Resumo: O presente estudo aborda a questão da remoção de servidor público para acompanhamento de cônjuge ou companheiro removido no interesse da Administração. Enfrenta a legislação federal vigente, bem como aponta equívocos desta (tanto comissivos quanto omissivos). Funda-se a abordagem em ensinamentos doutrinários, bem ainda em precedentes jurisprudenciais.
Palavras-chave: Remoção. Interesse. Administração. Sociedade. Conjugal.
Sumário: Introdução. 1. Premissas. 1.1 Remoção para Acompanhamento de Cônjuge ou Companheiro. 2. Equívocos legislativos. 2.1 Tratar um Efeito ou Evitar uma Causa? 2.2 A Inoperância da Equivalência Constitucional entre Servidores Públicos e Servidores das Pessoas Governamentais de Direito Privado (Empregados Públicos). Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O intuito desta análise é demonstrar dois equívocos trazidos pela legislação federal, ou pela falta dela, em relação à situação da sociedade conjugal, composta por servidores públicos (latu sensu), ser ameaçada pela remoção de um de seus participantes com mudança de sede em razão do interesse da Administração (ex officio).
Frise-se que se tomará por base a legislação federal (Lei n. 8.112/1990 e Consolidação das Leis do Trabalho – CLT), sem prejuízo da menção a outros diplomas normativos emanados dos demais entes federativos.
Ponderar-se-á sobre a adequada forma, diversa da legal, para se conceber um ato administrativo de pessoal que resulte efetivamente no atendimento do interesse público, num contexto de pluralidade de atores do Estado.
A correspondência do status jurídico entre servidor público estatutário[1] e empregado da Administração Indireta será verificada para demonstrar outro equívoco em torno da movimentação horizontal (aspecto geográfico) dos servidores, esta justificada pelo interesse público. Destacar-se-á, neste pormenor, o caso em que o cônjuge ou companheiro que pretende acompanhar o consorte (servidor público ocupante de cargo público) é regido em sua relação laborativa pela CLT.
Ademais, serão ponderados alguns dos precedentes judiciais emblemáticos em torno da questão, bem como os fundamentos trazidos pela doutrina.
1 PREMISSAS
1.1 Remoção para Acompanhamento de Cônjuge ou Companheiro
A remoção para acompanhamento de cônjuge ou companheiro está prevista no art. 36, inciso III, “a”, da Lei federal n. 8.112 de 1990. Como adverte Antônio Oliveira, esta modalidade de remoção[2] “encontra supedâneo principiológico no art. 226, da CF, que determinou especial proteção do Estado à família. Assim, a norma infraconstitucional que afrontar esta regra será considerada inconstitucional e, portanto, inválida.”[3] Nesse sentido há entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, que pode ser demonstrado pelo seguinte excerto de voto condutor de acórdão:
A verdade é que não há que se falar, neste writ ora sub judice, que o interesse público deve prevalecer sobre o interesse privado. A meu sentir, o bem maior aqui tutelado e que merece total proteção do Estado, não é o interesse particular, mas sim a união e manutenção da própria instituição familiar, cuja proteção é assegurada pela atual Constituição Federal, em seu artigo 226. A família, como organização mater, como fons vitae, quer natural, quer social, deve se sobrepor a qualquer outra forma organizacional existente e seus interesses devem prevalecer, inclusive, sobre os interesses estatais.[4] (grifos do original)
Com efeito, a Carta de Outubro[5] prescreve especial amparo do Estado à família. Além disso, algumas constituições estaduais tutelaram com propriedade a unidade familiar em caso de remoção, por exemplo, a do Estado de São Paulo e do Estado do Mato Grosso[6]. Destaque-se que para os fins do presente enfrentamento trabalhar-se-á com a modalidade de entidade familiar conhecida como sociedade conjugal, onde não há necessidade de descendência e ascendentes, bastando os cônjuges ou companheiros.
