As atividades desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde sob o crivo do anexo 14, da NR 15, da Portaria N° 3.214/78 do Ministério do Trabalho

Resumo: A Lei Federal n° 11.350/2006, atendendo o disposto no § 5° do art. 198 da Constituição da República Federativa do Brasil, regulamentou a profissão dos agentes comunitários de saúde, fixando as suas atribuições. É desenvolvendo as suas atividades diárias que surge a discórdia quanto ao enquadramento ou não do trabalho como de natureza insalubre. A questão é levantada no tocante à possibilidade de existir o contato individual ou coletivo, nas visitas domiciliares, com indivíduos portadores de doenças. Enfrentando o problema, passando as atribuições elencadas no art. 3º da Lei Federal n° 11.350/2006 pelo crivo do Anexo 14 da NR 15, da Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho, pode ser verificado que estão ausentes as duas condições indispensáveis para a caracterização do ambiente insalubre (local da prestação do trabalho e o período de exposição aos agentes biológicos). Entrementes, quando casos concretos são levados à análise dos Tribunais Regionais do Trabalho, não há unanimidade nos entendimentos. O Tribunal Superior do Trabalho, quando incitado, tem afastando a insalubridade, pois, o seu atual entendimento é de que apenas o laudo pericial não basta para a constatação da insalubridade, devendo para tanto, a atividade estar elencada na relação oficial do Ministério do Trabalho.

Palavras – chave: Agentes comunitários de saúde. Insalubre. Agentes biológicos. NR 15.

Sumário: 1. Introdução. 2. Atividades dos agentes comunitários de saúde conforme a Lei Federal n° 11.350/2006. 3. Caracterização das atividades insalubres. 4. O não enquadramento das atividades desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde no Anexo 14, da NR 15 da Portaria n° 3.214/78 do Ministério do Trabalho. 5. Divergência jurisprudencial. 5.1 Interposição de recurso junto ao Tribunal Superior do Trabalho. 6. Projetos de Lei existentes no Senado e na Câmara dos Deputados. 7. Conclusão. Referências.

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1. Introdução.

Há mais de uma década foi publicada a primeira lei federal regulamentando uma nova e importante categoria de trabalhadores: os agentes comunitários de saúde.

Como se extrai da própria nomenclatura que intitula a profissão, estes são agentes de saúde inseridos na comunidade, cumprindo o importantíssimo papel de elo entre os indivíduos que necessitam de algum serviço de saúde e os gestores do Sistema Único de Saúde, os quais prestam os serviços.

Estando os agentes comunitários de saúde vinculados aos gestores do Sistema Único de Saúde (SUS), sejam eles, a União, os Estados ou Municípios, deve ser esclarecido que o presente trabalho será desenvolvido tendo como base o regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), considerando, pois, a existência a relação de emprego entre as partes, estando este vínculo submetido à competência jurisdicional da Justiça do Trabalho.

O presente estudo tem por objetivo uma análise, exclusivamente, jurídica das atividades desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde, trazendo no plano teórico o confronto entre o art. 3º da Lei Federal nº 11.350/2006 e o Anexo 14 da Norma Regulamentadora 15 (NR 15), da Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho, com o fim de verificar se aquelas atividades são ou não desenvolvidas em condição insalubre.

Portanto, a condição insalubre do ambiente de trabalho a ser considerada, será aquela decorrente apenas do contato com agentes biológicos.

Há a necessidade de se esclarecer, também, que o presente texto não levará em consideração possíveis desvios de função ou condições de trabalhos existentes em casos particulares, durante a relação jurídica existente entre empregador e empregado.

Sendo parca a literatura jurídica sobre o presente tema, existe a atual necessidade de enfrentamento e discussão do assunto, levando em consideração a interpretação conjunta da Lei Federal nº 11.350/2006, do Anexo 14, da NR 15, da Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho e da Consolidação das Leis do Trabalho.

O presente trabalho será desenvolvido de maneira a informar o leitor sobre a cronologia das leis que trouxeram ao mundo jurídico a profissão de agente comunitário de saúde, chegando à Lei Federal nº 11.350/2006 que atualmente regula as atividades destes trabalhadores.

Em seguida será necessário o estudo da caracterização das atividades insalubres, verificando como a CLT trata o assunto.

