Resumo: O presente trabalho trata das legislações de combate ao crime de lavagem de dinheiro. Frente à análise destas, evidenciam-se três gerações de leis. Através do exame sucinto das referidas gerações e das legislações de países como Suíça, Argentina, México, França, Portugal, Espanha e Estados Unidos, concluímos ser a terceira geração mais efetiva no combate à lavagem de dinheiro, em razão da não limitação de um rol de crimes antecedentes. No Brasil, a lavagem de dinheiro está prevista na Lei 9.613/98, diploma que comporta diversas críticas, entre elas a abordada no estudo em tela, qual seja a taxatividades do rol de delitos antecedentes, conforme a segunda geração de leis. Assim é defendido o Projeto de Lei nº. 3.443/2008, que adota a terceira geração de leis, sem listar um rol prévio de crimes precedentes. Esta seria uma das medidas aptas a modificar a situação atual no Brasil, onde a criminalização da lavagem ainda é reduzida frente aos casos presentes em nosso país.
Palavras-chave: Lavagem de dinheiro. Crimes antecedentes. Rol taxativo. Lei 9.613/98. PL nº. 3.443/2008.
Sumário: Introdução. 1. As gerações de leis de combate à lavagem de dinheiro. 2. O panorama atual da legislação brasileira e o Projeto de Lei nº 3443/2008. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente artigo trata das legislações de combate ao crime de lavagem de dinheiro. Frente à análise destas, são evidenciadas três gerações de leis.
A primeira geração considera exclusivamente como crime antecedente o tráfico ilícito de entorpecentes e afins. Já a segunda alarga o rol de crimes antecedentes, mas mantém um rol taxativo. E terceira geração retira a taxatividade deste rol.
No Brasil, a lavagem de dinheiro está prevista na Lei 9.613/98, que adotou a segunda geração de leis. Por isso, é apresentada crítica a este diploma, pois entende-se que a segunda geração de leis configurada na taxatividade de crimes antecedentes, não é a melhor forma de combate. Nesse mesmo sentido é o Projeto de Lei nº. 3.443/2008, que adota a terceira geração de leis.
1 As Gerações de leis de combate à lavagem de dinheiro
Tradicionalmente, define-se a lavagem de dinheiro como um conjunto de operações por meio das quais os bens, direitos e valores obtidos com a prática de crimes são integrados ao sistema econômico financeiro, com a aparência de terem sido obtidos de maneira lícita. É uma forma de mascaramento da obtenção ilícita de capitais.
Assim, o crime antecedente é uma elementar do tipo no crime de lavagem de dinheiro. Portanto, a lavagem de dinheiro depende de um crime antecedente, sem o qual não se configura.
Frente à análise das legislações de combate à lavagem de dinheiro, evidenciam-se três gerações de leis, que serão abaixo examinadas juntamente com breve comentário com relação às legislações estrangeiras referentes a cada uma delas.
Inicialmente havia a preocupação – em especial dos Estados Unidos da América – com a penalização das condutas que maquilavam a origem das quantias obtidas com o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, o que impulsionou a criação dos primeiros diplomas legais sobre o delito de lavagem de dinheiro.
Neste contexto, quando os traficantes eram “pioneiros na delinquência transnacional”, surge a primeira geração de leis – ou sistema único -, que considera exclusivamente como crime antecedente o tráfico ilícito de entorpecentes e afins.
Em seguida, passou-se a preconizar a necessidade da punição da lavagem de dinheiro obtido com infrações penais de relevância significativa, que não somente o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes. Então, com edição de diplomas alargando o rol de crimes precedentes – contudo mantendo um rol taxativo -, surge a segunda geração de leis – ou sistema parcial -, são exemplos as legislações vigentes na Espanha, Portugal e Brasil.
O Código Penal da Espanha faz referência expressa à lavagem de dinheiro no §261, e a sua frase 2 traz um rol taxativo de crimes antecedentes, entre os quais estão os delitos contra o patrimônio e contra a ordem socioeconômica, bem como os crimes praticados através de organização criminosa.
