Análise ao artigo 285-A do Código de Processo Civil: uma busca desenfreada pelo direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional em face das demais garantias fundamentais asseguradas pelo Estado Democrático de Direito

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Resumo: Trata-se de discussão acerca da incessante busca pela efetividade da tutela jurisdicional em detrimento das demais garantias asseguradas pelo Estado Democrático de Direito.


Indubitavelmente a morosidade na prestação da tutela jurisdicional tem sido o fator de maior insatisfação da sociedade perante o Poder Judiciário brasileiro.


O número exacerbado de demandas judiciais se esbarra em um Judiciário deficiente em sua aparelhagem, tanto no que concerne ao número de magistrados, promotores e serventuários da justiça, quanto à burocracia existente para o andamento da marcha processual.


Em que pese essa notória estrutura deficitária, alguns processualistas brasileiros, calcados na retrógrada idéia do processo como “instrumento” da jurisdição, preferem atribuir à norma a responsabilidade pela demora na prestação do provimento final, sendo responsáveis por reformas processuais que são verdadeiros atentados ao direito fundamental ao devido processo legal e a todos os princípios a ele inerentes.


A desenfreada busca pela efetividade da tutela jurisdicional e, via de conseqüência, pela satisfação do jurisdicionado, parece ignorar as garantias do contraditório, da ampla defesa, da fundamentação das decisões judiciais, do duplo grau de jurisdição, dentre tantas outras.


A Lei 11.277 de 7 de fevereiro de 2006, acrescentou ao Código de Processo Civil o artigo 285-A, que estabelece o poder-dever do juiz a quo de, nos casos em que a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, proferir sentença dispensando a citação e reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.


Apesar da expressão “poderá ser dispensada a citação e proferida sentença”, trata-se indiscutivelmente de um poder-dever conferido ao magistrado, que deve ser um aliado na concretização da celeridade introduzida ao sistema processual pela emenda constitucional nº 45 e no desafogamento do Poder Judiciário.


A inserção deste dispositivo no estatuto processual civil afronta abruptamente o paradigma do Estado Democrático de Direito e a contemporânea noção de processo como instituição constitucionalizada ou como preconiza Fazzalari, como espécie de procedimento em contraditório.


O Estado Democrático de Direito, instituído pelo poder constituinte originário na Constituição da República Federativa do Brasil, tem como premissa o poder conferido ao povo e, via de conseqüência, a participação popular na tomada de decisões que de alguma forma, afetarão seus direitos assegurados.


O próprio exercício da cidadania, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, consoante reza o artigo 1º da CF/88, implica, conforme ponderado por Habermas em sua “Teoria Discursiva”, na efetiva participação dos afetados na formação das decisões.


Essa idéia de democratização nos procedimentos de gênese decisória deve ser observada tanto no âmbito legislativo, quanto no executivo e judiciário, uma vez que apesar de serem poderes independentes, como propôs a mitigada teoria da separação de poderes de Montesquieu, devem ser também harmônicos nos ditames do art.2º da CF/88.


Na esfera executiva e legislativa, a participação popular talvez possa ser vislumbrada mais facilmente, tanto pela representatividade exercida pelos ocupantes de cargos eletivos quanto pela existência de mecanismos de intervenção no processo legislativo, como o plebiscito e o referendo.


Já na esfera judiciária, a garantia de um pleno exercício de cidadania e democracia, deve se dar pela efetiva participação dos jurisdicionados na construção do provimento final, o que decerto, é o que, em um Estado Democrático de Direito, confere legitimidade às decisões.


Nesse contexto, não há mais que se falar em processo como instrumento da jurisdição, o que pressupõe uma relação jurídica triangular, como a proposta por Bülow, em que as partes, em nítida posição de submissão, apresentam os fatos, e o juiz, do alto de seu conhecimento e sabedoria irrefutáveis, diz o direito. Não há mais que se permitir que, o Estado-juiz, na função de justiceiro ou garantidor da paz social, compatíveis ao Estado Social, busque a qualquer custo a verdade real, e, em virtude disso, tolha as partes interessadas na tutela jurisdicional, da participação em sua elaboração e da efetivação dos seus direitos fundamentais.