Identificado isto, há a necessidade de confrontar as atividades desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde com essa legislação, apurando-se a existência ou não do ambiente insalubre nas atividades desenvolvidas por estes profissionais.

Dada a interpretação às normas jurídicas, é importante demonstrar como os Tribunais Regionais do Trabalho vêm decidindo sobre o assunto, bem como, qual é o atual posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho.

Por fim, é indispensável trazer ao conhecimento dos leitores o trabalho legislativo do Congresso Nacional na tentativa de contemplar os agentes comunitários de saúde com o adicional de insalubridade.

2. Atividades dos agentes comunitários de saúde conforme a Lei Federal n° 11.350/2006.

Não paira dúvida quanto ao benefício social trazido pelos agentes comunitários de saúde aos municípios brasileiros, quando, no cumprimento de suas atribuições junto ao Programa Saúde da Família, desenvolvem de maneira dedicada o labor diário.

Prova disso é que, em 10 de julho de 2002, foi publicada a Lei Federal n° 10.507, a qual elevou à categoria regulamentada a profissão de agente comunitário de saúde, restringindo, para tanto, o exercício do referido ofício, exclusivamente, ao âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS.

A reconhecida importância desses profissionais foi erigida à norma constitucional pelo Poder Constituinte derivado, quando, em 14 de fevereiro de 2006, foi publicada a Emenda Constitucional nº 51, que inclui os parágrafos 4º, 5º e 6º ao art. 198 da Constituição da República Federativa do Brasil, com o “fim de assegurar maior eficiência na prestação pública de serviços de saúde às comunidades” (PAULO e ALEXANDRINO, 2011, p. 1057).

Os referidos parágrafos trouxeram o status magno à profissão de agente comunitário de saúde, dispondo quanto a sua forma de admissão pelos entes públicos, asseverando, ainda, de maneira especial, que uma lei infraconstitucional disporia sobre o regime jurídico, o piso salarial, planos de carreira, a regulamentação das atividades e a forma da perda do cargo público.

Dando eficácia plena à nova regra constitucional, foi editada a Medida Provisória nº 297, publicada em 9 de junho de 2006, que por sua vez revogou expressamente a Lei Federal n° 10.507/2002.

A referida Medida Provisória foi convertida na Lei Ordinária Federal nº 11.350, publicada em 5 de outubro de 2006.

Obedecendo a determinação constitucional a Lei Federal dispôs, entre outros assuntos, sobre a regulamentação das atividades dos agentes comunitários de saúde.

O caput do art. 3º da Lei susomencionada (BRASIL, 2006) vaticina que os referidos profissionais têm como atribuições o exercício de atividades de prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas.

Continuando, o parágrafo único do mesmo artigo elenca em seus incisos, de maneira clara, quais são as atividades consideradas como de atuação do agente comunitário de saúde, sendo elas: I) a utilização de instrumentos para diagnóstico demográfico e sócio-cultural da comunidade; II) a promoção de ações de educação para a saúde individual e coletiva; III) o registro, para fins exclusivos de controle e planejamento das ações de saúde, de nascimentos, óbitos, doenças e outros agravos à saúde; IV) o estímulo à participação da comunidade nas políticas públicas voltadas para a área da saúde; V) a realização de visitas domiciliares periódicas para monitoramento de situações de risco à família; e VI) a participação em ações que fortaleçam os elos entre o setor saúde e outras políticas que promovam a qualidade de vida (BRASIL, 2006).

No plano teórico da Lei Federal nº 11.350/2006, as atividades atribuídas ao agente comunitário de saúde têm como fim primário estabelecer o estreitamento das relações da sociedade com os serviços de saúde, sendo este profissional o elo de ligação entre o ente público gestor do SUS (responsável pela promoção de tais serviços) e as comunidades, as quais são compostas de indivíduos usuários dos serviços de saúde.

Sendo atividades de campo, voltadas ao seu desenvolvimento junto à comunidade, as atividades elencadas no parágrafo único, do art. 3º, da Lei Federal nº 11.350/2006 (BRASIL, 2006) podem ser interpretadas e separadas em dois grupos: atividades pedagógicas (incisos II, IV e VI) e atividades de coleta de dados ou burocráticas (incisos I, III e V).

