As funções da administração pública

Resumo: A Constituição da República Federativa do Brasil proclamou em seu preâmbulo a instituição de um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Ressalta-se que pluralista é uma sociedade em que todos os interesses são protegidos. Vale trazer à baila as funções da administração pública, as quais informam todo o direito administrativo direcionando as condutas dos agentes.


Sumário: 1. A evolução do estado. 2. A natureza jurídica do direito administrativo. 3. A administração pública. 4. Sentidos da administração pública. 4.1. Sentido objetivo. 4.2. Sentido subjetivo. 5. A função administrativa. 6. Referências bibliográficas.


1. A EVOLUÇÃO DO ESTADO


ASPECTOS HISTÓRICOS


O Direito Administrativo nasceu no período do Estado liberal. Por isso mesmo, impregnou-se, em parte, do cunho individualista que dominava as varias ciências humanas. Mas, paradoxalmente, o Direito Administrativo trouxe em si traços de autoritarismo, de supremacia sobre o indivíduo, com vistas à consecução de fins de interesse público. Pode-se dizer que o princípio do interesse público se desenvolveu no período do Estado Social de Direito, quando a atuação do Estado cresceu em todos os setores, com o objetivo de corrigir a profunda desigualdade social gerada pelo liberalismo[1].


Garrido Falla observa que, com o crescimento do Estado, os próprios indivíduos passaram a exigir a atuação do poder público, não mais para o exercício só das atividades de segurança, polícia e justiça, como ocorria no período do Estado Liberal de Direito, mas também para a prestação de serviços públicos essenciais ao desenvolvimento da atividade individual, em todos os seus aspectos, pondo fim às injustiças sociais geradas pela aplicação dos princípios incorporados pelo direito civil. Por outro lado, esse novo Estado prestador de serviços trouxe consigo a prerrogativa de limitar o exercício dos direitos individuais em beneficio do bem-estar coletivo, pondo em perigo a própria liberdade individual[2].


O Direito Administrativo nasceu e desenvolveu-se baseado em duas idéias opostas: de um lado, o da proteção aos direitos individuais diante do Estado, que serve de fundamento ao princípio da legalidade, um dos esteios do Estado de Direito; de outro lado, a da necessidade de satisfação de interesses públicos, que conduz à outorga de prerrogativas e privilégios para a Administração Pública, quer para limitar o exercício dos direitos individuais em beneficio do bem-estar coletivo (poder de polícia), quer para a prestação de serviços públicos. Daí a bipolaridade desse ramo do Direito: liberdade do indivíduo e autoridade da Administração; restrições e prerrogativas. Para assegurar-se a liberdade, sujeita-se o Estado à observância da lei; é a aplicação, ao direito público, do princípio da legalidade. Para assegurar-se a autoridade da Administração Pública, necessária à consecução de seus fins, são-lhe outorgadas prerrogativas e privilégios que lhe permitem assegurar a supremacia do interesse público sobre o particular[3].


O princípio da legalidade e o princípio da supremacia do interesse público são os dois princípios básicos do Direito Administrativo. Como leciona Maria Sylvia Zanella di Pietro “esses princípios não permaneceram estáticos no decurso do tempo. Eles acompanharam as transformações do Estado e assumiram nova feição no momento atual. Assim como o princípio da legalidade saiu de sua formula rígida e formalista, própria do Estado legal e chegou a uma fórmula muito mais ampla que se ajusta ao Estado de Direito propriamente dito, também o princípio do interesse público começou como proposição adequada ao Estado liberal, não intervencionista e assume feição diversa para adaptar-se ao Estado social e democrático de Direito, adotado na Constituição de 1988”[4].


A autora citada diz que, com o Estado Social, o interesse público a ser alcançado pelo Direito Administrativo humaniza-se, na medida em que passa a preocupar-se não só com os bens materiais que a liberdade de iniciativa almeja, mas com valores considerados essenciais à existência digna; quer-se liberdade com dignidade, o que se exige maior intervenção do Estado para diminuir as desigualdades sociais e levar a toda coletividade o bem-estar social. O interesse público, considerado sob o aspecto jurídico, reveste-se de um aspecto ideológico e passa a confundir-se com a idéia de bem-comum[5].


