Frederico Costa Bezerra[1]
Resumo: O presente estudo trata das Comissões de Conciliação Prévia, discorrendo-se sobre sua constituição, composição e funcionamento. Aborda-se, ainda, questões como a constitucionalidade das Comissões de Conciliação Prévia, a eficácia liberatória geral do termo de conciliação e a efetividade dessas Comissões como meio de solução de conflitos. Outrossim, discute-se, criticamente, a decisão do Supremo Tribunal Federal – STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2160, na qual se fixou que as comissões se constituem como meio não obrigatório de solução de conflitos. Ao final, concluí-se que as Comissões de Conciliação estão cumprindo seu papel, que é o de viabilizar e sustentar o sistema de solução extrajudicial de conflitos trabalhistas e desafogar, em tese, o Poder Judiciário Trabalhista.
Palavras-chave: conciliação, efetividade, acesso à justiça
Abstract: This study deals with Prior Conciliation Commissions, discussing their constitution, composition and functioning. It also addresses issues such as the constitutionality of the Prior Conciliation Commissions, the general liberatory effectiveness of the conciliation term and the success of these commissions as a means of resolving conflicts. Additionally, a decision by the Supreme Federal Court – STF in Direct Action of Unconstitutionality nº 2160 is critically discussed, which is critically discussed, which they defined that the commissions are not mandatory for conflict resolution. In the end, concluded that as Conciliation Commissions are fulfilling their role, that it is viable as sustainable and extrajudicial solution system for labor conflicts and relieves, that is, Labor Judiciary.
Keywords: conciliation, effectiveness, access to justice
Sumário: Introdução. 1. Comissões de Conciliação Prévia 1.1. Contexto Histórico. 1.2. Constituição. 1.3. Composição. 1.4. Funcionamento. 2. A Questão da Constitucionalidade da Obrigatoriedade de Prévia Submissão às CCPs. 3. A Questão da Eficácia Liberatória Geral do Termo de Conciliação. 4. A Efetividade das CCPs como Meio de Solução de Conflitos. Conclusão. Referências
Introdução
As Comissão de Conciliação Prévia são um instrumento de composição de conflitos extrajudicial, utilizando-se para isso da técnica de mediação – um terceiro, chamado pelas partes, vem estimular a solução do conflito, mediante proposta aos interessados.
O presente trabalho objetiva estudar a efetividade Comissões de Conciliação Prévia, o que se revela de suma importância, pois os direitos transacionados nessas comissões são direitos sociais que visam assegurar às pessoas uma vida digna, com o atendimento das necessidades básicas do trabalhador e de sua família como a moradia, alimentação, educação, saúde, laser, vestuário, higiene, transporte, entre outros.
Analisaremos o funcionamento, composição e constituição dessas comissões; analisaremos questões polêmicas que envolvem as CCPs, como a constitucionalidade e a eficácia liberatória geral do seu termo de conciliação; estudaremos o acordão da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 2139, que decidiu “no sentido de assentar que a Comissão de Conciliação Prévia constitui meio não obrigatório de solução de conflitos, permanecendo o acesso à Justiça resguardado para todos os que venham a ajuizar demanda diretamente ao órgão judiciário competente.”
Por fim, no horizonte do presente trabalho, examinaremos se andou bem o Supremo Tribunal Federal – STF com a decisão tomada na ADI nº 2139 e se as Comissões de Conciliação Prévia têm sido um meio efetivo de solução extrajudicial de conflitos trabalhistas.
1.1. Contexto Histórico
As Comissões de Conciliação Prévia foram instituídas pela Lei n° 9.958/00, que entrou em vigor em 12 de abril de 2000, após ter sido sancionada em 12 de janeiro de 2000. Essa Lei foi criada a partir da Recomendação n° 92 da Organização Internacional do Trabalho, datada de 06 de junho de 1951, que dispõe sobre a conciliação e arbitragem voluntárias. A Lei nº 9.958/00 originou a redação do artigo 625-A, da CLT, criando as CCPs, e acrescentou os artigos 625-B a 625-H à CLT. Na verdade, a Lei nº 9.958/2000 permitiu a criação das Comissões, pois a criação destas é facultativa, e não obrigatória.
Segundo a doutrina de Rafael Ferraresi Holanda Cavalcante, elas foram criadas “com o objetivo de solucionar, previamente, demandas individualizadas na seara trabalhista, evitando que todas as causas chegassem ao Poder Judiciário. A intenção também era que a composição na lide pudesse entregar aos cidadãos brasileiros, de maneira célere e eficaz, bem como por força de uma plena segurança jurídica, as tão esperadas justiça e paz social” (CAVALCANTE, 2015).