Não há como negar que o Estado Democrático de Direito atribuiu novo sentido ao Direito Processual e à noção de processo, que conforme já ressaltado deve ser entendido como uma instituição constitucionalizada, como um espaço onde os jurisdicionados, em contraditório, exercem,reafirmam e constroem seus direitos fundamentais.


Note-se que a própria noção de contraditório passou por uma releitura no novo paradigma de Estado. Muito mais do que a garantia da dualidade no procedimento, do que o dizer e o contradizer, do que a ação e reação, o contraditório deve representar a efetiva participação dos interessados, em paridade de armas, na construção do provimento final. E mais, essa isonomia deve ser entendida, conforme ensina Rosemiro Pereira Leal, como a igualdade de todos perante a lei (isonomia em sentido estrito), igualdade de todos de interpretar a lei (isomenia) e igualdade de todos de criar, modificar ou substituir a lei (isocrítica).  Portanto, deve-se garantir essa postura ativa dos jurisdicionados no procedimento, uma vez que o provimento final faz lei entre as partes e interfere significativamente nos seus direitos.


O novel artigo introduzido pela Lei 11.277/06, ao permitir que o juiz se utilize de sentença emprestada para rejeitar liminarmente o pedido do autor através de uma decisão resolutiva de mérito, sem oportunizar qualquer tipo de manifestação pela parte atingida, fere de morte os princípios processuais constitucionais, mormente no que diz respeito ao contraditório e a ampla defesa, uma vez que impossibilita que a parte questione, argumente, participe da efetiva formação do provimento.


Ademais, resta clara a limitação imposta por este dispositivo ao direito de ação, pois este, muito mais que um direito público subjetivo de movimentar a jurisdição, é um direito do jurisdicionado de ver assegurado em todos os procedimentos previstos, seus direitos conquistados a tão duras penas.


O artigo 285-A do CPC é apenas uma amostra da tendência de nossas futuras normas processuais. A busca incessante pela efetividade da tutela jurisdicional, idéia que para alguns é intrínseca à celeridade, pode ser percebida em várias outras disposições do estatuto processual civil, tais como os poderes instrutórios conferidos (em nome da verdade real) ao juiz pelo artigo 130 do CPC, ou a criação das chamadas “súmulas impeditivas de recurso” pelo artigo 518.


É sabido que se discute atualmente, projetos de reforma do Código de Processo Civil. As propostas da comissão de juristas designada pelo Senado para elaboração do anteprojeto caminham no mesmo sentido das últimas reformas aqui comentadas, qual seja, garantir a efetividade e celeridade processual em detrimento de inúmeras outras garantias constitucionalmente asseguradas. Uma das principais modificações pretendidas é a restrição à apresentação de recursos, como o fim do agravo de instrumento (com exceção aos casos de urgência) e dos embargos infringentes e a limitação ao manejo dos embargos de declaração.


A visão instrumentalista do processo, arraigada em grande parte de nossos processualistas e legisladores, tem os impedido de ver que a morosidade e a ineficácia da tutela jurisdicional, como dito alhures, muito mais tem a ver com a estrutura deficitária do Poder Judiciário do que com as normas processuais existentes.


Não se pode permitir que o problema da demora nas decisões judiciais seja resolvido com reformas paliativas que restringem cada vez mais os direitos fundamentais do cidadão, como se tudo fosse resolvido em um passe de mágica, pois como diria Calmon de Passos, “todo espetáculo de mágica tem um tempo de duração e a hora de desencantamento”.


    


Referências Bibliográficas:

LEAL, Rosemiro Pereira.  Processo e Hermenêutica Constitucional a partir do Estado de Direito Democrático. Publicado na Revista do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Humanas – FUMEC.  Volume 6- 2003, página 29.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria da Defesa no Processo Civil. Publicado na RJ Nº 252 – OUT/1998, página 18.

PASSOS, José Joaquim Calmon. Instrumentalidade do Processo e Devido Processo Legal. Publicado na Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil nº 07 – SET- OUT/2000, página 5.

CASTRO, João Antônio Lima. Direito Processual – Estudos no Estado Democrático de Direito. Publicado pelo IEC/PUC MINAS. Belo Horizonte/2008.


Informações Sobre o Autor

Mayra Soraggi Marafelli

Advogada na cidade de Arcos/MG e Pós-Graduandao em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais


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