Na linha de raciocínio de Luis Roberto Barroso, ao longo do século XX, o Estado percorreu uma trajetória pendular. Começou liberal, com funções mínimas, em uma era de afirmação dos direitos políticos e individuais. Tornou-se social após o primeiro quarto, assumindo encargos na superação das desigualdades e na promoção dos direitos sociais. Na virada do século, estava neoliberal, concentrando-se na atividade de regulação, abdicando da intervenção econômica direta, em um movimento de desjuridicização de determinadas condutas sociais. E assim chegou ao novo século e ao novo milênio[6].


Para o aludido professor, o Estado contemporâneo tem o seu perfil redefinido pela formação de blocos políticos e econômicos, pela perda de densidade do conceito de soberania, pelo aparente esvaziamento do seu poder diante da globalização. Mas não há qualquer sintoma de que esteja em processo de extinção ou de que a ele será reservado um papel secundário. O Estado ainda é a grande instituição do mundo moderno. Mesmo quando se fala em centralidade dos direitos fundamentais, o que está em questão são os deveres de abstenção ou de atuação promocional do Poder Público. Superados os preconceitos liberais, a doutrina publicista reconhece o papel indispensável do Estado na entrega de prestações positivas e na proteção frente à atuação abusiva dos particulares[7].


Conclui Luis Roberto Barroso que o Estado ainda é protagonista na história da humanidade, seja no plano internacional seja no plano doméstico. Sua presença em uma relação jurídica exigirá, como regra geral, um regime jurídico específico, identificado como de direito público. Os agentes do Estado não agem em nome próprio nem para seu auto-desfrute. As condutas praticadas no exercício de competências públicas estão sujeitas a regras e princípios específicos, como o concurso, a licitação, a autorização orçamentária, o dever de prestar contas, a responsabilidade civil objetiva. No espaço público não reinam a livre iniciativa e a autonomia da vontade, estrelas do regime jurídico de direito privado. Acrescenta o autor que em um Estado democrático de direito, não subsiste a dualidade cunhada pelo liberalismo, contrapondo Estado e sociedade. O Estado é formado pela sociedade e deve perseguir os valores que ela aponta. Já não há mais uma linha divisória romântica e irreal separando culpas e virtudes[8].


Maria Coeli Simões Pires aponta as mudanças vertiginosas que se sucedem nas últimas décadas, e que, em grande parte, contribuem para a formação do atual paradigma do Estado Democrático de Direito, são de tal modo variadas e novas, que exigem completa releitura dos métodos de interpretação consagrados pelos paradigmas anteriores. Segundo a professora mineira, este processo torna o Direito contemporâneo, antes de tudo, o Direito da complexidade, que não pode fazer vista cega para as distintas situações a ele submetidas, como, p. ex., o fato de trazer mais perguntas do que respostas; valorizar não apenas textos normativos, mas sua reconstituição, os equivalentes a textos e o contexto, para a mediação de soluções; problematizar axiomas e por em xeque clássicas antinomias[9].Em uma breve síntese relatamos a evolução do Estado, a qual teve uma importante influência na história do Direito no que tange a prevalência do interesse público sobre o interesse privado. Foi justamente essa evolução que permitiu que o interesse público tivesse preferência sobre o interesse privado, uma vez que a sociedade passou a exigir do Estado serviços públicos essenciais a fim de diminuir as injustiças e as desigualdades sociais.


2 – A NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO ADMINISTRATIVO


O Direito é dividido, inicialmente, em Direito Público e Direito Privado. O Direito Público, por sua vez, é subdividido em Interno e Externo.


No entendimento da doutrina majoritária, o Direito Público regula as relações em que o Estado é parte ou mantém interesse preponderante, regendo a sua organização, atuando com supremacia e visando o interesse público. Por outro lado, ao direito privado restam as normas reguladoras das relações mantidas exclusivamente por particulares, caracterizadas pelo interesse privado.


