Resumo: O presente trabalho se presta a analisar as relações trabalhistas especiais do jogador de futebol em atividade no Brasil, especificamente aqueles nas condições de profissionais. Atinente às recentes mudanças oriundas da Lei 12.395/2011, o atleta profissional de futebol ganhou nova roupagem na legislação pátria, contudo, os axiomas jurídicos permanecem; seja no que tange o corpo legislativo aplicado a estes trabalhadores, seja nas divergências jurisprudências e doutrinárias acerca dos institutos. O direito de arena, bem como as luvas ainda trazem uma série de questões em aberto, carecendo de esclarecimentos não somente na conceituação, mas sobretudo, nos impasses em relação a natureza salarial, porcentagens, limitações e reflexos nas verbas rescisórias. Deste modo, há de expor o panorama atual, sua evolução, apontando novos caminhos nas relações obreiras desta figura de presença significativa no cenário social brasileiro.
Palavras-Chave: Jogador de futebol. Lei Pelé. Relação de trabalho. Direito de arena. Luvas.
Sumário: 1. Introdução. 1.1. Cenário atual. 2. O jogador de futebol. 2.1. Legislação pátria. 2.2. Conceito e vínculo empregatício. 3. Incidentes das relações de trabalho. 3.1. O contrato de trabalho. 3.2. Tipicidades da relação de emprego. 3.2.1. Idade. 3.2.2. Contrato Determinado. 3.3. Direito de arena. 3.3.1 Natureza do Direito de Arena. 3.4. Luvas. 4. Considerações finais. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
A busca incessante do homem por sua evolução enquanto ser vem sendo identificada desde os primórdios civilizatórios. O aprimoramento de suas habilidades psíquicas e corpóreas se desdobra nas mais diversas atividades.
Neste viés, o desporto se constitui como um desses labores, despontando finalidade multifacetária; seja na demonstração da destreza e virilidade do homem, seja na relação indireta de entretenimento coletivo, perpassando até mesmo na ostentação de poder por um Estado de Direito.
Contudo, como bem aponta Mauro Lima SILVEIRA[1]: “[…] esses acontecimentos nas práticas desportivas foram acompanhados, como não poderia deixar de ser, pela evolução de outros aspectos da vida humana, como as artes, as ciências, as indústrias e também pelo Direito.”
Justamente nesta tangencial, a evolução da prática desportiva aliada à complexidade fática, esta principalmente engendrada pelo ramo empresarial, trouxeram novas relações em todas as esferas societárias, a exemplo; consumerista no que diz respeito aos espectadores e pagantes dos eventos esportivos, associativas, no que concernem às questões entre entidades, agremiações e confederações desta natureza, e sobretudo, trabalhistas, envolvendo os atletas, eis que representantes destas entidades e principais agentes do mundo esportivo.
1.1 CENÁRIO ATUAL
Adentrando a realidade pátria, é inegável que o futebol, devido à sua massificação desde a introdução por Charles Miller[2], se apresente como o principal desporto brasileiro. Certamente, as glórias nacionais neste esporte, em conjunto à viabilidade de sua prática, levaram a uma penetração em todas as camadas sociais, elevando seu patamar ao de instrumento político, econômico e histórico-social.
Entrementes, ainda que ficasse latente toda a necessidade de um tratamento jurídico robusto, regulador destas relações, o ordenamento se manifestou tardiamente. PANHOCA[3] giza em sua obra que, apenas com a “Sentença Bosman”[4] no ano de 1976, o Brasil deu um grande passo para as proteções das práticas futebolísticas.
No bojo trabalhista, o julgamento retrocitado desencadeou o surgimento das leis protetivas aos atletas de futebol no país, ainda que de forma embrionária, como a Lei do Passe (n.6354/76). Hordienamente, o Brasil, após uma série de modificações normativas, desponta na lei 9.615/98, mais conhecida como a Lei Pelé, a sua maturidade jurídica acerca do tema.
