Resumo: O artigo trata do processo de desenvolvimento nas áreas em transição (sistemas transicionais, subdesenvolvidos ou emergentes), identificando estratégias possíveis de superação dos obstáculos que impedem a realização de suas aspirações. Para tanto, detém-se sobre a programação do desenvolvimento, sublinhando os atores que, na sua dimensão nacional e internacional, podem contribuir efetivamente para a concretização do processo.
Palavras-chave: Desenvolvimento. Estratégias. Políticas públicas. Democracia participativa. Globalização.
Abstract: The text aims at systematizing the dominant and common traces which can be observed in the transitional systems, especially as far as the societary change and communication atandards and political participation are concerned. In the end, it refers to the theory of participative democracy, based on Brazilian legislation.
Keywords: Societary change. Political change. Political communication. Participative democracy.
1. O desenvolvimento como processo
Os estudos sobre o processo de modernização das sociedades em transição incidem cada vez mais sobre os aspectos políticos que o caracterizam. Isto ocorreu não apenas porque se descobriu que tal processo podia ser objeto de novos enfoques acadêmicos, mas também porque a própria realidade desses países se transformou em assunto eminentemente político.
De modo geral – e em contraponto ao que acreditavam os economistas clássicos – a promoção do desenvolvimento e a modernização da sociedade humana derivaram, progressivamente, de estratégias racionais, elaboradas e aplicadas mediante decisões políticas. Provavelmente, esse aspecto do desenvolvimento foi obscurecido pelo fato de que a evolução do capitalismo foi relativamente espontânea e, também, porque era o único sistema em progressão – pelo menos até o advento do marxismo-leninismo.
Atualmente, esse problema não tem mais relevância, visto que o próprio capitalismo se converteu em um sistema politicamente protegido e no qual a relação estreita entre as esferas política e econômica se tornou bem mais visível. Essa relação é ainda mais evidente ao se contemplar os hoje raros sistemas socialistas, que dependem ainda da planificação centralizada e politicamente dirigida como instrumentos de controle e de orientação do desenvolvimento.
Assim, em razão da intensidade das expectativas, das pressões sociais e do caráter particular que tem assumido ultimamente, o processo de desenvolvimento, nos sistemas emergentes, transformou-se em importante e imediata meta política, para a qual se orienta, positiva ou negativamente, o processo político das áreas envolvidas. A necessidade do desenvolvimento, bem como a de controlar suas conseqüências, contribui decisivamente para determinar as linhas básicas da ação política nessas regiões. Em meio a uma dinâmica social extremamente crítica, com mazelas historicamente crônicas, o desenvolvimento passou a ser visualizado como o principal antídoto contra a insatisfação popular.
Portanto, revela-se insuficiente qualquer compreensão puramente econômica do desenvolvimento. É verdade que pode ser proveitoso o conceito de desenvolvimento econômico, bem como os de desenvolvimento cultural, social ou político, considerados isoladamente. Na medida em que as atividades econômicas, culturais ou políticas são objetivamente destacáveis do conjunto das atividades sociais e se tornam suscetíveis de estudos segundo categorias próprias, do mesmo modo é procedente conceber um processo de desenvolvimento como econômico, social, cultural ou político. Importa, entretanto, ter sempre em mira o que há de expediente metodológico em tais conceituações. Com efeito, todos os subsistemas da sociedade se correlacionam estruturalmente, e se é certo que se desdobram em planos dotados de relativa autonomia – o econômico, o social, o político e o cultural – não é menos certo que apenas por abstração se pode conceber qualquer desses planos à margem da concepção geral do sistema, definido aqui como um todo interdependente. Muito embora o desenvolvimento econômico possa preceder o político e funcionar como suscitador deste último (como aconteceu na Inglaterra nos séculos XVIII e XIX), ou, ao contrário, possa o desenvolvimento político preceder e provocar o econômico (como sucedeu na antiga União Soviética), ocorre sempre uma interdependência estrutural entre os diversos planos do processo histórico-social.
O desenvolvimento, pois, deve ser mensurado como um processo social global. Só por facilidade metodológica, ou em sentido parcial, é que se pode descrever o desenvolvimento como econômico, social, político ou cultural.