1.2. Constituição
As comissões podem ser divididas em: a) de empresa, que são instituídas apenas no âmbito da empresa; b) de grupo de empresas, em que há várias empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico; c) sindical, que são feitas apenas no sindicato em empregados ou de empregadores; d) intersindical, em que sua criação é feita por mais de um sindicato, podendo ser de empregados e de empregadores.
A instituição das comissões é facultativa e elas visam conciliar os conflitos individuais do trabalho. Não havendo previsão especifica da instituição das comissões para conflitos coletivos, que continuaram a ser resolvidos por mediação, arbitragem, convenção, acordo ou dissídio coletivo.
Essas Comissões de Conciliação Prévia poderão ser constituídas por grupos de empresas ou ter caráter intersindical. Não serão, assim, instituídas apenas nas empresas. A instituição das Comissões por grupos de empresas pode ter um custo menor, pois o empregador é o grupo (§ 2º do art. 2º da CLT). O mesmo pode-se observar em relação às comissões criadas no sindicato, pois muitas empresas, ou por terem poucos empregados ou por não terem interesse, não irão criar as comissões.
1.3. Composição
As Comissões são compostos por representantes dos empregadores e dos empregados, sempre em numero igual, para que se garanta, pelo menos em tese o principio constitucional da igualdade, assim, metade dos seus membros será indicada pelo empregador e a outra metade será eleita pelos empregados, em escrutínio secreto, sob fiscalização do sindicato da categoria profissional.
No âmbito empresarial o numero de membros não pode ser menor que 2 (dois) nem maior que 10 (dez), já no âmbito do sindicato esse numero é aberto, sendo que ele vai ser estabelecido na convenção ou acordo coletivo a que instituir. Haverá na Comissão tantos suplentes quantos forem os representantes titulares. O mandato de seus membros, titulares e suplentes, é de um ano, permitida uma recondução. No mais, impende destacar que durante a vigência do mandato do membro ou suplente das Comissões os seus representantes dos empregados terão estabilidade no emprego, somente podendo serem dispensados de suas atividades na empresa se comprovada falta grave, nos termos da lei. Essa estabilidade veio para garantir imparcialidade e independência no desempenho de suas atividades como membro das Comissões, estando longe, assim, de qualquer pressão que por ventura pudesse sofre do empregador.
1.4. Funcionamento
A Comissão de Conciliação Prévia irá analisar apenas demanda de natureza trabalhista, não importa a que título, mas não examinará questão cível, comercial ou de outra matéria qualquer.
A postulação perante a CCP pode ser formulada por escrito ou oralmente e reduzida a termo por algum dos membros desta, recebendo os interessados cópia datada e assinada pelo membro, conforme determina o artigo 625-D, § 1º da CLT.
Não prosperando a conciliação, o empregado e o empregador receberão uma declaração de tentativa frustrada de conciliação, com a descrição do objeto. O termo de conciliação será assinado por todos os membros da comissão, descrevendo o que foi objeto da postulação e, se possível, por que foi frustrada a conciliação.
Caso exista, na mesma localidade e para a mesma categoria, comissão de empresa e comissão sindical, o interessado optará por uma delas para submeter sua demanda, sendo competente aquela que primeiro conhecer do pedido.
O prazo para as Comissões de Conciliação Prévia realizarem a tentativa de conciliação é de dez dias, prazo este contado a partir da provocação do interessado. Não existe prorrogação de mais 10 dias para tentativa de conciliação, pois o prazo é legal e peremptório.
Se expirado esse prazo não tiver ocorrido a sessão de tentativa de conciliação, no décimo dia do prazo deverá ser fornecida a declaração de tentativa de conciliação frustrada.
Aceita a conciliação, será lavrado termo assinado pelo empregado, pelo empregador ou seu preposto e pelos membros da comissão e fornecida cópia às partes. O termo tanto poderá ser assinado pelo empregador, como por preposto com poderes para esse fim, que irá representar o empregador.
O termo de conciliação é considerado título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas. No mais, por força do art. 625-H, o mesmo vale com os termos de conciliação firmado perante os Núcleos Intersindicais.
Do termo de conciliação caberá a ação anulatória, condicionada a ação a prova da existência de erro, dolo, coação, simulação ou fraude.
