As Forças Armadas e a Reforma da Previdência. Peculiaridades da carreira militar e os aspectos determinantes à sua não inclusão na atual proposta (PEC287/16)

Resumo: O presente estudo teve como objetivo verificar a questão das atividades desempenhadas pelos integrantes das Forças Armadas e os motivos que justificam a sua não inclusão na Proposta de Emenda Constitucional 287 de 2016 (PEC 287/16). Este artigo foi elaborado através de pesquisa em leis, artigos e matérias divulgadas na mídia sobre a reforma da previdência. Este trabalho possui a finalidade de demonstrar que os militares possuem um papel essencial na defesa da nação e não gozam de vários direitos que os trabalhadores civis possuem. Com os resultados obtidos, conclui-se que a decisão de não os integrar na atual proposta foi acertada[1].

Palavras – chave: Militares. Aposentadoria. Forças Armadas. Previdência.

Abstract: The present study had as objective to verify the question of the activities performed by the members of the Armed Forces and the reasons that justify its non inclusion in the Proposal of Constitutional Amendment 287 of 2016 (PEC 287/16). This article was elaborated through research in laws, articles and articles published in the media about the reform of the social security. This work has the purpose of demonstrating that the military has an essential role in the defense of the nation and does not enjoy several rights that civilian workers have. With the results obtained, it is concluded that the decision not to integrate them in the current proposal was correct.

Keywords: Military. Retirement. Armed forces. Social Security.

Sumário: 1. Introdução; 2. Conceitos Gerais; 2.1. Considerações Sobre a PEC 287/16; 2.2. Sobre As Forças Armadas; 2.2.1. Particularidades da Vida Militar; 3. Aspectos Específicos; 3.1. Proposta de Mudança na Faixa Etária e Consequências; 4. Conclusão; 5. Referências

1. INTRODUÇÃO

Trataremos da condição dos militares frente à reforma da previdência social, objeto em ampla discussão no Congresso Nacional e que vem gerando inúmeras polêmicas. A questão da não inclusão dos integrantes das Forças Armadas no atual projeto é uma delas.

É sabido que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 287/16)[2], direcionada para os trabalhadores urbanos, rurais e servidores públicos, necessita de modificações, a fim de não trazer prejuízos significativos para o povo brasileiro. Giza-se que a decisão de não inserir os militares neste primeiro momento foi acertada, visto que a carreira possui peculiaridades que a tornam incompatível com os regimes abarcados na reforma, como veremos a seguir. Para a realização do presente artigo, foram realizadas pesquisas em legislações e matérias que tratam sobre as atividades próprias dos militares e aposentadoria.

2. CONCEITOS GERAIS

2.1. Considerações Sobre a PEC 287/16:

 Sob a alegação de um déficit bilionário na previdência, o Governo do Presidente Michel Temer apresentou no ano de 2016 a Proposta de Emenda Constitucional n° 287.

 Tal projeto está causando divergências por todo o país, pois apresenta pontos controversos e que segundo alguns setores da sociedade, vão acarretar muitos prejuízos para a classe trabalhadora. As principais mudanças trazidas pela proposta estão na idade mínima e contribuição, aposentadoria rural e regras de transição.

Atualmente, os trabalhadores podem se aposentar por idade ou por tempo de contribuição. Para homens, 65 anos de idade e 15 anos de contribuição e 60 anos de idade e 15 anos de contribuição para mulheres ou, ainda, por 35 anos de contribuição para homens e 30 anos para mulheres, que neste caso, podem pedir a aposentadoria com qualquer idade.

Com a reforma, homens e mulheres poderão se aposentar com 65 e 62 anos respectivamente, ambos contribuindo obrigatoriamente por 25 anos.

Também, de acordo com as mudanças previstas, os trabalhadores rurais se aposentarão com 60 anos de idade, se homem, e 55 anos de idade, se mulher, ambos contribuindo por 15 anos. No que diz respeito ao acúmulo de aposentadoria e pensão, só será autorizado receber o valor de até dois salários mínimos.

Referente às regras de transição, caso seja sancionada a PEC, homens com 50 anos ou mais e mulheres com 45 anos de idade ou mais poderão se aposentar conforme as regras antigas, desde que paguem 30% sobre o valor correspondente ao período que resta para a aposentadoria.

 Na atual proposta de reestruturação ficam de fora os militares, embora o Governo tenha também a intenção de enviar ao Congresso Nacional um plano de mudança no regime destes.