2. A programação do desenvolvimento
Em sentido amplo, entende-se por programação do desenvolvimento a técnica de suscitar determinados resultados mediante uma intervenção deliberada no subsistema econômico, fundada no conhecimento racional deste e orientada de conformidade com um plano. Em sentido mais estrito, compreende a aplicação de uma política econômica, em geral do Poder Público, que vise a obter resultados através de planos apropriados.
É certo que a intervenção programadora do Estado não é recente. Contudo, somente a partir da I Grande Guerra se empreenderam esforços conscientes e relativamente eficazes de planejamento, que tiveram origem, fundamentalmente, em três fontes: (a) o socialismo; (b) a política anticíclica, e (c) a programação do desenvolvimento econômico.
Para o socialismo teórico, antes da Revolução Russa, em outubro de 1917, o planejamento, ou, melhor dizendo, a planificação, era uma necessidade decorrente da supressão do livre mercado. Firmou-se, então, a possibilidade abstrata de se atender, com a planificação, as funções que desempenha o mercado nas economias capitalistas.
Com a Grande Depressão, em 1929, a economia capitalista, embora sem necessidade de planejamento para a fixação do valor de seus produtos, passou a dele necessitar para recuperar um padrão apropriado de emprego e disciplinar, de forma extensa, a oferta e a demanda, o investimento e o consumo.
A terceira fonte, vinculada à programação do desenvolvimento para os sistemas transicionais, subdesenvolvidos ou emergentes, teve início com os planos qüinqüenais soviéticos, a partir de 1928. No Ocidente, teve lugar, de modo sistemático, só após a II Grande Guerra. Os países emergentes se deram conta de que a programação do desenvolvimento tinha o mérito de alcançar, por esforço deliberado e racional, resultados melhores do que aqueles advindos da atuação espontânea do mercado ou de condições favoráveis ao crescimento econômico.
Essencialmente, toda programação envolve duas etapas: a da preparação dos planos e a da sua execução. A primeira se subdivide em três momentos: (a) o da análise ou diagnóstico da situação; (b) o da escolha dos objetivos a alcançar no quadro da situação, e (c) o da determinação dos meios necessários para que, em tal situação, sejam alcançados os objetivos eleitos.
A segunda etapa, relativa à execução dos planos, comporta igualmente, embora de maneira nem sempre tão nítida, uma subdivisão em dois momentos: (a) o da implantação dos novos mecanismos legais e administrativos ou das novas entidades públicas ou privadas que permitirão atingir os fins previstos, e (b) o da operação desses mecanismos, com vistas àqueles fins.
Na medida mesma em que a programação é uma técnica de desencadear determinados efeitos no processo histórico-social, o que importa, sobretudo, é sua eficácia. Esta depende, por um lado, de sua validez enquanto plano, e, por outro norte, de sua vigência como norma, isto é, da efetiva observância de seus comandos pelos agentes que deveriam cumpri-lo.
A validez do plano, por seu turno, depende da efetividade de seus três momentos formativos. Quanto aos meios, importa ainda distinguir, dentre eles, aqueles em sentido amplo – que consubstanciam as medidas mediante as quais se pretende alcançar os objetivos previstos (a tal grupo pertencem a política a ser adotada e os projetos a ela inerentes), e aqueles em sentido estrito, que constituem as motivações ou causas em virtude das quais se pretende que sejam concretamente executados a política e os projetos constantes dos planos (a este grupo pertencem os incentivos e os desestímulos, as ordenações e as proibições, através dos quais se visa assegurar a vigência da programação).
Já as condições de vigência de um plano dependem, em seu âmbito interno: (a) de sua validez, quer no tocante à acuracidade da análise da situação, quer no referente à racionalidade dos objetivos, ou em relação à propriedade dos meios, em sentido amplo, adotados para o alcance desses fins, e (b) na adequação aos limites e aos objetivos do sistema de incentivos e desestímulos, de ordenações e proibições, visando a assegurar sua observância. Além disso, tal vigência depende ainda de circunstâncias externas à programação, as quais, em princípio, podem e devem ser levadas em conta pelo plano no diagnóstico da situação, mas que, por hipótese, ultrapassam sua área de condicionamento (é o caso, por exemplo, de fatos imprevistos supervenientes à sua concepção, e que podem decorrer de calamidades públicas, eventos políticos, crises econômicas etc.). A forma pela qual são considerados, ou escolhidos, ou executados, os diversos elementos da programação acima referidos, define as diversas modalidades que ela pode assumir.
