Apontamentos sobre a caracterização da relação de consumo

Resumo: O presente estudo busca apresentar um panorama conceitual sobre a relação de consumo, abordando os elementos constitutivos dessa relação jurídica, quais sejam; de um lado, o consumidor, em suas várias teorias conceituais; e de outro, o fornecedor, em sua conformação ampliativa, de modo a se vislumbrar um possível parâmetro de aplicabilidade desse microssistema normativo.


Sumário: 1. Introdução. 2. Do âmbito de incidência do código de defesa do consumidor. 3. Da caracterização da relação de consumo. 3.1 do consumidor. 3.2. Do fornecedor 4. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO


O Código de Defesa do Consumidor apresentou-se como uma necessidade social, ante os imperativos que se originaram da implementação da Sociedade de Consumo.


Em uma visão temporalmente progressiva, situa-se como marco inicial da gênese da Sociedade de Massa, a Revolução Industrial.


As remotas práticas artesanais, com a Revolução Industrial, no século XVIII, deram lugar a modelos de industrialização, que possibilitassem o incremento da produção de bens de consumo.


Ocorre que com a massificação dos produtos e serviços oferecidos no mercado de consumo, a partir da segunda metade do século XX, foi gerada a necessidade de intervenção Estatal, ante o flagrante desequilíbrio que passou a imperar sobre os consumidores, emanado do poderio dos Fornecedores.


Contrapondo-se ao Modelo Capitalista, o Regime Democrático gestou políticas Estatais de proteção do Consumidor, a partir do surgimento de um plexo de direitos chamados de Terceira Dimensão.


Nesse sentido, Lúcio Delfino[1] traçando um panorama histórico, asseverou que:


“Conforme visto, o Código de Defesa do Consumidor surgiu de uma necessidade social. A manutenção das contratações baseada numa idéia liberal já, há tempos, mostrava-se intolerável no País. A produção em série com a conseqüente distribuição e comercialização em massa de produtos e serviços, mediante contratos preestabelecidos (cláusulas impostas em bloco) pelo próprio fornecedor, geraram desequilíbrio, desigualdade e injustiças irremediáveis pela legislação anterior à promulgação da Lei 8.078/90. A imposição de regras por parte dos mais fortes, de maneira unilateral e irreprimível pelo Estado, obrigava os consumidores a aderir e aceitar determinadas situações que, muitas vezes, eram responsáveis pela motivação de danos irreparáveis, porquanto a legislação material, que antes regulava as relações de consumo como um todo, apresenta um panorama de responsabilização civil baseado na idéia da culpa.”


Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor, como resposta normativa do Direito à Sociedade de Consumo, considerando a realidade brasileira; passou a disciplinar os fatos afetos ao universo consumerista; buscando, a partir de um mandamento constitucional, a concretização da regra de justiça material, fundada na constatação da vulnerabilidade do consumidor.


Para tanto, apresentou-se como uma lei principiológica, vicejando em um microssistema legislativo, com aplicabilidade em toda relação jurídica que se constitua em relação de consumo.


Nesse sentido, aclarando esses postulados, Rizzatto Nunes[2] pondera que:


“Como lei principiológica entende-se aquela que ingressa no sistema jurídico, fazendo, digamos assim, um corte horizontal, indo, no caso do CDC, atingir toda e qualquer relação jurídica que possa ser caracterizada como de consumo e que esteja também regrada por outra norma jurídica infraconstitucional. Assim, por exemplo, um contrato de seguro de automóveis continua regulado pelo Código Civil e pelas demais normas editadas pelos órgãos governamentais que regulamentam o setor (Susep, Instituto de Resseguros etc.), porém estão tangenciadas por todos os princípios e regras da lei n. 8078/90, de tal modo que, naquilo que com eles colidirem, perdem eficácia por tornarem-se nulos de pleno direito.”


No mesmo sentido, Lúcio Delfino[3], evidenciando o caráter específico do Código de Defesa do Consumidor, explica que:


“Nessa trilha, o legislador brasileiro elegeu, para a proteção dos direitos dos consumidores, a criação de um microssistema. É, pois, o Código de Defesa do Consumidor uma Lei com valores e princípios próprios, de feição multidisciplinar, já que se relaciona com todos os ramos do Direito – material e processual –, “ao mesmo tempo em que atualiza e dá nova roupagem a antigos institutos jurídicos.”


