Resumo: Neste artigo discute-se a terceirização trabalhista das atividades desempenhadas pelas sociedades prestadoras de serviço de call center, legalmente autorizadas pelo artigo 94, da Lei Federal n° 9472/90, haja vista que essa modalidade de terceirização vem sendo amplamente discutida pelo Poder Judiciário Trabalhista, na medida em que se afasta a aplicabilidade do mencionado dispositivo legal argumentando, para tanto, se tratar de atividade-fim das sociedades empresárias do ramo das telecomunicações, razão pela qual não se aplicaria o inciso III, da súmula 331, do TST. Além disso, utilizam uma nova teoria de subordinação, chamada subordinação estrutural, para se criar um vínculo trabalhista direto entre tomador de serviço e obreiro funcionário da prestadora.
Palavras-chave: Terceirização trabalhista. Subordinação estrutural. Súmula 331.
Abstract: In this paper, it is discussed the labor outsourcing of the activities performed by companies that provide call center services, legally autorized by the article 94, of the federal Law n° 9.472/90, considering that this modality of outsoursing has been widely discussed by the Labor Courts, since it excludes de applicabilty of the mentioned law, arguing, therefore, it is a final activity of the telecommunication companies, reason why it does not apply the item III, of the Precedent 331, TST. In addition, they use a new theory of subordination, called structural subordination, to create a labor link between the companie that hires the service and the employee of the service provider.
Key-words: Labor outsoursing. Structural subordination. Precedent 331.
Sumário: introdução. 1. Da terceirização no direito do trabalho. 2. A terceirização e as sociedades empresárias prestadoras de serviços de call center. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo analisar o instituto da terceirização da prestação de serviços no Brasil, com maior enfoque nas sociedades empresárias prestadoras de serviços de call center para as sociedades concessionárias de serviços de telecomunicações.
A necessidade do presente estudo decorre do atual entendimento adotado pelo Tribunal Superior do Trabalho, através de interpretações da súmula 331, inciso III, cujas recentes decisões têm sido no sentido de declarar ilícita a terceirização das atividades descritas acima.[1]
Mencionadas decisões possuem como fundamento basilar o entendimento de que as atividades desenvolvidas pelas prestadoras de serviço não se enquadram na hipótese do inciso III, da referida súmula, haja vista que a subordinação estrutural estaria presente como elemento caracterizador da relação de trabalho que seria formada entre tomador e obreiro.
Ademais, ainda que não se falasse de subordinação estrutural, estaria diante de hipótese de atividade-fim da tomadora de serviços, razão pela qual a terceirização seria ilícita sob qualquer enfoque.
Contudo, a fundamentação utilizada pelo Tribunal Superior do Trabalho não encontra amparo legal, na medida em que ignora princípios basilares do direito trabalhista e constitucional, bem como ignora a existência de Lei Especial que regulamenta a atividade.
1. DA TERCEIRIZAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO
É sabido que no âmbito em que se insere a atividade empresarial atualmente, não há espaço para sociedades que pretendem inflar demasiadamente sua estrutura, seja pelos custos gerais envolvidos, seja pela complexidade de gestão de mencionada estrutura ou, ainda, pela mitigação dos riscos trabalhistas envolvidos na operação pretendida.
Nos dizeres de Luciano Martinez, a terceirização:
“”A produção em massa foi abandonada, emergindo, em nome da redução de custos, a ideia da produção vinculada à demanda. Os trabalhadores dedicados à atividade-fim – objeto social do empreendimento – passaram a ser estimulados por mecanismos de competição: suas retribuições seriam mais elevadas na medida em que alcançassem ou superassem metas preestabelecidas. Aqueles operários que não se adaptavam ao novo ritmo eram dispensados e, mediante novas contratações, realocados em outras empresas para realizar atividades-meio, ou seja, atividades secundárias ou instrumentais da atividade-fim”. (20013, p.246)
Sérgio Pinto Martins vai além e acrescenta:
“O objetivo principal da terceirização não é apenas a redução de custo, mas também trazer agilidade, flexibilidade, competitividade à empresa e também para vencer no mercado. Esta pretende, com a terceirização, a transformação dos seus custos fixos em variáveis, possibilitando o melhor aproveitamento do processo produtivo, com a transferência de numerário para aplicação em tecnologia ou no seu desenvolvimento, e também em novos produtos”. (2012, p. 11)
Tais fatores foram de grande relevância para o nascimento do instituto da terceirização que, em termos gerais, significa transferir a execução de determinado serviço para terceiro, pessoa jurídica ou não, mediante uma contraprestação pecuniária.