Em suma, a programação do desenvolvimento
“é uma técnica de racionalização cuja validez depende da consistência com que se haja analisado a situação, eleitos objetivos compatíveis com a situação e compatíveis entre si, e adotados, para realização desses objetivos, os meios para tal apropriados. Sua vigência, como norma, depende, intrinsecamente, da perduração das circunstâncias externas ao plano por ele assumidas como tal” (JAGUARIBE, 1972, p. 33).
É evidente que está se lidando, aqui, com perspectivas futuras. Mas, como diria Alan Greenspan, o ex-todo poderoso chairman do Federal Reserve Board,
“todos nós temos a capacidade inata de ponderar probabilidades, dom que ajuda a orientar nossas ações em todos os campos da atividade humana, desde assuntos triviais até questões de vida ou morte. Nem sempre acertamos nesses julgamentos, mas eles sem dúvida foram bastante eficazes para permitir a sobrevivência e a multiplicação da espécie humana. Os modernos formuladores de políticas econômicas expressam esse processo decisório em termos matemáticos, mas o fato é que os seres humanos já avaliavam probabilidades muito antes de desenvolverem as equações matemáticas que hoje validam o processo (…). Felizmente para os formuladores de políticas, constata-se certo grau de continuidade histórica na maneira como funcionam as sociedades democráticas e as economias de mercado. Esse encadeamento nos permite remontar ao passado e inferir estabilidades intrinsecamente persistentes que, embora não se revistam da certeza atribuível às leis físicas, mesmo assim oferecem uma janela para o futuro, capaz de proporcionar mais segurança que os resultados aleatórios dos jogos de cara e coroa”.
E, adotando o insight de Winston Churchill, conclui: “Quanto mais se recua na observação do passado, mais se avança no futuro” (2007, p. 450).
Por outro lado, a programação do desenvolvimento tanto se pode fundamentar na idéia de que o desenvolvimento espontâneo é um caso estatisticamente raro ou historicamente irrepetível, como, diversamente, na idéia de que a programação apenas acelera, no sentido do desenvolvimento, os processos que espontaneamente a ele conduziram, embora mais vagarosamente. Essas duas perspectivas correspondem (além de definirem distintas concepções do desenvolvimento), às duas possibilidades com que, em princípio, pode se relacionar a programação ao processo do desenvolvimento: precedência da programação ao processo ou precedência do processo à sua programação.
Jaguaribe (1972, p. 36) cita a Inglaterra e algumas de suas ex-colônias, como os EUA e o Canadá, como exemplos de um processo de desenvolvimento espontâneo (ou quase) que, subseqüentemente, já no século passado e depois de atingidos os mais altos níveis de desenvolvimento econômico e político, foi submetido a deliberada programação, no intuito de acelerar o desenvolvimento social.
De modo inverso, a antiga União Soviética constitui exemplo típico de um desenvolvimento deliberadamente programado, a partir de uma situação preexistente que se caracterizava pela estagnação e pela dissociação entre a nação e os empórios industriais estrangeiros nela estabelecidos.
As questões que se apresentam a esse respeito são as mais diferenciadas, posto que se referem tanto à questão factual de como é possível a programação em uma comunidade “estagnada” ou “involutiva”, como à questão axiológica de como determinar a validez de uma programação para um sociedade não capacitada a formar um consenso sobre seus objetivos.
Nesse sentido, desde logo é possível afirmar que em uma sociedade totalmente estagnada ou involutiva não existem condições para uma programação do desenvolvimento enquanto se mantenha inalterado o equilíbrio de estagnação, ou seja, na medida em que se mantenha inalterado o statu quo. Em tais casos, faz-se necessário que algum novo fator rompa o equilíbrio de estagnação: o contato com outras sociedades, a alteração das relações entre as condições de subsistência e a população, por exemplo. Ademais, o próprio processo involutivo pode gerar alterações ou reações no sistema como um todo.