Segundo Hely Lopes Meirelles, o Direito Público Interno visa a regular, precipuamente, os interesses estatais e sociais, cuidando só reflexamente da conduta individual. Reparte-se em Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal ou Criminal, Direito Processual ou Judiciário (Civil e Penal), Direito do Trabalho, Direito Eleitoral, Direito Municipal. Esta subdivisão não é estanque, admitindo o despontar de outros ramos, com o envolver da Ciência Jurídica, que enseja, a cada dia, especialização do Direito e a conseqüente formação de disciplinas autônomas. Segue o autor ensinando que o Direito Público Externo destina-se a reger as relações entre os Estado Soberanos e as atividades individuais no plano internacional. Já o Direito Privado tutela predominantemente os interesses individuais, de modo a assegurar a coexistência das pessoas em sociedade e a fruição de seus bens, quer nas relações de indivíduo a indivíduo, quer nas relações do indivíduo com o Estado.


Diante disso, podemos identificar o Direito Administrativo como um dos ramos do Direito Público Interno.


Seguindo esse pensamento, expõe José Cretella Júnior que, desde Ulpiano, o direito é dividido em dois campos: o campo do direito público e o campo do direito privado. O Direito Civil, por exemplo, estudas as relações horizontais entre particulares. O Direito Administrativo, por sua vez, ao lado do direito constitucional, na ala do direito público, estuda as relações verticais, entre a Administração e os administrados, informado por princípios publicísticos, “exorbitantes” e “derrogatórios” do direito comum. Assim sendo, o direito administrativo é incluído por todos os juristas, sem exceção, na ala do direito público, fundamentando-se os que assim procedem em dois critérios principais, o do interesse predominante e o do sujeito participante da relação jurídica. Diante disso, por qualquer um dos dois critérios eleitos, a conclusão é uma só – o direito administrativo é ramo inequívoco do direito público[10].No dizer de Diógenes Gasparini, o Direito, como um conjunto de normas de conduta humana, imposta coativamente pelo Estado, constitui uma unidade indivisível, maciça, monolítica. Embora seja assim, desde os romanos, é dividido em Público e Privado. O Direito Público regula as relações jurídicas em que predomina o interesse do Estado, enquanto o Direito Privado disciplina as relações jurídicas em que prevalece o interesse dos particulares. É o critério de interesse que, no caso, aparta esses ramos do Direito[11].


Assevera que o Direito Administrativo, quanto a ser ou não parte do Direito Público, não oferece nenhuma preocupação ou dúvida. É porção desse ramo sob qualquer dos dois principais critérios acolhidos pela doutrina para distinguir os esgalhos em que se fraciona o Direito, ou seja, o do interesse público e o do sujeito da relação jurídica com prerrogativas de autoridade. O interesse público informa todo o sistema jurídico-administrativo estando presente em toda e qualquer de suas regras ou relação jurídica por ele presidida, a exemplo da expropriação. Também atende ao segundo critério, uma vez que, pelo menos em um dos pólos da relação jurídica disciplinada por ele está a Administração Pública atuando nessa qualidade, isto é, com privilégios estatais, como ocorre com a requisição de bens dos particulares durante um estado declarado de calamidade pública. Sendo a Administração Pública parte dessa relação jurídica assim prestigiada, é evidente que tais relações, regidas pelo Direito Administrativo, integram o Direito Público[12].


Na concepção de José Cretella Júnior, o Direito Administrativo é o ramo peculiar à Administração. É o ramo peculiar à Administração Pública. É o ramo do direito público concernente às atividades das pessoas jurídicas públicas, quando objetivam interesses públicos. Ou então, já que as pessoas jurídicas públicas desempenham função relevante no Estado moderno, diríamos o seguinte: Direito administrativo é o conjunto dos princípios e regras jurídicas referentes à ação das pessoas jurídicas públicas[13].


Para Hely Lopes Meirelles o Direito Administrativo Brasileiro sintetiza-se no conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta ou imediatamente os fins desejados pelo Estado.