Nesta senda, há que se aclarar que tanto no desenvolvimento de atividades pedagógicas (como por exemplo, a promoção de ações de educação para a saúde individual), como no desempenho de atividades de coletas de dados (v. g., realização de visitas domiciliares periódicas para monitoramento de situações de risco à família) há, às vezes, um contato muito próximo dos agentes comunitários de saúde com os indivíduos, nos respectivos domicílios destes.

É a partir desse contato in loco, nos domicílios, é que nasce a cizânia quanto ao enquadramento da atividade desenvolvida pelo agente comunitário de saúde como sendo insalubre ou não.

3. Caracterização das atividades insalubres.

O estudo da caracterização das atividades insalubre está inserido dentro de um espetro muito maior no Direito do Trabalho, que é o estudo da segurança e medicina do trabalho.

O debate desse macro conteúdo vem atravessando séculos na constante disputa entre o capital e o trabalho. Comentando o assunto SAAD et al. (2009, p. 249) assevera que

“se o Direito do Trabalho é um dos meios mais eficazes usados pelo Estado moderno para aliviar tensões sociais e para valorizar o trabalho do homem, seu Capítulo reservado à segurança e a medicina do trabalho é uma das mais significativas expressões desse intervencionismo oficial nas relações de Capital e do Trabalho.”

Verificado isto, é necessário constatar que a Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 1943), dentro o Capítulo V – “DA SEGURANÇA E DA MEDICINA DO TRABALHO”, na Seção XIII – “Das atividades insalubres ou perigosas”, em seu art. 189, traz uma definição legal de atividades ou operações insalubres desenvolvidas pelo empregado, asseverando, para tanto, que elas deverão ser identificadas pela natureza, condições ou métodos de trabalho que exponham o trabalhador a agentes nocivos à saúde, acima dos limites toleráveis fixados pela natureza e intensidade do agente e do período de exposição aos seus efeitos.

A constatação do ambiente de trabalho insalubre não deve ser feita de maneira aleatória ou por mera conveniência do empregador, do empregado ou de sindicatos. Afastando esse interesse das partes, o art. 190 da CLT atribuiu competência ao Ministério do Trabalho para a aprovação do quadro de atividades e operações insalubres.

Nesta senda, expende CARVALHO (2011, p. 47) que

“porquanto assim referido em lei, a mera condição de risco à saúde ou à incolumidade física não bastam à configuração do direito ao adicional de insalubridade ou ao adicional de periculosidade, respectivamente. Necessária é a prévia regulamentação do Ministério do Trabalho, indicando a condição de trabalho como insalubre ou perigosa.”

Complementando, CARRION (2011, p. 211) assevera que “juridicamente, a insalubridade só existe a partir da inclusão das respectivas atividades na relação baixada pelo Ministério do Trabalho”.

Destarte, o Ministério do Trabalho deve instituir normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e tempo máximo de exposição do emprego a esses agentes (art. 190, CLT).

Para tanto, a apuração da existência ou não da condição insalubre no local de trabalho deverá ser feita através de perícia a cargo de profissionais habilitados em medicina do trabalho ou engenharia do trabalho, registrados no Ministério do Trabalho (art. 195, CLT).

Diante da previsão celetista, deve-se ter o discernimento de que a conclusão da perícia, para a apuração da existência ou não de ambiente insalubre em determinado caso concreto, deve estar pautada nas normas editadas pelo Ministério do Trabalho.

Cumprindo com seu papel institucional, o Ministério do Trabalho publicou, em data de 08 de junho de 1978, a Portaria n° 3.214 aprovando as Normas Regulamentadoras referentes à Medicina e Segurança do Trabalho.

Dentre as trinta e cinco normas aprovadas, destinou-se a NR 15 para definir as atividades e operações insalubres.

A NR 15 trouxe 14 anexos apresentando a constatação da insalubridade nos mais variados ambientes de trabalho, identificando os agentes agressivos ao ser humano.

Entrementes, a divergência quanto à exposição do agente comunitário de saúde ao ambiente insalubre ou não, no âmbito das discussões administrativas e judiciais, fica adstrita ao enquadramento ou não das atividades desenvolvidas por esse profissional ao Anexo 14, da NR 15, que disciplina a relação das atividades que envolvem os agentes biológicos.

4. O não enquadramento das atividades desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde no Anexo 14, da NR 15 da Portaria n° 3.214/78 do Ministério do Trabalho.