A programação precede o processo de desenvolvimento nos sistemas em que, no âmbito da prevalecente estagnação ou involução, determinados grupos ou estratos sociais reivindiquem um regime de participação mais favorável e compatível com os interesses fundamentais da sociedade, visualizada em seu conjunto.
Em qualquer sociedade estagnada, o avanço no regime de participação de um grupo ou estrato determinados só pode se realizar, ou através de um processo espoliativo – em detrimento dos demais grupos e estratos e provocando ou acelerando a involução do sistema – ou por deliberado esforço de desenvolvimento, via uma programação apropriada. A primeira solução é limitada: socialmente, ao estrato dirigente; economicamente, às decrescentes possibilidades de espoliação de uma economia involutiva; e, politicamente, pela reação crescente que a espoliação tende a suscitar nas camadas espoliadas. Diversamente, o projeto de desenvolvimento – que é a solução alternativa, tende a conciliar as aspirações de melhoria de determinado estrato com os interesses mais gerais da comunidade.
Em uma sociedade que já se encontra em processo de desenvolvimento econômico, porém, todos os estratos sociais, inclusive o dirigente, tendem, em tese, a melhorar seu regime de participação. A programação, aqui, inclina-se em direção às tendências em marcha, e se apresenta, a priori, como sua aceleração e racionalização. Nesse caso, os problemas mais comuns que aparecem são aqueles atinentes à repartição social dos futuros benefícios e aos sacrifícios alocados a cada estrato no processo de evolução.
No que concerne à determinação antecipada da validez de uma programação, só é viável, em termos incontroversos, se houver um consenso social, isto é, naqueles sistemas já dotados de um grau de desenvolvimento suficiente para permitir um entendimento a respeito de seus objetivos mais relevantes. É claro que se pode determinar a validez de uma programação – ao menos teoricamente – pelo viés de uma análise apropriada, à luz das ciências sociais, das informações estatísticas etc. Tal projeção, todavia, só será concludente para os que a puderem julgá-la em função de seu mérito científico intrínseco, sem nenhum critério objetivo que permita predeterminar sua validade. Assim sendo, em tais casos apenas o decurso do tempo poderá, pelo êxito, confirmar seus acertos.
Por outro prisma, os sistemas transicionais, em regra, somente podem preparar sua programação mediante escolha, por via autoritária, dos objetivos a alcançar e dos meios para tal mais adequados. Quando o processo do desenvolvimento não dispõe de condições hábeis para iniciar-se espontaneamente, apenas a decisão de promovê-lo – por parte do grupo ou estrato social que, de acordo com o que foi observado a esse respeito, lançou-se a esse empreendimento – poderá fundamentar qualquer programação. Desse modo, constitui condição peculiar aos sistemas nos quais a programação precede o processo do desenvolvimento, que tal programação tenha de ser realizada por via autoritária, sendo ainda que a validez do programa não pode ser predeterminada por nenhum critério incontroverso, que independa do entendimento científico dos planos.
Vale salientar, contudo, que a via autoritária acima descrita não é – ou, pelo menos, não deve ser – ilegítima, no sentido pleno do termo, nem despótica. Portanto, deve-se distinguir o autoritarismo na iniciativa da programação e na escolha de seus objetivos (através de um sistema de incentivos e desestímulos), do autoritarismo com relação aos meios, em sentido estrito, para a execução dos planos. O primeiro, como já exposto, é a condição mesma para que se instaure o esforço programado do desenvolvimento em uma sociedade estagnada. O segundo, por sua vez, tem fulcro em severas cominações administrativas e se caracteriza por um esquema amplo de ordenações e proibições. A opção entre os dois sistemas é determinada pela medida em que os objetivos do programa sejam mais ou menos compatíveis com a livre iniciativa dos agentes.
Não há dúvida, deveras, que existe uma certa correlação entre o primeiro e o segundo gêneros de autoritarismo. Não raras vezes as mesmas condições de acentuado subdesenvolvimento que impõem a decisão autoritária de programação exigem – face à disparidade das expectativas suscitadas pela excessiva heterogeneidade dos regimes de participação – graves sanções administrativas para tornar possível a execução dos planos. Acrescente-se, igualmente, que as programações autoritárias, por razões que lhes são inerentes, tendem a superestimar a eficácia das ordenações e proibições como meios lícitos de assegurar a vigência dos planos, em especial porque estas podem ser mais facilmente conduzidas a assegurar vantagens abusivas ou espoliativas ao estrato dirigente do que as programações consensuais.
