Introdução
A
Arbitragem já se encontrava regulada no Código Civil e de Processo Civil
brasileiros. Não obstante, nunca foi efetivamente aplicada. Com o advento da
Lei 9.307/96, o juízo arbitral passou a ser tratado como uma opção
fornecida às partes para dirimirem seus conflitos, vindo também contribuir no desafogamento do Poder Judiciário estatal.
Contudo, surgem vários
pontos polêmicos referentes à aplicação desta forma de justiça, como a sua
constitucionalidade, a imparcialidade dos árbitros, a cláusula compromissória nos contratos de adesão, que serão
alvo de uma breve análise neste artigo.
Antes de abordarmos tais
assuntos, far-se-á necessário conceituar o referido instituto, bem como sua
natureza jurídica.
Conceito
de arbitragem
Conforme
TEIXEIRA E ANDREATTA, a arbitragem é o “ […]
compromisso através do qual as pessoas interessadas submetem um litígio à
decisão de um ou mais árbitros , ficando antecipadamente obrigadas a
respeitar o resultado.” (1997, p.30).
Percebe-se , assim, que esta espécie de justiça não pertence `a
jurisdição estatal, sendo que o arbitro será escolhido pelos litigantes,
visando pôr fim ao conflito existentes entre os mesmos. Portanto, é uma justiça
privada.
No entanto, a opção pela
arbitragem para solucionar o conflito não é obrigatória. Às partes cabe
escolher entre o juízo arbitral ou submeterem-se à jurisdição estatal. Os
indivíduos que elegerem a arbitragem para solucionar suas
controvérsias deverão ter capacidade de contratar e a lide deverá versar
sobre direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, aqueles que podem ser
transacionados.
Natureza
jurídica
Neste
aspecto, a doutrina se divide. Segundo PEDRO A. B. MARTINS, na obra A
Arbitragem na Era da Globalização (1997, p.38), há duas correntes que
procuram explicar a natureza jurídica da arbitragem “[…] os privativistas que ressaltam a natureza contratual da
arbitragem, em objeção aos publicistas, que
reconhecem a função jurisdicional do juízo arbitral”.
Em
geral, prevalece o caráter jurisdicional da arbitragem, entre os
doutrinadores. Naturalmente , é uma jurisdição
privada, não sendo mantida pelo Estado e nem contendo a obrigatoriedade da
justiça comum. Serão as partes que arcarão com os dispêndios utilizados
(pagamento de árbitros, contratações de peritos,
etc.) para que o juízo arbitral possa
atuar, de
acordo com ROQUE ( 1997, p.
16).
Outro
fator que evidencia ser a arbitragem de natureza jurisdicional, é que embora o
árbitro não detenha o poder de coerção nem de execução, é equiparado ao juiz
togado e aos funcionários públicos devendo agir “[…] com independência,
discrição, imparcialidade, diligência e competência […]”. ( MARTINS, 1997, p.39), sob pena de ser
responsabilizado criminalmente, de acordo com o artigo17 da Lei
9.307/96.
Portanto,
quando duas ou mais pessoas nomeiam um arbitro,
elas estão se utilizando de uma via jurisdicional não estatal e não obrigatória
para dissolver seus conflitos. Em contrapartida, ao assumir essa obrigação, o
arbitro deverá desempenhar adequadamente a tarefa que o Estado lhe outorgou,
realizando os atos devidos para a concretização do instituto em questão, com
exclusão apenas do exercício do poder de império (MARTINS, 1997, p.39)
Nota-se,
assim, que ao contratarem (convenção arbitral) para por fim a
controvérsias de natureza patrimonial, as partes estão se utilizando
de “ […] um sistema convencional para estabelecer uma
jurisdição”. Desta forma, a arbitragem “[…] é convencional por
sua origem”, pois surge de um contrato, e “[…]
jurisdicional por sua função” ( ROQUE, 1997,
p. 17).
Todavia,
apesar das vantagens com que vem se apresentando, a nova lei da arbitragem
possui vários pontos que causam polêmica e até mesmo receio na sua
aplicação. Alguns destes serão objeto do exame que se passará a fazer a
partir de agora.
Pontos polêmicos
A
Lei da Arbitragem tem sido alvo de várias críticas, devido a alguns pontos
bastante polêmicos que ela prevê. Um destes é o Contrato de Adesão.