Portugal possui uma legislação mais atual. A Lei nº 11/2004 incluiu vários artigos no Código Penal português no que tange à lavagem de dinheiro[1]. Entretanto, mesmo que bem amplo, o rol de crimes antecedentes permanece taxativo, sendo que foram introduzidos neste, entre outros, a prática de lenocínio, o abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, o tráfico de armas, o tráfico de órgãos ou tecidos humanos, o tráfico de espécies protegidas e a corrupção.
Posteriormente, de acordo com valiosa lição de Gerson Godinho Costa[2], os sucessivos avanços científicos evidenciaram que a criminalização da lavagem de dinheiro impunha-se não só como meio ou instrumento de prevenção e repressão de determinados ilícitos penais, porém, como conduta por si só de especial gravidade, que estaria a reclamar punição independentemente da relevância do bem jurídico atingido pelo delito antecedente. Isto é, a própria conduta de lavagem apresenta significativa perniciosidade social que demanda especial atenção estatal, sobejando evidenciada a necessidade de intervenção penal sempre que se estiver tratando de produtos de ilícitos penais de qualquer espécie.
Surge assim a terceira geração de leis – ou sistema total -, de forma que qualquer crime grave pode ser configurado como delito antecedente do crime de lavagem de dinheiro. É o exemplo das legislações de países como França, Suíça, Argentina e México.
O Código Penal da França dispõe sobre lavagem de dinheiro em seus artigos 324-1[3] e seguintes. Pune, por qualquer meio, falsa justificação da origem dos bens ou rendimentos do autor de um crime ou delito que tenha tentado se beneficiar direta ou indiretamente; bem como o fato de contribuir para uma operação de investimento de ocultação ou conversão do produto direto ou indireto de um crime.
Na Suíça, o delito está previsto nos artigos 305-bis e 305-ter do Código Penal. Por ser um dos principais centros de lavagem de dinheiro do mundo, adotou de início uma criminalização em âmbito genérico, para todo e qualquer delito grave, e, além disso, a Suíça possui imediatamente o poder de prestar cooperação judiciária internacional sobre essas infrações. Apesar de o país adotar uma das mais rígidas leis no combate à lavagem de dinheiro, ainda surgem casos do delito.
Já na Argentina, a matéria está regulada nos artigos 277 e seguintes do Código Penal.
No México, o Código Penal trata da lavagem de dinheiro no seu Título Vigésimo Terceiro[4]. A legislação mexicana pune com pena de cinco a quinze anos qualquer agente que, por si mesmo ou por interposta pessoa, adquira, administre, custodie, intermedeie, deposite, dê em garantia, transporte, transfira, dentro do território mexicano ou no estrangeiro, recursos, direitos ou bens de qualquer natureza, com conhecimento de que procedem ou representam o produto de uma atividade ilícita, com o propósito de ocultar ou pretender ocultar, encobrir ou impedir o conhecimento da origem, localização, destino e propriedade destes recursos, direitos ou bens.
O sistema norte-americano merece especial atenção, já que os Estados Unidos foram os precursores na incriminação da lavagem de dinheiro, além de ser um dos países mais engajados na luta contra a lavagem de dinheiro.
A experiência americana tem demonstrado que existem certas regras essenciais para a efetivação dos programas de combate à lavagem de dinheiro, “denominando-as de os dez mandamentos para assegurar um programa efetivo contra a lavagem de dinheiro.” Quais sejam: tornar a lavagem de dinheiro um crime; estabelecer obrigações sobre as instituições financeiras ou outros facilitadores potenciais de lavagem de dinheiro; desenvolver o conhecimento (perícia) governamental; criar uma Unidade de Informação Financeira; analisar abordagens governamentais distribuídas por categorias; desenvolver sistemas que garantam troca de informações imediatas e acuradas; criar leis e procedimentos que permitam o congelamento, apreensão e confisco de bens de origem criminal; reconhecer que uma “onça” (miligrama) de prevenção vale uma “libra” (quilograma) de repressão; estar disposto a aprender com as experiências dos outros; e adaptar, ajustar e examinar[5].
O país se preocupa diariamente com a falta de preparo dos seus aliados internacionais para aplicação das técnicas de combate à lavagem de dinheiro[6], pois, sem esta colaboração, a efetividade do combate à lavagem, delito transnacional, certamente restará prejudicada.
