o crime for cometido de forma habitual ou por intermédio de organização criminosa”.


“(…) O termo habitual pode ser compreendido como a repetição freqüente de um ato, e a doutrina assinala que o crime habitual é aquele que se constitui de uma reiteração de atos, penalmente indiferente, por sis mesmos, mas que constituem um todo, um delito apenas, o que se traduz num modo ou estilo de vida do agente, ou é o que contém comportamentos idênticos e repetidos, que só se realizam com a ocorrência da ação reiterada.


Assim, o significado do conceito contido na Lei de Lavagem não coincide com o conceito de crime habitual utilizado pela doutrina que exige, para sua consumação, uma reiteração das condutas, pois, se ocorre um só ato, não haverá crime habitual. Em nossa opinião, a intenção do legislador é no sentido de apenar com mais gravidade os casos em que os sujeitos pratiquem lavagem de forma habitual, e não isoladamente. No entanto, diferentemente do conceito de crime habitual, ainda que haja um só ato de lavagem, já existirá este delito, o que não ocorre com o delito habitual que exige a reiteração de atos para a existência do delito. De acordo com isso, para a aplicação desse preceito, deve ficar provado que havia uma certa freqüência na conduta do sujeito, ou seja, que estava dedicado a lavar capitais de forma habitual”.[23]


Já a segunda causa de aumento se dá quando o crime é cometido por intermédio de organização criminosa, que é a união voluntária de várias pessoas com a finalidade de praticarem crimes.


1.4.7 Delação Premiada ou Colaboração Espontânea


Determina o parágrafo 5º, do artigo 1º, da Lei de Lavagem:


“A pena será reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços) e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objetos do crime”. 


A delação premiada ou colaboração espontânea surge quando o Estado reconhece sua própria ineficiência. Nada mais é do que a compra da justiça pelo preço da impunidade.


Em que pese às duras críticas feitas pela doutrina, ela constitui importante meio de se enfrentar uma organização criminosa, já que ela quebra o liame subjetivo que liga os criminosos.


Sua natureza jurídica é de causa de diminuição de pena, sendo que esta redução é obrigatória para o sujeito que colabore com as autoridades, já que se trata de direito público subjetivo. Todavia, o perdão judicial e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos é uma faculdade do juiz, que deverá analisar cada caso concreto.


1.4.8 Tentativa


A figura da tentativa vem prevista no parágrafo 3º, do artigo 1º, da Lei de Lavagem que determina:


“A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal”.


 “No momento de fixar a pena do crime tentado, o juiz deve respeitar a consagrada fórmula de cálculo, ou seja, quanto mais se aproximar o agente da consumação menor a diminuição da pena, e quanto menos percorrido o iter criminis maior a redução”.[24]


2. CRIMES PRECEDENTES


A palavra crime é uma elementar do delito de lavagem de dinheiro. Logo, existe uma relação de acessoriedade objetiva entre o crime antecedente e o delito de lavagem de dinheiro.


Ademais, o legislador brasileiro enumerou de forma taxativa os crimes que podem dar origem ao delito de lavagem de dinheiro.


2.1 Tráfico de Drogas


O primeiro crime antecedente vem regulamentado na Lei nº. 11.343/2006, nos artigos 33 e 34.


“No entanto, para a caracterização do delito de lavagem de dinheiro, é necessário que tudo o que seja proveniente do tráfico de drogas (bens, direitos ou valores) seja posto em circulação no mercado econômico ou financeiro e que se oculte sua origem ilícita. Somente assim caracteriza-se o delito de lavagem”.[25]


2.2 Terrorismo e seu financiamento


A discussão que existe tanto na doutrina quanto na jurisprudência pátria é se existe ou não o delito de terrorismo no Brasil. Quanto ao tema, há duas correntes.


A primeira corrente afirma que o delito de terrorismo está previsto no artigo 20, da Lei nº. 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional), já que a exposição de motivos da Lei de Lavagem cita como crime de terrorismo o previsto na Lei nº. 7.170/83.