Por último, impende destacar que o prazo prescricional das verbas trabalhistas durante esse período de submissão da demanda à CCP será suspenso a partir da provocação da Comissão de Conciliação Prévia, recomeçando a fluir, pelo que lhe resta, a partir da tentativa frustrada de conciliação ou do esgotamento do prazo previsto no art. 625-F.
O prazo previsto no artigo 625-F é justamente o prazo de 10 dias que é concedido às CCPs para que realizem a sessão de tentativa de conciliação.
O art. 625-D da CLT dispõe que qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão Prévia, caso essa tenha sido criada na empresa ou em negociação coletiva com o sindicato. O § 2º do mesmo artigo declara que o empregado “deverá” juntar à eventual reclamação trabalhista cópia da declaração fornecida pela Comissão de tentativa de conciliação frustrada. Esse artigo gerou muita polêmica entre os estudiosos do Direito do Trabalho e os diversos Tribunais e Juízes Trabalhistas espalhados pelo Brasil. A celeuma era a respeito da obrigatoriedade ou não da submissão à Comissão de Conciliação Prévia para o desenvolvimento válido de eventual reclamação trabalhista. A discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal – STF que concluiu, ao julgar o mérito da da ADI nº 2139-7, “no sentido de assentar que a Comissão de Conciliação Prévia constitui meio não obrigatório de solução de conflitos, permanecendo o acesso à Justiça resguardado para todos os que venham a ajuizar demanda diretamente ao órgão judiciário competente.” Eis a ementa do julgado:
EMENTA: AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 625-D, §§ 1º A 4º, E 852-B, INC. II, DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO – CLT, ACRESCIDOS PELAS LEIS NS. 9.958, de 12 DE JANEIRO DE 2000, E 9.957, DE 12 DE JANEIRO DE 2000. COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA – CCP. SUPOSTA OBRIGATORIEDADE DE ANTECEDENTE SUBMISSÃO DO PLEITO TRABALHISTA À COMISSÃO PARA POSTERIOR AJUIZAMENTO DE RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. INTERPRETAÇÃO QUE PERMITE A SUBMISSÃO FACULTATIVAMENTE. GARANTIA DO ACESSO À JUSTIÇA. ART. 5º, INC. XXXV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INVIABILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE CITAÇÃO POR EDITAL EM RITO SUMARÍSSIMO. CONSTITUCIONALIDADE. RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE PARA DAR INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO AO ART. 652-D, §§ 1º A 4º, DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO -CLT. 1. O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido, em obediência ao inc. XXXV do art. 5º da Constituição da República, a desnecessidade de prévio cumprimento de requisitos desproporcionais, procrastinatórios ou inviabilizadores da submissão de pleito ao Poder Judiciário. 2. Contraria a Constituição interpretação do previsto no art. 625-D e parágrafos da Consolidação das Leis do Trabalho que reconhecesse a submissão da pretensão à Comissão de Conciliação Prévia como requisito para ajuizamento de ulterior reclamação trabalhista. Interpretação conforme a Constituição da norma. 3. Art. 625-D e parágrafos da Consolidação das Leis Trabalhistas: a legitimidade desse meio alternativo de resolução de conflitos baseia-se na consensualidade, sendo importante instrumento para o acesso à ordem jurídica justa, devendo ser apoiada, estimulada e atualizada, não consubstanciando, todavia, requisito essencial para o ajuizamento de reclamações trabalhistas. 4. A isonomia constitucional não impõe tratamento linear e rígido a todos os que demandam a atuação do Poder Judiciário, ainda que o façam por procedimento sumaríssimo na Justiça do Trabalho, pelo que se reconhece válida a exclusão da citação por edital daquele rito processual, em obediência aos princípios da primazia da realidade e da razoabilidade. Validade do art. 852-B, inc. II da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente para para dar interpretação conforme a Constituição ao art. 625-D, §§ 1º a 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho, no sentido de assentar que a Comissão de Conciliação Prévia constitui meio não obrigatório de solução de conflitos, permanecendo o acesso à Justiça resguardado para todos os que venham a ajuizar demanda diretamente ao órgão judiciário competente.
(ADI 2160, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-033 DIVULG 18-02-2019 PUBLIC 19-02-2019) – destacou-se.