Resumindo, a programação varia conforme suceda ou preceda ao processo do desenvolvimento: no primeiro caso, objetivando acelerá-lo, pode ser organizado em bases consensuais, tendendo a manifestar-se apreciável coincidência entre os objetivos do plano e a livre iniciativa dos agentes; no segundo, visando a suscitar o processo do desenvolvimento, a programação é imposta por linha autoritária, apoiando-se em severas cominações, visto que a extrema diversidade dos regimes de participação impede a formação de um consenso em torno dos objetivos e prejudica os critérios de determinação, a priori, de sua validez.
Por último, convém considerar brevemente as condições políticas da possibilidade de programação do desenvolvimento nos sistemas transicionais. Seriam condições, externas à validez do plano, que dizem respeito às expectativas do poder público proceder, de forma concreta, à elaboração e à execução da programação. Elas abrangem três ordens de possibilidades: (a) as condições de viabilidade da comunidade politicamente independente se desenvolver como Estado nacional, reduzindo as desigualdades regionais e sociais; (b) as condições de superação da crise social induzida pelo efeito de demonstração (ou seja, aspirações influenciadas e reforçadas pelo exemplo e propaganda das sociedades desenvolvidas); e (c) as condições de superação da crise política, em sentido estrito, decorrente da falta de representatividade no processo de formação e exercício do poder e das conseqüentes incompatibilidades entre esse processo e os fins de determinada programação.
3. Desenvolvimento e participação social
A partir dos elementos acima expostos, é possível deduzir que processo do desenvolvimento está umbilicalmente ligado com um vasto número de forças sociais, econômicas, políticas e culturais. Tais forças, atuando em uma situação complexa de interação, concentram-se no sistema político, que é o núcleo gerador das decisões relativas ao desencadeamento desse processo.
Nos sistemas em transição, a execução dos programas de desenvolvimento exige mudanças de largo alcance nas formas de relacionamento entre as pessoas e entre estas e o Poder Público. O ideal seria que tais mudanças se orientassem no sentido de uma sociedade mais aberta e melhor integrada, na qual todos pudessem opinar não apenas sobre a composição dos governos locais, regionais ou nacionais, mas também em relação às políticas públicas a serem implementadas. Mudanças desse tipo correspondem a um critério mínimo para qualquer estilo de desenvolvimento admissível: o aumento da capacidade da sociedade para funcionar, a longo prazo, em benefício do conjunto de seus membros.
Por outra parte, é preciso compreender que o direito ao desenvolvimento situa-se hoje no contexto dos direitos humanos fundamentais, positivado inclusive na ordem internacional. Exemplo disso é a Resolução 41/128, da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 04 de dezembro de 1986, que aprovou a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, reconhecendo, entre outros fins,
“o desenvolvimento como processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa ao constante incremento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes.”
Da mesma forma, na Declaração e Programa de Ação de Viena, adotada consensualmente, em plenário, pela Conferência Mundial dos Direitos Humanos, em 25 de junho de 1993, afirma-se “o Direito ao Desenvolvimento como um direito universal e inalienável e parte integral dos direitos humanos fundamentais”.
Mais recentemente, na Conferência Internacional sobre o Financiamento para o Desenvolvimento (Monterrey, México, 22 de março de 2002), foi aprovada declaração pretendendo pressionar a comunidade internacional no sentido de mobilizar recursos financeiros gerados pela atividade do comércio mundial para os países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. Adotou-se, no caso, a concepção de que a principal medida compete aos Governos Nacionais, para mobilizarem recursos financiadores do próprio desenvolvimento. Todavia, aquela Assembléia reconhece que os resultados advindos das negociações comerciais multilaterais devem se constituir em reservas promotoras do desenvolvimento (SILVA, 2004, pp. 44-47).
No contexto do Estado brasileiro, o direito ao desenvolvimento é qualificado como objetivo fundamental da República (art. 3º da Constituição Federal). Isso implica na necessária realização de políticas públicas voltadas à efetivação do comando constitucional, visando a garantir um melhor nível de subsistência, um maior equilíbrio na distribuição da renda e condições de vida mais saudáveis, em um ambiente de liberdade, justiça e solidariedade.