Atualmente foi editada uma nova lei, a USA PATRIOT AT, que foi aprovada em outubro de 2001, para detectar e punir a lavagem de dinheiro realizada por indivíduos e instituições financeiras estrangeiras por intermédio das instituições financeiras americanas. A lei concede mais poderes ao Secretário do Tesouro e ao Secretário de Justiça para desbaratar a lavagem de dinheiro e o financiamento de grupos terroristas.
Seguem as palavras do Senador americano Carl Levin, de Michigan[7], em declaração pronunciada, em 04 de outubro de 2001, na solenidade de aprovação da Lei USA PATRIOT: “Os terroristas estão usando nossas próprias instituições financeiras contra nós, o que demonstra a necessidade de compreender nossas vulnerabilidades e tomar novas medidas para evitar abusos semelhantes no futuro”. O Senador ainda destacou: “fechar o canal de dinheiro é necessário para parar a criatividade das novas atividades terroristas”[8].
2 o panorama atual da legislação brasileira e o Projeto de Lei nº 3443/2008
No Brasil, foi aprovada a Lei nº 9.613 em 03 de março de 1998. Referida lei traz na ementa:
“Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências.”
Em razão de a referida lei ter sido aprovada somente em 1998, seus resultados estão sendo obtidos mais tardiamente, sendo que somente nos últimos anos se passou a verificar, em nosso dia a dia, as iniciativas e trabalhos previstos na Lei 9.613/98. De acordo com a reportagem de Humberto Trezzi, publicada na edição do dia 06 de junho de 2010 do Jornal Zero Hora, atualmente tramitam 76 processos por lavagem de dinheiro na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, 20 vezes mais do que no ano de 2001, quando tramitavam apenas três ações judiciais desse tipo. No âmbito da Justiça Federal, há o registro de nove processos por lavagem de dinheiro no ano passado, o dobro registrado em 2003, ano em que foi criada a única vara federal especializada neste tipo de delito no Estado do Rio Grande do Sul.
De acordo com a Exposição de Motivos do diploma em tela – EM n.º 692/MJ –, na sua elaboração houve a influência da Convenção de Viena, do Regulamento Modelo sobre Delitos de Lavagem Relacionados com o Tráfico Ilícito de Drogas e Delitos Conexos elaborado pela CICAD e da reunião da Cúpula das Américas realizada no âmbito da OEA em Miami.
Ocorre que, apesar de haver menção à terceira geração de leis na EM n.º 692/MJ- inclusive com a menção de países como Bélgica, França, Itália, México e Suíça -, optou-se por adotar a segunda geração, isto é, pela taxatividade de crimes antecedentes à lavagem de dinheiro. Nesse ponto, a Lei 9.613/98 comporta muitas críticas. Dispõe o art. 1º do referido diploma legal:
“Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II – de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003)
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
IV – de extorsão mediante seqüestro;
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;
VI – contra o sistema financeiro nacional;
VII – praticado por organização criminosa.
VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B, 337- 337-D do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal). (Inciso incluído pela Lei nº 10.467, de 11.6.2002)”
A nosso ver, ao fazer esta opção, o legislador brasileiro dificultou ainda mais a o combate e a efetiva punição da lavagem de dinheiro, pois, ainda que cada vez maior o número de processos referentes ao delito, vê-se que estes números estão muito aquém da realidade, tendo em vista a extensão do crime, que, como sabemos, assola o país.
Assim, como bem aponta Godinho Costa[9], referida lei, ao pretender laborar com delitos supostamente de especial gravidade, esbarrou na ilogicidade do sistema, visto que, em face do princípio constitucional da reserva legal[10], não é possível considerar qualquer outro delito como antecedente da lavagem de dinheiro, senão somente aqueles previamente descritos como tais, por mais gravosa ou socialmente repulsiva que seja a conduta e seus efeitos.