Já a segunda corrente, da qual Luís Flávio Gomes é adepto, afirma ser impossível entender o artigo 20 da Lei de Segurança Nacional como a tipificação para o terrorismo, posto que o dispositivo legal é indeterminado.


2.3 Contrabando ou Tráfico de Armas


“O inciso III dispõe como crime antecedente ao de lavagem o contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua fabricação. O delito de contrabando encontra-se previsto no artigo 334 do Código Penal, enquanto em relação ao contrabando de armas foi promulgada uma lei que regulamenta a compra, o uso e a autorização das armas. A razão da inclusão pelo legislador do delito antecedente do tráfico de armas deve-se pelo informe da ONU em que há a informação de que o tráfico de armas proporciona um movimento enorme de dinheiro anualmente, e esses valores ilícitos passam a integrar o sistema econômico do país”.[26]


2.4 Extorsão Mediante Seqüestro


“O inciso IV estabelece a conduta antecedente da extorsão mediante seqüestro. Este delito está previsto no artigo 159 do Código Penal, considerado também como crime hediondo. A prática desse crime no Brasil é freqüente, e os valores obtidos com esse tipo de delito, normalmente, ficam sempre dentro do próprio país. Porém, como não existe um controle sobre o destino do dinheiro ou dos bens obtidos, esses acabam por circular livremente como lícitos no mercado financeiro, ou através da aquisição de propriedades Como nesse tipo de delito o dinheiro provém, muitas vezes, de quadrilhas organizadas, o legislador pretende impedir a utilização desses fundos obtidos ilicitamente. Assim, se o sujeito oculta ou dissimula os bens provenientes do seqüestro, ocorrerá o delito de lavagem”.[27]


2.5 Crimes contra a Administração Pública


No Direito Penal, o conceito de Administração Pública é bastante amplo, de modo a abranger toda a atividade do Estado, inclusive a de governo.


Para o Direito Penal, funcionários públicos são todos os que, embora transitoriamente ou sem remuneração, exercem cargo, emprego ou função pública, equiparando, inclusive por analogia, todos os que exerçam cargo, emprego ou função em entidade paraestatal.


Existem várias figuras típicas que tipificam os crimes contra a Administração Pública, todavia, nem todas elas podem servir de base para a imputação do crime de lavagem de dinheiro.


Tais crimes estão tipificados no Título XI, do Código Penal. Todos os delitos previstos neste título são de ação penal pública incondicionada, ou seja, a autoridade administrativa, por dever de ofício, sob pena de responsabilidade, deve de imediato, tomar todas as providências necessárias, de acordo com o caso concreto, visando apurar o fato, sobre os aspectos de autoria e materialidade, adotando as medidas administrativas e jurídicas.


2.6 Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional


Os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional estão tipificados na Lei nº. 7.492/86, sendo que a prática de qualquer um deles pode ser considerado antecedente ao crime de lavagem de dinheiro, já a própria Lei de Lavagem tutela, entre outros bens, o Sistema Financeiro Nacional.


“(…) Vale a pena recordar que o Sistema Financeiro Nacional está composto pelo conjunto de atividades executadas pelas instituições financeiras, e estas, por sua definição legal, são as pessoas jurídicas de direito público ou privado, que tenham como atividade principal ou secundária a captação, mediação, ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, mediação, ou administração de valores mobiliários(…)”.[28]


2.7 Crimes praticados por Organização Criminosa


O tipo penal previsto no inciso VI, do artigo 1º, da Lei de Lavagem, determina como delito precedente aquele praticado por organização criminosa previsto na Lei nº. 9.034/95. Ocorre que a lei penal brasileira não define o que vem a ser organização criminosa, o que acaba por dificultar a aplicação deste dispositivo.


A doutrina, amparada pela Convenção de Palermo, costuma conceituar organização criminosa como o grupo formado por três ou mais pessoas, que atua de forma permanente, sempre com o fim de praticar crimes que trarão benefícios econômicos ou morais.