Conforme aduzido alhures, a discórdia existente quanto ao enquadramento ou não das atividades desenvolvidas pelo agente comunitário de saúde, como sendo de natureza insalubre, é identificada, de maneira pontual, pelo contato individual ou coletivo havido nas visitas domiciliares (tanto no desenvolvimento das atividades pedagógicas ou de coleta de dados) com indivíduos portadores de doenças.

Enfrentando a presente situação, deve ser traçada uma linha tênue para separar os ambientes de trabalhos que contêm os fatos geradores da insalubridade, daqueles que não contêm, segundo o Anexo 14, da NR 15, da Portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho.

Nos termos da referida Norma Regulamentadora (BRASIL, 1978) são operações que ensejam o grau máximo de insalubridade o trabalho com: pacientes em isolamento por doenças infecto-contagiosas; partes de animais portadores de doenças infecto-contagiosas; esgotos (galerias e tanques) e lixo urbano (coleta e industrialização).

Ensejam insalubridade em grau médio o contato com pacientes, animais ou com material infecto-contagiante em locais específicos como: hospitais; postos de vacinação; laboratórios de análise clínica e histopatologia; gabinetes de autópsias, de anatomia e histoanatomopatologia; cemitérios (exumação de corpos); estábulos e cavalariças; resíduos de animais deteriorados; entre outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana ou dos animais (aplica-se unicamente ao pessoal que tenha contato com os pacientes humanos ou com os animais, bem como aos que manuseiam objetos de uso desses pacientes e animais, não previamente esterilizados) (BRASIL, 1978).

Além dos locais específicos, o Anexo 14 da NR 15 impõe existência de uma segunda condição para as atividades laborais passíveis de serem geradoras de insalubridade, qual seja: o contado deve ser permanente.

O escólio de CARRION (2011, p. 212) é firme no sentido de que

“a lei deixa para a regulamentação ministerial o enquadramento das atividades consideradas insalubres; os agentes biológicos exigem contato com pacientes, animais ou material infecto contagiante; mas esse contato tem de ser permanente.”

Deveras, o contato com os pacientes, animais ou com material infecto-contagiante além de ser realizado em determinado local, deve ser permanente.

Partindo dessa premissa, devem-se confrontar as atribuições e atividades desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde, nos termos do art. 3º da Lei Federal nº 11.350/2006, com o conteúdo vaticinado no Anexo 14 da NR 15, da Portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho.

Desse confronto deve-se identificar, primeiramente, que o ambiente de trabalho fixado pela Norma Regulamentadora como ensejadora da insalubridade não é o ambiente profissional descrito na lei, como local de trabalho dos agentes comunitários de saúde.

No plano teórico, conforme outrora já aduzido, os referidos profissionais têm como atribuições o exercício de atividades de prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas.

Destarte, o local de trabalho dos agentes comunitários de saúde é nas comunidades ou domicílios dos indivíduos. Portanto, nos termos da lei, os referidos profissionais não laboram em hospitais, laboratórios ou quaisquer outros estabelecimentos destinados aos cuidados de pacientes.

Não há no plano teórico-jurídico um encaixe perfeito entre o espaço físico identificado pela NR 15, como caracterizador da insalubridade, e aquele no qual o agente comunitário de saúde deve desenvolver suas atividades, nos termos da Lei Federal nº 11.350/2006.

Outrossim, existe uma segunda condicionante que afasta a circunstância de ambiente de trabalho insalubre dos referidos trabalhadores. Tal condição é a existência de contato permanente com pacientes ou com material infecto-contagiante.

Tanto nas atividades pedagógicas, como nas atividades de coleta de dados ou burocráticas (descritas no parágrafo único do art. 3º da Lei Federal nº 11.350/2006), o legislador infraconstitucional não traspassou à norma a ideia da existência de contato permanente dos agentes comunitários de saúde com pacientes ou com material infecto-contagioso.

Não deu às atividades a referida ideia, porque a condição de contato permanente, duradouro, ininterrupto com pacientes ou com material infecto-contagioso deve ser realizada por outros profissionais de saúde, os quais tenham a devida habilitação (como, por exemplo, médicos e enfermeiros) para prover os tratamentos adequados aos pacientes, bem como, proceder ao manejo do material infecto-contagioso.

Assim, em que pese existir a possibilidade do contato com pessoa portadora de alguma doença, durante as visitas domiciliares, no plano teórico (aquele imposto pela lei) tal contato não será permanente, mas sim, apenas esporádico.

