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As exumações e translados de cadáveres e restos mortais no município do Rio de Janeiro

Resumo: O presente artigo tenta explicar as implicações jurídicas das exumações e translados na cidade do Rio de Janeiro, com base no Decreto Municipal que regula a matéria. Tenta, também, suprir a falta de doutrina sobre Direito Funerário no Brasil.


Sumário: 1. Introdução 2. Conceito de exumação 3.Conceito de transladação 4. Dos artigos do Decreto E 3707/1970 que regulam o tema e sua interpretação 5.Da natureza jurídica do cadáver, dos restos mortais e das cinzas cadavéricas


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1. Introdução


A exumação e o translado de restos mortais são serviços funerários muito requeridos nos cemitérios, públicos e particulares, da cidade do Rio de Janeiro.


Ambos os serviços são regulados pelo Decreto “E” 3.707/1970 e tem suas tarifas descritas na Tabela da Secretaria Municipal de Obras da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.


2. Conceito de exumação


A exumação consiste em condicionar os restos mortais, após a decomposição natural dos tecidos, em uma caixa, geralmente de fibra.


As exumações podem ser requeridas administrativamente ou judicialmente, pelos herdeiros ou pelas autoridades.


Os corpos sepultados em sepulturas temporárias (catacumbas ou covas rasas), que tem o prazo de arrendamento de três anos, são exumados após o término do mesmo, sendo condicionados em caixas, cabendo aos herdeiros escolherem seu destino, (por meio da transladação) que é a cremação ou o sepultamento em uma sepultura perpétua.


Deve-se lembrar que se a família não se manifestar após o final do prazo de arrendamento, o Decreto E 3.707/1970 em seu artigo 125 diz que a administração do cemitério pode incinerá-los ou até mesmo doa-los para instituições e estabelecimentos científicos de ensino ou pesquisa, mediante convênios previamente aprovados pela Diretoria de Controle Funerário da Prefeitura (art. 125, parágrafo 2º).


Apesar do descrito em lei, não fica especificado no decreto se a administração do cemitério pode ou não efetuar tal incineração sem avisar a família ou o pagante do funeral, o que geram diversas ações judiciais em face dos cemitérios que efetuam tal exumação sem o dito aviso.


Entendo que analisando em conjunto os artigos 113, inciso II, alínea b, art. 115 e o artigo 123, artigo 125 do Decreto “E” 3.707/70, a concessionária dos cemitérios públicos pode e deve exumar e transladar os restos mortais inumados em sepultura temporária na qual os interessados não se manifestaram. Até porque os cemitérios públicos têm sua função social de sepultamentos para toda a população da cidade do Rio de Janeiro, não podendo ter suas sepulturas temporárias ocupadas por mero desinteresse dos herdeiros e/ou arrendatários.


Já os corpos sepultados em sepulturas perpétuas são exumados para que seja retomado o espaço dentro da sepultura perpétua, já que geralmente os carneiros perpétuos têm espaço para dois caixões e dez caixas de ossos (artigo 121 do Dec. E 3.707/70).


3.Conceito de transladação


O ato de translado consiste em remover o corpo cadavérico ou os restos mortais já exumados, de uma sepultura para outra (no mesmo ou em outro cemitério), para o Forno Crematório ou para uso das autoridades.


O cadáver, que é o corpo cadavérico antes da consumação dos tecidos, não pode ser transladado por requerimento administrativo dos interessados, apenas judicialmente ou a pedido da autoridade policial.


O Decreto E 3707/70 determina, no artigo 113, que nenhuma exumação poderá ser feita antes de decorridos três anos do sepultamento. Portanto, se for necessário translado do corpo cadavérico esse só se dará por decisão judicial, de autoridade policial ou do Ministério Público, geralmente para fins de investigação.


Quando se é necessário colher restos mortais para fins de exame de DNA, não é necessário que se proceda o translado do corpo para realizar tal exame, já que uma pequena parte do cadáver já pode indicar com precisão o resultado do teste.


Mas quando se é necessária uma autópsia, ou se tem dúvida da causa da morte, o corpo cadavérico pode ser removido para local específico por meio de determinação oriunda de autoridade.


Se o cadáver contiver moléstia grave, as autoridades judiciais, policiais ou administrativas podem proceder o traslado para cremar ou inumar o corpo em local seguro, evitando quaisquer danos a população, ou até mesmo não permitir que sejam feitas exumações de nenhuma natureza (artigo 120 do Decreto E 3.707/70).