Com
o intuito de atender um número cada vez maior de clientes em um menor espaço de
tempo possível, otimizou-se os contratos, que outrora
eram personalizados e as cláusulas sedimentadas de acordo com os interesses das
partes. Hoje os chamados contratos de adesão são impressos de forma unilateral,
restando ao consumidor aderir ou desistir da relação jurídica de
direito material.
Segundo
o juiz de direito MÁRCIO OLIVEIRA PUGGINA (1997, p. 367): “A vulnerabilidade
jurídica do aderente, se expressa por relação de proporcionalidade em que o
aumento de sua necessidade, em relação ao bem da vida, objeto do
contrato, diminui a autonomia de sua vontade. Por outro lado aumenta o poder de
imposição do ofertor também na exata medida em que
aumenta a sua disponibilidade em relação ao bem da vida de que prescinde
o aderente”.
Não
contente, ETCHEVERY (1997, p. 356) enfoca também a
disposição de espírito com que as pessoas aderem ao contrato, pois a
adesão se dá quando não há perspectivas de litigâncias, levando o contraente já
vulnerável a não examinar as verdadeiras conseqüências que a imposição da
cláusula compromissória pelo contrato de adesão
acarretará.
Por
sua vez, o artigo 5º, XXXV da CF (A LEI NÃO EXCLUIRÁ DA APRECIAÇÃO DO
PODER JUDICIÁRIO LESÃO OU PERIGO DE AMEAÇA A DIREITO) garante às partes
optar pela justiça convencional em se tratando de direitos disponíveis.
Destarte, através de um exame desapaixonado do artigo 4º da nova lei da
arbitragem, alguns juristas suscitam a inconstitucionalidade que pode
ensejar a má aplicação da cláusula compromissória em
contratos de adesão, pois o mercado avassalador aliado a
lei da oferta e procura não permite ao consumidor um ato de inconformidade. Se
este desiste do contrato provavelmente terá que se submeter à vontade de outro
predisponente, ou seja, há uma supressão, um impedimento da parte mais fraca
de facultar pela justiça convencional em virtude da necessidade que tem
pelo bem, indo de encontro com o que reza o artigo 5º da Carta Constitucional.
No
entanto, os defensores da arbitragem utilizam o mesmo artigo da referida lei
para argumentar que essa alegada inconstitucionalidade não existe, visto que a
cláusula compromissória nos contratos de adesão só
terá eficácia se a parte que adere a relação contratual tomar
a iniciativa de instituir o juízo arbitral ou, de maneira expressa,
concordar com a eleição desse
juízo. Além disso, a cláusula deverá constar em documento
anexo ou em registro com assinatura ou visto especial, realçando-se de tal
forma no contrato de adesão que o aderente tenha que analisá-la de maneira mais
atenta, conforme ROQUE (1997, p. 53).
Sendo
assim, se o consumidor ou aderente não analisou a cláusula compromissória
por que ela confundia-se com as demais cláusulas do contrato de adesão, esta
poderá ser alvo de anulação, de acordo com TEIXEIRA E ANDREATTA (1997, p. 105):
“[…] Caso existam outras cláusulas também em negrito, de tal forma que
mesmo sendo assim redigida a cláusula compromissória
se confunda com as demais, não se poderá exigir a obediência por parte do
aderente em cumprir o avençado” (O grifo é nosso).
Importante,
também, conforme argumento dos autores acima citados à página100 de sua obra A
Nova Arbitragem (1997), o que dispõe o art. 51, inc. VII do Código de
Defesa do Consumidor, que estipula que a utilização compulsória da
arbitragem, para dirimir conflitos relativos a contratos, é nula de pleno
direito, visto que o aderente não pode ser obrigado a aceitar a via
arbitral. Portanto, quando a instauração do juízo arbitral se fundamentar em
uma cláusula abusiva imposta à parte mais vulnerável da relação contratual, a
cláusula compromissória poderá ser anulada.
Desta
forma, argumentam TEIXEIRA e ANDREATTA (1997, p. 103), a
desconfiança daqueles que criticam o art. 4º da Lei em estudo
relaciona-se não à cláusula compromissória nos
contratos de adesão (que são utilizados no Brasil e em outros países da América
Latina e são regulados pelas legislações destes), mas “[…] a possibilidade
de que os árbitros tenham alguma dependência com fornecedores de bens e
serviços e possam causar prejuízos aos consumidores”.
