Assim dispõe a CF/88, em seu art. 5º, XL:
“A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”
Tal imperativo constitucional, uma vez disposto no rol dos direitos e garantias fundamentais, sendo, portanto, base sedimentar da estrutura do Estado pós constituinte, deve servir de norte para a interpretação da Lei penal, qualquer que seja a conjectura.
É o que se denomina interpretação conforme a constituição, forma esta de interpretação que fomenta reflexões dogmáticas das mais variadas. Em atenção à especificidade do tema em enfoque, trataremos de nos ater tão somente à órbita penalista, em especial à problemática envolvendo a conjugação de leis.
Art. 2º, p. u. , CP: “ A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”
Trata-se, pois de duplo amparo pro réu; de um lado, a CF e toda a sua magnitude cogente, de outro o Códex penal e dois institutos que lhe são peculiares – a ultratividade e a retroatividade da lei. Mas, em se tratando de escolher qual a norma mais benéfica para aplicar em determinado caso concreto, como deve proceder o intérprete? Esta equação é tema de muitas explanações doutrinárias, que debatem acerca da melhor fórmula para se chegar a uma solução apaziguadora. Dentre as muitas formulações, seguem algumas:
“Não se descobre a vontade da lei por acaso, nem amadoristicamente. (…) o método literal não é único, pois é preciso, além dele, utilizar o intérprete do método teleológico ou finalístico, com o qual se descobre a vontade da lei. (TELLES, Ney Moura. Direito Penal- parte geral. Vol I. São Paulo: Atlas, 2004, p. 134,135)
“Como guardião da legalidade constitucional, a missão primeira do juiz, em particular a do juiz criminal, antes de julgar os fatos, é julgar a própria lei aplicada” (QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal – introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 39)
Conclusiva, contudo, é a sentenciosa constatação de Mirabete, que diz:
“É praticamente impossível determinar todas as regras teóricas que devem ser utilizadas na apuração da lei mais favorável entre aquelas postas ao intérprete. Assim, tem-se entendido que somente diante do caso concreto, com a aplicação hipotética das duas leis em confronto, se poderá escolher a mais benéfica.” (MIRABETE, Julio Fabbrinni. Manual de direito penal – parte geral. 22ª Ed., vol. I, São Paulo: Atlas, 2004, p. 67.)
A partir de tal constatação, insurge-se no mundo jurídico outro ponto de discussão: diante de leis que misturam em seu bojo dispositivos que podem beneficiar e prejudicar o agente, é possível que se proceda à conjugação de ambas, no que toca apenas aos dispositivos benéficos?
Diante da posição silente da lei a respeito, cabe à discussão doutrinária e ao comportamento jurisprudencial obter a resposta para este questionamento. Longe de estar sedimentada a discussão sobre o tema, é necessária reflexão profunda sobre as teses e correntes que compõem cenário argumentativo, teses e correntes estas que também estão bem aquém de um horizonte no qual possa-se vislumbrar uma resultante comum ou pacífica.
Sistematicamente divididas, para que se tenha uma visão clara da divisão entre as correntes, seguem os defensores da conjugação de leis e aqueles que discordam dela, cada qual defendendo o mérito de seus argumentos:
– A favor da conjugação de leis, para beneficiar o réu, estão os seguintes autores, com as respectivas explanações a respeito:
“Mas, se a constituição federal manda a lei penal mais benéfica retroagir sempre, o que se pode afirmar é que apenas o dispositivo benéfico retroage, irretroativo o mais severo. O desejo da lei maior é que retroaja a norma mais benéfica, e não o texto integral, a não ser que fosse ele, integralmente, mais favorável. Se num mesmo texto há vários dispositivos, uns benéficos, outros prejudiciais, é claro que só aqueles retroagem. Ao combinar os dispositivos de duas leis, o juiz não cria uma terceira lei, mas apenas obedece ao preceito constitucional, maior, que não manda a lei retroagir por inteiro, mas determina a retroatividade de todo e qualquer dispositivo legal que vier favorecer o réu. A conclusão é q o juiz não só pode, como tem o dever de aplicar os dispositivos mais benéficos ao acusado, não importa se estiverem contidos em duas, três ou quantas leis diferentes.” (Gr.) (TELLES, Ney Moura. Direito Penal- parte geral. Vol I. São Paulo: Atlas, 2004, p. 107,108)
“Somos da opinião de que a combinação de leis levada a efeito pelo julgador, ao contrário de criar um terceiro gênero, atende aos princípios constitucionais da ultratividade e retroatividade benéficas.” (GRECCO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. 5ª Ed., vol I, Rio de Janeiro: Impetus, 2005, p. 128.)