Havia três correntes que debatem sobre o tema. A primeira defende a obrigatoriedade de submissão às Comissões de Conciliação Prévia como pressuposto processual. Defendendo essa corrente temos Ives Gandra da Silva Martins:
“A pretensa inconstitucionalidade, vislumbrada por alguns, na obrigatoriedade de passagem prévia da demanda perante a comissão de conciliação, não tem qualquer procedência. As Comissões de Conciliação Prévia não constituem óbice ao acesso ao Judiciário, assegurado pelo art. 5, XXXV, da Constituição Federal, na medida em que são apenas instância prévia conciliatória, em que, de forma alguma, representa óbice ao acesso ao Judiciário.
(…)
assim, a nova lei exige que, nas localidades ou empresas onde houver Comissão de Conciliação Prévia instituída, o empregado apresente sua demanda à comissão, para apreciação prévia (CLT, art. 625-D), caso não seja bem sucedida a conciliação. A negociação prévia passara a ser exigida tanto para dissídios coletivos quanto para os dissídios individuais, como forma de se prestigiar as soluções autônomas dos conflitos trabalhistas. (MARTINS, 2009)”.
A segunda corrente apresenta a obrigatoriedade de submissão à Comissão de Conciliação Prévia como condição de ação. Defendendo essa corrente encontramos Sergio Pinto Martins:
“Nota-se que o procedimento instituído representa condição da ação para ajuizamento de reclamação trabalhista. Trata-se de hipótese de interesse de agir, que envolve o interesse em conseguir o bem por obra dos órgãos públicos (Chiovenda, 1988:89).
Reza o inciso VI do art. 267 do CPC que o processo é extinto sem julgamento de mérito quando não concorrer qualquer das condições da ação, ‘como…’. Isso demonstra que as condições da ação não são apenas a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse processual, sendo a determinação legal exemplificativa e não exaustiva. A lei poderá estabelecer outras condições para o exercício do direito de ação. (MARTINS, 2001)”
A terceira corrente defende que a submissão às Comissões de Conciliação Prévia deve ser facultativa, pois a sua obrigatoriedade se constituiria em um obstáculo ao livre acesso ao Judiciário preconizado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal que reza que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, sendo, portanto, inconstitucional a sua obrigação. Dispõe Jose Affonso Dallegrave Neto que:
“o direito de ação assegurado na Constituição de Republica não se sujeita a nenhum limite ou submete-se a um estagio prévio de tentativa conciliatória.
(…)
as Comissões de Conciliação Prévia estão prevista em lei infraconstitucional (CLT), que, por sua vez, jamais deve penetrar numa zona não autorizada pela Constituição, da qual é submissa por hierarquia. (DALLEGRAVE NETO, 2000)”
Ao que parece, com a decisão do STF na ADI nº 2160, perdeu-se a chance de evoluir no conteúdo do conceito de acesso à justiça. Há forte pensamento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que, existindo meio para solução extrajudicial do conflito, a ausência da prévia provocação extrajudicial enseja a falta interesse/necessidade para o ajuizamento da demanda judicial.
Neste ponto, pertinente colher a lição de Fernando da Fonseca Gajardoni, segundo o qual:
“ (…) não se pode ignorar o estímulo que o CPC/2015 (Lei 13.105) – nitidamente influenciado que foi pela política de solução consensual dos conflitos inaugurada pela Resolução 125/2010 do CNJ – confere aos meios extrajudiciais de solução de conflitos (art. 3º, § 3º), o que sugestiona afirmar que, como regra, nenhum conflito deve ser enfrentado pelo Poder Judiciário antes que as partes possam tentar resolve-lo consensualmente.
Desse modo, é necessária a releitura do princípio do acesso à justiça para afirmar que, dentro de certos parâmetros, e desde que isso seja possível sem maiores dificuldades, não viola o art. 5º, XXXV, da CF e o art. 3º, caput, do CPC, a exigência de prévio requerimento extrajudicial antes da propositura de ações perante o Judiciário. (GAJARDONI, 2020)”
Nesse passo, veja-se a ementa do acordão do Recurso Extraordinário nº 631.240, no qual o STF considerou necessária a exigência do prévio requerimento administrativo em causas previdenciárias:
Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR. 1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas. 3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado. 4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão. 5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos. 6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir. 7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir. 8. Em todos os casos acima – itens (i), (ii) e (iii) –, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais. 9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora – que alega ser trabalhadora rural informal – a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir.
(RE 631240, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-220 DIVULG 07-11-2014 PUBLIC 10-11-2014)
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça – STJ tem decidido que a exigência de requerimento prévio junto à agência bancária é indispensável para demonstrar o interesse processual/necessidade de agir no pedido de exibição de documentos (STJ, Resp. 1.349.453-MS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 10.12.2014).