Neste diapasão, sob um aspecto geral, há que se interpretar que o evento esporádico do contato com pessoas doentes estaria afeto a qualquer outra profissão, mesmo que não, necessariamente, relacionadas diretamente com a área da saúde (de maneira especial os agentes comunitários de saúde), como por exemplo, uma operadora de caixa em um supermercado; uma vendedora de uma loja; um professor numa sala de aula; entre outros profissionais, os quais estariam em contato direto com várias pessoas diariamente, no exercício suas atividades, podendo de modo esporádico ter contato com indivíduos portadores de doenças infecto-contagiosas, sem até mesmo saberem deste contato, não estando, por óbvio, suas atividades inseridas no Anexo 14 da NR 15.

Destarte, ausentes às duas condições previstas no Anexo 14 da NR 15, da Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho, quais sejam, local de trabalho e contato permanente com agentes biológicos, as atividades desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde não estão no rol das atividades insalubres.

5. Divergência jurisprudencial.

Embora no plano teórico poder-se chegar à conclusão de que as atividades dos agentes comunitários de saúde não se enquadram nas hipóteses contidas no Anexo 14, da NR 15, Portaria 3.214/78 do Ministério da Saúde, na seara prática, discutida nos Tribunais trabalhistas pátrios, não há um posicionamento unânime da jurisprudência quanto à não caracterização da atividade insalubre dos referidos profissionais.

Não raras vezes os empregadores (gestores do Sistema Único de Saúde) são condenados ao pagamento do adicional de insalubridade em grau médio ao empregado agente comunitário de saúde.

As condenações têm como espeque as perícias realizadas por Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, nos termos do art. 195 da CLT, as quais aferem a existência da natureza insalubre do ambiente do trabalho, no caso concreto.

Decidindo pela existência do labor em atividade insalubre, podem-se verificar os seguintes arestos dos Tribunais Regionais do Trabalho:

“INSALUBRIDADE. CARACTERIZAÇÃO. ADICIONAL DEVIDO. Constatado, por meio de perícia realizada em outro processo, cujo laudo foi adotado pelas partes como prova emprestada, que a reclamante, no desempenho da função de Agente Comunitário de Saúde, exerceu suas atividades expostas à ação deletéria de agentes insalutíferos, é devido o pagamento do adicional de insalubridade. Recurso ordinário do Município de Ponta Grossa conhecido e desprovido.” (TRT-PR-02346-2011-024-09-00-4-ACO-49537-2011 – 3A. TURMA. Relator: ALTINO PEDROZO DOS SANTOS. Publicado no DEJT em 02-12-2011).

“MUNICÍPIO DE SÃO FRANCISCO. AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. Agente comunitário de saúde que visita doentes, de forma habitual, periódica e em locais sem isolamento, faz jus a adicional de insalubridade em grau médio, nos termos do Anexo 14 da NR-15. Recurso do reclamado desprovido." (TRT da 4ª Região, 8a. Turma, 0041600-82.2009.5.04.0831 RO, Relator Desembargador Denis Marcelo de Lima Molarinho. Participaram do julgamento: Juiz Convocado Wilson Carvalho Dias, Juíza Convocada Maria Madalena Telesca. Publicado no DEJT em 31/03/2011).

“ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. LAUDO PERICIAL. Constatado, por meio de laudo pericial, que a função desempenhada pelo agente comunitário de saúde o expõe a riscos de contaminação por doenças infectocontagiosas, na forma do anexo 14 da Norma Regulamentadora 15 do Ministério do trabalho e Emprego, reputa-se cabível o adicional de insalubridade em grau médio.” (TRT da 14ª Região, 1ª Turma, 0000204-14.2010.5.14.0411, Relatora: DESEMBARGADORA MARIA CESARINEIDE DE SOUZA LIMA. Revisora: DESEMBARGADORA ELANA CARDOSO LOPES, Publicado no DEJT em 10/11/2011).

Divergindo desse posicionamento estão às decisões turmárias dos Tribunais que adotam a interpretação literal (ou gramatical), trazendo ao debate o confronto direto entre as atividades desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde e o anexo 14 da NR 15.