“Em matéria de direito transitório, não se pode estabelecer dogmas rígidos como esse da proibição de combinação de leis” (TOLEDO, Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: saraiva, 1994, p. 38)
“Não parece absurdo que se permita ao defensor do réu ou condenado escolher aquela que mais convier a este, quando, havendo conflito, somente o interessado possa aquilatar o que mais lhe beneficia. (…) A melhor solução, porém, é a de que pode haver combinação das duas leis, aplicando-se sempre os dispositivos mais benéficos.” – o autor cita ainda doutrinadores que comungam das mesmas idéias, como, Magalhães Noronha, Basileu Garcia. (Gr.). (MIRABETE, Julio Fabbrinni. Manual de direito penal – parte geral. 22ª Ed., vol. I, São Paulo: Atlas, 2004, p. 67.)
“ Com a devida vênia, entendemos que a combinação de leis para beneficiar o agente é possível (…) Estando o juiz obrigado a aplicar a lei que mais favoreça, de qualquer modo, o agente, e podendo escolher entre uma norma e outra, não há razão para impedir-se a combinação das duas, como forma de integração necessária à obrigatória aplicação da lei mais favorável.” (Gr.) (DELMANTO, Celso, e outros. Código penal comentado. 7ª Ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2007,p. 22)
“Dizer que o juiz está fazendo lei nova, ultrapassando assim suas funções constitucionais, é argumento sem consistência, pois o julgador, em obediência a princípios de equidade consagrados pela própria Constituição, está apenas movimentando-se dentro dos quadros legais para uma tarefa de integração perfeitamente legítima. (…)Se lhe está afeto escolher o ‘todo’ para que o réu tenha tratamento penal mais favorável e benigno, nada há que lhe obste selecionar parte de um todo e parte de outro, para cumprir uma regra constitucional que deve sobrepairar a pruridos de lógica formal” (MARQUES, José Frederico. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva: 1954 p. 192)
Em que pese a nova Lei de Drogas incriminar algumas condutas mais severamente que a anterior, há dispositivos nela contidos que são mais favoráveis aos acusados. Nesse caso, deve o julgador fazer a combinação de leis visando favorecer os sujeitos que praticam as condutas descritas na lei nova. (…) Nesse sentido, a conduta incriminada é a do art. 12 da Lei 6.368/76, que prevê as penas de 3 a 15 anos de reclusão, enquanto o art. 33 da Lei 11.343/06 prevê as penas de 5 a 15 anos de reclusão. Portanto, evidente que a pena a ser aplicada na hipótese de condenação é da Lei 6.368/76, porque se trata de pena menor à conduta incriminada e beneficia ao acusado. (Gr.)(CALLEGARI, André Luis. Nova lei de drogas – da combinação de leis (Lex tertia) – fato praticado sob a vigência da lei 6.368/76 e aplicação da nova lei 11.343/06. In revista CAPES/GRICES- intercâmbio universidade de Coimbra c/c UNISINOS. ISSN 2547/55)
Não se pode afastar a combinação de parte de uma lei antiga com parte de uma lei nova, na busca do máximo benefício ao acusado. Isto não significa a criação de uma lex tertia pelo órgão jurisdicional, que não legitimidade para tal, mas de um trabalho integrativo, permitido ao intérprete, em sua tarefa de concretude normativa aos fatos. (GIACOMOLLI, Nereu José. O princípio da legalidade como limite do ius puniendi e proteção dos direitos fundamentais. Direito Penal em Tempos de Crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 160.)