No âmbito do direito trabalhista, a terceirização vem assumindo uma posição de destaque nos dias atuais, com grande discussão a respeito da responsabilidade do tomador de serviços em face de direitos trabalhistas de funcionários do prestador, bem como pela declaração da ilicitude da terceirização, mais especificamente nas relações entre sociedades empresárias prestadoras de serviços de call center e as concessionárias de telecomunicações, que é o objeto principal do presente estudo.
A princípio, necessário tecer breves comentários acerca da caracterização da relação de emprego havida entre obreiro e sociedade empresária que, conforme será demonstrado, é basilar para que se possa considerar ilícita a terceirização no âmbito das sociedades empresárias prestadoras de serviços de telecomunicações.
O artigo 3°, da Consolidação das Leis do Trabalho, prevê que será empregado “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário.”
Pois bem! Extrai-se do dispositivo legal em comento 4 requisitos fundamentais para a caracterização da relação de emprego, quais sejam, a pessoalidade, a habitualidade, a subordinação e a onerosidade. Além de outro requisito, que é a não assunção dos riscos da atividade.
O primeiro deles, a pessoalidade, se define como a pretensão do empregador em ter o serviço prestado por pessoa específica, não se admitindo substituição. Tem, pois, caráter personalíssimo que impede modificação na mão de obra contratada.
O segundo requisito, a habitualidade, se refere à necessidade do serviço prestado pelo obreiro tenha caráter habitual, não eventual, ou seja, que seja realizado de maneira corriqueira.
A onerosidade, por sua vez, é a necessária contraprestação pecuniária a ser desembolsada pela sociedade empresária, em benefício do obreiro, decorrente dos serviços efetivamente prestados.
Por fim, o requisito da subordinação se revela no conjunto de ordens e direcionamento emanados do poder diretivo da sociedade empresária e que deve ser seguido pelo obreiro, a fim de se efetivar o objeto da relação de trabalho. É exatamente este requisito que possui maior divergência e polêmica envolvendo a doutrina e jurisprudência e que será determinante para a conclusão do presente artigo.
Voltando à terceirização no direito do trabalho, não obstante inexistir dispositivo legal que discipline o instituto, o Tribunal Superior do Trabalho firmou entendimento acerca da matéria e editou a súmula 331:
“Súmula 331 – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE.
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n° 6.019, de 03.01.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/19988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n° 8.666, e 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.”
Da leitura acurada da súmula supra é possível verificar que o inciso III é o dispositivo permissivo da terceirização das atividades do setor de telecomunicações, desde que observados determinados requisitos.
Pois bem! Diz a súmula em comento que não formará vínculo direto de emprego com o tomador a contratação de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que ausentes a pessoalidade e a subordinação direta.
Com efeito, os conceitos de pessoalidade e subordinação já foram definidos alhures, faltando, então, definir o que seria atividade-meio.
Buscando apenas no direito do trabalho, não se encontra em nenhuma norma a conceituação de atividade-meio e atividade-fim, cabendo, portanto, à doutrina e jurisprudência o encargo de sua definição.
Segundo o doutrinador Luciano Martinez, atividade-meio é assim definida:
“A atividade-meio é compreendida como aquela que se presta meramente a instrumentalizar, a facilitar o alcance dos propósitos contratuais sem interferir neles. Nesse âmbito encontram-se, consoante mencionado, as atividades de limpeza, de conservação, de vigilância, de telefonia, de suporte em informática, de fornecimento de transporte, de fornecimento de alimentação, de assistência contábil, de assistência jurídica, entre outras que auxiliam na dinâmica do empreendimento, mas que não estão diretamente relacionadas ao objetivo central da empresa.
A atividade-fim deve ser entendida como a tarefa intimamente relacionada ao objetivo social da empresa, normalmente identificado em seus estatutos constitutivos. Assim, pode-se afirmar que a atividade-fim de uma escola é a prestação de ensino e de planejamento didático da educação. Seguindo o mesmo raciocínio, a atividade-fim de um banco é a intermediação de capitais por meio de diversas operações financeiras, e a de uma siderúrgica é a metalurgia do ferro e do aço”. (2013, p. 247)
Sérgio Pinto Martins, por sua vez, discorre sobre o tema:
“Alguns autores, especialmente de Administração de Empresas, usam o termo horizontalização da atividade econômica, em que as empresas transferem para outras partes das funções que exerciam diretamente. A horizontalização ou desverticalização sugere que a estrutura da organização empresarial seja vertical, e o intuito é a desverticalizá-la.