Entendendo pela não caracterização da atividade insalubre dos agentes comunitários de saúde constatam-se os seguintes julgados dos Tribunais pátrios:

“ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. A literalidade do anexo 14, da NR 15, classifica como insalubre o trabalho em contato permanente com pacientes em hospitais, serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana, ou seja, o contato com pacientes deve ser permanente e deve ocorrer em estabelecimentos de saúde, no que não se enquadra a atividade da autora. Recurso do réu a que se dá provimento.” (TRT-PR-06706-2011-024-09-00-7-ACO-26544-2012 – 7A. TURMA Relator: BENEDITO XAVIER DA SILVA Publicado no DEJT em 19-06-2012).

“AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. DESCABIMENTO. O significado do vocábulo "contato", utilizado no Anexo 14 da NR-15 (Portaria nº 3.214/78 do MTE) relaciona-se diretamente com o labor daqueles empregados que diagnosticam, ministram cuidados e tratam de pessoas com enfermidades infectocontagiosas ou manuseiam objetos de uso destes pacientes, não previamente esterilizados, fatos que ocasionam a exposição a agentes biológicos insalubres. O agente comunitário de saúde (ACS), que apenas entrevista, orienta, registra dados e encaminha pacientes à Unidade Básica de Saúde, não faz jus ao adicional de insalubridade pelo simples contato social com a comunidade aonde atua.” (TRT da 3ª Região, 3ª Turma, 0000898-77.2010.5.03.0026, Relatora convocada: Camilla G. Pereira Zeidler. Revisora: Emilia Facchini. Publicado no DEJT em 27/08/2012).

“AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE – ADICIONAL DE INSALUBRIDADE – INDEFERIMENTO – Considerando o teor do laudo pericial, que, ao descrever as atribuições relativas à função de agente comunitário de saúde, assinalou que as atividades desenvolvidas eram preponderantemente preventivas e de orientação, nem sempre havendo contato com pessoas infectadas, mostra-se indevido o adicional de insalubridade. O contato eventual com portadores de doenças infecto-contagiosas não assegura ao empregado o benefício postulado, sendo necessário que ele ocorra de forma permanente ou ao menos intermitente.” (TRT 18ª R. – RO 01383-2007-005-18-00-1 – Rel. Des. Platon Teixeira de Azevedo Filho – J. Publicado no DEJT em 18.06.2008).

Assim, constata-se através dos arestos que há o entendimento de que as atividades dos referidos empregados não se amoldam às atividades descritas na Norma Regulamentadora, o que impede o reconhecimento da atividade como sendo insalubre. 

5.1 Interposição de recurso junto ao Tribunal Superior do Trabalho.

Na tentativa de abordar de maneira mais ampla a divergência jurisprudencial que cerca o presente tema, não há como deixar de verificar o entendimento externado pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho quanto à matéria.

Por oportuno, é necessário expender que em se tratando de recursos manejados junto ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), sejam eles de revista ou embargos, a parte recorrente deve ter a devida cautela para que sejam lançados em suas razões recursais os estritos fundamentos elencados nos artigos 896 e 894 da CLT, haja vista que, em muitas vezes, a parte recorrente se aprofunda apenas no debate da prova pericial, esquecendo-se de que é incabível a utilização do recurso de revista ou de embargos para reexame de fatos e provas, conforme entendimento da Súmula 126, TST[1] (BRASIL, 2012).

Para tanto, servindo o laudo pericial como fundamento da decisão sobre a existência da natureza insalubre, na atividade desenvolvida pelo agente comunitário de saúde, a parte recorrente (de maneira específica o empregador) deve observar que o TST possui a Orientação Jurisprudencial n° 04 da Seção de Dissídios Individuais – 1 (BRASIL, 2012), que assim vaticina:

“OJ-SDI1-4 ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. LIXO URBANO (nova redação em decorrência da incorporação da Orientação Jurisprudencial nº 170 da SB-DI-1) – DJ 20.04.2005

I – Não basta a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional, sendo necessária a classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho.

II – A limpeza em residências e escritórios e a respectiva coleta de lixo não podem ser consideradas atividades insalubres, ainda que constatadas por laudo pericial, porque não se encontram dentre as classificadas como lixo urbano na Portaria do Ministério do Trabalho.” (ex-OJ nº 170 da SBDI-1 – inserida em 08.11.2000)

O inciso I da OJ n° 04 da SDI1 vem demonstrar o entendimento atual do TST quanto à maneira pela qual se deve proceder a interpretação do art. 190 da CLT, reforçando a competência exclusiva do Ministério do Trabalho para classificar uma atividade como insalubre, deixando claro, pois, que não basta a simples constatação por meio de laudo pericial.