A aplicação do princípio constitucional da retroatividade da lei penal mais benéfica é irrestrita, uma vez que a Constituição Federal não estabeleceu nenhum embaraço a esta retroatividade. Assim, não importa de que forma a nova lei benéfica favoreça ao acusado, devendo sempre ser aplicada aos fatos pretéritos a sua vigência.(…) A expressão “que de qualquer modo favorecer o agente” não deixa qualquer sombra de dúvidas quanto a possibilidade da conjugação de leis penais para favorecer um acusado, permitindo-se a aplicação do princípio da retroatividade de forma ampliada. Destarte, há patente permissividade para que o magistrado mescle a nova lei com a revogada naquilo em que ambas favorecem ao réu. Se a Constituição Federal não fez qualquer restrição à retroatividade da lei mais benéfica, não cabe ao intérprete fazê-lo. Se o Código Penal diz que a lei que de qualquer modo beneficiar o agente deve retroagir para favorecê-lo, não cabe ao exegeta fazer qualquer restrição. (…) Quando o Magistrado aplica a parte mais favorável da lei 6368/76 e a parte mais favorável da lei 11.343/2006, ele o faz sem ferir o princípio da tripartição de poderes, haja vista que não estará criando um nova norma jurídica, mas sim aplicará a Autoridade Judicial as leis editadas pelo próprio Poder Legislativo. Além disto, só assim estará respeitando os comandos constitucionais, os quais não restringem a retroatividade da lei penal mais benéfica. (Gr.) (JUNIOR, Hélio Soares. Art. 33, §4º da lei 11.343/06: retroatividade?UNIFACS.Disponívelem:http://web.unifacs.br/revistajuridica/edicao_outubro2008/discente/dis2.doc. Acesso em 16.05.10)
(…) Admite-se a combinação de leis (é a posição que adotamos). O juiz não está criando nova lei, mas movimentando-se dentro do campo legal em sua missão de integração legítima. Se ele pode escolher uma ou outra lei para obedecer o mandamento constitucional da aplicação da lex mitior, nada o impede de efetuar a combinação delas, com o que estaria mais profundamente seguindo o preceito da Carta Magna. Há razões ponderáveis no sentido de que se apliquem as disposições mais favoráveis das duas leis, pelo menos em casos especiais. Se o juiz pode aplicar o “todo” de uma ou de outra lei para favorecer o sujeito, não vemos por que não possa escolher parte de uma e de outra para o mesmo fim, aplicando o preceito constitucional. Este não estaria sendo obedecido se o juiz deixasse de aplicar a parcela benéfica da lei nova, porque impossível a combinação de leis.(Gr.) ( JESUS, Damásio. Código penal anotado.7º Ed. São Paulo: Saraiva, p. 08)
Hoje, predomina como regra geral, a “alquimia de preceitos de leis sucessivas” em atenção ao princípio constitucional da retroatividade penal benéfica. A conjunção de leis, todavia, não é de aplicação automática. É necessário lembrar que passou a ser admitida para evitar situações de iniquidade. Portanto, sua aplicação não pode resultar situação de injustiça.(Gr.) (DA SILVA JR., Edson Miguel. Promotor de justiça da 57ª de Goiânia. Suspensão do processo e do prazo prescricional.Em: http://www.serrano.neves.nom.br/cgd/011801/3a015.htm)
Só assim se cumpre o mandamento constitucional que determina a aplicação da lei penal benigna. (BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal, Parte Geral, São Paulo :Saraiva, 4ª ed. 2004, p.62.)