Todavia, essa mesma doutrina que conceitua o que vem a ser organização criminosa, afirma que na prática é difícil ou quase impossível a aplicação deste dispositivo legal, por tratar-se de um tipo aberto. Se admitirmos a aplicação deste dispositivo, significa, a princípio, que toda e qualquer infração penal praticada por organização criminosa, que oculte ou dissimule bens, direitos ou valores, configurará o crime de lavagem de dinheiro.


2.8 Crimes Praticados por Particular Contra a Administração Pública Estrangeira


Os crimes antecedentes que configuram a lavagem de dinheiro neste caso estão tipificados no Capítulo II-A do Título XI, do Código Penal, introduzido pela Lei nº. 10.467/02.


São delitos antecedentes da lavagem de dinheiro a corrupção ativa e o tráfico de influência em transação comercial internacional. Ademais, os dispositivos dispõem o que vem a ser funcionário público estrangeiro.


3. PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL


A palavra ‘processo’ tem origem no latim procedere, e significa seguir adiante, caminhar, avançar, sendo que todo processo deve estar em harmonia com a Teoria Geral do Processo, que nada mais é do que a peça fundamental para o estudo dos princípios aplicáveis ao Processo Penal Constitucional.


Por Teoria Geral do Processo entendemos ser o conjunto de normas e princípios que servem como vetores interpretativos aos operadores do Direito.


Este capítulo tem como objetivo trazer à baila uma análise sobre alguns princípios constitucionais inerentes ao processo penal, não com a pretensão de exaurir toda a matéria relativa ao tema, mas com a principal finalidade de estudar aqueles princípios que acreditamos serem basilares para o Direito Processual Penal Constitucional, verificando como estes limitam o poder de punir estatal, à luz da Constituição Federal, que é a norma de validade e o ponto de partida para todo o ordenamento jurídico.


Inúmeros são os princípios processuais penais que encontram garantia constitucional, sendo alguns deles, os mais importantes, e que serão analisados neste trabalho: princípio do devido processo constitucional, princípio do contraditório, princípio da ampla defesa, princípio do duplo grau de jurisdição e princípio da presunção de inocência.


3.1 Princípio do Devido Processo Constitucional


“O princípio do devido processo legal é, sem dúvida, o aglutinador dos inúmeros princípios processuais penais (art. 5º, LIV, CF). Constitui o horizonte a ser percorrido pelo Estado democrático de Direito, fazendo valer os direitos e garantias humanas fundamentais. Se esses forem assegurados, a persecução penal se faz sem qualquer tipo de violência ou constrangimento ilegal, representando o necessário papel dos agentes estatais na descoberta, apuração e punição do criminoso”.[29]


Este princípio se bifurca em devido processo constitucional processual, que nada mais é do que a somatória de todos os princípios aplicáveis ao processo, e em devido processo constitucional material ou substantivo, que se traduz no direito que todo indivíduo tem de exigir que o Estado elabore leis e atos razoáveis, pois se não o forem, serão inconstitucionais.


Em que pese este princípio ser amplamente aceito pela doutrina, ele não é aplicado pela jurisprudência majoritária.


3.2 Princípio do Contraditório ou Audiência Bilateral


É a garantia constitucional que assegura a ampla defesa do acusado. O acusado goza do direito de defesa sem restrições, em um processo em que deve estar assegurada a igualdade das partes.


“Quer dizer que a toda alegação fática ou apresentação de prova, feita no processo por uma das partes, tem o adversário o direito de se manifestar, havendo um perfeito equilíbrio na relação estabelecida entre a pretensão punitiva do Estado e o direito à liberdade e à manutenção do estado de inocência do acusado (art. 5º, LV, CF)”.[30]


3.3 Princípio da Ampla Defesa


Consubstancia-se este princípio no conjunto de direitos que lhe permitem a utilização de métodos amplos para a sua defesa. Como o réu é a parte “mais fraca” no processo, ante ao poderio do Estado, a ele lhe é concedida a ampla possibilidade de defesa, a fim de se equilibrar a balança.