4. Dos artigos do Decreto E 3707/1970 que regulam o tema e sua interpretação


Os dispositivos de lei que regulam os serviços são os artigos 113 ao 122 do Decreto E 3.707/1970.


O mais importante é o artigo 113 do referido Decreto, conforme transcrição abaixo:


 “Artigo 113 – Nenhuma exumação poderá ser feita, salvo:


I-se requisitada,por escrito e na forma da lei, por autoridade competente;


II-depois de decorridos três anos, prazo necessário à consumação do cadáver, desde que:


a)se trate de cadáver sepultado como indigente;


b)se trate de cadáver sepultado em sepultura arrendada, não renovado o arrendamento ou terminado o prazo máximo deste;   


c) a requerimento de pessoa habilitada em se tratando de cadáver sepultado em sepultura perpétua.”


Portanto, fica claro que as exumações não podem ser feitas antes do prazo de três anos. Tal prazo é o presumido para que o cadáver seja consumido atingindo o status de resto mortal.


O inciso primeiro indica que a exumação poderá ser requisitada pela autoridade competente, mesmo antes dos três anos indicados em lei, já que pode haver necessidade de analise de restos mortais ou cadáveres para fins inerentes ao Poder Público.


O artigo 114 tem relação direta com a alínea c do inciso II do artigo113, já que diz que as exumações de cadáveres e/ou restos mortais inumados em sepulturas perpétuas de qualquer espécie deverá ser feita por escrito pelo interessado, devendo este provar sua qualidade, a razão do pedido e a causada morte de todos que deseja exumar e/ou transladar. Caso o pedido seja de transladação do cadáver ou dos restos mortais para outro país, a autoridade policial ou autoridade competente deve obrigatoriamente consentir.


O artigo 115 deve ser analisado em conjunto com o artigo 113, II, alínea b, já quediz expressamente que as exumações relatadas no dispositivo indicado acima deverão ser feitas pela administração dos cemitérios caso os interessados não se manifestem após trinta dias do final do prazo de arrendamento de sepulturas temporárias (três anos).


O artigo 116 trata de uma ação preventiva, para evitar danos ao meio ambiente e a população, já que obriga que quando os translados de cadáveres forem entre cemitérios diferentes, os caixões deverão ser de madeira de lei, ajustado com parafusos e revestido inteiramente de lâminas de chumbo com dois milímetros de espessura perfeitamente soldadas, a fim de evitar vazamento de gases e líquidos tóxicos oriundos do cadáver.


O administrador do cemitério, ou até mesmo um preposto da empresa concessionária ou permissionária, deverá assistir a todas as exumações e translados para saber se foram satisfeitas todas as condições de lei (artigo 117).  


O administrador deve fornecer certidão de realização da exumação, sempre que requerida (artigo 118).


De acordo com o artigo 119 e parágrafos, as requisições de exumações e/ou translados de interesse da Justiça ou demais Órgãos Públicos, poderão ser feitas diretamente nos cemitérios, sem necessidade de protocolo administrativo na sede da concessionária ou permissionária, sempre por escrito.


5.Da natureza jurídica do cadáver, dos restos mortais e das cinzas cadavéricas


Deve-se ressaltar que a natureza jurídica, tanto do cadáver, tanto dos restos mortais é de bens fora do comércio. A doutrina penal, cível e administrativa, por muito tempo e por muitas vezes insistiu no fato de ambos terem sua natureza jurídica de coisa nula.


Atualmente, é facilmente perceptível que essa teoria não pode ser adotada. Com os avanços científicos, como por exemplo o exame de DNA, o cadáver e os restos mortais podem gerar provas num inquérito ou ação penal, ou até mesmo demonstrar uma paternidade ou parentesco em uma ação de alimentos ou em um Inventário. Então, a partir do momento que criam ou extinguem direitos, tais como gerar provas em um processo, não podem ser tratados como coisa nula.


Daí a conclusão de que tanto os restos mortais como os cadáveres tem natureza jurídica de bens fora do comércio pertencentes aos ascendentes, descendentes, cônjuge nos termos da Legislação Civil  em vigor.


Quanto às cinzas cadavéricas sua natureza jurídica pode variar. Para o Poder Público a natureza jurídica é de coisa nula, já que não cria nem extingue mais nenhum direito, tanto que as partes podem dispor delas como quiserem. Para a família as cinzas podem ser bens fora do comércio pelo seu valor sentimental.


Informações Sobre o Autor

Felipe Ramos Campana

Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes-Centro (Rio de Janeiro) Pós-graduado em Direito da Propriedade Intelectual pela PUC-Rio Advogado da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro


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Equipe Âmbito Jurídico

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