Quanto ao Direito Administrativo moderno, adverte Maria Coeli Simões Pires, para a impossibilidade de vê-lo “como amalgama de normas coercitivas que apenas visam regular os poderes do Estado sobre o particular, criando para o primeiro uma série de vantagens e prerrogativas desproporcionais”. Afinal, coloca-se em xeque a índole conservadora, delineando-se nova matriz paradigmática sob as luzes do Estado Democrático de Direito. Sob esta nova matriz, o Direito Administrativo ressemantiza a noção de interesse público e de discricionariedade, invoca a inclusão do cidadão e da sociedade nos processos decisórios, deixando-se permear pelas máximas jurídicas da igualdade e reduzindo-se imperatividade, para assentar a consensualidade como o patamar do sistema administrativo[14].


Registra a aludia autora que as transformações experimentadas pela sociedade ocidental nas últimas décadas do século XX, que trouxeram conceitos como interesse público, segurança jurídica compartilhada e direitos adquiridos para a realidade administrativa, “mostram a imprestabilidade de certos conceitos e práticas relacionadas com instituições políticas e administrativas apropriados pelo discurso e pela retórica do autoritarismo, projetando, a partir da nova dimensão do Estado-Administrador, um Direito Administrativo humanizado”. Este novo Direito Administrativo leva a sério a juridicidade que, por sua vez, assenta-se em diferentes princípios, em especial na máxima da dignidade da pessoa humana, como ponto de partida e de chegada para a redefinição da idéia fundante de interesse público[15].


Em suma, o Direito Administrativo é um ramo do Direito Público, que visa atender os interesses sociais. Ademais é um ramo dotado de autonomia, e como o Direito é uma ciência, é importante distinguirmos princípios de normas. Além disso, normas e princípios exercem um papel fundamental na formação político-administrativa, por isso merece ser tratado em capítulo diverso.


3 – A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Insta salientar que “Administrar” é quando um bem é colocado sob a posse de uma determinada pessoa a fim de que ela zele e cuide daquele bem posto sob a sua tutela e competência. Assim, acontece com a Administração Pública, tendo em vista que os bens de propriedade da coletividade são colocados sob a sua guarda para que ela exercite todas as faculdades de que necessita para o implemento da sua função, como dirigir, governar, prestar serviços para atingir um resultado positivo e executá-los.


Administração Pública na concepção de José Afonso da Silva é “o conjunto de meios institucionais, financeiros e humanos preordenados à execução das decisões políticas. Essa é uma noção simples de Administração Pública que destaca, em primeiro lugar, que é subordinada ao Poder político; em segundo lugar, que é meio e, portanto, algo de que serve para atingir fins definidos e, em terceiro lugar, denota os seus dois aspectos: um conjunto de órgãos a serviço do Poder político e as operações, as atividades administrativas”[16]. Hely Lopes Meirelles assinala que, numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. A Administração não pratica atos de governo; pratica, tão-somente, atos de execução, com maior ou menor autonomia funcional, segundo a competência do órgão e seus agentes[17].


Conceitua o autor que “em sentido lato, administrar é gerir interesses, segundo, a lei, a moral e a finalidade dos bens entregues à guarda e conservação alheias. Se os bens e interesses geridos são individuais, realiza-se administração pública. Administração pública, portanto, é a gestão de bens e interesses qualificados da comunidade no âmbito federal, estadual ou municipal, segundo preceitos do Direito e da Moral, visando o bem comum. Continua ensinando que no Direito Público – do qual o Direito Administrativo é um dos ramos – a locução Administração Pública tanto designa pessoas e órgãos governamentais como a atividade administrativa em si mesma. Assim sendo, pode-se falar de administração pública aludindo-se aos instrumentos de governo como à gestão mesma dos interesses da coletividade. Ademais adverte o autor, em nota de rodapé, que sempre que a expressão Administração Pública for escrita com maiúsculas está se referindo a pessoas e órgãos administrativos, e a expressão com letras minúsculas – administração pública – esta se referindo à atividade administrativa em si mesma[18].