Deveras, toda a decisão de Tribunal Regional que se baseia em perícia técnica para enquadrar as atividades pedagógicas e de coletas de dados ou burocráticas, desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde, como sendo insalubre é passível de enfrentamento mediante Recurso de Revista, diante da divergência na interpretação do art. 190, CLT, externando-se, pois, entendimento diverso daquele contido na OJ n° 04 da SDI1, TST (art. 896, alínea “a”da CLT).

Neste sentido observa-se o aresto extraído dos autos de Recurso de Revista n° 66500-77.2009.5.09.0092 (BRASIL, 2011):

“ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. CLASSIFICAÇÃO DA ATIVIDADE INSALUBRE. NECESSIDADE. A atual jurisprudência desta Corte é no sentido de que, para a percepção do adicional de insalubridade, há necessidade de classificação da atividade insalubre na relação oficial pelo Ministério do Trabalho, não bastando a constatação por laudo pericial (Orientação Jurisprudencial nº 4 da SBDI-1). Como bem asseverado pelo TRT, o laudo pericial é o único meio de prova constante dos autos, pois nenhuma outra prova documental ou oral foi produzida. Embora nele se reconheça que os Reclamantes ficavam expostos aos agentes biológicos insalubres constantes da NR 15, em seu anexo 14, da Portaria nº 3214/73, o perito é claro ao dizer que a atividade exercida não se enquadra na referida norma, pois não ficou caracterizado o contato permanente com tais agentes, sendo que o local de contato com os doentes era na residência dos mesmos, o que não é previsto pela citada Portaria. Sendo esse caso retratado nos autos, é improcedente o pedido de percepção do adicional de insalubridade. Recurso de revista conhecido e provido.” (RR – 66500-77.2009.5.09.0092, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 11/05/2011, 5ª Turma, Data de Publicação: 20/05/2011)

Para fins de registro, deve-se aduzir que a OJ n° 04 da SDI1 está em consonância o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal, abalizado pela Súmula 460[2], onde os assuntos são tratados de maneira idêntica.

Destarte, tendo a parte recorrente o cuidado de não tentar discutir, exclusivamente, o resultado da prova pericial em sede de recurso junto ao TST, é plausível o êxito no recurso que enfrentar a divergência de aplicação do art. 190 da CLT, nos termos da OJ n° 04 da SDI1, do TST, pois, é o entendimento atual desse Colendo Tribunal que somente o Ministério do Trabalho tem a competência para classificar/enquadrar uma atividade como insalubre, não tendo uma perícia judicial tal condão.

6. Projetos de Lei existentes no Senado e na Câmara dos Deputados.

Tentando pacificar toda essa discussão que envolve o assunto, nos últimos anos, três foram os projetos de lei propostos com o fim de alterar a Lei Federal nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, para caracterizar como insalubre o exercício das atividades de agente comunitário de saúde.

O primeiro projeto de lei teve origem no Senado Federal sob o número n° 477, protocolado em data 15/08/2007, onde obteve a aprovação dos senadores, sendo, para tanto, remetido à Câmara dos Deputados para votação[3].

Chegando à Câmara passou a tramitar sob o n° 4.568/2008.

Durante seu trâmite na Câmara outros dois projetos de lei foram propostos sob os números 4.907/2009 e 6.460/2009[4]. Versando sobre o mesmo assunto, os dois últimos foram apensados ao primeiro que teve origem no Senado.

Entrementes, diferente do que ocorrera no Senado Federal, na Câmara dos Deputados os três projetos foram arquivados nos termos do § 4° do art. 58 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, sob o argumento de inadequação financeira e orçamentária (BRASIL, 2011).

Destarte, uma possível caracterização como de natureza insalubre, as atividades desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde, ficou somente na intenção, não se concretizando.

Porquanto, permanece a interpretação de que no plano teórico as atividades desempenhadas por esses empregados não se enquadram nas hipóteses contidas no Anexo 14, da NR 15, Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho.

7. Conclusão.

Buscou-se, com o presente trabalho, trazer à discussão o não enquadramento das atividades laborais desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde, como atividades insalubres.

Para tanto, foi apresentada a definição legal das atividades insalubres e como elas surgem para mundo jurídico.