Usa-se a palavra focalização, também em Administração de Empresas, para evidenciar a empresa que procura a qualidade final de seu produto, dedicando-se apenas ao foco de sua atividade, ou seja, à sua atividade-fim, delegando a terceiros suas outras atividades”. (2011, p. 07)
Percebe-se, então, que a atividade-meio deve, necessariamente, ser acessória ao objeto social da sociedade empresária, não podendo, portanto, constituir atividade que se insira no ciclo final da cadeia produtiva. Enquanto a atividade-fim é o objeto precípuo de toda a cadeia, é a destinação final de todo o esforço empresarial para a produção de bens ou serviços.
Assim, estando a atividade desempenhada pela prestadora de serviços fora do entendimento de atividade-fim e ausentes a subordinação direta e a pessoalidade, será a mesma considerada lícita.
Ocorre que, o emitente Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Maurício Godinho Delgado defensor da nova teoria acerca da terceirização, calcada inteiramente uma nova visão acerca da subordinação, denominando-a de subordinação estrutural, em seus dizeres:
“Estrutural é, finalmente, a subordinação que se expressa pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento” (2011, p. 294)
A subordinação estrutural baseia toda a sua existência no fato de que as novas relações empresariais estão cada vez mais complexas, sendo que as atividades desenvolvidas normalmente se entrelaçam, não havendo mais que se falar em ordens diretas emanadas da tomadora de serviços para que se verifique a subordinação.
Nos dizeres de Luciano Martinez:
“(…) caracterizado pela dispensabilidade da ordem direta (da subordinação direta) do empregador para a formação do vínculo entre os efetivos beneficiários dos serviços e contratados. Esse novo conceito é normalmente invocado diante de situações de terceirização de atividades que, apesar de aparentemente “-meio”, são estruturalmente ligadas (por isso se fala em subordinação “estrutural”) aos propósitos finais do empreendimento (por isso surge o nome “integrativa”). Trata-se de uma nova forma de organização produtiva, em cuja raiz se encontra a empresa-rede (daí, por outro lado, a adjetivação “reticular”), que se irradia por meio de um processo de expansão e fragmentação”. (2013, p. 149)
Conforme se observa das explanações alhures, os defensores da teoria da subordinação estrutural se agarram à ideia de que a cadeia produtiva de determinada sociedade empresária é indissociável da cadeia produtiva das sociedades terceirizadas, razão pela qual não há necessidade de se apurar a existência da subordinação, uma vez que esta seria decorrente da própria atividade, estando o trabalhador inserido na cadeia produtiva.
Contudo, não obstante grandes nomes do direito do trabalho no país serem filiados à esta corrente, dentre eles o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Dr. Maurício Godinho Delgado, mencionada teoria não encontra fundamentos suficientes para sua existência.
Isto porque, conforme amplamente demonstrado, a teoria clássica da relação de emprego decorre do artigo 3° do Diploma Trabalhista, o qual prevê as regras gerais para caracterização da relação trabalhista entre partes.
A exegese decorrente da Consolidação das Leis do Trabalho não permite fazer uma interpretação do artigo 3° de modo a inflar o conceito de subordinação extraído do trecho “sob a dependência deste”.
Isto porque, ao se utilizar a interpretação extensiva, sem qualquer limitação de forma ou conteúdo, tal qual realizada pela teoria da subordinação estrutural, permite-se que a relação de emprego, sob o prisma da subordinação, possa ser imputada a qualquer relação jurídica de desempenho de atividades por pessoas físicas.
É que, ao retirar os limites da intenção do legislador, expõe-se a possibilidade de se interpretar a expressão “sob dependência deste” como qualquer dependência, seja ela financeira, jurídica ou fática.
No caso da teoria defendida pelo eminente Ministro, o único fator determinante para se observar a existência da subordinação (neste caso chamada estrutural), é a atividade terceirizada estar inserida na cadeia produtiva da sociedade tomadora de serviços.
Contudo, ao se reputar válida a teoria acima, se mostra impossível imaginar qualquer atividade que não esteja inserida na cadeia produtiva das sociedades, visto que toda atividade pode ser considerada como parte integrante da cadeia de produção, ainda que não essencial.