Assim, o Código de Defesa do Consumidor apresentando-se como norma de ordem pública, assim como, de interesse social; tem, em sua aplicabilidade, preponderância sobre outras normas, que com ele possam a vir a colidir.


Entretanto, a sua aplicabilidade está adstrita à vinculação com uma relação de consumo.


Assim, é preciso lançar luzes e tecer ponderações sobre o âmbito de aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, a partir da caracterização de uma relação de consumo.


2. DO ÂMBITO DE INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.


O Direito do Consumidor está adstrito à atividade econômica.


Nesse sentido, como atividade econômica, na acepção de Eros Roberto Grau[4]: “compreende tudo aquilo que possa ser objeto de especulação lucrativa”.


Por sua vez, a atividade econômica está ligada ao mercado. E quanto ao conceito de mercado, em sua existência concreta, Rizatto Nunes[5] explica que:


“O mercador é uma ficção econômica, mas também é uma realidade concreta. Como dissemos, ele pertence à sociedade. Não é da propriedade, posse ou uso de ninguém em particular e também não é exclusividade de nenhum grupo específico. A existência do mercado é confirmada por sua exploração diuturna concreta e histórica. Mas essa exploração não pode ser tal que possa prejudicar o próprio mercado ou a sociedade.”


Portanto, como “bem de uso comum do povo”, a exploração do mercado é livre.


Esse é o sentido apontado pela Constituição Federal, a qual assegura a todos o livre exercício da atividade econômica.


No entanto, isso não se dá de forma incondicionada. É necessário asseverar, a partir do texto constitucional, que existem ditames a serem seguidos.


Portanto, o artigo 170 da Constituição Federal lista nove princípios gerais, assentando a atividade econômica em bases éticas e impingindo ao Empresário, responsabilidade social.


Entre os referidos princípios, encontra-se o da defesa do consumidor.


Nesse sentido, abordando essa conformação conceitual entre a atividade econômica e a proteção e defesa do consumidor, Antonio Jeová Santos[6] explica que:


“Atílio Alterini parte do princípio de que é estatutário o regime jurídico de defesa do consumidor e adverte que, em se tratando de estatuto, há uma via de mão dupla, posto que podem ser diluídos os efeitos da incorporação ao direito comum de princípios mercantis. Assim, por exemplo, a exigência de auto-regulação dos comerciantes é contida pela expansão das regulamentações do contrato para cuidar dos interesses do consumidor; a máxima liberdade de formas tem como contrapartida certo renascimento do formalismo tendente à devida informação dos particulares; a celeridade do comércio é limitada pela existência de contratos nos quais a lei põe o consentimento em marcha lenta como uma proteção contra as tentações.”


E não é só, no mesmo texto constitucional, em seu artigo 5º, XXXII, a Constituição Federal, dentre os deveres impostos ao Estado Nacional, estabelece o de promover, na forma da lei, a defesa do consumidor.


Portanto, por disposição do texto constitucional, veio a lume o Código de Defesa do Consumidor, o qual mais que uma lei, em uma acepção que se fia a uma sistematização de normas correlatas ao objeto de proteção, buscou uma feição principiológica, com um viés epistemológico e instrumental.


Nesse sentido, evidenciando tal faceta do diploma consumerista, José Geraldo Brito Filomeno[7] pondera que: “A novel “Ciência Consumerista”, muito mais do que um conjunto de normas e princípios que regem a tutela dos consumidores de modo geral, direciona-se à implementação efetiva de instrumentos que os coloquem em prática”.


E prossegue, concluindo que[8]:


“Por isso mesmo é que o Código de Defesa do Consumidor, como se verá em passos seguintes, muito mais do que um corpo de normas, é um elenco de princípios epistemológicos e instrumental adequado àquela defesa. E, em última análise, cuida-se de um verdadeiro exercício de cidadania, ou seja, a qualidade de todo ser humano, como destinatário final do bem comum de qualquer Estado, que o habilita a ver reconhecida toda a gana de seus direitos individuais e sociais, mediante tutelas adequadas colocadas à sua disposição pelos organismos institucionalizados, bem como a prerrogativa de organizar-se para obter esses resultados ou acesso àqueles meios de proteção e defesa.”


Assim, com a vigência do Código do Consumidor, passou-se a questionar o seu âmbito de incidência, considerando a sua concomitante existência com o Código Civil e do Código Comercial.


