Muito embora alguns ainda pensem que esse assunto já tenha sido bastante debatido, equivocam-se, pois o poder judiciário ainda mantém em vigor e em plena aplicabilidade a Súmula n.º 16 da Turma Nacional de Uniformização.
Entretanto, recentemente alcançamos uma vitória no voto da 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais – Seção Judiciária do Paraná, ao qual o M.M. Juiz Relator reviu seu posicionamento ao prolatar seu voto e reconheceu o equivoco de converter o tempo especial em tempo comum até 28/05/98.
Com essa decisão, entendemos que é nosso dever continuar batendo nessa tecla até que alcancemos a unanimidade ou, pelo menos, o voto da maioria do poder judiciário, no reconhecimento de que o artigo 57 § 5º da Lei 8.213/91 continua em pleno vigor.
Breve histórico do direito à conversão
A Lei 6.887/80 trouxe, em status legal, o direito à conversão do tempo especial em tempo comum.
Referido direito de conversão já fazia parte do regulamento da previdência desde a edição do Decreto 72.771/73.
Ora, evidentemente que não teria qualquer sentido permitir que, àqueles que não tivessem implementado os prazos mínimos de 15, 20 ou 25 anos para a obtenção da aposentadoria especial fossem submetidos às regras da aposentadoria por tempo de serviço[1], sem qualquer reconhecimento dos períodos trabalhados sob condições agressivas.
A conversão era, portanto, medida esperada para regularizar a situação daqueles que tivessem trabalhado em duas ou mais empresas insalubres, penosas ou periculosas sem ter completado em qualquer delas o prazo mínimo que lhe correspondesse o direito ao benefício especial.
Desta forma, a Lei 6.887/80 apenas veio reparar os danos causados pelas condições adversas de trabalho do segurado[2], pois pela lógica do benefício da aposentadoria especial que visa prioritariamente a proteção do trabalhador que se expôs a agentes agressivos, o direito à conversão já estaria implicitamente reconhecido desde a criação da aposentadoria especial em 1960.
As conversões eram possíveis apenas entre períodos especiais. A partir de então, foi possível converter tempo especial em tempo comum ou tempo comum em tempo especial.
Referida Lei foi regulamentada pelo Decreto 87.374/82 que trouxe a primeira tabela com os índices de conversão, a saber:
ATIVIDADES A CONVERTER | MULTIPLICADORES | ||||
| PARA 15 | PARA 20 | PARA 25 | PARA 30 |
|
DE 15 ANOS | 1 | 1,33 | 1,67 | 2 |
|
DE 20 ANOS | 0,75 | 1 | 1,25 | 1,5 |
|
DE 25 ANOS | 0,6 | 0,8 | 1 | 1,2 |
|
DE 30 ANOS | 0,5 | 0,67 | 0,83 | 1 |
|
Note-se que nessa tabela era possível converter tempo especial em tempo especial (de 15 anos para 20 ou 25; de 20 anos para 15 ou 25; e de 25 anos para 15 ou 20) ou converter tempo especial (15, 20 ou 25) para tempo comum ou vice-versa.
Importante observar que naquela época a mulher somente se aposentava com tempo integral (30 anos). Por conseguinte, para a conversão do tempo especial em comum ou comum em especial, a mulher utilizava o mesmo índice de conversão do homem, sem distinção em relação ao gênero.
Com a edição da Lei 8.213/91 a lógica da aposentadoria por tempo de contribuição foi modificado, pois até então, pela legislação anterior, o homem se aposentava aos 30 anos, podendo optar pela aposentadoria integral aos 35 anos e a mulher, como já dito, somente poderia se aposentar com 30 anos de tempo de serviço, o que lhe dava direito ao benefício integralmente.
A Lei 8.213/91 trouxe um novo regramento à aposentadoria por tempo de serviço, calcada na Constituição Federal de 1988 que em seu artigo 202[3] da redação original, passa a reconhecer ao homem o direito à aposentadoria por tempo de serviço aos 35 anos e à mulher aos 30 anos, facultando-lhes aposentar com proventos proporcionais aos 30 ou 25 anos de tempo de serviço, respectivamente.