Nos referidos casos, ao contrário do que decidiu o STF na ADI nº 2139, somente após a prévia busca de seu direito pela via extrajudicial é que se tem permitido o processamento das ações respectivas perante o Poder Judiciário, demonstrando que se buscou resolver o seu conflito – e que há pretensão resistida.
Outra problemática que envolvia a das Comissões de Conciliação Prévia é sobre a eficácia liberatória geral do termo de conciliação.
O art. 625-E diz, no seu parágrafo único, que “o termo de conciliação é título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas”. Isso significa que caso o empregado não faça suas ressalvas ao conciliar terá o termo como uma quitação geral do contrato. Por exemplo, se a negociação tivesse versado tão somente sobre uma verba, digamos, o aviso prévio, os interessados, uma vez conciliados nesse único item, estão quitando todo o contrato de trabalho. Caberia ao empregado o ônus de consignar ressalvas de outras parcelas. No silêncio do termo de conciliação valeria a quitação geral do contrato.
Alice Monteiro de Barros leciona que “a eficácia liberatória é absurda, pois retira a efetividade dos direitos sociais previstos em preceito constitucional e atenta contra o principio da irrenunciabilidade. (BARROS, 2009)” (grifo nosso).
Dallegrave dispõe que “essa amplitude liberatória, em que se negocia apenas uma ou duas verbas com o condão de quitar todo o contrato de trabalho, estar-se-á, pela via obliqua, autenticando uma das figuras mais execráveis em Direito do Trabalho: a da renúncia tácita consentida pela ignorância de informação ou pelo vício volitivo do trabalhador. (DALLEGRAVE NETO, 2000)” (grifo nosso).
O Tribunal Superior do Trabalho vinha entendendo pela aplicação da eficácia liberatória geral das parcelas impede que o empregado posteriormente pleiteie direitos concernentes ao mesmo contrato de trabalho. Essa corrente decorre da interpretação literal e isolada do art. 625-E, parágrafo único. Como exemplo, são citados abaixo alguns acórdãos nesse sentido:
RECURSO DE REVISTA. ACORDO CELEBRADO PERANTE A COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA EFEITOS. O termo de conciliação firmado perante a Comissão de Conciliação Prévia terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas. Na presente hipótese, não houve nenhuma ressalva feita pelo reclamante, de modo que o termo de conciliação tem eficácia liberatória geral, abrangendo todas as parcelas oriundas do contrato de trabalho. Recurso de revista de que não conhece (TST – RR – 1136/2004-023-03-00, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, DJ – 31/10/2008).
RECURSO DE REVISTA. ACORDO CELEBRADO PERANTE COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. AUSÊNCIA DE RESSALVAS. EFICÁCIA LIBERATÓRIA AMPLA. I – Esta Corte tem reiteradamente decidido pela eficácia liberatória geral do termo de conciliação firmado perante a Comissão de Conciliação Prévia, quando não há aposição de qualquer ressalva, como dispõe claramente o artigo 625-E da CLT. Precedentes da SBDI-1 e Turmas. II Recurso provido (TST – RR – 1982/2006-263-01-00, Relator Ministro Barros Levenhagen, DJ – 31/10/2008).
Entretanto, no julgamento da ADI nº 2237, o STF, por maioria, conferiu interpretação sistemática ao art. 625-E, parágrafo único, da CLT, no sentido de que a eficácia liberatória geral do termo do termo de conciliação está relacionada ao que foi objeto da conciliação. Diz respeito aos valores discutidos e não se transmuta em quitação geral e indiscriminada de verbas trabalhistas:
“A interpretação sistemática das normas controvertidas nesta sede de controle abstrato conduz à compreensão de que a “eficácia liberatória geral”, prevista na regra do parágrafo único do art. 625-E da CLT, diz respeito aos valores discutidos em eventual procedimento conciliatório, não se transmudando em quitação geral e indiscriminada de verbas trabalhistas.” (ADI 2237, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2018).