“A ampla defesa gera inúmeros direitos exclusivos do réu, como é o caso de ajuizamento de revisão criminal – o que é vedado a acusação – bem como a oportunidade de ser verificada a eficiência da defesa pelo magistrado, que pode desconstituir o advogado escolhido pelo réu, fazendo-o eleger outro ou nomeando-lhe um dativo, entre outros”.[31]


3.4 Princípio do Duplo Grau de Jurisdição


Proferida a decisão judicial, tem a parte o direito de buscar o seu reexame por um órgão jurisdicional superior. As justificativas deste princípio são que: mais juízes irão julgar o recurso; maior precaução do juízo a quo, pois ciente de que poderão recorrer de sua decisão, age com mais cautela; e a possibilidade do efetivo exercício da ampla defesa.


A questão que ainda impera na doutrina e jurisprudência é se este princípio é ou não uma garantia constitucional.


A doutrina que o defende como garantia constitucional afirma que decorre da organização judiciária prevista na Constituição Federal, bem como da ampla defesa. Ademais, há previsão expressa no Pacto de São José da Costa Rica, incorporado pela ordem jurídica interna no Decreto 678/1992, no artigo 8º, 2, h.


Já para os que defendem que o princípio em comento não é uma garantia constitucional, o fazem com base na ausência de previsão expressa na Constituição Federal.


3.5 Princípio da Presunção de Inocência ou Estado de Não Culpabilidade


Por este princípio ninguém será considerado culpado senão após uma sentença penal condenatória com trânsito em julgado, segundo o disposto no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal.


“Tem por objetivo garantir, primordialmente, que o ônus da prova cabe à acusação e não à defesa. As pessoas nascem inocentes, sendo esse o seu estado natural, razão pela qual, para quebrar tal regra, torna-se indispensável que o Estado-acusação evidencie, com provas suficientes, ao Estado-juiz a culpa do réu.


Por outro lado, confirma a excepcionalidade e a necessidade das medidas cautelares de prisão, já que indivíduos inocentes somente podem ser levados ao cárcere quando realmente for útil à instrução e à ordem pública. No mesmo prisma, evidencia que outras medidas constritivas aos direitos individuais devem ser excepcionais e indispensáveis, como ocorre com a quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico (direito constitucional de proteção à intimidade), bem como a violação de domicílio em virtude de mandado de busca (direito constitucional à inviolabilidade de domicílio)”.[32]


4. APLICAÇÃO DO ARTIGO 366 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL AOS CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO


4.1 Natureza Jurídica do Artigo 366 do Código de Processo Penal


A Lei nº. 9.271/96 modificou o artigo 366 do Código de Processo Penal, que permitia que o réu citado por edital e que não fosse encontrado nem constituísse advogado pudesse ser processado e condenado ao final. Procurou-se com essa alteração aplicar efetivamente a ampla defesa do acusado, bem como evitar uma série de erros judiciários.


O direito de ser informado da acusação é irrenunciável, assim, todo acusado tem esse direito, que inclusive tem status de norma constitucional (artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal), já que o mesmo encontra previsão expressa no Pacto de São José da Costa Rica, incorporado pela ordem jurídica interna no Decreto 678/1992, no artigo 8º.


Percebe-se pela redação do dispositivo em comento que o legislador teve duas intenções: uma foi a de proteger o próprio direito de defesa do acusado, e a outra foi preservar o direito de punir do Estado.


Assim, o motivo autorizador da criação do artigo 366 do Código de Processo Penal foi a ampla defesa, que bifurca-se em defesa técnica e auto-defesa.


A defesa técnica é realizada por advogado, sendo indispensável e irrenunciável. Já a autodefesa é aquela feita pelo próprio acusado, mais precisamente em seu interrogatório, no qual o acusado tem o direito de audiência, ou seja, ser ouvido, o direito de presença, que se traduz no direito de comparecer e a capacidade postulatória, que abrange a legitimidade para interpor Habeas Corpus, Recursos etc.


Portanto, nos termos do artigo 366, citado o acusado por edital e não comparecendo para o interrogatório nem constituindo advogado nos autos, o processo ficará suspenso, tem como finalidade preservar a autodefesa, já que um defensor desconhecido do acusado, não poderá, efetivamente, exercer a ampla defesa, pois não terá o conhecimento dos fatos.