Quando as leis em conflito não possam ser consideradas separadamente, cada qual no conjunto e suas normas aplicáveis ao fato, há necessidade de se promover uma combinação para se extrair, de uma e de outra, as disposições mais benéficas. Essa é a orientação mais avançada segundo a lição dos mestres e os precedentes da jurisprudência. (René Ariel Dotti, in “Curso de Direito Penal: Parte Geral, 2.ed., 2004, p. 271).
A nosso juízo, esse é o melhor entendimento, que permite a combinação de duas leis, aplicando-se sempre os dispositivos mais benéficos. O Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de examinar essa matéria e decidiu pela possibilidade da conjugação de leis para beneficiar o acusado (HC 69.033-5- Rel. Min. Marco Aurélio, DJU, 1992, p. 2925). (Cezar Roberto Bitencourt, in “Tratado de Direito Penal: Parte Geral”, vol. 01, 10.ed,2006).
Com isso fica patente que o juiz não está “criando” uma terceira, ou seja, o juiz não está “inventando” nenhum tipo de sanção: apenas vai aplicar as partes benéficas de cada lei, aprovada pelo legislador. O que está vedado ao juiz é ele “inventar” um novo tipo de sanção. Isso não pode. Aplicar tudo aquilo que foi aprovado pelo legislador o juiz pode (e deve). (GOMES, Luis Flávio. in “Nova Lei de Drogas: retroatividade ou irretroatividade?” Jus Navigandi , Teresina, ano 11, n. 1235, 18 nov. 2006. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto. asp? id=9170>).
E o comportamental jurisprudencial, no mesmo sentido:
“STF. LEI – APLICAÇÃO NO TEMPO – RETROATIVIDADE – PREJUIZO PARA O AGENTE – APRECIAÇÃO. Admite-se a retroatividade da lei penal, a ponto de alcancar fatos anteriores, no que se mostre mais favoravel ao agente – artigo 2., paragrafo único, do Código Penal. Separaveis as partes das normas em conflito, possivel e a aplicação do que nelas transpareca como mais benigno. Isto ocorre relativamente a regência do crime continuado. Datando o delito de época anterior a reforma de 1984, cumpre observar a redação primitiva do par-2. do artigo 51 do Código Penal (anterior a reforma de 1984) e não a mais gravosa, atinente aos crimes dolosos, contra vitimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça a pessoa, introduzida no sistema jurídico via parágrafo único do artigo 71 do citado Código. Constatada a retroatividade prejudicial ao agente, impõe-se a concessão da ordem. PENA – DOSIMETRIA – CRIME CONTINUADO – DETERMINAÇÃO DO AUMENTO. Tanto quanto possível, a fixação do aumento deve decorrer do critério objetivo referente ao numero de infrações, evitando-se, com isto, o risco de incidência em verdadeiro “bis in idem”, ou seja, o de levar-se em conta circunstancias já consideradas anteriormente no calculo da pena base. Tratando-se de procedimento repetido uma única vez, tudo recomenda a aplicação do percentual mínimo de aumento. (Gr.) (HC 69033 / SP Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO; Julgamento:17/12/1991;Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA; in DJU 13/03/1992, p. 2.925)
A norma do caso concreto é construída em função de um princípio constitucional, com o próprio material fornecido pelo legislador. Se ele pode escolher, para aplicar o mandamento da Lei Magna, entre duas séries de disposições legais, a que lhe pareça mais benigna, não vemos por que se lhe vede a combinação de ambas, para assim aplicar, mais retamente a Constituição. (STJ. HC 108234-MG j. 24.11.08. Rel . Des. Convocada Jane Silva TJ/MG)
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ART. 12 DA LEI Nº 6.368/1976. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006. APLICAÇÃO RETROATIVA. COMBINAÇÃO DE DISPOSITIVOS DE LEIS DISTINTAS. POSSIBILIDADE (Superior Tribunal de Justiça, Quinta Turma, Habeas Corpus nº 99.422/PR, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 12.08.2008, DJe 22.09.2008.)