Vistos os conceitos dados pelos doutrinadores administrativistas, cumpre agora analisar os aspectos objetivo e subjetivo do termo “administração pública” para a construção de um conceito com contornos mais definidos.


4 – SENTIDOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


A Administração Pública pode ser entendida em dois sentidos: objetivo e subjetivo.


4.1 – SENTIDO OBJETIVO


Consoante José dos Santos Carvalho Filho, “o verbo administrar indica gerir, zelar, enfim uma ação dinâmica de supervisão. O adjetivo pública pode significar não só algo ligado ao Poder Público, como também a coletividade ou ao público em geral. O sentido objetivo, pois, da expressão, deve consistir na própria atividade administrativa exercida pelo Estado por seus órgãos e agentes, caracterizando, enfim, a função administrativa”[19] “Trata-se da própria gestão dos interesses públicos executada pelo Estado, seja através da prestação de serviços públicos, seja por sua organização interna, ou ainda pela intervenção no campo privado, algumas vezes até de forma restritiva (poder de polícia). Seja qual for a hipótese da administração da coisa pública, é inafastável a conclusão de que a destinatária última dessa gestão há de ser a própria sociedade, ainda que a atividade beneficie, de forma imediata, o Estado. É que não se pode conceber o destino da função pública que não seja voltado aos indivíduos, com vistas a sua proteção, segurança e bem-estar. Essa é a administração pública, no sentido objetivo”[20].


No dizer de Alexandre de Moraes, a administração pública pode ser definida objetivamente como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos[21]. Já Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que a Administração Pública no “sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo”[22].


Nota-se que, como retro alinhavado, a função da administração pública ao zelar e cuidar dos bens da coletividade é chamada de função administrativa.


Diante dessas colocações, sob o aspecto material, quais são as atividades exercidas pela administração pública? As principais atividades administrativas são:


1- Serviço público: é uma das atividades mais protegidas no Direito Administrativo. Onde houver serviço público o Direito Administrativo é bastante cuidadoso para que a prestação desse serviço chegue ao corpo social com qualidade e sem falhas. O serviço público está previsto no artigo 175 da Constituição Federal de 1988, que reza o seguinte: “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Importa ressaltar que a titularidade do serviço público pertence sempre à Administração Pública Direta ou Indireta, sendo que o particular pode ser mero prestador dessa atividade. Um exemplo clássico de serviço público é a distribuição de energia elétrica e água.


2 – Poder de polícia: é o poder de fiscalização da Administração. Quem cria obrigações para o particular é a lei e quem cria a lei é o legislador. Assim a lei impõe obrigações para o particular e cabe à Administração fiscalizar se estes particulares estão cumprindo a lei. Conforme o artigo 5º, inciso II da CF/88 “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Exemplo: polícia sanitária fiscaliza o cumprimento das leis sanitárias, que regulamentam as atividades de restaurantes, bares e farmácias, protegendo a saúde e a segurança dos consumidores.


3 – Fomento: consiste no incentivo que a Administração faz a particulares especiais visando um bem comum. Está diretamente ligado ao terceiro setor, que são particulares especiais, os quais buscam interesses públicos, e por esse motivo são incentivados pela Administração a continuarem exercendo essas atividades. Exemplo: organizações sociais que buscam interesses sociais sem fins lucrativos.


4 – Intervenção no domínio econômico: é aquela atividade em que a Administração atua por meios diretos e indiretos no mercado capitalista. A Administração vai regulamentar esse mercado, apenas no caso de ser verificado relevante interesse coletivo ou algum fator ligado à segurança nacional. Essa intervenção está prevista no artigo 173 da CF/88, que dispõe: “ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.


5 – Gestão de bens públicos: atividade de cuidar para que a utilização do bem público esteja em conformidade ao interesse social a que deve servir.