“A modificação ocorrida no art. 366 teve a finalidade de garantir a ampla defesa e o contraditório efetivos do acusado no processo penal. Citado por edital, de maneira ficta, a grande probabilidade é que não tenha a menor ciência de que é réu, razão por que não se defenderá. Suspende-se, então, o andamento do processo, não afetando seu direito de defesa. Mas, pode haver provas urgentes a produzir, cujo atraso implicaria a sua perda, fundamento pelo qual abriu-se a exceção de, sem a certeza de ter sido o acusado cientificado de existência do processo-crime, determinar o juiz a realização de provas consideradas imprescindíveis e imediatas”.[33]


Com efeito, o artigo 366 do Código de Processo Penal tem natureza jurídica híbrida, porquanto reúne caráter processual (suspensão do processo), bem como caráter material (suspensão da prescrição). Destarte, entendeu o Supremo Tribunal Federal que o supracitado dispositivo somente se aplica aos crimes cometidos após a entrada em vigor da Lei nº. 9.271/96.


4.2 Suspensão do Processo e da Prescrição


Determina o artigo 366 do Código de Processo Penal:


“Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312”.


Com efeito, citado por edital o acusado não comparece, nem constitui advogado, o processo será suspenso. A finalidade dessa providência de ordem processual reside no fato de que o legislador entendeu que na hipótese em comento deve ser preservada a garantia de que a parte contrária será ouvida, principalmente porque os acusados citados fictamente raramente tomam conhecimento da acusação contra eles realizada.


Assim, não poderá ser decretada a revelia do acusado, com a presunção de que ele tomou ciência da imputação, ou seja, caso não haja a certeza do efetivo conhecimento por parte do acusado da ação penal contra ele intentada, fica proibida a decretação de sua revelia.


Em sentido contrário, para efeito analítico, se o acusado, mesmo estando ausente, constituir defensor, o processo prosseguirá em seus regulares atos procedimentais até o julgamento do meritum causae.


Nessa hipótese, como é evidente, não poderá ser cogitada a não-imposição da revelia do acusado, uma vez que, se esse constituiu defensor, é porque chegou a seu conhecimento a imputação contra si assacada. Daí sua contumácia que, em última análise, implica ausência injustificada diante do juízo em que o feito tem fluência, e não pode ter o condão de evitar a decretação de sua revelia, que fica exclusivamente reservada àquele acusado que, presumivelmente, não tem conhecimento da acusação que sobre ele incide. Tudo se passa como se ele tivesse sido citado pessoalmente.”[34]


O processo e a prescrição não podem ser suspensos indefinidamente, pois isso equivaleria a tornar o delito imprescritível, o que somente é possível nos casos expressos na Constituição Federal.


“No caso de ser aplicada a suspensão do processo, fica também suspenso, como visto, o curso do prazo da prescrição. Acrescentou-se, pois, uma nova causa impeditiva da prescrição àquelas previstas no art. 116 do CP. Não se fixa na lei o prazo máximo de suspensão do prazo da prescrição e, por essa razão, alegou-se a inconstitucionalidade do art. 366. Entretanto, pacificou-se o entendimento de que não há inconstitucionalidade do dispositivo, pois com ele ficam asseguradas as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa”.[35]


Deste modo, como não há previsão legal regulando o tempo de suspensão do processo e da prescrição, bem como ele é indispensável, surgiram três correntes.


A primeira corrente afirma que o processo e a prescrição ficam suspensos por prazo indeterminado, até que o acusado compareça ou constitua advogado. A segunda corrente defende que o prazo de suspensão será o máximo do prazo prescricional em abstrato admitido pelo Código Penal, ou seja, vinte anos. Por fim, a terceira corrente, que é a que prevalece, prega que o prazo de suspensão do processo e da prescrição será o máximo previsto para a prescrição em abstrato do crime cometido.