2.2. Sobre as Forças Armadas:

Consoante o disposto no art. 142 da Constituição Federal de 1988, as Forças Armadas são instituições permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, destinados à defesa da Pátria e da garantia dos poderes constitucionais. A Lei 6.880/1980 [3] estabelece as regras de transferência para a inatividade e dá outras garantias:

“Art. 50. São direitos dos militares:

I – a garantia da patente em toda a sua plenitude, com as vantagens, prerrogativas e deveres a ela inerentes, quando oficial, nos termos da Constituição;

 II – o provento calculado com base no soldo integral do posto ou graduação que possuía quando da transferência para a inatividade remunerada, se contar com mais de trinta anos de serviço;   (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.215-10, de 31.8.2001);

III – o provento calculado com base no soldo integral do posto ou graduação quando, não contando trinta anos de serviço, for transferido para a reserva remunerada, ex officio, por ter atingido a idade-limite de permanência em atividade no posto ou na graduação, ou ter sido abrangido pela quota compulsória; e   (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.215-10, de 31.8.2001);

d) a percepção de remuneração; (…)

l) a constituição de pensão militar;

m) a promoção;

n) a transferência a pedido para a reserva remunerada;

o) as férias, os afastamentos temporários do serviço e as licenças;

p) a demissão e o licenciamento voluntários; (…)

s) outros direitos previstos em leis específicas.”

2.2.1 Particularidades da Atividade Militar:

Primeiramente, cabe salientar que a característica principal da carreira militar, em relação ao trabalhador civil, é que o militar não se aposenta. Ao completar 30 anos de efetivo serviço, este será transferido para a reserva remunerada e pode ser, inclusive, convocado novamente para o trabalho. Ou seja, a partir desta observação, podemos verificar que o assunto “aposentadoria de militares” tem sido conduzido (dentro das discussões sobre as mudanças previdenciárias) de maneira um tanto equivocada.

Quando se trata de militares, uma grande parcela da população aponta que todo o brasileiro deve ser tratado de forma isonômica e assim, não faria sentido a existência de um regime próprio, separado do trabalhador comum.Desta feita, importante frisar que os integrantes das Forças Armadas não possuem regime previdenciário. São mantidos pelo Tesouro Nacional e, mesmo na reserva, contribuem para a pensão militar, verba que é reservada para seus dependentes legais.

A partir da compreensão de que o sistema de previdência social é uma rede protetiva, mantida por participantes autônomos, servidores e empregados, podemos concluir que ela simplesmente não existe para os integrantes das Forças Armadas e por um simples motivo: a carreira militar possui exigências diferenciadas, aspectos rigorosos de higidez física e mental frente a trabalhadores comuns.

3. ASPECTOS ESPECÍFICOS

Como apontado acima, o ofício do militar possui características muito próprias em relação aos demais trabalhadores civis. No aspecto trabalhista, temos como exemplo a remuneração pelo trabalho noturno superior ao do trabalho diurno, a qual não fazem jus. Estão disponíveis 24 horas por dia, em regime de dedicação exclusiva.

Por este viés, é possível observar que laboram mais do que a média dos servidores civis e trabalhadores da iniciativa privada. Ressalta-se que também não têm direito a repouso semanal remunerado, não há pagamento de horas extras e não possuem adicional de periculosidade.

Além destas particularidades, os integrantes das Forças Armadas não recolhem Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), não lhes é permitido participar de atividades políticas nem de pertencer a um sindicato[4].

Em consonância com essa dedicação exclusiva e de acordo com o apontado pelo Ministério da Defesa, os 30 anos de serviço militar, condição necessária para a transferência à reserva remunerada, seriam na realidade 44 anos de trabalho.

Ainda nesta seara, é importante apontar que os militares estão sujeitos a uma grande mobilidade geográfica, as conhecidas transferências por necessidade do serviço.

É possível deduzir então que por consequência destas singularidades, não deve ser imposto aos militares das Forças Armadas a mesma condição a ser seguida pelos trabalhadores da iniciativa privada e demais servidores. Tal distinção impõe muitas vezes sacrifícios não só ao militar, mas também a toda sua família, eis que a mudança constante de cidade é recorrente na carreira.

Conforme aduzido pelo Ministério da Defesa, a contribuição dos membros das Forças Armadas gira na média de 62 anos (para a pensão militar). Pelo regramento atual, o encargo mensal é de 7,5% de suas remunerações. Esta monta não é utilizada para o custeio de aposentadoria, mas para formar as pensões que os seus familiares receberão em caso de morte. Neste entendimento, importante apontar o disposto na Lei 3.765/60[5]:

“Art. 1o São contribuintes obrigatórios da pensão militar, mediante desconto mensal em folha de pagamento, todos os militares das Forças Armadas. (Redação dada pela Medida provisória nº 2215-10, de 31.8.2001)

Art. 3o-A. A contribuição para a pensão militar incidirá sobre as parcelas que compõem os proventos na inatividade. (Incluído pela Medida provisória nº 2215-10, de 31.8.2001)