Noutro norte, mas ainda no que tange à interpretação extensiva da subordinação, se mostra incontroverso que na dinâmica empresarial do atual capitalismo as sociedades empresárias realizam tantas atividades comerciais quanto possível, existindo, por óbvio, uma dependência financeira das prestadoras de serviço para com a tomadora, haja vista que, normalmente, as tomadoras de serviços são sociedades com um poder de capital muito maior que as prestadoras.
Ocorre que utilizar esse fator econômico como justificativa para se criar uma subordinação entre os funcionários da prestadora de serviços com a tomadora de serviços é decretar o fim do instituto da terceirização, conquanto toda e qualquer atividade estaria sujeita à subordinação estrutural.
3. A TERCEIRIZAÇÃO E AS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS DE CALL CENTER
No que concerne à questão relativa às sociedades empresárias prestadoras de serviços de call Center e a legislação nacional que regulamenta a atividade das concessionárias de telecomunicações, tem-se que a Lei n° 9.472/90 foi a instituidora da organização e funcionamento dos serviços de Telecomunicações no território nacional.
Em seu artigo 60, parágrafo 1°, a lei define o conceito de telecomunicação, senão veja-se:
“Artigo 60 – Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.
§ 1° – Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.”
De plano podemos extrair do citado dispositivo legal que a telecomunicação é uma atividade complexa, que compreende, primordialmente, a transmissão, emissão e/ou recepção de dados e informações de qualquer natureza.
O serviço de call center, em sua essência, é meramente a utilização dos meios de comunicação (telefonia, internet, etc.) para aproximar e facilitar o contato entre a sociedade empresária concessionária dos serviços de telecomunicação e seus usuários finais.
O grande problema enfrentado pelas sociedades empresárias que prestam serviços de call center é a atuação do Poder Judiciário no sentido de entender que essa aproximação da concessionária a seus usuários finais tem caráter de atividade-fim, além da percepção da subordinação estrutural, razão pela qual estaria incorrendo em violação ao inciso III, da súmula 331, do TST.
Não obstante este entendimento, reduzir a complexidade da atividade-fim das sociedades concessionárias de serviços de telecomunicações a uma mera aproximação entre usuário e sociedade é o mesmo que dizer que o serviço prestado pelas concessionárias é somente a utilização da telefonia móvel e não todo o aparato tecnológico e humano criado para implantar, sustentar e expandir a transmissão de dados e informações.
Assim, percebe-se que as sociedades empresárias de call center nada mais são do que sociedades que desempenham atividade de terceirizar os serviços de atendimento ao consumidor, que jamais podem ser considerados atividade-fim das concessionárias de telecomunicações.
Noutro giro, a mesma lei que ditou as normas gerais das telecomunicações, também previu expressamente a possibilidade da terceirização das atividades que não fizerem parte da atividade-fim da sociedade:
“Art. 94 – No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência:
I – empregar, na execução dos serviços, equipamentos e infra-estrutura que não lhe pertençam.
II – contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados.”
Atente-se para o fato de que o mencionado dispositivo legal encontra-se em sintonia com a súmula 331 editada pelo Tribunal Superior do Trabalho, sendo certo que a toda a discussão acerca da possibilidade de terceirização dos serviços de call center está calcada na nova teoria da subordinação estrutural, bem como na consideração da atividade de call center como atividade-fim das concessionárias de serviços de telecomunicações.
Ocorre que, conforme já explicitado no tópico anterior, não há como se conceber como válida a teoria da subordinação estrutural, tampouco reputar como atividade-fim as desempenhadas pelas sociedades empresárias prestadoras de serviços de call center.
A questão em foco no presente artigo se revela de grande complexidade, contudo, trazida somente pela insistência do Poder Judiciário Trabalhista em ignorar as disposições legais e constitucionais que autorizam a terceirização das atividades desempenhadas pelas sociedades empresárias que têm como objeto a prestação de serviços de call center para as concessionárias de serviços de telecomunicações.
Não obstante o Poder Judiciário, através da especializada Justiça do Trabalho, buscar claramente defender os interesses da classe operária, esse fato não pode ser utilizado como forma de suprimir direitos alheios e violar princípios constitucionais.
Nesse sentido, tem-se que a criação e aplicação da teoria da subordinação estrutural, combinada com a simplificação das atividades desempenhadas pelas concessionárias de serviços de telecomunicação, combinada, ainda, com o afastamento da aplicação do artigo 94, inciso II, da Lei n° 9.472/90, chega-se à inarredável conclusão de violação ao princípio da livre iniciativa privada, calcado no artigo 170, parágrafo único, da Carta Magna.