“(…) Assim, por ausência de previsão, tem prevalecido o entendimento de que a prescrição fica suspensa pelo prazo máximo em abstrato previsto para o delito. Depois, começa a correr normalmente. Ilustrando: no caso de furto simples, cuja pena máxima é de quatro anos, a prescrição em abstrato dá-se com oito anos. Por isso, o processo fica paralisado por oito anos sem correr prescrição. Depois, esta retorna seu curso, finalizando com outros oito anos, ocasião em que o juiz pode julgar extinta a punibilidade do réu”.[36]


4.3. Da Inconstitucionalidade do Artigo 2º, § 2º, da Lei 9.613/1998


Determina o artigo 2º, § 2º, da Lei 9.613/1998, que:


“No processo por crime previsto nesta Lei, não se aplica o disposto no art. 366 do Código de Processo Penal”.


Assim, a Lei de Lavagem de Dinheiro não autoriza a suspensão do processo e do curso do prazo de prescrição ao acusado que, citado por edital, não comparece à audiência nem constitui advogado.


A justificativa para a não aplicação do artigo 366 do Código de Processo Penal, é que a sua incidência representaria um prêmio ao acusado por um crime tão grave e que iria protelar o devido processo constitucional, além do que trata-se de uma norma processual penal especial.


Ademais, afirmam ser o instituto um elemento importante para evitar-se a impunidade.


Todavia, a vedação da aplicação do instituto supramencionado é absurdamente inconstitucional, isto porque, afronta diretamente o direito individual ao contraditório e a ampla defesa previstos na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV:


“Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.


Outrossim, não há que se falar em prêmio ao acusado, posto que, por se tratar de uma norma mista, possuindo conteúdo tanto material quanto processual, permite a suspensão do processo e do prazo prescricional, bem como autoriza a produção antecipada de provas e a decretação de prisão preventiva, sempre que presentes seus requisitos.


“Bem de ver, ainda, que a redação atual do art. 366, CPP não representa um escudo para a proliferação da impunidade. Ao contrário. O próprio legislador confere ao juiz a possibilidade de determinar a produção antecipada de provas consideradas urgentes. Além disso, o benefício da suspensão do processo é compensado com a suspensão do prazo prescricional, cuja medida constitui um sério fardo imposto àquele que se encontre em local incerto e não sabido. E mais ainda, está o juiz autorizado a decretar a prisão preventiva do acusado, e ela é viável de ser determinada para a garantia da instrução do processo”.[37]


Com efeito, apesar de determinar no artigo 2º, § 2º, a inaplicabilidade da suspensão do processo e do prazo prescricional, prevê, na mesma lei, no artigo 4º, § 3º, sua incidência, no tocante à restituição dos bens apreendidos em virtude de indícios da prática de lavagem de dinheiro, o que nos revela a contradição da própria lei.


“Contradição autofágica: se no art. 2º, § 2º, o legislador prescreveu a inaplicabilidade do art. 366 do CPP, no art. 4º, § 3º, está prevista sua incidência. É uma contradição inexplicável. E autofágica em relação àquele preceito. A qualidade da produção legislativa, como se vê tem sido deplorável. Como pode o legislador dizer no art. 2º que um tal dispositivo não é aplicável e logo em seguida, dois artigos depois, dizer que esse mesmo preceito é aplicável? Legislação apopética é autofágica. Nesses casos, como se sabe, deve sempre prevalecer o preceito que mais amplia a liberdade”.[38]


Portanto, estamos diante de uma antinomia jurídica, na qual o operador do direito deverá valer-se dos princípios gerais do direito, bem como da proporcionalidade e razoabilidade a fim de alcançar a melhor solução.


Neste mesmo sentido vem a teoria da tipicidade conglobante, a qual nos auxilia nesta contradição legal.


“A tipicidade conglobante é a comprovação de que a conduta legalmente típica está também proibida pela norma, o que se obtém desentranhando o alcance da norma proibitiva conglobada com as restantes normas da ordem normativa. Atua como um corretivo da tipicidade legal, posto que pode excluir do âmbito típico aquelas condutas que apenas aparentemente estão proibidas (…)”[39]


Assim, devemos primar pelos direitos e garantias previstos na Constituição Federal, que assegura a todos o contraditório e a ampla defesa, aplicando-se, portanto o artigo 366 do Código de Processo Penal, visto que referida proibição é completamente inconstitucional.