É diante desta realidade que o presente artigo se propõe a analisar os institutos reguladores dos atletas de futebol e das associações desportivas empregadoras; seus vínculos, características, as questões controversas, e de mesma sorte, possíveis soluções para que o Direito tenha uma aplicação tal qual se espera; concreta, efetiva e justa.
2. O JOGADOR DE FUTEBOL
2.1 LEGISLAÇÃO PÁTRIA
Primaface, não há como se adentrar na conceituação do atleta futebolístico, seja amador ou profissional, sem tecer o quadro normativo, suas alterações, fundamentações e disposições.
O primeiro corpo legal surgiu com a promulgação da Lei 6354/76, que, dentre as principais introduções, trouxe a terminologia “passe” a fim de caracteriza o vínculo entre atleta e associação desportiva. Outrossim, havia previsão de jornada de trabalho, limite etário mínimo e a questão das férias.
Ainda no campo infraconstitucional, em 1993, surgia a Lei 8672 (Lei Zico), que, não tratava somente do contexto futebolístico, porém das normais gerais desportivas. Por esta razão, houve derrogação de excertos da Lei anterior no que havia de conflitante. Por outro lado, asservera Aidar et al[5], que, principalmente com a Lei Zico surgiam institutos no campo administrativo e organizacional, tais como regulamentação da justiça desportiva, bem como a criação das ligas, além do direito de arena[6].
Já em 1998, diante da premência de uma regulamentação ostensiva, à altura da real dimensão que o esporte tomou na sociedade brasileira, principalmente no âmbito financeiro do pós-liberalismo econômico, foi promulgada a Lei 9615/98. Pioneira em alguns aspectos, que serão tratados mais adiante neste trabalho; a Lei Pele, como é conhecida, trouxe, como um dos seus principais referenciais, a extinção do instituto do passe. Panhoca[7] tece em sua obra que, com muito esforço, e após severas discussões sobre o tema, se concluiu como positiva tal modificação, dando passagem a outros institutos que visam pulverizar aspectos do passe de forma mais benéfica ao próprio jogador. Nesta seara, pode-se dizer que entre os principais pontos em prol da visão positivista da extinção do passe, desponta a afirmação que, na prática, o passe fora utilizado como instrumento de imposição dos clubes e associações desportivas sobre os seus atletas, os condicionando de outros modos para compensar a liberalidade de vínculo existente, repreendo assim o atleta de uma forma geral como camuflagem à esta questão pontual.
De certo, a Lei Pelé foi muito além da questão futebolística, como se pode verificar na própria exposição de motivos da Lei, intentou-se profissionalizar, moralizar e abarcar as mais diversas incidências esportivas, tornando-se um compilado único, basilar legislativo do desporto nacional.
No bojo do panorama de modificações e modernização acima exposto, surge de mais recente a Lei 12.395/2011, revogando por fim a Lei 6354/76, o que já vinha sendo considerada ultrapassada para complexa e nova realidade de três décadas adiante. Ademais, advento desta última, alterou-se também exatos 33 (trinta e três) artigos da Lei Péle, o que consagra a tendência inicial se ter uma norma stricto sensu que seja um verdadeiro compilado norteador das questões relativas ao esporte no país.
2.2 CONCEITO E VÍNCULO EMPREGATÍCIO
Em singela definição, entende-se por futebolista aquele atleta que tem por ofício a prática do futebol. Contudo, à ótica formal, a análise histórico-evolutiva da legislação brasileira permitiu compreender que o jogador de futebol se submeteu a uma roupagem mais ampla de sua conceituação, sucedâneo da Lei 12.395/2011, que os caracteriza de forma genérica, em conjunto aos atletas das mais diversas atividades desportivas.
Entrementes, é mister salientar que a concepção acima é insuficiente para caracterização do sujeito in casu, que do ponto de vista jurídico, precede requisitos característicos para sua conceituação.
De antemão, nota-se que o sujeito atleta é invariavelmente pessoa física, não comportando na condição de empregado a figura de pessoa jurídica ou terceiros intermediadores desta relação composta diretamente entre atletas e entidades esportivas (empregadores).