O
artigo 18 da Lei 9.307/96, por não sujeitar a sentença arbitral a recurso ou à
homologação do Poder Judiciário, também tornou-se o
alvo das críticas feitas à nova arbitragem, sendo este argumento um dos mais
fortes. Suscita-se a incompatibilidade do referido artigo com o artigo
5º, XXXV da C. F. , uma vez que confere a mesma força
e eficácia das decisões emanadas por órgãos colegiados às decisões tomadas por
árbitros ou Tribunais Arbitrais, destituindo a garantia do duplo grau
de jurisdição, podendo a parte apenas ajuizar ação de nulidade da
sentença arbitral (art. 33) se presentes vícios que a contaminam,
previstos no art.32 da mesma lei.
Essa
alegada inconstitucionalidade da arbitragem em face do art. 5º, XXXV da C.F. é
afastada pelos doutrinadores favoráveis ao juízo arbitral,
que argumentam que este não limita nem impede o acesso
à jurisdição, visto que esse acesso depende do Princípio da Iniciativa das
Partes, exarado no art. 2º do CPC. Portanto, de acordo com LIMA (Arbitragem
na Era da Globalização, 1997, p. 19), ao optar pela arbitragem, os
interessados exercitaram o seu direito à tutela do direito que foi ameaçado ou
sofreu lesão.
Ainda
outros argumentos são utilizados para derrubar a alegação de afronta ao art. 5º
da C.F., como o fato da Lei 9.307/96, em seu artigo 33 dar aos interessados a
possibilidade de acesso ao Judiciário para que a sentença arbitral eivada de
vícios seja declarada nula; as partes poderão argüir nulidade nos embargos à
execução, frente ao Poder Judiciário. Além disso, somente a jurisdição estatal
poderá executar o laudo arbitral; as decisões emanadas de tribunais arbitrais
ou árbitros estrangeiros somente serão homologados
após análise do STF. E quando surgir questões relativas à
direitos indisponíveis no curso da arbitragem, o Judiciário efetuará o controle
e decidirá a respeito destes e, finalmente, à jurisdição estatal caberá decidir
através de sentença, a instituição da arbitragem quando uma das partes se
recusar a cumprir a cláusula compromissória.
Portanto,
“[…] prevê a nova lei a presença do Judiciário para responder à convocação
da parte que eventualmente sentir-se lesada […]”, argumenta FIGUEIREDO
TEIXEIRA (A Arbitragem na Era da Globalização, 1997, p. 30).
Outro
ponto bastante polêmico é a criticada parcialidade dos juizes arbitrais,
uma vez que a estes não são conferidas as garantias da inamovibilidade,
vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos, em virtude do caráter
transitório de suas funções e por serem estas exclusivas do magistrado.
Tais garantias de certo modo asseguram o destemor de contrariar forças
políticas ou de qualquer natureza existente na sociedade em que atuam,
dando a certeza ao juiz investido de que independente da
sentença prolatada assegurado está o seu cargo, a sua permanência na comarca,
bem como o sustento de sua família .
A
dita imparcialidade, de acordo com o entendimento de alguns juristas e
doutrinadores, está distanciada dos árbitros e possivelmente
comprometida com os interesses das partes econômica e politicamente mais
fortes nos litígios. Nesse sentido, escreve MÁRCIO OLIVEIRA PUGGINA, juiz do
Tribunal de Alçada e professor da Escola Superior da Magistratura: “ Que futuro teria neste novo nicho mercadológico,
que é o da arbitragem o profissional que se mostrasse sob a ótica do
empresariado, demasiadamente imparcial? Até de forma inconsciente o arbitro
tenderia ser parcial, como meio de assegurar a continuidade” (1997).
Ainda
a respeito dos árbitros faz-se mister uma breve análise ao artigo
15 da lei da 9.307/96, cujo texto deixa a critério do próprio excepto a recusa da permanência no processo em decorrência
de impedimento ou suspeição.
Segundo
TEIXEIRA e ANDREATTA (1997, p. 194, 202), a suspeição está voltada para
situações de cunho subjetivo enquanto o impedimento é de caráter
determinantemente legal, ou seja, a lei proíbe o arbitro de persistir na função
de julgador quando se encontra em algumas das situações relativas ao
impedimento descritas no artigos 134 a 137 do CPC. Contudo, a
decisão de permanência ou não como julgador, quando o arbitro está
envolvido numa situação de suspeição, cabe somente a ele, principalmente quando
o litígio não está submetido a um Tribunal Arbitral, decisão esta que só poderá
ser revista se a parte recorrer ao Judiciário, ensejando sentença anulatória ou
embargos ao devedor e argüindo suspeição ou impedimento
previstos no artigo 33 da Lei 9.307/96.