Partindo deste ponto, foram confrontadas as atividades desempenhadas pelos agentes comunitários de saúde, descritas no art. 3° da Lei Federal n° 11.350/2006, com o Anexo 14 da NR 15, da Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho, interpretando-se que as atividades desenvolvidas pelos referidos trabalhadores não são insalubres, pois, no plano teórico-jurídico, estão ausentes as duas condições qualificadoras da atividade insalubre, quais sejam, o local de trabalho e o contato permanente com agentes biológicos.

O presente estudo trouxe, ainda, a verificação de que na seara prática, levada à solução pela prestação jurisdicional do Estado, existe certa divergência jurisprudencial junto aos Tribunais Regionais do Trabalho, quando em algumas vezes são consideradas a existência da atividade insalubre através de perícia.

Entrementes, o Tribunal Superior do Trabalho possui o atual entendimento, externado através da OJ n° 04 da SDI1, que a insalubridade constatada mediante laudo pericial não é o bastante para o deferimento do competente adicional, pois é indispensável que a atividade esteja no rol daquelas atividades insalubres fixadas pelo Ministério do Trabalho, sendo esta interpretação colhida do art. 190 da CLT.

Deveras, ao se debruçar sobre os textos do art. 190 da CLT e da OJ n° 04 da SDI1 deve ser extraída a conclusão de que não foi dado ao Poder Judiciário, em sua prestação jurisdicional, ampliar a vontade do legislador, elastecendo o rol das atividades e operações insalubres, pois, o Poder Legiferante reservou exclusivamente ao Ministério do Trabalho a atribuição de elaborar e aprovar o quadro de atividades e operações insalubres, devendo, pois, permanecer firme a interpretação teórico-jurídica acima aventada, a qual se apura que as atividades desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde não são insalubres.

Por fim, a discussão do tema nas veredas dos Tribunais será sempre atual até o Congresso Nacional de maneira definitiva aprove uma lei regulando o assunto, haja vista que, até agora existiram apenas tentativas e estas foram todas frustradas.

 

Referências.
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SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Eduardo Duarte; BRANCO, Ana Maria Saad C. CLT Comentada. 42. ed. São Paulo: Editora LTr, 2009.RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça.
Apelação cível nº 70004670071,
da 2ªCâmara Cível. Apelante: L.C.S. Apelado: A. L.R. de M. Relator: Dr. Ney WiedemannNeto. Porto Alegre, 20 de novembro de 2002. Disponível em: <http://tj.rs.gov.br /site_ php/jprud2/resultado.php>. Acesso em: 08 set. 2008.
Notas:
[1]AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. INSALUBRIDADE. CARACTERIZAÇÃO. AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. DECISÃO REGIONAL AMPARADA EM LAUDO PERICIAL. MATÉRIA FÁTICA. 1. O quadro fático delineado pela Corte regional com amparo na prova pericial – insuscetível de reexame nesta instância extraordinária, a teor da Súmula 126/TST – revela o enquadramento das atividades desenvolvidas pela reclamante no Anexo 14 da NR-15 da Portaria nº 3.214/78 do MTE (agentes biológicos), não sendo possível divisar, nesse contexto, afronta aos arts. 189, 190, 191 e 192 da CLT e 7º, XXII e XXIII, da Lei Maior. 2. Arestos inábeis à configuração de divergência (Súmula 337, I, -a-, do TST e art. 896, -a-, da CLT). Agravo de instrumento conhecido e não provido. (AIRR – 249-18.2010.5.14.0411 , Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 05/09/2012, 1ª Turma, Data de Publicação: 14/09/2012).
[2]Súmula 460, STF: Para efeito do adicional de insalubridade, a perícia judicial, em reclamação trabalhista, não dispensa o enquadramento da atividade entre as insalubres, que é o ato da competência do Ministro do Trabalho e Previdência.
[3] O projeto de lei nº 477/2007 o qual tramitou no Senado Federal está disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=82157, acesso em 29.11.12>.
[4] Os projetos de lei nº 4.568/2008, nº 4.907/2009 e nº 6.460/2009 os quais tramitaram na Câmara dos Deputados estão disponíveis em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=422450&ord=1>.

Informações Sobre o Autor

Mario Ramos Lubasky

Advogado Público. Graduado em direito pela Universidade Paranaense UNIPAR especialista em Direito do Trabalho pelo Grupo Educacional Uninter


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