Com efeito, há de se distinguir o futebolista profissional do amador. A Lei Pelé, no parágrafo único do artigo 3°, traz essa dicotomia, a saber:
“Art. 3o […]
Parágrafo único. O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado:
I – de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva;
II – de modo não-profissional, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio.”
É elementar que a mens legis visou não somente esculpir o vínculo entre os sujeitos de direito, o qual dar-se-à por meio do contrato de trabalho formal e seus incidentes, como também confere destinação à lei, eis que afastando os atletas amadores de sujeição à mesma.
No que concerne aos elementos caracterizados do vínculo empregatício, vale destacar que estes vicejam discussão, e esta se dá, claramente, por inconsistência de definição da Lei Pelé, deixando em aberto a aplicação dos requisitos presentes na Consolidação das Leis Trabalhistas e destinados aos empregados ordinários[8].
Ab initio¸ o excerto legal supracitado neste item evidencia apenas a questão da onerosidade, identificada pela expressão “remuneração”, ainda que a CLT trate utilizando-se do temo salário, tal distinção terminológica, definitivamente, não descaracteriza o elemento basilar apontado.
Contudo, em relação a outros requisitos, pairam dúvidas. ZAINAGHI[9] revela, por exemplo, como “imprecisa a definição legal face ao que prevê a CLT em seu art. 3°. Falta ao artigo supratranscrito a não-eventualidade que é prevista no texto consolidado”.
De certo, nos parece que a prática continuada não há de ser ensejadora do vínculo empregatício especial em tela, vez que, a participação dos atletas em jogos depende exclusivamente de uma decisão estratégica, emanada de um corpo técnico representante da instituição desportiva. Ressalta-se ainda que a quantidade de atletas é sempre maior que o número de atletas a participar do evento, restando muitos outros na condição de suplentes. Se não bastasse, a exaustão física é típica desta atividade, insurgindo uma incidência de lesões muito acima do comum.
Diante do exposto, nota-se que a concentração e a mera disposição do futebolista ao clube, por si, já é suficiente para configuração do liame empregatício. Neste contexto, o iminente Jaime Eduardo Machado[10] traduz que “são obrigações do atleta profissional: concentrar-se e/ou ficar à disposição da associação quando determinado por ela”.
Ultrapassado o requisito supra, adentra-se, por fim, na questão da subordinação; Alice Barros[11] assevera a amplitude que o respectivo elemento caracterizador possui nesta relação de emprego. Transcreve-se:
“[…] que se estende não só à atividade esportiva, incluindo treinos, concentração e excursões, mas também aos aspectos pessoais, como alimentação, bebidas, horas de sono, peso; aos aspectos mais íntimos, como o comportamento sexual; mais convencionais como a vestimenta e a presença externa e, ainda, aos aspectos mais significativos como declarações à imprensa.”
A partir da colocação doutrinária exposta, torna-se imprescindível que se faça uma relação da não-eventualidade e subordinação, nota-se que o labor do atleta desportivo vai muito além do evento em si, sendo este de tempo ínfimo se comparado à jornada praticada por estes empregados especiais, que perpassam todo condicionamento físico, concentração e inclusive seus hábitos extra-campo. Portanto, é inegável que os elementos caracterizadores do vínculo entre atletas e entidades são atípicos se comparados à relação laboral ordinária, melhor apercebida e adequada aos os celetistas da regra geral.
3. INCIDENTES DAS RELAÇÕES DE TRABALHO
3.1 O CONTRATO DE TRABALHO
Ao analisar a doutrina pátria, é indubitável a atribuição especial que se dá ao contrato do jogador de futebol. Neste sentido, sabiamente, MELO FILHO[12] pondera o status sui generis do contrato de trabalho do atleta desportivo, que, por outro lado, justamente diante destas tipicidades, a sua relação jurídica não pode ser meramente restritiva aos ditames da Lei Especial, de outro modo, a impossibilidade de imprevisão de todas as redomas jurídicas gerariam sérias divergências e lacunas, e, ao invés do atleta profissional do futebol ter assegurado direitos inerentes à sua condição especial, simplesmente lhe faltaria amparo básico, presentes nas normas e princípios gerais do direito laboral.