Pena- fixação- tráfico ilícito de entorpecentes- art 12 da lei 6.368/76 – aplicação retroativa do disposto no §4º do art 33 da lei 11.343/06, ao acusado que preenche os requisitos legais – necessidade – combinação da lei anterior com a posterior para apuração da condição legal que mais favoreça o réu – admissibilidade – incidência daquela causa de diminuição de pena sobre a reprimenda privativa de liberdade originalmente fixada sob a vigência da lei 6.368/76 – cabimento – inteligência do art. 5º, XL, da CF e do art. 2º, p. u. do CP – recurso do MP improvido. (Gr.)(Ap. Crim. 973.361..3/9-0000-000, Rio Claro, 6ª câm. “b” da seção criminal, Rel. Sério Okabayashi. J. 9.04.07)
A combinação vem sendo aceita para beneficiar o réu ( TACrSP, julgados, 88/273,85/332,84/347; RT 533/366, 515/360, 509/393)
Malgrado o dissenso doutrinário sobre a combinação de leis mais benignas o julgador, no caso concreto, pode e deve, em obediência aos princípios da equidade consagrados pela constituição suprema, selecionar parte da lei anterior e parte da lei superveniente, desde que, de qualquer modo, favoreça o agente. (TAcrim – SP. BMJ 30/14)
APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE ENTORPECENTES – RECURSO MINISTERIAL – PRETENDIDA MENOR FIXAÇÃO DO QUANTUM PREVISTO NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06 – NOVATIO LEGIS IN MELLIUS – COMBINAÇÃO DE LEIS – ADMITIDO – PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE – PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DO CP E INC. XL DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – MODIFICAÇÃO DO REGIME PRISIONAL INICIALMENTE FECHADO PARA O INTEGRALMENTE FECHADO – CRIME HEDIONDO – SUPERVENIÊNCIA DA LEI N. 11.464/07 – AB-ROGAÇÃO – LEI MAIS BENÉFICA AO APELANTE – REGIME INICIALMENTE FECHADO MANTIDO – IMPROVIDO”. (TJMS; Apelação Criminal de número : 2007.009957-2 ; Relator: Desª Marilza Lúcia Fortes; Publicação: 27/07/2007; Nº Diário: 1546)
– Ademais, do lado contrário à tese anteriormente exposta, podemos citar Claus Roxin, Aníbal Bruno, Heleno Fragoso, Jair Leonardo Lopes, Paulo José da Costa Júnior, José Henrique Pierangeli (citados por Nucci), dentre outros, que seguem:
“Baseando-se em Von Liszt, ao lecionar que a fórmula mais exata leva o juiz a fazer uma aplicação mental das duas leis que conflitam – a nova e antiga-, verificando, no caso concreto, qual terá o resultado mais favorável ao acusado, mas sem combiná-las, evitando-se a criação de uma terceira lei ( cf. Lecciones de derecho penal,p. 98-99)(Gr.) ( NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado – versão compacta. São Paulo: RT, 2009, p. 48)
“Ressalte-se , entretanto, que a causa de diminuição não poderá incidir, nos processos em curso ou já julgados, sobre a pena de 3 a 15 anos fixada pelo art. 12 da lei 6.368/76, mas sim sobre o novo montante de 5 a 15 anos. Assim, se o agente, no processo em curso, foi denunciado pela prática do art. 12 da lei 6.368/76, não pode pretender a aplicação da causa de diminuição sobre a pena mínima de 3 anos, se satisfeitos os requisitos do §4º do art 33. Nesse caso, se o juiz aplicar a nova causa de diminuição, deverá calculá-la tendo como base a pena mínima de 5 anos. (Gr.). (ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Legislação penal especial. 5ª Ed., São Paulo: saraiva, 2009, p. 57.)
“O princípio da retroatividade da Lex mitior não autoriza a combinação de duas normas que se conflitam no tempo para desse embate extrair-se um tercius genius que mais beneficie o réu – RTJ 142/564.” (MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. 5ª Ed., São Paulo: atlas, 2005, p. 317.)