De outra quadra, cumpre mencionar que o Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência pacífica no sentido de que os empregados públicos são servidores públicos, forte no que dispõe o art. 37, da Constituição Federal de 1988. Além disso, restou consignado em julgado paradigmático que:
“MANDADO DE SEGURANÇA. REMOÇÃO DE OFÍCIO PARA ACOMPANHAR O CÔNJUGE, INDEPENDENTEMENTE DA EXISTÊNCIA DE VAGAS. ART. 36 DA LEI 8.112/90. DESNECESSIDADE DE O CÔNJUGE DO SERVIDOR SER TAMBÉM REGIDO PELA LEI 8112/90. ESPECIAL PROTEÇÃO DO ESTADO À FAMÍLIA (ART. 226 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). […]
2. Havendo a transferência, de ofício, do cônjuge da impetrante, empregado da Caixa Econômica Federal, para a cidade de Fortaleza/CE, tem ela, servidora ocupante de cargo no Tribunal de Contas da União, direito líquido e certo de também ser removida, independentemente da existência de vagas. Precedente: MS 21.893/DF.
3. A alínea "a" do inciso III do parágrafo único do art. 36 da Lei 8.112/90 não exige que o cônjuge do servidor seja também regido pelo Estatuto dos servidores públicos federais. A expressão legal "servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios" não é outra senão a que se lê na cabeça do art. 37 da Constituição Federal para alcançar, justamente, todo e qualquer servidor da Administração Pública, tanto a Administração Direta quanto a Indireta.
4. O entendimento ora perfilhado descansa no regaço do art. 226 da Constituição Federal, que, sobre fazer da família a base de toda a sociedade, a ela garante "especial proteção do Estado". Outra especial proteção à família não se poderia esperar senão aquela que garantisse à impetrante o direito de acompanhar seu cônjuge, e, assim, manter a integridade dos laços familiares que os prendem.
5. Segurança concedida.”[7] (grifos do autor)
Desta feita, indene de dúvida a equivalência constitucional entre o servidor ocupante de cargo público e o servidor empregado público (servidor de entidade governamental) para os fins de acompanhamento de cônjuge ou companheiro, bem como a envergadura da proteção constitucional aos laços familiares em sobreposição até ao interesse público motivador da alteração de sede de um servidor.
2 EQUÍVOCOS LEGISLATIVOS
2.1 Qual a melhor solução? Tratar um Efeito ou Evitar uma Agressão?
O pedido de remoção para acompanhamento de cônjuge ou companheiro pressupõe a remoção ex officio do seu consorte. Então, o fato que atinge a sociedade conjugal, trazendo quebra no convívio familiar é, sem dúvida, o ato administrativo de pessoal que retira do convívio o servidor casado ou companheiro de outra pessoa também servidora.
Pois bem. Inegável a busca administrativa e judicial destes cidadãos para resguardar a paz na sociedade conjugal. Ocorre que isso se dá, majoritariamente, após a remoção, justamente, se valendo do dispositivo legal que garante o acompanhamento.
Com efeito, o fato de um servidor público (lato sensu) ser casado consta de seus assentamentos funcionais, o que impede que o Poder Público ou empresa governamental alegue desconhecimento deste registro.
Nessa senda, quando um Órgão opta por remover ex officio um servidor casado ele também assume um alto risco de alterar o bom andamento de outro sistema organizacional público, porquanto a lei prevê literalmente o direito à remoção para acompanhamento, sem qualquer consulta aos interessados. Veja-se, portanto, o busílis da questão. Um “ator” Estatal pode, com fulcro no interesse da Administração, alterar a rotina de outro, que sequer foi cientificado?
Quer dizer que o interesse público de quem pretende alterar horizontalmente seu quadro de pessoal é preponderante ao interesse do outro Órgão, que nem mesmo sabe do que se pretende? A ausência de prejuízo pode ocorrer, porém pelo mero acaso.
E qual seria a solução para isso? Simples. Basta observar o que prescreve a Constituição Federal. Esta Carta de direitos impõe ao Estado, como antes asseverado, uma proteção especial à família e o Supremo Tribunal Federal, guardião daquela, já assentou, Tribunal Pleno, que o interesse público de organização dos quadros de pessoal não pode se sobrepor à integridade dos laços de uma sociedade conjugal.