Dando crivo, Ralph Candia[13] atesta a aplicação subsidiária das normas celetistas bem como da legislação pertinente à seguridade social ao sujeito futebolista. De mesma sorte, Maria Helenza Diniz[14], sob o fundamento do protecionismo laboral, aponta plena submissão às regras gerais trabalhistas e previdenciárias.
É imperioso elencar que toda essa redoma doutrinária fora resolvida com o aditivo trazido pela Lei 12.395/11, nos termos do art. 28, parágrafo 4º, restando expresso as aplicações em comento. Vejamos:
“Art. 28 […]
§ 4º Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes desta Lei, especialmente as seguintes:”
Ainda que de compreensivo, faz mister também afirmar que as divergências entre a norma específica e genérica devem ser avaliadas à ótica da especificidade, e, no que couber, na aplicação dos princípio da norma mais favorável, desde que presente os requisitos de compatibilidade para sua contemplação.
Martini[15] ressalta a necessidade de respeito ao “ […] objetivo global da legislação esportiva, tendo o contrato de trabalho em destaque, a fim de estabelecer as peculiaridades, sob a ótica das normas trabalhistas e da seguridade social.”
3.2 TIPICIDADES DA RELAÇÃO DE EMPREGO
Ab initio, o contrato empregatício envolvendo os atletas desportivos, assim como o contrato temporário e do menor aprendiz, deve, obrigatoriamente, ser da forma escrita.
Esta imposição é plenamente entendível se for analisado o fato de que todas as espécies contratuais acima versadas têm natureza especial, disposições próprias que exijam um instrumento que assegure com maior coesão o cumprimento destas condições particulares.
Outrossim, o art. 34, inciso I da Lei Pelé ainda dispõe sobre a necessidade de registro deste contrato junto à entidade de administração da respectiva modalidade esportiva.
Não obstante este requisitos, há de se asserir as ponderações de GRISARD[16] no sentido que a formalidade escrita não poderá ser um óbice para o reconhecimento do vínculo trabalhista. Neste campo, destaca-se que os princípios de proteção ao trabalho, aliado à basilar primazia da realidade, conduz uma justa sobreposição da verdade fática com relação à matéria formal, em contrário, seria extremamente lesivo ao trabalhador não ter reconhecido os seus direitos somente por exigência das formas, o que seria uma análise equivocada da mens legis.
3.2.1 Idade
Inicialmente, a Lei do Passe (6354/76) disciplinava sobre a questão etária dos contratos avençados. Em seu art. 5º, a idade mínima imposta era de 16 anos para celebração do contrato de trabalho, enquanto que aqueles futebolistas entre 16 e 21 anos precediam o expresso assentimento do seu representante legal[17].
Por sua vez, originalmente, a Lei Pelé, em seu art. 3, inciso II, tratava dos atletas com idade entre 14 e 18 anos de modo-não profissional, possibilitando sua relação na condição de estágio, com contrato específico; neste constava a ausência de remuneração decorrente do contrato de trabalho, permitindo-se apenas incentivos materiais pela prática desportiva.
Em face a esta engessada legislação, em que a maioridade civil foi modificada desde 2002 pelo atual Código Civil, bem como pela incompatibilidade existente entre as leis ora expostas, surge a Lei n. 12.395/2011 para definir e atualizar o certame. Vejamos os dispositivos pertinentes:
“Art. 27-C. São nulos de pleno direito os contratos firmados pelo atleta ou por seu representante legal com agente desportivo, pessoa física ou jurídica, bem como as cláusulas contratuais ou de instrumentos procuratórios que: […]
VI – versem sobre o gerenciamento de carreira de atleta em formação com idade inferior a 18 (dezoito) anos.