6 – Intervenção no direito de propriedade do particular: o direito de propriedade esta assegurado pelo artigo 5º, XXII da CF/88 e consiste num direito e garantia fundamental. No entanto, esse direito não é absoluto sofrendo, por sua vez, diversos condicionamentos e limitações advindas dessa atividade administrativa. São institutos que permitem a incidência administrativa sobre o exercício do direito de propriedade: a desapropriação, o tombamento, a requisição administrativa, a limitação administrativa, a ocupação temporária e a servidão administrativa.


4.2 – SENTIDO SUBJETIVO


No que diz respeito ao sentido subjetivo da administração pública, José dos Santos Carvalho Filho sustenta que “a expressão pode também significar o conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas que tenham a incumbência de executar as atividades administrativas. Toma-se aqui em consideração o sujeito da função administrativa, ou seja, quem a exerce de fato. Para diferenciar este sentido da noção anterior, deve a expressão conter as iniciais maiúsculas: Administração Pública”[23].


Segundo o doutrinador “os órgãos e agentes a que nos temos referido integram as entidades estatais, ou seja, aquelas que compõem o sistema federativo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Entretanto, existem algumas pessoas jurídicas incumbidas por elas da execução da função administrativa. Tais pessoas também se incluem no sentido de Administração. São elas as autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações públicas. No primeiro caso temos a Administração Direta, responsável pelo desempenho das atividades administrativas de forma centralizada; no segundo se forma a Administração Indireta, exercendo as entidades integrantes a função administrativa descentralizadamente”[24].


Neste sentido, define Maria Sylvia Zanella Di Pietro que a Administração Pública “no sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa”[25].


Para Alexandre de Moraes, a Administração Pública pode ser definida subjetivamente como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado.


Desse modo quem pode ser chamado de Administração Pública no aspecto subjetivo? Podemos chamar de Administração Pública todas as pessoas físicas, jurídicas e órgãos públicos que exercerem atividade administrativa, estejam em qualquer Poder da República e em qualquer esfera federativa (federal, estadual, distrital ou municipal).


Portanto, pode-se concluir que, da união dos aspectos objetivo e subjetivo, a Administração Pública pode ser conceituada no seu sentido estrito como sendo todas as pessoas físicas, jurídicas e órgãos públicos de todos os Poderes de República em qualquer esfera federativa (federal, estadual, distrital e municipal) que exerçam qualquer uma das atividades administrativas visando a satisfação das necessidades coletivas e segundo os fins desejados pelo Estado.


Entendido o conceito do termo Administração Pública, bem como, os seus sentidos objetivo e subjetivo, passamos agora a entender o termo função administrativa.


5 – A FUNÇÃO ADMINISTRATIVA


No Estado Democrático de Direito, a função administrativa é a atividade desempenhada pelas pessoas estatais, sujeitas a controle jurisdicional, no fiel cumprimento do dever de alcançar o interesse público. Essa função é marcada pela conjugação de dois princípios caracterizadores do regime jurídico administrativo, quais sejam: o princípio da supremacia do interesse público e o princípio da indisponibilidade do interesse público.


O princípio da prevalência do interesse público sobre o interesse particular assegura a quem exerce a competência administrativa uma posição de privilégio e supremacia a fim de que as necessidades sociais sejam alcançadas e, desse modo, a finalidade pública seja cumprida.


O princípio da indisponibilidade do interesse público pelo titular de competência administrativa determina a subordinação da atividade administrativa aos princípios jurídicos que vinculam à concretização do interesse público. Isto quer dizer que os órgãos e entidades estatais são meros instrumentos da realização da função administrativa, cujo exercício é destinado ao benefício social. Assim sendo, como a Administração não titulariza os interesses públicos primários, podemos afirmar que tais interesses são indisponíveis pelas pessoais estatais cabendo as mesmas, na sua gestão, protegê-los.


Importa registrar que o conceito de função administrativa tem sido matéria de grande dificuldade para os doutrinadores, tendo em vista a extensão e a heterogeneidade do tema. Para o autor Marçal Justen Filho “a função administrativa compreende atividades de fornecimento de utilidades materiais de interesse coletivo (coleta de lixo, por exemplo), mas também abrange atuação de cunho jurídico, imaterial (regulamentação de poluição sonora, por exemplo). Como se não bastasse, compreende a decisão de litígios, inclusive entre particulares (disputas quanto a competição desleal, levada à apreciação do CADE)”[26].