Acerca do princípio da livre iniciativa privada, Gladston Mamede discorre:
“No processo histórico brasileiro, a Constituição da república de 1988 fez a opção pela liberdade de ação jurídica e econômica (livre iniciativa), disposta como princípio constitucional (artigos 1°, IV, e 170, caput), dando-lhe status de fundamento do Estado Democrático de Direito. Reconheceu-se na autonomia individual um fator que pode ser benéfico para a sociedade, estimulando e preservando a livre iniciativa”. (2010, p. 41).
O Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau:
“Inúmeros são os sentidos, de toda sorte, podem ser divisados no princípio, em sua dupla face, ou seja, enquanto liberdade de comércio e indústria e enquanto liberdade de concorrência. A este critério classificatório acoplando-se outro, que leva à distinção entre liberdade pública e liberdade privada, poderemos ter equacionado o seguinte quadro de exposição de tais sentidos: a) liberdade de comércio e indústria (não ingerência do Estado no domínio econômico): a.1) faculdade de criar e explorar uma atividade econômica a título privado – liberdade pública; a.2) não sujeição a qualquer restrição estatal senão em virtude de lei – liberdade pública; b) liberdade de concorrência: b.1) faculdade de conquistar a clientela, desde que não através de concorrência desleal – liberdade privada; b.2) proibição de formas de atuação que deteriam a concorrência – liberdade privada; b.3) neutralidade do Estado diante do fenômeno concorrencial, em igualdade de condições dos concorrentes – liberdade pública”. (2003, p. 184)
O atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, por sua vez, citando Gastão Alves de Toledo, discorre sobre a temática:
“Igualmente relevante entre os princípios fundamentais da atividade econômica, a livre concorrência está intimamente ligada ao princípio da livre iniciativa, que a Carta Política de 1988 inscreveu entre os fundamentos da ordem econômica, como assinala o citado Gastão Alves de Toledo, para quqe, enquanto a livre iniciativa aponta para a liberdade política, que lhe serve de fundamento, a livre concorrência significa a possibilidade de os agentes econômicos poderem atuar sem embaraços juridicamente justificáveis, em um determinado mercado, visando à produção, à circulação e ao consumo de bens e serviços”. (2009, p. 1409).
Conforme se denota, ao reputar ilícitas as terceirizações das atividades de call center, está o Estado violando a faculdade de criar e explorar uma atividade econômica a título privado, na medida em que inviabiliza o desenvolvimento e a exploração da atividade. Necessário frisar que o simples impedimento da terceirização caso não houvesse lei que a autorizasse já seria uma violação ao Princípio Constitucional em comento, sendo que, no caso em apreço, há clara disposição legal autorizando a atividade, o que reforça toda a tese.
Há que se considerar que apesar da especializada Justiça do Trabalho ser a responsável por processar e julgar as demandas envolvendo a suposta ilicitude das terceirizações, a mesma não pode se esquivar de outros princípios constitucionais e utilizar somente os princípios que regem as relações do trabalho para reputar válida ou não as terceirizações.
Nesse sentido, cita-se o magistério de Gladston Mamede:
“Da forma como disposto na Constituição, no amplo espaço conceitual aberto pela expressão valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, tem-se a preservação da atuação produtiva individual ou coletiva havida sob formas jurídicas distintas: o trabalho nos setores primário rural), secundário (industrial) ou terciário (comercial); o trabalho autônomo, remunerado ou não (voluntário, assistencial); o trabalho cooperativo, personalizado (sociedades cooperativas) ou não (mutirões); o trabalho empregado, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, ou o desempenho de funções públicas. Mas, da mesma forma, e sem qualquer distinção, o trabalho empreendedor, isto é, empresarial, que planeja, investe, estrutura, emprega pessoas, organiza a produção do trabalho individual, remunera-o, inova; trabalho empresarial que cria condições para que sejam alcançados os objetivos fundamentais da República”. (2004, p. 37/38).