Nessas circunstâncias, o Órgão que pretende alterar a sede do servidor, membro de sociedade conjugal integrada por outro servidor público, deve consultar o Órgão ou empresa que será indiretamente afetado com aquele ato, para que este manifeste se concorda com a referida providência. Trata-se de ato complexo, que, segundo a lição do saudoso administrativista Hely Lopes[8], é formado pela conjugação de vontades.
Entretanto, caso haja discordância da parte consultada, a alternativa consentânea com o interesse público e a ordem jurídica constitucional, numa abordagem verdadeiramente holística, é se valer de outro servidor do quadro de pessoal.
Assim, a solução legislativa infraconstitucional vigente em âmbito federal cria uma solução para o efeito do problema, porém não busca evitar a ocorrência da causa do ato lesivo à família.
2.2 A Inoperância da Equivalência Constitucional entre Servidores Públicos e Servidores das Pessoas Governamentais de Direito Privado (Empregados Públicos)
Para Bandeira de Melo o conceito constitucional de servidor público retrata “a designação genérica ali utilizada [na CF] para englobar, de modo abrangente, todos aqueles que mantêm vínculo de trabalho profissional com as entidades governamentais, integrados em cargos ou empregos”[9]. Estão incluídos neste conceito todos os trabalhadores das unidades federativas, bem como de suas respectivas autarquias e fundações de direito público.
A maioria dos servidores públicos são aqueles titulares de cargos públicos na Administração Direta (Legislativo, Judiciário[10] e executivo dos entes federativos, incluídas as autarquias e fundações públicas).
Ademais, existem servidores públicos[11] que são conhecidos como servidores das pessoas governamentais de direito privado[12]. Estes laboram para as empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações de direito privado, todas devidamente instituídas pelo respectivo ente federativo.
Pois bem. Ocorre que essa proteção, de matriz constitucional, está má concebida na legislação federal vigente, porquanto se trata de direito que escoa por via de sentido único, na medida em que não há amparo para o empregado público que se depara com o cônjuge ou o companheiro removido ex officio.
Ora, que proteção especial é esta que não garante integralmente, sendo contemplada apenas a regra (estatisticamente há mais servidores públicos ocupando cargos – estatutários – do que ocupando empregos públicos). O julgado da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, proferido no MS 14.753/DF[13], exemplifica o caso mais recorrente, isto é, sociedade conjugal composta por servidores estatutários.
O paradigmático precedente do STF neste estudo mencionado (MS 23.058/DF) em linhas volvidas referia-se curiosamente ao caso de servidor público ocupante de emprego público removido ex offício, que cujo cônjuge solicita acompanhamento daquele. Contudo, se fosse o contrário, não haveria respaldo legal hodiernamente.
Omissa, portanto, a CLT, que deixou de resguardar o mencionado direito do empregado público.
CONCLUSÃO
A unidade familiar é um bem constitucionalmente tutelado e a legislação infraconstitucional deve atuar de maneira integral e racional no intuito de dar a máxima efetividade ao referido preceito constitucional.
Nessa esteira, concentrar esforços apenas nos efeitos dos atos administrativos de remoção no interesse da Administração (ex offício) traduz equívoco, porquanto há mecanismos que impedem a própria agressão ao direito em tela e, portanto, a deflagração do ato que ensejará discussões, inclusive perante o Judiciário.
Também em descompasso com a lógica jurídica está a postura omissiva do Poder Legislativo no regramento da situação envolvendo sociedade conjugal (entidade familiar) onde o cidadão removido ex offício é servidor estatutário e o que solicita o acompanhamento é empregado público. A equivalência entre os servidores públicos delineada pelo Supremo Tribunal Federal não por ser olvidada para a solução das questões envolvendo situações simétricas.
Enfim, o tema é recorrente nos Tribunais pátrios e a tendência é de incremento desta demanda, porquanto a máquina estatal cresce ano após ano. Deve, portanto, o poder legislativo corrigir estas falhas no arcabouço legal para que a unidade familiar seja efetivamente preservada pelo Estado, como desejou o legislador constituinte originário.
Procurador da Fazenda Nacional com atuação perante o STJ e a TNU, tendo atuado também em Rio Grande-RS e Franca-SP na defesa da União. Especialista em direito público pela Universidade de Rio Verde – GO
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