Elucidando melhor essa idéia defende esse doutrinador que “a função administrativa é o conjunto de poderes jurídicos destinados a promover a satisfação de interesses essenciais, relacionados com a promoção de direitos fundamentais, cujo desempenho exige uma organização estatal e permanente e que se faz sob o regime jurídico infralegal e submetido ao controle jurisdicional”[27].José dos Santos Carvalho Filho também entende que não constitui matéria muito fácil delinear os contornos do que se considera função administrativa. Os doutrinadores têm divergido sobre o tema. No entanto, os autores se têm validado de critérios de três ordens para a identificação da função administrativa: 1) subjetivo (ou orgânico), que dá realce ao sujeito ou agente da função; 2) objetivo material, pelo qual se examina o conteúdo da atividade; e 3) objetivo formal, que explica a função pelo regime jurídico em que se situa a sua disciplina.


Sustenta o citado jurista que nenhum critério é suficiente, se tomado isoladamente. Devem eles combinar-se para suscitar o preciso contorno da função administrativa. A função administrativa, na prática, tem sido considerada de caráter residual, sendo, pois, aquela que não representa a formulação da regra legal nem a composição de lides in concreto. Mais tecnicamente pode dizer-se que função administrativa é aquela exercida pelo Estado ou por seus delegados, subjacentemente à ordem constitucional e legal, sob regime de direito público, com vistas a alcançar os fins colimados pela ordem jurídica[28].


“Enquanto o ponto central da função legislativa consiste na criação do direito novo (ius novum) e o da função jurisdicional descansa na composição de litígios, na função administrativa o grande alvo é, de fato, a gestão dos interesses coletivos na sua mais variada dimensão, conseqüência das numerosas tarefas a que se deve propor o Estado moderno”. Desse modo conclui o autor que “constituem função materialmente administrativa atividades desenvolvidas no Poder Judiciário, de que são exemplos decisões em processos de jurisdição voluntária e o poder de polícia do juiz nas audiências, ou no Poder Legislativo, como as denominadas ‘leis de efeitos concretos’, atos legislativos que, ao invés de traçarem normas gerais e abstratas, interferem na órbita jurídica de pessoas determinadas, como, por exemplo, a lei que concede pensão vitalícia à viúva de ex-presidente. Em relação a elas a idéia é sempre residual: onde não há criação de direito novo ou solução de conflitos de interesses na via própria (judicial), a função exercida, sob o aspecto material, é a administrativa”.


Celso Antônio Bandeira de Mello nos ensina que “função administrativa é a função que o Estado, ou quem lhe faça às vezes, exerce na intimidade de uma estrutura e regime hierárquico e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser desempenhada mediante comportamento infralegais ou, excepcionalmente, infraconstitucionais, submissos todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário[29].


Contudo quem melhor discorreu sobre o tema foi Hely Lopes Meirelles ao definir que “a natureza da administração pública é a de um múnus público para quem a exerce, isto é, a de um encargo de defesa, conservação e aprimoramento dos bens, serviços e interesses da coletividade. Como tal, impõe-se ao administrador público a obrigação de cumprir fielmente os preceitos do Direito e da Moral administrativa que regem a sua atuação. Ao ser investido em função ou cargo público, todo agente do poder assume para com a coletividade o compromisso de bem servi-la, porque outro não é o desejo do povo, como legítimo destinatário dos bens, serviços e interesses administrados pelo Estado”[30].


Neste sentido o nosso ilustre jurista enfatiza que os fins da administração pública resumem-se num único objetivo: o bem comum da coletividade administrada. Toda atividade do administrador público deve ser orientada para esse objetivo. Se dele o administrador se afasta ou desvia, trai o mandato de que está investido, porque a comunidade não institui a Administração senão como meio de atingir o bem-estar social. Ilícito e imoral será todo o ato administrativo que não for praticado no interesse da coletividade[31].