Assim, nova tabela de conversão foi regulamentada pelo Decreto 357/91, atendendo ao novo dispositivo legal:
Atividade a converter | Para 15 anos | Para 20 anos | Para 25 anos | Para 30 anos (Mulher) | Para 35 anos (Homem) |
De 15 anos | 1,00 | 1,33 | 1,67 | 2,00 | 2,33 |
De 20 anos | 0,75 | 1,00 | 1,25 | 1,50 | 1,75 |
De 25 anos | 0,60 | 0,80 | 1,00 | 1,20 | 1,40 |
De 30 anos (Mulher) | 0,50 | 0,67 | 0,83 | 1,00 | 1,17 |
De 35 anos (Homem) | 0,43 | 0,57 | 0,71 | 0,86 | 1,00 |
A mudança da lógica da aposentadoria por tempo de serviço para o homem aos 35 anos e à mulher aos 30 ocasionou a alteração da tabela de conversão. Por exemplo: um homem que, na tabela anterior tinha o índice de conversão de 1,20 para converter tempo especial (25 anos) para 30 anos, agora o índice de conversão é 1,40.
Isso significa que o homem que ganhava 20% de tempo de serviço a mais para aposentadoria por tempo de serviço, a partir de então passou a ganhar 40%. O dobro.
Entretanto, quanto à mulher, o índice de conversão antes utilizado permaneceu inalterado.
A Lei 9.032/95, entretanto, trouxe inúmeras modificações na aposentadoria especial e, dentre elas, o direito à conversão do tempo comum em tempo especial.
Assim, o Decreto 2.172/97 trouxe nova tabela de conversão, mas desta vez, ao invés ser ampliada como ocorreu com a Lei 8.213/91, ela acabou sendo reduzida, permitindo apenas a conversão do tempo especial em tempo comum ou do tempo comum em tempo especial:
Atividade a converter | Para 15 anos | Para 20 anos | Para 25 anos | Para 30 anos (Mulher) | Para 35 anos (Homem) |
De 15 anos | 1,00 | 1,33 | 1,67 | 2,00 | 2,33 |
De 20 anos | 0,75 | 1,00 | 1,25 | 1,50 | 1,75 |
De 25 anos | 0,60 | 0,80 | 1,00 | 1,20 | 1,40 |
Em 28/05/98 a Medida Provisória 1663-10 pretende revogar o § 5º do artigo 57 da Lei 8.213/91, cuja redação advém da alteração trazida pela Lei 9032/95, mas ao ser convertida na Lei 9.711/98, referida revogação acabou não ocorrendo, permanecendo inalterados os artigos 57 e 58 da Lei 8.213/91, conforme expressamente prevê o artigo 15 da Emenda Constitucional n.º 20/98.
A única conversão que restaria seria aquela que convertesse tempo especial para tempo especial.
Ora, e aqueles que continuaram exercendo atividades intercaladas entre tempos comuns e especiais? Por acaso deixaram de se expor a agentes agressivos? Evidentemente que não!
Do direito à conversão após 28/05/98
Muito embora alguns autores defendem a revogação tácita do § 5º do artigo 57 da Lei 8.213/91 pela Lei 9.711/98, insta ressaltar que esse entendimento é equivocado.
O direito à conversão é um direito constitucional. Não só porque está expressamente esculpido no artigo 201 § 1º da Constituição Federal o direito a tratamento diferenciado àqueles expostos a agentes agressivos, mas pelo princípio da isonomia, hierarquicamente superior à regra esculpida no referido preceito normativo.
Importante lembrar que a conversão deve ser utilizada para garantir o direito à igualdade. Um trabalhador que se exponha a agentes agressivos não pode ter seu tempo de serviço meramente somado àquele período de tempo considerado comum. São períodos de trabalho de naturezas distintas e não há como somá-los, simplesmente.
É preciso, antes de tudo, torná-los iguais, homogêneos, uniformes.
A conversão permite essa uniformidade. Somente após convertido os períodos especiais em comuns essa homogeneidade acontece. Não há como desprezar os fatos concretos, desprezando os direitos constitucionais.