Preliminarmente, cumpre advertir que não podem ser entrosados os dispositivos mais favoráveis da lex nova com os da lei antiga, pois, de outro modo, estaria o juiz arvorado em legislador, formando uma terceira lei, dissonante, no seu hibridismo, de qualquer das leis em jogo. Trata-se de um princípio prevalente em doutrina: não pode haver aplicação combinada das duas leis.(Gr.) (HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal. Vol. I, 4ª Ed., São Paulo: Forense, 1958,p. 112)
Mas não é lícito tomarem-se na decisão elementos de leis diversas. Não se pode fazer uma combinação de leis de modo a tomar de cada uma delas o que pareça mais benigno. A lei considerada mais benévola será aplicada em sua totalidade. Note-se que se trata exclusivamente de aplicar uma ou outra das leis existentes, no seu integral conteúdo, não sendo lícito ao juiz compor, por assim dizer, uma lei nova com os elementos mais favoráveis das que realmente existem. (Gr.) (BRUNO, Aníbal. Direito penal. Vol. I, tomo I, São Paulo: END, : 1956, p. 263,264)
Convém ressaltar, também, que ao estabelecer a causa de redução de pena o legislador considerou a existência de um tipo penal com pena já majorada – a mínima passou de três para cinco anos de reclusão –, daí por que cogitar-se da aplicação do benefício em conjunto com o tipo que previa pena mais branda desvirtua a própria ‘mens legis’. (ARRUDA, Samuel Miranda. Drogas: aspectos penais e processuais penais – lei 11.343/06.São Paulo: método: 2007, p. 70)
Ora, se uma norma de caráter penal possui comandos mais favoráveis ao réu, dentre outros menos favoráveis, uns somente podem ser aplicados se também o forem os outros, considerando que todos reunidos é que compõem a norma. Esta perderia sua natureza de ordenação racional se apenas alguns dos comandos pudessem ser pinçados para serem aplicados em conjunto com outros provenientes de normas diferentes. (GENTIL, Plínio Antônio. Nova lei de tóxicos: causa de diminuição de pena aplicávelretroativamente?.Disponívelem:http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/caocrim/material/doutrina_nova_lei_toxicos.pdf Acesso em 16.05.10)
Na verdade, ao promover essa simbiose de leis, o Judiciário atua como legislador positivo e, conseqüentemente, invade seara que não lhe é própria, ofendendo o princípio da separação dos Poderes previsto no art. 2º, da Constituição Federal. – o autor citou ainda autores que corroboram sua tese, dentre os quais: Andrey Borges de Mendonça, Paulo Roberto Galvão de Carvalho, Eugênio Raul Zafaroni e José Henrique Pierangelli. (FREITAS, Juliane Almudi de. Lei nº 11.343/06: retroatividade da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33? . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2091, 23 mar. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12495>. Acesso em:16.05.10).