Neste ponto, mostra-se, mais uma vez, pertinente trazer a lição Fernando da Fonseca Gajardoni, segundo o qual:
“ (…) de só faz sentido condicionar o acesso ao Judiciário mediante demonstração de que houve prévia tentativa de se solucionar extrajudicialmente a questão se – e somente se –, o sistema extrajudicial de recepção e solução dos conflitos tenha capacidade de processar a reclamação e atende-la em tempo razoável, com respostas aos reclamantes que, além de breves, possam, no mais das vezes, atende-los de maneira satisfatória (algo que deve ser constantemente auditado pelas autoridades públicas, inclusive Judiciárias). (GAJARDONI, 2020)”
A efetividade das Comissões de Conciliação Prévia se mostra com o alcance do objetivo a que foi criada, que, de acordo com Rafael Ferraresi Holanda Cavalcante, foi de “solucionar, previamente, demandas individualizadas na seara trabalhista, evitando que todas as causas chegassem ao Poder Judiciário. A intenção também era que a composição na lide pudesse entregar aos cidadãos brasileiros, de maneira célere e eficaz, bem como por força de uma plena segurança jurídica, as tão esperadas justiça e paz social” (CAVALCANTE, 2015).
É importante destacar uma pesquisa realizada pelo professor José Pastore, que teve como amostra 30 (trinta) Comissões de Conciliação Prévia, em que 75% das provocações restaram negociadas, comprovando que este procedimento é eficaz. (JOBIM, 2002)
Assim, as comissões ajudam a valorizar os meios extrajudiciais de composição de conflitos, e, por isso, se implantadas e empregadas de forma correta elas se mostrariam como um meio eficiente de solução de conflitos, viabilizando e sustentando o sistema de solução extrajudicial de conflitos trabalhistas e desafogando, em tese, o Poder Judiciário Trabalhista.
Conclusão
As Comissões de Conciliação Prévia foram instituídas no Brasil com a finalidade de viabilizar e sustentar o sistema de solução extrajudicial de conflitos trabalhistas de forma a aliviar a Justiça Trabalhista de um grande número de processos judiciais, que atrapalha a celeridade processual, tão importante no âmbito trabalhista. Entretanto, a Lei nº. 9.858/2000, que as criou, sempre sofreu grandes críticas.
Demonstrou-se que há forte pensamento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que, existindo meio para solução extrajudicial do conflito, a ausência da prévia provocação extrajudicial enseja a falta interesse/necessidade para o ajuizamento da demanda judicial.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 2139, “deu passo para trás” na contribuição da construção de um conteúdo moderno à figura do acesso à justiça, pois estabeleceu-se que “a Comissão de Conciliação Prévia constitui meio não obrigatório de solução de conflitos, permanecendo o acesso à Justiça resguardado para todos os que venham a ajuizar demanda diretamente ao órgão judiciário competente.”
A exigência de prévio acesso às Comissões de Conciliação Prévia não limita o acesso ao Poder Judiciário, mas tão somente o posterga por um prazo máximo de 10 (dez) dias (art. 625-F da CLT).
Vimos que o STF, no julgamento da ADI nº 2237, por maioria, conferiu interpretação sistemática ao art. 625-E, parágrafo único, da CLT, no sentido de que a eficácia liberatória geral do termo do termo de conciliação está relacionada ao que foi objeto da conciliação.
Noutro giro, vimos que as comissões ajudam a valorizar os meios extrajudiciais de composição de conflitos, estimulando a criação de uma cultura negocial no Brasil, e, por isso, se implantadas e empregadas de forma correta elas se mostrariam como um meio eficiente de solução de conflitos, viabilizando e sustentando o sistema de solução extrajudicial de conflitos trabalhistas e desafogando, em tese, o Poder Judiciário Trabalhista.
Referências
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5.ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2009.
BRASIL. Lei nº 9.985, de 12 de janeiro de 2000. Altera e acrescenta artigos à Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, dispondo sobre as Comissões de Conciliação Prévia e permitindo a execução de título executivo extrajudicial na Justiça do Trabalho. Brasília, 2000.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2.139 – Distrito Federal. Relatora: Ministra Carmen Lúcia. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, DJe de 18 de fevereiro de 2019.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2.237 – Distrito Federal. Relatoar: Ministra Carmen Lúcia. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, DJe 18 de fevereiro de 2019.
CAVALCANTE, Rafael Ferraresi Holanda. COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. HISTÓRICO. FUNCIONAMENTO. ESTÁGIO ATUAL. EXPECTATIVAS FUTURAS. Revista dos Tribunais Online. Revista de Direito do Trabalho | vol. 164/2015 | p. 157 – 179 | Jul – Ago / 2015 | DTR\2015\13307
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[1] Bacharel de Direito pela Faculdade Integral Diferencial – FACID. Especialista em Direito Processual pela UESPI. Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará.
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