Art. 28-A. Caracteriza-se como autônomo o atleta maior de 16 (dezesseis) anos que não mantém relação empregatícia com entidade de prática desportiva, auferindo rendimentos por conta e por meio de contrato de natureza civil.
§ 1 O vínculo desportivo do atleta autônomo com a entidade de prática desportiva resulta de inscrição para participar de competição e não implica reconhecimento de relação empregatícia.
Art. 29. A entidade de prática desportiva formadora do atleta terá o direito de assinar com ele, a partir de 16 (dezesseis) anos de idade, o primeiro contrato especial de trabalho desportivo, cujo prazo não poderá ser superior a 5 (cinco) anos.”
Da leitura supra, tem-se que a idade mínima estabelecida é de 18 anos para os contratos de emprego. Contudo, a partir dos 16 anos, haverá duas possibilidades jurídicas; de aferimento de rendimentos através de um contrato civil, caracterizando o atleta como trabalhador autônomo, ou, dentro de condições pré-estabelecidas, na condição de empregado por contrato especial de trabalho caso a entidade seja formadora do atleta.
3.2.2 Contrato Determinado
No que tange à duração dos contratos, a Lei Pelé é bastante precisa, in verbis:
“Art. 30. O contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos”. (Redação dada pela Lei nº 9.981, de 2000)
Não obstante, muito se abordava sobre a aplicação subsdiária da CLT para essa questão, Alice Monteiro de Barros[18], por exemplo, assevera que, a despeito desta previsão, a questão da duração inferiria sujeição também às regras do art. 445 da CLT.
Redação nova, a Lei 12.395/2011 também veio a dissipar dúvidas sobre este tema:
“Art. 30 […]
Parágrafo único. Não se aplica ao contrato especial de trabalho desportivo do atleta profissional o disposto nos arts. 445 e 451 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943.” (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).
Isto posto, resta claro que dentre as características do contrato de trabalho do atleta desportivo, há prazo determinado, o que, por si, não realça também a aplicação do quanto disposto neste instituto em sua forma celetista.
Para fecharmos este melindre, em decisão do TST[19], a Ministra Maria Cristina Peduzzi sabiamente lecionou que as prorrogações no caso dos atletas desportivos não desnaturam o seu contrato por prazo determinado, ainda que por indefinidas vezes.
Essa distinção dos institutos não somente possibilita esclarecer o incidente da prorrogação para os contratos dos atletas desportivas, e conseqüentemente futebolistas, mas sucumbe qualquer teorização de que a duração destes contratos especiais deva estar inserida às regras celetistas.
3.3 DIREITO DE ARENA
O direito de arena se caracteriza como a prerrogativa exclusiva de autorização sobre a transmissão, utilização e fixação de imagens nos eventos esportivos. Sua disposição legal está contida no artigo 42 e parágrafos seguintes da Lei Pelé.
Ao contrário do que muito se pensa, através de simples análise literal do caput do artigo retrocitado, pode-se afirmar que o direito de arena é uma prerrogativa das entidades esportivas, e não dos atletas, que por sua vez, recebem o repasse desta receita em partes iguais, por intermédio do sindicato da sua categoria profissional.
Alice Monteiro de Barros[20] menciona que somente a partir do reconhecimento das destrezas pessoais dos atletas e os fortes lucros empresarias das entidades é que a lei assegurou este repasse, de tal modo a premiar a criatividade e originalidade individual do profissional esportista.
Em outras palavras, os atletas, coletivamente ou até mesmo individualmente, representam a entidade de prática desportiva, que por sua vez, detém a titularidade de negociação e utilização da imagem no evento a qual participa. Como grande exemplo para o cenário futebolístico, aborda-se a comercialização dos direitos de transmissão do campeonato Brasileiro, pactuado diretamente entre emissoras de televisão e clubes ou alguma associação que ali os representem.