E a jurisprudência, a respeito:
“(…) de fato, é licito ao juiz escolher, no confronto das leis, a mais favorável, e aplicá-la em sua integridade, porém não lhe é permitido criar e aplicar uma terza legge diversa, de modo a favorecer o réu, pois nessa hipótese se transformaria em legislador” (STFRec. Crim. 1381, Pleno, Rel. Min. Cordeiro Guerra, RTJ94/501).)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTE. CRIME COMETIDO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 6.368/76. RETROATIVIDADE DO § 4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06. COMBINAÇÃO DE LEIS. INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STF. PACIENTE QUE OSTENTA MAUS ANTECEDENTES. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. ORDEM DENEGADA. 1. A paciente foi condenada à pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, pela prática da conduta tipificada no art. 12, “caput”, c/c o art. 18, I, ambos da Lei 6.368/76. 2. Requer o impetrante a concessão da ordem de “habeas corpus” para a aplicação retroativa da causa de diminuição de pena prevista no § 4º, do art. 33, da Lei nº 11.343/06. 3. O Supremo Tribunal Federal tem entendimento fixado no sentido de que não é possível a combinação de leis no tempo. Entende a Suprema Corte que agindo assim, estaria criando uma terceira lei (“lex tertia”). 4. Com efeito, extrair alguns dispositivos, de forma isolada, de um diploma legal, e outro dispositivo de outro diploma legal, implica alterar por completo o seu espírito normativo, criando um conteúdo diverso do previamente estabelecido pelo legislador. 5. No caso concreto, ainda que se entendesse pela aplicação da Lei nº 11.343/06, não se encontram presentes os requisitos do § 4º do art. 33 do referido diploma legal, visto que, de acordo com as informações de fls. 34/36, a paciente ostenta maus antecedentes, por ter cumprido pena de 1 (um) ano por fraude bancária na África do Sul. 6. Diante do exposto, denego a ordem(Supremo Tribunal Federal, Segunda Turma, Habeas Corpus nº 96.430/SP, Relatora Ministra Ellen Gracie, julgado em 09.12.2008, DJe 25, divulg. 05.02.2009, public. 06.02.2009.)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DELITO COMETIDO NA VIGÊNCIA DA LEI 6.368/76. ART. 33 DA LEI 11.343/06 (NOVA LEI DE DROGAS). INADMISSIBILIDADE DE COMBINAÇÃO DE LEIS. APLICAÇÃO DE UMA OU OUTRA LEGISLAÇÃO, EM SUA INTEGRALIDADE, CONFORME FOR MELHOR PARA O ACUSADO OU SENTENCIADO. Na linha da melhor hermenêutica jurídica, não se admite a combinação de duas normas que se conflitam no tempo para se extrair uma terceira que mais beneficie o réu.. Na hipótese, a solução que atende ao princípio da retroatividade da lei mais benéfica (art. 2º. do CPB e 5º., XL da CF/88), sem todavia, quebrar a unidade lógica do sistema jurídico, vedando que o intérprete da Lei possa extrair apenas os conteúdos das normas que julgue conveniente, é aquela que permite a aplicação, em sua integralidade, de uma ou de outra Lei, competindo ao Magistrado singular, ao Juiz da VEC ou ao Tribunal Estadual decidir, diante do caso concreto, aquilo que for melhor ao acusado ou sentenciado.( Superior Tribunal de Justiça, Quinta Turma, Habeas Corpus nº 99.422/PR, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 12.08.2008, DJe 22.09.2008(
Pena-tóxicos-tráfico-fixação-aplicação retroativa, em benefício do acusado, do disposto no art. 33,§4º da lei n. 11.343/06-possibilidade-reduçãode um sexto a dois terços da pena prevista para a nova definição do delito-porém, inadmissível esta mesma incidência de redução sobre a reprimenda fixada nos termos da lei n. 6.368/76-recurso parcialmente provido.( Ap. Crim. 878.162-3/8, Sta Cruz do Rio Pardo, 3ª câm. Do 2º grupo da seção criminal. Rel. Samuel Júnior. V.u. j. 23.01.07)
Os princípios da ultra e da retroatividade da Lex mitior não autorizam a combinação de duas normas para se extrair uma terceira mais benéfica. (STF, HC 68.416, DJU 30.10.92, p. 19515; RT 96/561)