Ocorre que o âmbito de incidência do Código de Defesa do Consumidor está adstrito à proteção do consumidor, pressupondo uma relação jurídica desigual, ante a concepção da idéia de vulnerabilidade do consumidor, princípio estampado no artigo 4º, I, do diploma consumerista.


Ou seja, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor busca essencialmente a proteção do consumidor das ações predatórias do mercado de consumo, preceituando, para tanto, uma série de determinações protetivas, que normatizam a atividade econômica, impondo deveres, em grande medida, ao fornecedor.


Portanto, fora desse paradigma contextual, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em uma relação jurídica de natureza cível ou mercantil, mostra-se destituída de propósito, e representa, em última análise, a normatização do injusto.


3. DA RELAÇÃO DE CONSUMO.


Considerando as noções exaradas, tem-se que a noção do que seja uma relação jurídica mostra-se de fundamental importância para o entendimento do espectro de abrangência de qualquer norma.


Nesse sentido, as palavras de Miguel Reale[9] são proverbiais, ao explicar que:


“(…) as normas jurídicas projetam-se como feixes luminosos sobre a experiência social: e só enquanto as relações sociais passam sob a ação desse facho normativo, é que elas adquirem o significado de relações jurídicas. (…) Quando uma relação de homem para homem se subsume ao modelo normativo instaurado pelo legislador, essa realidade concreta é reconhecida como sendo relação jurídica.”


Assim, ao se buscar fixar o alcance das normas jurídicas é necessário verificar e analisar os componentes da respectiva relação jurídica que nela se subsumem; notadamente quando ocorre um concurso aparente de normas.


E nesse sentido, quanto a determinação do âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, o próprio diploma normativo, em seu artigo de abertura propugna pela proteção e a defesa do consumidor, estatuindo normas de ordem pública nesse aspecto, em atendimento ao imperativo constitucional, conforme determinam os Arts. 5º, XXXII, e 170, V, da Constituição Federal.


Nesse diapasão, o Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 2º e 3º, trata da conceituação do que, para os seus efeitos, vêm a ser consumidor, fornecedor, produtos e serviços.


Assim, verifica-se que a primeira preocupação do legislador fora a de estabelecer parâmetros para a identificação dos componentes da relação jurídica de consumo, do qual trata primordialmente a lei sob comento.


A partir dessas conclusões, poder-se-ia apresentar uma classificação tripartida para os atos jurídicos de consumo, derivando os atos de consumo em: I – Os atos de consumo próprios ou por essência, os quais podem ser definidos como os atos de consumo por excelência, de regra praticados pelo consumidor nas pontas finais da cadeia de circulação dos produtos e serviços; II – Os atos de consumo por acessão ou dependência, caracterizados como os atos de consumo próprio praticados pelos fornecedores para a viabilização do seu empreendimento e alavancagem das atividades da sua agência produtora de consumo, no fluxo circulatório de bens nos setores primário, secundário e terciário da economia; e finalmente III- Os atos de consumo por força de lei; os quais podem ser conceituados como aqueles atos de consumo objetivos, cujas relações jurídicas são submetidas mandatoriamente, por força de lei, à disciplina regulatória – direta ou incidental – do Código de Defesa do Consumidor e seus consectários normativos, independentemente da qualificação ou funcionalidade dos sujeitos envolvidos na relação jurídica.


Nesse sentido, partindo-se da premissa de que a relação jurídica é composta por um sujeito ativo – assim entendido como o beneficiário da norma -, um sujeito passivo – aquele sobre o qual incidem os deveres impostos pela norma -, um objeto – que se identifica com o bem sobre o qual recai o direito -, e um “fato propulsor” – assim considerado como o tipo de vínculo que liga o sujeito ativo ao sujeito passivo -, deve-se analisar a relação de consumo sob o ponto de vista de cada um de seus componentes. Desse modo tem-se, o consumidor, o fornecedor, o produto ou serviço, e o seu fato propulsor, seja ele de natureza contratual ou extracontratual.


Em prosseguimento, uma vez identificados os elementos componentes da relação jurídica de consumo, poder-se-á, com clareza, mensurar a “ação do facho normativo” da Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor.