“(…) cuida referido artigo (366) da suspensão do processo decorrente da citação por edital. O direito de ser informado da acusação é impostergável (v. Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 8º, que tem ‘status’ constitucional, por força do art. 5º, § 2º, da CF). Todo acusado tem esse direito. Faz parte da ampla defesa. É garantia constitucional, que não pode ser suprimida pelo legislador infraconstitucional. Conclusão: o art. 2º, § 2º, da Lei 9.613/98 ganhou vigência, mas não possui validez (Ferrajoli). Não é juridicamente válido. É um nada jurídico”.[40]


Destarte, diante a inconstitucionalidade do supracitado artigo da Lei de Lavagem de Dinheiro, bem como do conflito legal entre os dispositivos (artigo 2º, § 2º e artigo 4º, § 3º), a solução extraída é a aplicação da norma mais benigna, ou seja, a que ordena a suspensão do processo e da prescrição, quando o acusado, citado por edital, não comparece à audiência nem constitui advogado.


CONCLUSÃO


Como se viu, o fenômeno do delito de lavagem de dinheiro vem recebendo cada vez mais atenção nos últimos anos. Em vários países, é cada vez mais discutido formas para se evitar a proliferação e a impunidade a este crime.


Historicamente, remonta-se o surgimento da expressão ‘lavagem de dinheiro’ a um fenômeno ocorrido nos Estados Unidos por volta dos anos 20, quando foi montada uma rede de lavanderias para aparentar a procedência lícita do dinheiro auferido com a prática de atividades delitivas.


Entretanto, o marco fundamental na criminalização da lavagem de dinheiro foi a Convenção de Viena de 1988, sobre o tráfico de entorpecentes e substâncias psicotrópicas, que fazia referência expressa à ‘lavagem de dinheiro’ como conversão, transferência, ocultação ou encobrimento da natureza, origem, localização, destino, movimentação ou propriedade verdadeira dos bens decorrentes de atividades ilícitas.


Ao abordarmos o crime em comento, estudamos que o mesmo depende da prática de crimes precedentes, bem como este fenômeno vem alcançando dimensões extraordinárias, gerando, como conseqüência, a preocupação dos governos como dos organismos internacionais. Isto se deve ao crescimento da criminalidade organizada.


Nosso objetivo é mostrar a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 2º, da Lei 9.613/1998, que veda a aplicação do artigo 366, do Código de Processo Penal, isto porque, afronta diretamente o direito individual ao contraditório e a ampla defesa previstos na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV.


Segundo o instituto previsto no artigo 366, do Código de Processo Penal, citado o acusado por edital e não comparecendo para o interrogatório nem constituindo advogado nos autos, o processo ficará suspenso, tem como finalidade preservar a autodefesa, já que um defensor desconhecido do acusado, não poderá, efetivamente, exercer a ampla defesa, pois não terá o conhecimento dos fatos.


Ademais, busca-se com a suspensão do processo e da prescrição efetivamente a ampla defesa do acusado, bem como evitar uma série de erros judiciários.


Com efeito, o direito de ser informado da acusação é irrenunciável, assim, todo acusado tem esse direito, que inclusive tem status de norma constitucional (artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal), já que o mesmo encontra previsão expressa no Pacto de São José da Costa Rica, incorporado pela ordem jurídica interna no Decreto 678/1992, no artigo 8º.


Outrossim, apesar de determinar no artigo 2º, § 2º, a inaplicabilidade da suspensão do processo e do prazo prescricional, prevê, na mesma lei, no artigo 4º, § 3º, sua incidência, no tocante à restituição dos bens apreendidos em virtude de indícios da prática de lavagem de dinheiro, o que nos revela a contradição da própria lei.


Destarte, devemos objetivar sempre os direitos e garantias previstos na Constituição Federal, que assegura a todos o contraditório e a ampla defesa, aplicando-se, portanto o artigo 366 do Código de Processo Penal, visto que referida proibição é completamente inconstitucional.


 


Referências bibliográficas

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ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Enrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.