Recentemente, a lei 12.395/2011 deu nova redação ao quanto disposto no direito de arena. Dentre as principais modificações, destaca-se que a porcentagem de repasse receituário da exploração de imagem passou de 20% (vinte por cento) para 5% (cinco por cento).
3.3.1 Natureza do Direito de Arena
Focando no ponto de vista estritamente laboral, muito se questionava, doutrinariamente, bem como jurisprudencialmente, sobre a natureza do direito de arena, se este advinha de contrato individual, tendo caráter eminentemente civilista, ou se decorria do contrato de trabalho, portanto, devendo integrar às verbas trabalhistas principalmente para cálculos reflexos.
Parece razoável que, sendo as entidades desportivas os sujeitos titulares para disposição do direito, que este tenha uma natureza eminentemente cível. Outrossim, trazendo à baila o caso das federações nacionais que representam o país, estas comercializam o direito de arena, porém, não há como vislumbrar a possibilidade de atribuir natureza remuneratória entre o atleta convocado a representar o seu país e a respectiva entidade.
Não obstante, parece-nos que a principal modificação legislativa pela lei 12.395/2011 no que ao concerne ao direito de arena, fora, sem dúvida, a atribuição expressa de natureza cível às parcelas do instituto em tela, ipsis literis:
“Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem.
§ 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil.” (grifo nosso). (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).
Inegável que a norma veio a dar uma par de cal no assunto, caracterizando em definitivo sua natureza civil.
3.4 LUVAS
O termo “luvas” se refere ao valor pactuado entre entidade desportiva e atleta para viabilização do contrato, podendo ser honrada de forma única ou em parcelas. Embora sua conceituação não seja tangível de muitas divergências doutrinárias, o instituto em si ainda remonta uma série de controvérsias nos mais diversos âmbitos do direito.
Primeiramente, há de se analisar a atribuição característica das luvas ao atleta futebolístico; note que na legislação pátria, a definição do termo em tela encontra-se escorado apenas pela já revogada Lei 6.354/76[21], que por sua vez dispõe acerca dos atletas desta categoria esportiva. In verbis:
“Art. 12 Entende-se por luvas a importância paga pelo empregador ao atleta, na forma do que for convencionado, pela assinatura do contrato.”
Contudo, muito embora seja uma pratica comum neste esporte, com base na analogia, ou, até mesmo em fundamento ao axioma jurídico[22] das normas de direito privado de que o não proibido, é permitido; as luvas podem amplamente serem utilizadas nos contratos entre entidades esportivas e atletas das outras modalidades, entendendo-se assim, que a utilização do termo de forma restrita sucedeu a realidade fática histórica, o que não deve afrontar, de maneira alguma, a liberalidade de disposição das cláusulas especiais do contrato, principalmente diante da evolução estrutural e financeira vivida pelo esporte nacional como um todo.
Outro aspecto pertinente se diz respeito à natureza das luvas, que inicialmente insurgia extrema dicotomia entre doutrinadores e julgadores, de tal modo que, durante a última década, o TST teve que se posicionar sobre o tema, sendo o pré-requisito recursal da divergência jurisprudencial costumeiramente presente.
Contudo, nota-se que em seus mais recentes julgados[23], o Tribunal Superior do Trabalho segue a tendência de reconhecimento das luvas como parte salarial. Em sede de Recurso de Revista[24], a 8ª turma do TST fundamenta que esta não tem fins de ressarcimento, “[…] a parcela é paga em razão do desempenho e proficiência do atleta demonstrados no decorrer da carreira, e não visa à reparação de despesas realizadas pelo profissional”.
Ademais, colacionado a literatura especializada, ZAINAGHI[25] versa que as luvas é pagamento que o jogador de futebol recebe por via do exercício profissional, sendo , portanto, remuneração com incidências nas verbas trabalhista de direito.
Em escoro, Alice de Barros[26] pontua que as luvas compõem a remuneração do atleta para todos os efeitos, com base no contrato de trabalho estabelecido.