Há que se ressaltar, ainda, que existem doutrinadores que utilizam o artigo 170, inciso VIII, da Carta Magna, que prevê a busca pelo pleno emprego, de modo a fundamentar o conflito entre princípios constitucionais e, dessa forma, alegar a inexistência de violação constitucional, conforme se vê na dissertação de mestrado de Flávio Carvalho Monteiro de Andrade:
“No artigo 170, VIII, da Carta Magna, está fixado que a ordem econômica nacional tem como princípio buscar o pleno emprego. Demais disso, inúmeras outras referências claras constantes do Texto Constitucional confirmam a posição Delgado no sentido de que o Brasil impõe, dos pontos de vista legal e social, a preferência pelo padrão bilateral clássico de contratação da força-trabalho, por ser o mais apto a garantir nas relações de trabalho verdadeira presença de concepções de cidadania, democracia e justiça social”. (2011, p. 73/74).
Necessário frisar que não se ignora a vigência, aplicação e entendimento do Princípio do Pleno Emprego emanado do comando normativo constitucional em comento. Contudo, é imprescindível se buscar na raiz da pretensão do pleno emprego os requisitos para sua tangibilidade.
Indo de encontro é o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho, que credita à Constituição os meios de defender a exploração econômica:
“Ao atribuir à iniciativa privada papel de tal monta, a Constituição torna possível, sob o ponto de vista jurídico, a previsão de um regime específico pertinente às obrigações do empreendedor privado. Não poderia, em outros termos, a ordem jurídica conferir uma obrigação a alguém, sem, concomitantemente, prover os meios necessários para integral e satisfatório cumprimento dessa obrigação. Se, ao capitalista, a ordem reserva a primazia na produção, deve cuidar para que ele possa desimcumbir-se, plenamente, dessa tarefa. Caso contrário, ou seja, se não houvesse um regime jurídico específico para a exploração econômica, a iniciativa privada permaneceria inerte e toda a sociedade sofreria com a estagnação da produção dos bens e serviços indispensáveis à satisfação de suas necessidades.” (p. 26/27).
Assim, considerando todos os custos e riscos envolvendo a implantação de determinada atividade empresarial, bem como da necessidade de se conseguir novos postos de trabalho (única possibilidade de atingir o pleno emprego) é de se concluir que a norma pragmática mencionada não pode se sobrepor à livre iniciativa, conquanto somente através desta é que se poderá, algum dia, possibilitar o alcance do pleno emprego previsto no Diploma Constitucional.
Conclusão
Diante da análise do instituto da terceirização existente no ordenamento jurídico pátrio, é possível se concluir que as atividades desenvolvidas pelas sociedades empresárias prestadoras de serviços de call center para concessionárias de serviços de telecomunicações são lícitas.
Isto porque, a terceirização da prestação de serviços, de um modo geral, não possui proibição na legislação brasileira, havendo, portanto, construção doutrinária e jurisprudencial acerca da temática.
Grande parte da doutrina e jurisprudência acredita ser ilícita a terceirização das atividades mencionadas em virtude da teoria da subordinação estrutural, que altera completamente a visão do requisito subordinação para caracterização da relação de trabalho, ultrapassando a visão clássica da subordinação direta.
Ocorre que a utilização da interpretação extensiva para o requisito da subordinação acarreta em uma impossibilidade jurídica de se ver qualquer atividade empresária terceirizada, na medida em que a ideia de que para que seja caracterizada a subordinação estrutural basta que a atividade esteja inserida na organização da cadeia produtiva, independentemente da atividade-fim.
Por outro lado, também existe o entendimento de que as atividades desempenhadas pelas sociedades empresárias prestadoras de serviços de call center estão inseridas na atividade-fim das concessionárias de telecomunicações, o que se demonstrou não ser razoável, uma vez que o próprio artigo 60, da Lei n° 9.427/90 define estritamente o conceito de serviços de telecomunicação.
Ademais, mencionada Lei também prevê, em seu artigo 94, inciso II, a expressa autorização da terceirização de qualquer atividade de apoio inerente à prestação de serviços de telecomunicação, tal qual a desempenhada pelas sociedades prestadoras de serviços de call center.
Dessa forma, sob qualquer prisma analisado, conclui-se pela licitude da terceirização dos serviços de call center, não podendo a Justiça do Trabalho se escusar de aplicar a legislação pátria sob o fundamento de precarização dos direitos trabalhistas e ofensa ao princípio constitucional do pleno emprego, na medida em que este somente poderá ser alcançado mediante os investimentos do empresariado no setor produtivo, que certamente espera do Estado a observância do princípio da livre iniciativa privada e dos ditames legais.
Advogado. Atualmente cursando pós-graduação stricto sensu – Mestrado em Direito Empresarial, na Faculdade de Direito Milton Campos
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