Ademais, vale ressaltar que a utilidade da correta identificação dos elementos componentes da relação jurídica de consumo prende-se, também, à necessidade da observância do princípio da legalidade previsto no Art. 5º da Constituição Federal, considerando ser, o Código de Defesa do Consumidor, um estatuto multidisciplinar, definindo em seu bojo inclusive tipos criminais, a par de regras de comportamento mais gravosas em cotejo com as estabelecidas pelo Código Civil e pelo Código Comercial.


Nesse diapasão, as relações de consumo são as relações jurídicas por excelência, as quais envolvem sempre, basicamente, duas partes bem definidas.


Como primeira parte, uma relação tendo como vértices, de um lado um adquirente de um produto ou serviço (consumidor); de outro o fornecedor ou vendedor de um produto ou serviço (produtor/fornecedor).


Desse modo, Newton De Lucca, citando Alberto do Amaral Jr, pondera que:


“(…) por exemplo, em trabalho que merece ser citado à exaustão pelos estudiosos do direito do consumidor no Brasil, parece identificar ambos os conceitos ao afirmar que “a relação de consumo não se verifica entre simples particulares e que os produtos e serviços de que trata devem ser colocados no mercado por um sujeito no exercício de sua atividade empresarial”[10].


Como segunda parte, tem-se o objeto destinado a satisfação de uma necessidade privada do consumidor.


Portanto, o Código de Defesa do Consumidor fora criado para disciplinar as relações de consumo em geral.


Portanto, para aferir com precisão a existência de uma relação de consumo, é indispensável ter conhecimento prévio de dois conceitos fundamentais, necessários para se identificar tal relação, quais sejam: consumidor e fornecedor.


3.1. Do Consumidor.


Assim, consumidor, à luz do artigo 2º da lei 8078/90, é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final.


Desse modo, o consumidor é caracterizado pelo ato de retirar o produto ou serviço de circulação do mercado. O critério adotado por tal corrente é objetivo, a partir dessa análise, buscando basear-se em um conceito jurídico.


Tal corrente é chamada de Maximalistas.


Por sua vez, uma segunda corrente defende que a caracterização do consumidor não deve se basear, tão somente em um critério fático, mas dever-se-á agregar um critério econômico, a fim de se alcançar a derivação do termo.


Portanto, além da destinação fática, consistente em retirar o produto ou serviço do mercado, é necessário não utilizar os mesmos para auferir renda.


Assim, para a caracterização do consumidor adota-se um critério subjetivo. Assim como, adotou-se, nesse ponto de vista, o critério econômico.


Tal corrente é denominada de Finalistas.


Entretanto, um elemento de conjunção entre essas duas correntes se mostra, justamente, fulcrada no elemento de vulnerabilidade do consumidor.


Desse modo, o consumidor é aquele sujeito imbuído de vulnerabilidade.


Nesse sentido, Eliane M. Octaviano Martins[11] pondera que:


“Inobstante serem detectados inúmeros entendimentos diversos acerca do exato alcance do conceito de vulnerabilidade, prepondera a exegese que sustenta dever ser a vulnerabilidade compreendida no sentido técnico, jurídico e socioeconomico. “


E prossegue, concluindo que:


“Infere-se, portanto, que tais sentidos importam na configuração de não ter o consumidor conhecimentos em relação aos aspectos jurídicos do negócio e as suas repercussões econômica além de não se encontrar, geralmente, na mesma condição social e econômica do fornecedor parte com que negocia. Efetivamente, como regra, as conclusões adotadas pela teoria subjetiva ou finalista estão calcadas nos seguintes pressupostos: i) o conceito de consumidor deve ser subjetivo e permeado pelo critério econômico e da vulnerabilidade; ii) a expressão “destinatário final” deve ser interpretada restritivamente.”


O Superior Tribunal de Justiça, a partir dos preceitos conceituais enumerados, manifesta-se também nesse sentido, levando em consideração a vulnerabilidade do consumidor, a temperar a corrente finalista; também chamada de  Teoria Finalista Mitigada.