É inadmissível que um direito constitucional seja simplesmente revogado tacitamente. E não era essa a intenção do legislador ordinário, pois além de restar omisso quanto à revogação do direito à conversão do tempo especial em comum ao converter a Medida Provisória 1663-15 na Lei 9.711/98, deixou claro na Emenda Constitucional n.º 20/98, em seu artigo 15, que devem permanecer inalterados os artigos 57 e 58 da Lei 8.213/91 até que lei complementar defina a matéria.
Os prejuízos dos segurados no entendimento equivocado de que houve revogação tácita do § 5º do artigo 57 da Lei 8.213/91 provocaram o surgimento de precedentes no Superior Tribunal de Justiça que, por sua vez, ocasionaram a publicação da Súmula n.º 16 da Turma de Uniformização dos Juizados Especiais Federais:
“A conversão em tempo de serviço comum, do período trabalhado em condições especiais somente é possível relativamente à atividade exercida até 28 de maio de 1998 (artigo 28 da Lei n.º 9.711/98)”[4]
Cumpre esclarecer, no entanto, que a própria autarquia previdenciária reconhece o direito à conversão até os dias atuais, sendo esse entendimento mais favorável ao segurado do que o entendimento trazido pela justiça!
O Decreto 4827/03 trouxe nova redação ao artigo 70 do Decreto 3048/99, determinando que as regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes no referido artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período.
Assim, o Decreto 3048/99 traz duas tabelas de conversão, desta vez separadas: uma convertendo o tempo especial para tempo especial, considerando a atividade preponderante, esculpida no artigo 66:
TEMPO A CONVERTER | MULTIPLICADORES
| ||
| PARA 15 | PARA 20 | PARA 25 |
DE 15 ANOS | – | 1,33 | 1,67 |
DE 20 ANOS | 0,75 | – | 1,25 |
DE 25 ANOS | 0,60 | 0,80 | – |
E outra tabela de conversão, especificamente para converter tempo especial em tempo comum, trazida no artigo 70 do referido Decreto 3048/99:
TEMPO A CONVERTER | MULTIPLICADORES | |
MULHER (PARA 30) | HOMEM (PARA 35) | |
DE 15 ANOS | 2,00 | 2,33 |
DE 20 ANOS | 1,50 | 1,75 |
DE 25 ANOS | 1,20 | 1,40 |
Ora, se a própria autarquia previdenciária reconhece o direito á conversão do tempo especial em tempo comum, nada justifica o entendimento da justiça em parar a conversão em 28/05/98.
Recentemente uma decisão proferida pela 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais – Seção Judiciária do Paraná demonstrou sensatez na decisão, cujo acórdão pedimos vênia para transcrever:
“Desta forma, revendo posicionamento até então adotado por esta 2ª Turma Recursal, e a fim de compatibilizar os entendimentos judicial e administrativo, passa-se a reconhecer o direito á conversão após o limite fixado no art. 28 da Lei n. 9.711/98, desde que devidamente comprovado o exercício de labor especial”[5].
A fundamentação do M.M. Juízo baseou-se na própria atitude da autarquia que vem convertendo o tempo especial em tempo comum na via administrativa após 28/05/98, não fazendo qualquer sentido continuar utilizando o entendimento até então adotado pelos Juizados Especiais Federais.
Ressalta-se ainda que as Súmulas 16 e 32 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais são conflitantes. Vejamos o teor da Súmula n.º 32:
“ O tempo de trabalho laborado com exposição a ruído é considerado especial, para fins de conversão em comum, nos seguintes níveis: superior a 80 decibéis, na vigência do Decreto n.º 53.831/64 (1.1.6); superior a 90 decibéis, a partir de 5 de março de 1997, na vigência do Decreto 2.172/97; superior a 85 decibéis, a partir da edição do Decreto n. 4882, de 18 de novembro de 2003”[6].
Assim, conflitam-se os Enunciados n.º 16 em que entende possível a conversão até 28/05/98, mas em relação ao ruído a conversão pode ser utilizada até hoje!?
Concluindo, é preciso que o Poder Judiciário repense esse entendimento, para se adequar às situações de fato e de direito, reconhecendo que o direito à conversão é um direito calcado na Constituição Federal, devendo ser reconhecido até os dias atuais.
Advogada, mestre em direito previdenciário pela PUC-SP e professora.
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