Assim, a defesa do interesse público corresponde ao próprio fim do Estado. O Estado tem o dever de defender os interesses da coletividade a fim de favorecer o bem-estar social.


Portanto, negar a existência dos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público é negar o papel do Estado que tem com uma das suas funções a preservação de tais princípios.


 


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Notas:

[1] PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. O princípio da supremacia do interesse público: sobrevivência diante dos ideais do neoliberalismo. Revista Jam – Jurídica. Ano XIII, nº 9, setembro, 2008. p. 37

[2] FALLA, Garrido. Las transforma-ciones Del regimen administrativo. Instituto de Estúdios Políticos, Madri, 1962, p. 24-28 APUD PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. O princípio da supremacia do interesse público: sobrevivência diante dos ideais do neoliberalismo. Revista Jam – Jurídica. Ano XIII, nº 9, setembro, 2008. p. 37.

[3] PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. O princípio da supremacia do interesse público: sobrevivência diante dos ideais do neoliberalismo. Revista Jam – Jurídica. Ano XIII, nº 9, setembro, 2008. p. 38.

[4] PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. O princípio da supremacia do interesse público: sobrevivência diante dos ideais do neoliberalismo. Revista Jam – Jurídica. Ano XIII, nº 9, setembro, 2008. p. 38)

[5] IDEM Maria sylvia

[6] BARROSO, Luis Roberto. Prefacio à obra Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. 2º tiragem. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2007. p. ix-x.

[7] BARROSO, Luis Roberto. Prefacio à obra Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. 2º tiragem. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2007. p. ix-x.

[8] BARROSO, Luis Roberto. Prefacio à obra Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. 2º tiragem. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2007. p. x.

[9] PIRES, Maria Coeli Simões. Direito adquirido e ordem pública: segurança jurídica e transformação democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 593.

[10] JÚNIOR, José Cretella. Manual de Direito Administrativo. 7ª edição. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2005. P. 3-5

[11] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11º edição. Editora Saraiva. São Paulo, 2006. p. 01

[12] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11º edição. Editora Saraiva. São Paulo, 2006. p. 02

[13] JÚNIOR, José Cretella. Manual de Direito Administrativo. 7ª edição. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2005. P. 12-13.

[14]PIRES, Maria Coeli Simões. Direito adquirido e ordem pública: segurança jurídica e transformação democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 619-621.

[15] PIRES, Maria Coeli Simões. Direito adquirido e ordem pública: segurança jurídica e transformação democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 623-630.

[16] JOSÉ, Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28º edição. Editora Malheiros. São Paulo, 2007. P. 655.

[17] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Editora Malheiros. 32º edição. São Paulo, 2006. p. 64-65.

[18] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Editora Malheiros. 32º edição. São Paulo, 2006. p. 84

[19] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 15º edição. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2006. pag. 9.

[20] JOSÉ, Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28º edição. Editora Malheiros. São Paulo, 2007. P. 9

[21] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19º edição. Editora Atlas. São Paulo, 2006. p. 295.

[22] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19º edição. Editora Atlas. São Paulo, 2006. p. 54.

[23] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 15º edição. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2006. Pag. 9-10.

[24] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 15º edição. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2006. Pag.10.

[25] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 15º edição. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2006. Pag.54.

[26] FILHO, Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo. Editora Saraiva. São Paulo, 2005. p. 28.

[27] FILHO, Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo. Editora Saraiva. São Paulo, 2005. p. 28.

[28] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 15º edição. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2006, pag.54

[29] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19º edição. Editora Malheiros. São Paulo, 2005, pag. 36.

[30] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Editora Malheiros. 32º edição. São Paulo, 2006. p. 85-86.

[31] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Editora Malheiros. 32º edição. São Paulo, 2006. p. 86.

Informações Sobre o Autor

Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas

Professora de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais e Faculdades Del Rey – UNIESP. Doutoranda e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.


Equipe Âmbito Jurídico

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