Nesse sentido:


“PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE MÁQUINA DE BORDAR. FABRICANTE. ADQUIRENTE. VULNERABILIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. NULIDADE DE CLÁUSULA ELETIVA DE FORO. 1. A Segunda Seção do STJ, ao julgar o REsp 541.867/BA, Rel. Min. Pádua Ribeiro, Rel. p/ Acórdão o Min. Barros Monteiro, DJ de 16/05/2005, optou pela concepção subjetiva ou finalista de consumidor. 2. Todavia, deve-se abrandar a teoria finalista, admitindo a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, desde que seja demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica. 3. Nos presentes autos, o que se verifica é o conflito entre uma empresa fabricante de máquinas e fornecedora de softwares, suprimentos, peças e acessórios para a atividade confeccionista e uma pessoa física que adquire uma máquina de bordar em prol da sua sobrevivência e de sua família, ficando evidenciada a sua vulnerabilidade econômica. 4. Nesta hipótese, está justificada a aplicação das regras de proteção ao consumidor, notadamente a nulidade da cláusula eletiva de foro. 5. Negado provimento ao recurso especial.” (RESP 200702835038, NANCY ANDRIGHI, STJ – TERCEIRA TURMA, 13/10/2010)


Ainda:


REsp 661145 / ES /RECURSO ESPECIAL 2004/0066220-7 (…)


3. No tocante ao segundo aspecto – inexistência de relação de consumo e conseqüente incompetência da Vara Especializada em Direito do Consumidor – razão assiste ao recorrente. Ressalto, inicialmente, que se colhe dos autos que a empresa-recorrida , pessoa jurídica com fins lucrativos , caracteriza-se como consumidora intermediária, porquanto se utiliza do serviço de fornecimento de energia elétrica prestado pela recorrente, com intuito único de viabilizar sua própria atividade produtiva. Todavia, cumpre consignar a existência de certo abrandamento na interpretação finalista, na medida em que se admite, excepcionalmente, desde que demonstrada, in concreto, a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica, a aplicação das normas do CDC. Quer dizer, não se deixa de perquirir acerca do uso, profissional ou não, do bem ou serviço; apenas, como exceção e à vista da hipossuficiência concreta de determinado adquirente ou utente, não obstante seja um profissional, passa-se a considerá-lo consumidor Ora, in casu, a questão da hipossuficiência da empresa recorrida em momento algum foi considerada pelas instância ordinárias, não sendo lídimo cogitar-se a respeito nesta seara recursal, sob pena de indevida supressão de instância” (Precedentes: REsp. 541.867/BA, DJ 10.11.2004).


Assim, o consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviços, tendo ao fundo o que se denomina de Direito do Consumidor, que pode ser conceituado como o agrupamento de normas jurídicas que visam regular as relações estabelecidas entre a pessoa do consumidor e do fornecedor.


3.2. Do Fornecedor.


O fornecedor, por sua vez, é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (art. 4º da lei 8078/90).


Desse modo, como se observa pelos conceitos trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor acerca das figuras de consumidor e fornecedor, é imprescindível que se tenha como entes formadores da relação de consumo essas duas figuras em pólos distintos, devendo o consumidor figurar em um pólo da relação e o fornecedor em outro.


Entretanto, a abordagem doutrinária sobre os conceitos de consumidor e fornecedor são muita amplas e trazem consigo muitas dúvidas acerca da sua definição e utilização.


Ocorre, no o entanto, que o ponto nodal reside na vinculação legal à palavra destinatário final, de fundamental importância para se determinar essa figura.


Assim, mais uma vez, tem-se que destinatário final é aquela pessoa, física ou jurídica que adquire ou se utiliza de produtos ou serviços em benefício próprio, ou seja, é aquele que busca a satisfação de suas necessidades através de um produto ou serviço, sem ter o interesse de repassar este serviço ou esse produto a terceiros.


Portanto, caso este produto ou serviço seja repassado a terceiros, mediante remuneração, inexiste a figura do consumidor e surge imediatamente a do fornecedor.


Adentrando aos meandros da conceituação de fornecedor, importante repisar que esse não necessita ser uma pessoa jurídica, uma vez que o texto legal traz a figura dos entes despersonalizados, podendo se entender assim por uma interpretação lógica, que também podem figurar como fornecedores aqueles que praticam atividades definidas em lei, quanto ao fornecimento de produtos e serviços, mesmo que atuando economia informal.


Frise-se que os entes de direito público, os quais prestam serviços essenciais à sociedade, como serviços de fornecimento de água, luz e esgoto também se enquadram na figura de fornecedores com base no artigo 3º da lei 8078/90.