No
entanto, o arbitro é equiparado ao juiz togado e aos funcionários públicos
devendo agir “[…] com independência, discrição, imparcialidade, diligência
e competência […]” (MARTINS, 1997, p.39), sob pena de ser
responsabilizado criminalmente, de acordo com os artigo17 da Lei 9.307/96. Além
disso, ele poderá declarar-se suspeito ou impedido, de acordo com os artigos 134 a 137 do CPC, ou as partes
poderão argüir tais situações. Desta forma, o árbitro tem a obrigação de “[…]
revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida
justificada quanto à sua imparcialidade e independência”, argumenta ROQUE
(1997, p. 65), sendo que as partes também poderão buscar no Poder Judiciário a
anulação proferida por árbitro que praticou prevaricação, concussão ou
corrupção passiva (idem,, p. 87 e 88).
Ao
assumir essa obrigação, o arbitro deverá desempenhar adequadamente a tarefa que
o Estado lhe outorgou, com honestidade de comportamento, realizando os atos
devidos para a concretização do instituto em questão, com exclusão apenas do
exercício do poder de império (MARTINS, 1997, p.39)
Concluindo, a arbitragem
pode ser considerada uma excelente opção a jurisdição estatal, mas será
preferível que as partes tenham posição de igualdade jurídica dentro da lide.
Talvez por isso, tal juízo seja melhor aplicado em
relações jurídicas entre empresas, Estados e outras entidades que tenham
igualdade na relação contratual. Portanto, são necessárias algumas ressalvas,
se tal instituto há ser aplicado em outras formas de relação jurídica que não
as elecandas acima:
· O
contrato de adesão pode, efetivamente, gerar abusos, uma vez que o ofertor se valha
da disparidade em relação à parte mais vulnerável, impondo ao consumidor
– que necessita celebrar o contrato para a obtenção de bens ou
serviços que lhe são imprescindíveis – a resolução do conflito que advir
dessa relação contratual por meio de um juízo que este não pretendia
escolher. Assim, conforme GOMES ( 1997, p.374), a
ressalva feita pelo artigo 4 º , § 2º, da Lei 9.307/96, pode acabar sendo “[…]
inócua, não retirando da nova lei, nesse ponto, seu caráter pernicioso”.
· Com
relação à imparcialidade, motivos existem para gerar desconfiança, visto que o
arbitro não é investido das mesmas garantias do magistrado. Não obstante,
o julgador arbitral poderá sofrer sanções penais e civis, se atuar com
parcialidade, favorecendo um dos pólos. Além disso, não é este um problema
somente da arbitragem, até mesmo em órgãos estatais que deveriam zelar pela
igualdade entre os indivíduos, constata-se casos de corrupção ou favorecimento.
· Quanto
à suspeição, por ser esta de caráter subjetivo questiona-se: terá o arbitro
honestidade de conduta para declarar-se de ofício suspeito para atuar em
determinado processo, ou aceitar tal alegação da parte?
· Concluindo
essa singela exposição, com relação aos limites e ao impedimento do acesso ao
Poder Judiciário impostos pela arbitragem, nota-se que
tal argumento não procede, visto que as partes escolhem essa via,
conforme reza o brocado latino: “ ELECTA UNA VIA, REGRESSUM AD ALTERAM NON
DATUR” . Contudo, o fato do juízo arbitral não proporcionar o duplo grau de
jurisdição pode vir a limitar o direito das partes, configurando-se num
dos pontos mais polêmicos deste instituto.
Portanto,
observadas as considerações supracitadas, a arbitragem se faz uma opção à
jurisdição estatal, configurando-se como meio de contribuir para o desafogamento da jurisdição convencional. Todavia, é
mister que se realizem várias discussões em torno do juízo arbitral para
chegar-se a uma melhor aplicabilidade da Lei 9.307/96 que não implique na
violação ou limitação de direitos constitucionalmente garantidos.
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Comentários à Lei 9.307, de 23.09.96. Porto Alegre: Síntese, 1997.
Bacharel em Direito, pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG, advogada militante, inscrita na OAB/RS sob o nº 59.256, pós-graduada no Curso “Especialização em Advocacia Geral”, pelo Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
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