Notas:

[1] VILARDI, Celso Sanchez. Os crimes de lavagem e Reciclagem (Lei 9.613, de 3 de março de 1998) e a Obrigação de Comunicar Determinadas Transações. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga, et al. Aspectos atuais do direito do mercado financeiro e de capitais.  São Paulo: Dialética, 1999, p. 12.

[2] BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Dinheiro: Implicações penais, processuais e administrativas: Análise sistemática da Lei 9.613, de 3 de março de 1998. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p. 15.

[3] LILLEY, Peter. Lavagem de dinheiro: negócios ilícitos transformados em atividades legais. São Paulo: Futura, 2001, p. 11.

[4] CALLEGARI, André Luís. Lavagem de Dinheiro. Barueri: Manole, 2004, p.131.

[5] CASTELLAR, João Carlos. Lavagem de Dinheiro: A questão do bem jurídico. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 210.

[6] LILLEY, Peter. 2001. op. cit. p. 16.

[7] BARROS, Marco Antônio de. 1998. op. cit. p. 94.

[8] LILLEY, Peter. 2001. op. cit. p. 168.

[9] LILLEY, Peter. 2001. op. cit. p. 164.

[10] LILLEY, Peter. 2001. op. cit. p.164.

[11] LILLEY, Peter. 2001. op. cit., p. 168.

[12] BARROS, Marco Antônio de. 2004. op. cit. p. 87.

[13] HC 80.816.

[14] OLIVEIRA, William Terra. Lei de Lavagem de Capitais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 323.

[15] CALLEGARI, André Luís. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais da Lei nº. 9.613/98. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 84.

[16] MAIA, Rodolfo Tigre. Dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional: Anotações à Lei Federal nº. 7.492/86. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 39.

[17] CALLEGARI, André Luís. 2008. op. cit. p. 116.

[18] BARROS, Marco Antônio de. 2004. op. cit. p. 110.

[19] MAIA, Rodolfo Tigre. 1999. op. cit. p. 92.

[20] CALLEGARI, André Luís. 2008. op. cit. p. 153.

[21] CALLEGARI, André Luís. 2008. op. cit. p. 151.

[22] MAIA, Rodolfo Tigre. 1999. op. cit. p. 93.

[23] CALLEGARI, André Luís. 2008. op. cit. p. 160.

[24] BARROS, Marco Antônio de. 2004. op. cit. p. 62.

[25] CALLEGARI, André Luís. 2008. op. cit. p. 138.

[26] CALLEGARI, André Luís. 2008. op. cit. p. 140.

[27] CALLEGARI, André Luís. 2008. op. cit. p. 140.

[28] CALLEGARI, André Luís. 2008. op. cit. p. 142.

[29] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 90.

[30] NUCCI, Guilherme de Souza. 2007. op. cit. p. 80.

[31] NUCCI, Guilherme de Souza. 2007. op. cit. p. 78.

[32] NUCCI, Guilherme de Souza. 2007. op. cit. p. 77/78.

[33] NUCCI, Guilherme de Souza. 2007. op. cit. p. 602.

[34] MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao Código de Processo Penal à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Barueri: Manole, 2005, p. 703/704.

[35] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2006, p. 451.

[36] NUCCI, Guilherme de Souza. 2007. op. cit. p. 602.

[37] BARROS, Marco Antônio de. 2004. op. cit. p. 179.

[38] GOMES, Luiz Flávio; OLIVEIRA, William Terra; CERVINI, Raúl. Lei de Lavagem de Capitais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 357.

[39] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Enrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 459.

[40] GOMES, Luiz Flávio; OLIVEIRA, William Terra; CERVINI, Raúl. 1998. op. cit. p. 358.

Informações Sobre o Autor

Paulo Sérgio Araújo Tavares

Procurador do Município e Professor de Direito. Especialista em Direito Empresarial, Direito Penal Econômico e Europeu e Formação de Professores para Educação Superior Jurídica. Mestre em Desenvolvimento Humano: Formação, Políticas e Práticas Sociais da UNITAU


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Equipe Âmbito Jurídico

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