Partindo do pressuposto de que o grau de desenvolvimento não deve ser mensurado, apenas, pelas condições materiais de que dispõe uma sociedade para o seu bem-estar, Amartya Sen completa:
“…os fins e os meios do desenvolvimento requerem análise e exame minuciosos para uma compreensão mais plena do processo de desenvolvimento; é sem dúvida inadequado adotar como nosso objetivo básico apenas a maximização da renda ou da riqueza (…). Pela mesma razão, o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. Expandir as liberdades que temos razão para valorizar não só torna nossa vida mais rica e mais desimpedida, mas também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando esse mundo” (2001, p. 29).
Mas é insuficiente definir o direito ao desenvolvimento unicamente pelo seu norte constitucional ou pela legislação correlata. O sistema jurídico brasileiro oferece às instituições a possibilidade da participação popular em torno da implementação e configuração de políticas públicas. É certo que a inclinação da Administração Pública, na atualidade, passa pela adoção de novos métodos de agir,
“baseados na cultura do diálogo e na oitiva das divergências sociais, seguindo a tendência de não mais se afirmar contrapondo-se à atuação da sociedade civil (…). As relações entre a Administração Pública e a sociedade não mais se assemelham à tutela, pois a Administração depende da vitalidade das mediações sociais e do dinamismo dos atores sociais. A Administração, logo, em muitos casos, deve-se postar em posição horizontal, e não vertical, em suas relações com a sociedade. Ao lado dos mecanismos tradicionais de coerção, injunção e do constrangimento, a Administração, em sua relação com a sociedade, passa a utilizar principalmente a orientação, a persuasão, a ajuda” (PEREZ, 2004, pp. 218, 219).
Na concepção de Perez, três fatores básicos fundamentam a adoção pelos ordenamentos jurídicos hodiernos dos institutos de participação popular (audiências e consultas públicas, planejamento e orçamento participativos, ouvidorias, conselhos deliberativos etc.) na Administração Pública: (a) no plano político, a evolução da democracia e as dificuldades enfrentadas pelo modelo liberal-representativo; (b) no plano administrativo, a superação do paradigma weberiano, ou ainda, a emergência de um novo modelo administrativo para fazer face às propaladas crises do Estado de Bem-estar e do próprio Direito Administrativo, conduziram á regulamentação crescente de institutos de participação popular, com vistas voltadas à eficiência do serviço público; à colaboração mútua entre sociedade e Poder Público; à transparência da Administração e, afinal, à busca de consentimento e adesão dos administrados; e (c) no plano institucional, o desenvolvimento de uma conceituação material de Estado de Direito, na qual os institutos de participação popular na Administração Pública devem ser vistos como instrumentos necessários à efetivação dos direitos fundamentais, ou dos direitos humanos, destinando-se ao aperfeiçoamento do controle da Administração Pública (pp. 203,204).
Conclui-se, pois, que decorre hoje da democracia brasileira, tal como estruturada na Constituição de 1988, na legislação correlata e na prática administrativa, um verdadeiro princípio jurídico, o princípio da participação, que passa a ser rotulado como requisito prévio da perfeita concretização da ordem democrática e do desenvolvimento nacional.
4. Desenvolvimento e globalização
A despeito das inevitáveis resistências locais, vimos surgir, nos últimos tempos, a perspectiva de um mundo sem fronteiras. Os arautos dessa perspectiva sublinham, entre as vantagens elencadas, que esse “novo mundo” propiciaria o controle assegurado sobre toda a superfície da terra, especialmente em razão do desenvolvimento das comunicações e do respeito à democracia e aos direitos humanos (ARNAUD, 2007, p. xviii).
Abstraindo o fato de que isso poderia ocultar uma ingerência mais intensa sobre o processo de desenvolvimento das áreas em transição, é preciso reconhecer que não é possível conceber um processo evolutivo, para tais áreas, sem a cooperação internacional.