APELAÇÃO CRIMINAL – NULIDADE PROCESSUAL – CERCEAMENTO DE DEFESA – INEXISTÊNCIA – PRELIMINARES REJEITADAS – TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES – AUTORIA E MATERIALIDADE CABALMENTE COMPROVADAS – CONDENAÇÃO MANTIDA – APLICABILIDADE DA NOVA LEI DE TÓXICOS – IMPOSSIBILIDADE – REGIME PRISIONAL INICIALMENTE, E NÃO INTEGRALMENTE FECHADO – PRECEDENTE DO STF – NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. “”Não há que se falar em nulidade do feito, quando descabida a alegação de cerceamento de defesa, mormente se não configurado qualquer prejuízo para o réu””. “”Se todas as provas são irrefutáveis, dando como certa e inquestionável a mercancia de entorpecentes, não merece reparos a sentença, hipótese que torna o pleito de absolvição impossível de acolhimento“”. “”A combinação das normas penais da Lei 6.368/76 com os dispositivos benéficos da Lei 11.343/06 produziria uma lei híbrida, que abertamente violaria o princípio da reserva legal. “”Conforme precedente do eg. STF, o acusado condenado pela prática de crime hediondo tem direito à progressão do regime prisional, observados os requisitos objetivos e subjetivos previstos na LEP.””( TJMG- Apelação criminal de número: 1.0024.04.455195-0/001;relator: EDUARDO BRUM;publicado em 12/04/2007)
APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES – APELO TEMPESTIVO – PRELIMINAR REJEITADA – AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS – ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – CONDENAÇÃO MANTIDA – APLICABILIDADE DA NOVA LEI DE TÓXICOS PARA REDUÇÃO DE SANÇÕES – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO DESPROVIDO. “”Apesar de intimado o advogado, o prazo de interposição recursal somente se inicia a partir da intimação pessoal do réu, considerando-se tempestivo o apelo aviado em data anterior a este referido ato processual””. “”Se todas as provas são irrefutáveis, dando como certo e inquestionável o tráfico de entorpecentes, nada há para que se altere na sentença, hipótese que torna os pleitos de absolvição ou desclassificação impossíveis de acolhimento””. “”A combinação das normas penais da Lei 6.368/76 com os dispositivos benéficos da Lei 11.343/06 produziria uma lei híbrida, que abertamente violaria o princípio da reserva legal. De mais a mais, a política criminal orientadora da nova mensagem legislativa visou ao recrudescimento da repressão ao tráfico de drogas, tornando inviável a aplicação do novel Diploma aos fatos praticados na vigência da legislação anterior“”.( TJMG- Apelação criminal de número: 1.0521.05.045334-4/001; relator: EDUARDO BRUM; publicado no dia 11/01/2007)
APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE ENTORPECENTES – REDUÇÃO DA PENA – AGENTE MENOR DE 21 ANOS À ÉPOCA DOS FATOS – PENA JÁ FIXADA NO MÍNIMO LEGAL – CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA PENA DO ART. 33, §4.º, DA LEI N. 11.343/2006 – RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA – IMPOSSIBILIDADE DE CRIAÇÃO DE NOVA HIPÓTESE LEGAL, PELA INTERPRETAÇÃO – PEDIDO DE PROGRESSÃO DO REGIME PRISIONAL – POSSIBILIDADE – NOVATIO LEGIS IN MELLIUS – LEI N. 11.464/2007 – CRIME HEDIONDO – RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. (TJMS; Relator: Des. Claudionor Miguel Abss Duarte; Publicação:27/04/2007Nº Diário: 1486; Apelação Criminal: 2007.006335–7 )
Conclusões:
Principais autores a favor da conjugações de lei penal em favor do agente: Ney Moura Telles, Rogério Grecco, Francisco de Assis Toledo, Magalhães Noronha, Mirabete, Basileu Garcia, Celso Delmanto, José Frederico Marques, Damásio de Jesus, Flávio Augusto Monteiro de Barros e Luis Fávio Gomes.
Principais autores contrários à conjugação : Guilherme de Souza Nucci, Ricardo Andreucci, Nélson Hungria, Alexandre de Moraes e Bruno Aníbal.
Comportamento jurisprudencial: os tribunais divergem bastante; as cortes superiores também, sendo que o STJ possui posicionamento mais rígido e o STF mais flexível a respeito. Discussão amplamente ventilada e longe de estar pacificada.
Advogada, pós – graduanda em Direito Constitucional.
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