Então, ao mesmo tempo em que deixa de ser típica, por exemplo, a omissão ou dissimulação de produtos obtidos com homicídio praticado mediante paga ou recompensa (artigo 121, §1º, inciso I do Código Penal) ou mediante roubo de medicamentos destinados ao atendimento da população carente (artigo 157 do Código Penal), admite-se, em tese, a lavagem na hipótese de desacato à autoridade pública (artigo 331 do Código Penal). O mesmo se dá com relação à sonegação fiscal, que deveria constituir elemento antecedente da lavagem de dinheiro por importar no manejo de valores econômicos substanciais, mas não o é, conforme inclusive consta no item 34 da Exposição de Motivos da Lei 9.613/98[11], equivocado a nosso ver, uma vez que a atividade de sonegação fiscal gera sim acréscimo patrimonial, a exemplo do empresário que utiliza notas frias para operar o seu caixa dois e tem um acréscimo ilícito, ademais sabemos também que a economia informal movimenta valores altíssimos, uma cifra importante no mundo inteiro, especialmente no Brasil[12].
Lembram Marcia Monassi Mougenot Bonfim e Edilson Mougenot Bonfim que o estabelecimento de um rol taxativo de delitos prévios, além de dificultar a repressão da lavagem de dinheiro, irá compelir o legislador a uma nova previsão tipificadora tendente a sanar a lacuna existente a cada surgimento de um novo delito que ensejar a lavagem. Em face disso e frente à volatilidade das ações que se operam no campo da lavagem de dinheiro, a lei sempre andará à retaguarda dos fatos[13].
Nesse mesmo sentido é o Projeto de Lei nº. 3.443/2008, que “dá nova redação a dispositivos da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, objetivando tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro”.
Entre as várias propostas de modificação, a mais importante é a alteração do artigo 1º da lei, de forma a retirar a taxatividade do rol de crimes antecedentes à lavagem de dinheiro, adotando assim a terceira geração de leis. De acordo com o Projeto de Lei o caput do primeiro artigo ficaria com a seguinte redação:
“Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Pena: reclusão, de três a dezoito anos, e multa.”
Membros da Advocacia-Geral da União, do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça, do Conselho da Justiça Federal, do Ministério Público, da Controladoria-Geral da União e da Agência Brasileira de Inteligência apontaram a exclusão da lista taxativa de crimes antecedentes do artigo primeiro da Lei 9.613/98 na Meta 20, fruto da Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro (ENCLA).
À mesma conclusão chegaram os participantes do Encontro Nacional dos Juízes Federais das Varas Especializadas em Prevenção e Combate à Lavagem de Valores, promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em março de 2005 no Distrito Federal.
Em março de 2010, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara opinou unanimemente pela constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e, no mérito, pela aprovação do Projeto de Lei nº 3.443/2008.
No dia 07/07/2010 houve apresentação do Requerimento de Inclusão na Ordem do Dia n. 7201/2010, pelo Deputado Fábio Faria no Plenário da Câmara, do referido Projeto de Lei.
Finalmente, é imperioso destacar apontamento de Fausto Martin de Sanctis[14], segundo o qual a evolução legislativa vem ocorrendo porque, em certo instante, entendeu-se que o foco da questão é a lavagem de dinheiro, não importando precisamente se proveniente da prática deste ou daquele delito, sendo que, curiosamente, em vez de seguir essa tendência mundial, optou-se por uma solução inadequada.
CONCLUSÃO
Através do exame sucinto das gerações de leis de combate à lavagem de dinheiro e das legislações de países como Suíça, Argentina, México, França, Portugal, Espanha e Estados Unidos, concluímos ser a terceira geração mais efetiva no combate à lavagem de dinheiro, em razão da não limitação de um rol de crimes antecedentes.
Nesse sentido é o Projeto de Lei n.º 3.443/2008, aprovado por unanimidade pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara, incluído na Ordem do Dia n. 7201/2010, pelo Deputado Fábio Faria no Plenário da Câmara em julho deste ano, que retira a taxatividade de crimes precedentes e adota a terceira geração, apresentando uma nova perspectiva no combate à lavagem de dinheiro no Brasil.
Esta seria uma das medidas aptas a modificar a situação atual no Brasil, onde a criminalização da lavagem ainda é reduzida frente aos casos presentes em nosso país.
Acadêmica de Direito na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas.
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