É justo considerar, ainda, que o direito internacional sofreu uma extraordinária evolução, não se cingindo apenas ao “direito dos Estados”. Trata-se, hoje, de um direito voltado também para a salvaguarda dos direitos humanos, estabelecendo mecanismos próprios de atuação, supervisão e controle, com vistas a assegurar a proteção do ser humano, nos planos nacional e internacional, em toda e qualquer circunstância. Isso transparece na medida em que esse “novo direito” atribui expressamente funções, através dos tratados, aos órgãos públicos nacionais. Ademais, torna-se mais freqüente a absorção, por parte de um número crescente de Constituições contemporâneas, dos direitos consagrados nos tratados de direitos humanos, incorporando-os ao elenco dos direitos garantidos no plano interno. Exemplo disso foi a inclusão na Constituição brasileira, pelo viés da Emenda Constitucional nº 45/2004, do § 3º do art. 5º, no qual se afirma que
“os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
Ora, sendo o direito ao desenvolvimento um direito humano fundamental, é óbvio que deverá haver um esforço, como demonstrado acima, no contexto da comunidade internacional, para sanar os desequilíbrios regionais e procurar restabelecer, na medida do possível, um clima de ordem e harmonia em âmbito global.
Tal esforço implica na necessidade de modificação dos parâmetros que disciplinam o comércio internacional e na rejeição dos velhos hábitos que definiram, historicamente, o processo espoliativo adotado pelas nações desenvolvidas, gerando miséria, desequilíbrios e insatisfações generalizadas.
Nesse sentido, observam Alvin e Heidi Toffler:
“Seria utópico sugerir que poderíamos eliminar totalmente a pobreza material em todos os lugares do planeta. Afinal, a pobreza possui muitas fontes e causas diferentes – desde políticas econômicas estúpidas até mudanças climáticas, epidemias e guerra. No entanto, não é utópico dizer que agora temos, ou estamos em via de desenvolver, ferramentas novas e extremamente poderosas para exterminarmos a pobreza” (2007, p. 377).
5. Considerações finais
O processo do desenvolvimento exige estratégias complexas que busquem, no contexto da cada sistema específico, delimitar os meios e os fins necessários à sua implementação.
De um modo geral, as atuais pautas de mudança nas áreas em transição só de forma parcial e estereotipada correspondem a um quadro ideal de formulações estratégicas efetivas. Na prática, a mobilização de toda a sociedade em torno de problemas fundamentais é transitória e pouco freqüente, havendo em regra uma incompatibilidade das estruturas de poder nacional, regional ou local com a participação autônoma e organizada da população e uma incapacidade das pautas atuais de crescimento econômico e mudança societária (com seus aspectos de desigualdades constantes, exclusão e dependência) para dar lugar a tal participação.
É um fato que as crises crônicas que assolam os sistemas transicionais resultam, em particular, da atitude de não se querer reconhecer que o impulso para o desenvolvimento é de ordem essencialmente política. A noção mesma de desenvolvimento induz sempre uma concepção do homem e da sociedade, resultando, assim, em opções políticas. Sem uma política de desenvolvimento global, que congregue todo um conjunto de medidas em todos os setores e em cada esfera de responsabilidade – do indivíduo à comunidade internacional – não se superará jamais o problema do subdesenvolvimento.
Uma estratégia global de desenvolvimento compreende, portanto, a possibilidade da sociedade existir como um programa de vida coletiva, elaborado através de alternativas políticas resultantes da participação ativa e criadora dos atores, nacionais e internacionais, que compõem a comunidade politicamente organizada.
É preciso evitar, portanto, as programações autoritárias, que, por motivos óbvios, tendem a supervalorizar a eficácia das ordenações e proibições como meios lícitos de assegurar a vigência dos Planos, principalmente porque estas são muito mais facilmente conduzidas a assegurar a manutenção do statu quo do que as programações consensuais.
Dessa forma, é preciso repensar esse processo, considerando as condições políticas de sua programação nas áreas emergentes e possibilitando, assim, a participação autônoma e organizada da sociedade na análise ou diagnóstico em dada situação, na escolha dos objetivos a alcançar no quadro dessa situação e na determinação dos meios necessários para que, em tal situação, sejam alcançados os objetivos eleitos.
Mestre em Direito pela UFSC. Mestre e Doutor de Estado em Ciência Política pela Université des Sciences Sociales de Toulouse (França). Professor Visitante do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Paraíba. Professor titular do UNIPÊ.
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