Outro ponto de sustentação da tese apontada está contido no art. 31, parágrafo primeiro da Lei Pelé, transcreve-se:
“Art. 31. […]
§ 1o São entendidos como salário, para efeitos do previsto no caput, o abono de férias, o décimo terceiro salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho”.
A leitura do texto supra é bastante clara na conclusão de que as verbas inclusas em contrato de trabalho têm atribuição de cunho salarial. A lei tem um rol exemplificativo acerca do tema, o que reforça ainda mais a tese de conjunção entre luvas e salário.
Destarte, percebe-se que ao decorrer dos anos, tanto na esfera doutrinária como jurisprudencial, a tese negativista vem sendo paulatinamente pulverizada, importando as luvas como um instituto de grande abrangência, não se limitando ao mundo dos atletas de futebol, bem como, de mesma sorte, caracterizando sua natureza eminentemente salarial, com as devidos reflexos nas verbas trabalhistas, tal como FGTS, décimo terceiro, férias, entre outros.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. O desporto transcende a mera atividade física, acompanha a humanidade desde o seu prelúdio e se desponta como uma demonstração de poder, lazer, convivência social, aperfeiçoamento das habilidades e saúde coletiva.
2. Dentre as práticas desportivas conhecidas, o futebol adquiriu dimensão elementar no cenário nacional, atingindo todos os gamas societários, carecendo assim de uma regulação jurídica a altura.
3. A legislação pátria passou por diversas mudanças ao longo do tempo, culminando na Lei Pelé como o compilado legal da maturidade no que concerne à ordenação não só das práticas futebolistas, mas, sobretudo, desportivas em geral.
4. Recentemente, a Lei 12.395/2011 deu nova roupagem à lei supra, além de revogar disposições legais conflitantes e defasadas para realidade atual.
5. Os requisitos para caracterização do vínculo empregatício do atleta de futebol não necessariamente acompanham as preceituadas em norma celetista; devido às suas particularidades, a amplitude e caracterização devem ser analisadas afinco, principalmente diante da escassez de definição da Lei Pelé.
6. O contrato trabalhista do atleta futebolístico é sui generis, com requisitos próprios, contudo, diante das divergências e omissões de norma específica, preconiza a doutrina e a legislação, recentemente alterada, pela aplicação subsidiária das normas gerais laborais e previdenciárias.
7. De natureza especial, eis que o contrato de trabalho desportivo imprescinde pressupostos elementares para sua caracterização. Entre estes, aponta-se em destaque a forma escrita, a necessidade de registro junto à entidade administrativa gestora de futebol, idade mínima para validade contratual e prazo determinado.
8. Outrossim, os contratos desportivos de futebol possuem institutos peculiares, tal qual o direito de arena, que se dá com a negociação de uso da imagem dos eventos esportivos entre clubes e empresas de transmissão, ressalvado uma porcentagem de repasse da receita arrecada para os atletas, por intermédio do sindicato. Pondera-se por via das alterações atuais, que esse valor tem natureza eminentemente civil, e não trabalhista, conforme disposto no art. 42 da Lei Pelé.
9. Ainda neste tocante, trazem-se as luvas, compreendida como um valor convencionado inicial entre clube e atleta para assinatura do contrato especial. Não obstante as controvérsias, os tribunais superiores vêm conclamando a natureza salarial do respectivo instituto.
10. Conclui-se, assim, que, o panorama jurídico a serviço dos jogadores de futebol teve transformação substancial ao longo das décadas, de modo a assegurar que todas as especificidades fáticas da relação jurídica travada junto as entidades desportivas não invadissem a redoma do princípio de proteção ao trabalhador. Bem verdade que as determinações positivas e os institutos não selaram todas as divergências, mas o acompanhamento das recentes alterações nos aponta por uma legislação já amadurecida, e mais próxima a realidade.
Advogado da Lima e Facão Advogados Associados. Bacharel em Direito pela UFBA. Pós-graduando em direito do trabalho pelo CERS. Especialista na área trabalhista e corporativista.
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