Finalmente, a sedimentar qualquer dúvida quanto ao conceito de Fornecedor, Fabio Ulhoa Coelho ensina que:


“Fornecedor é a pessoa que desenvolve atividade de oferecimento de bens ou serviços ao mercado, e consumidor aquela que os adquire como destinatário final. Sempre que a relação jurídica ligar um exercente de atividade de oferecimento de bens ou serviços ao mercado ao destinatário final destes, ela é uma relação de consumo e sua disciplina será a do regime de tutela do consumidor”[12].


Portando, valendo-se do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, a título de fecho, evidenciando-se o caráter abrangente da definição legal, como Fornecedor podem ser enquadrados todas as pessoas capazes, físicas ou jurídicas, bem como os entes despersonalizados, que “desenvolvam atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.


4. CONCLUSÃO.


Assim, ante o acima enunciado, tem-se que a conceituação do que vem a ser uma relação de consumo não pode ser dada de uma forma simplista e resumida a uma relação jurídica dentro dos moldes do Direito Civil clássico.


Na verdade, ante tais ponderações verifica-se a necessidade de se evidenciar os elementos correlatos, a se possibilitar a conclusão de que a relação de consumo trata-se de uma relação jurídica peculiar, que aponta para elementos subjacentes, imanentes em sua essência, e muito longe do simplismo apontado pela doutrina.


Somente a partir dessa evidenciação é que se torna possível delimitar a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, em sua configuração principiológica, de modo a poder fazer valer seus imperativos normativos, parametrizados em seu microssistema legislativo.


 


Referências

COELHO, Fabio Ulhoa, Manual de Direito Comercial, 10ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 199.

DELFINO, Lúcio. Reflexões acerca do art. 1º do Código de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 230, 23 fev. 2004. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/4832>. Acesso em: 19 ago. 2011.

DE LUCCA, Newton. Direito do Consumidor, Teoria Geral da Relação de Consumo. Quartier Latin. 2003.

FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. São Paulo: Atlas, 1991.

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 4ª ed., São Paulo: 1988.

MARTINS, Eliane M. Octaviano. A incidencia do Codigo de Defesa do Consumidor nos contratos marítimos de transporte de mercadorias . In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 72, 01/01/2010 [Internet].Disponível em https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7104. Acesso em 19/08/2011.

NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 3ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, São Paulo: Saraiva, 22ª edição, 1995.

SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. 2ª ed. São Paulo: Editora Método, 2004.


Notas:

[1] DELFINO, Lúcio. Reflexões acerca do art. 1º do Código de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 230, 23 fev. 2004. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/4832>. Acesso em: 19 ago. 2011.

[2] NUNES, 2008, p. 66.

[3] DELFINO, Lúcio. Reflexões acerca do art. 1º do Código de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 230, 23 fev. 2004. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/4832>. Acesso em: 19 ago. 2011.

[4] GRAU, 1988, p. 138.

[5] NUNES, 2008, p. 56.

[6] SANTOS, 2004, p. 44.

[7] FILOMENO, 2003, p. 31.

[8] FILOMENO, 2004, p. 31.

[9] REALE, 1995, p. 211.

[10] DE LUCCA, 2003, pp. 136-137.

[11] MARTINS, Eliane M. Octaviano. A incidencia do Codigo de Defesa do Consumidor nos contratos marítimos de transporte de mercadorias . In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 72, 01/01/2010 [Internet].Disponível em https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7104. Acesso em 19/08/2011.

[12] COELHO, 1999, p. 82,

Informações Sobre o Autor

Alexandre Gazetta Simões

Mestrando em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (UNIVEM). Pós-graduado, com Especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC). Direito Constitucional (UNISUL). Direito Constitucional (FAESO). Direito Civil e Processo Civil (FACULDADE MARECHAL RONDON). Direito Tributário (UNAMA). graduado em Direito (ITE-BAURU. Analista Judiciário Federal – TRF3. Professor de graduação de Direito na Associação Educacional do Vale do Jurumirim (EDUVALE AVARÉ). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Instituto Palatino. Membro do Conselho Editorial da Revista Acadêmica de Ciências Jurídicas da Faculdade Eduvale Avaré. – Ethos Jus. Co-autor da obra “Ativismo Judicial – Paradigmas Atuais” (2011) Letras Jurídicas. Co-Organizador da obra “Ensaios Sobre a História e a Teoria do Direito Social” (2012) Letras Jurídicas


Equipe Âmbito Jurídico

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