Parágrafo único. A alíquota de contribuição para a pensão militar é de sete e meio por cento. (Incluído pela Medida provisória nº 2215-10, de 31.8.2001)

Art. 4o Quando o militar, por qualquer circunstância, não puder ter descontada a sua contribuição para a pensão militar, deverá ele efetuar o seu recolhimento, imediatamente, à unidade a que estiver vinculado. (Redação dada pela Medida provisória nº 2215-10, de 31.8.2001)”

 Como visto e seguindo os ditames da lei, o direito à pensão primeiramente se transmite ao cônjuge, seguindo do companheiro ou companheira indicada ou que comprove a união estável, os desquitados, separados judicialmente e divorciados, desde que recebam pensão alimentícia, seguidos dos filhos, menor sob sua guarda ou tutela e enteados até 21 anos ou até 24 anos de idade, se frequentarem a universidade ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez.

3.1. Proposta de Mudança na Faixa Etária e Consequências

Seguindo o raciocínio do Governo Federal sobre a reforma direcionada aos trabalhadores urbanos, rurais e funcionários públicos, para os militares a mudança mais relevante seria a criação de uma idade mínima para ir à reserva. Hodiernamente, o Ministério da Defesa comunicou a existência de uma proposta de alteração da faixa etária (de 55 a 70 anos). Atualmente essas idades variam de 44 anos para soldado e marinheiro até 66 anos para General do Exército, Tenente – Brigadeiro e Almirante de Esquadra.

Entretanto, quem fala em aumentar para 70 anos o limite de idade para a reserva certamente desconhece as características da profissão. Como já exposto, a carreira envolve riscos diários e aptidão física, sendo necessário que o país conte com um efetivo jovem e em plenas condições de ser utilizado em caso de necessidade.

Quando se discute a questão dos gastos, temos que ter em mente o seguinte: o Brasil quer que as suas tropas atuem de modo realmente efetivo e protejam a população e o território nacional? Se a resposta for afirmativa, temos um preço a pagar.

E este preço não se limita ao aparato militar em um contexto geral (aviões, blindados, navios), mas, principalmente, à mão de obra capaz de desempenhar suas funções de modo eficaz, pelo tempo necessário e com isso garantir a integridade do território brasileiro.

4. CONCLUSÃO

Por fim, e por todo o exposto no escopo deste artigo, é imperioso afirmar que no processo de reformulação previdenciária vigente, o governo deve respeitar as especificidades do trabalho exercido pelas Forças Armadas e adequá-las de forma justa, pois além dos diversos riscos e ausência de direitos trabalhistas, o descuido com estes integrantes pode acarretar péssimos resultados para a segurança nacional. A integridade e a paz do território brasileiro dependem da boa administração das tropas. Por isso, mantê-las em perfeitas condições de ação é essencial.

 

Referências:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em 04 de maio de 2017
BRASIL. Lei Federal n° 6.880 de 09 de dezembro de 1980. Estatuto dos Militares. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6880.htm> Acesso em 04 de maio de 2017.
BRASIL. Lei Federal n° 3.765, de 04 de maio de 1960. Dispõe sobre as pensões militares. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3765.htm> Acesso em 04 de maio de 2017.
ZAMBITTE, Flávio. Verde Oliva Entrevista, Revista Verde Oliva, Brasília-DF, Centro de Comunicação Social do Exército, ano XLVI, n° 236, abril de 2017, páginas 40 e 41. Disponível em <http://www.eb.mil.br/web/revista-verde-oliva>. Acesso em 08 de maio de 2017.
JANUÁRIO, Wolmer de A.; JANUÁRIO Maria R. de S. Peculiaridades da carreira militar são incompatíveis com a reforma da Previdência. Março de 2017. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2017-mar-31/carreira-militar-incompativel-reforma-previdencia>. Acesso em 08 de maio de 2017.
Notas
[1] Artigo científico apresentado a FAVENI como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Direito Militar.
[2] Proposta de Emenda à Constituição nº 287-A, de 2016, do Poder Executivo, que "altera os arts. 37, 40, 42, 149, 167, 195, 201 e 203 da Constituição, para dispor sobre a seguridade social, estabelece regras de transição e dá outras providências" (PEC287/16).
[3] Estatuto dos Militares.
[4] Constituição Federal de 1988 – Art. 141:
 IV – ao militar são proibidas a sindicalização e a greve; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
V – o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
[5] Dispõe sobre as pensões militares.

Informações Sobre o Autor

Amanda Elisabeth de Faria Correa Grey

Advogada Pós – Graduanda em Direito Militar pelo Instituto Alfa – Faveni e Pós – Graduanda em Direito Penal Política Criminal e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Especialista em Direito Militar


Equipe Âmbito Jurídico

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