Aspectos constitucionais do voto no Brasil: Brevíssimo réquiem à história ao sufrágio nas Constituições

1. Eleições no Império (1824-1889)[1].


Nesse período, através da CF, o Brasil passou por uma fase de reformas políticas. As eleições, neste determinado tempo, eram feitas num sistema de voto indireto. Assim, a ação de votar era desempenhada nos âmbitos locais, em setores de províncias, e todos, sem exceção, passavam pela escolha do imperador.


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Os eleitores eram somente homens com no mínimo de 25 anos completos, ou com 21 anos (casados ou oficiais militares, e independentemente da idade, se fossem clérigo ou com diploma de bacharel). De maneira expressa, os analfabetos eram proibidos de votar.


Passagem importante deu-se em 1875, quando foi criado o primeiro título eleitoral do Brasil.


Interessante notar que, as eleições nesse período eram realizadas nas paróquias, ou seja, era proferida uma missa, e com o término da mesma, era iniciada a votação. Porém, em 1881, as eleições passaram a serem feitas de maneira direta, isto é, as paróquias não eram mais usadas como zonas eleitorais.


Fato de suma importância foi a famigerada Lei Saraiva, datada em 1881, que regulamentava as eleições, dificultando ainda mais o acesso do povo às urnas, já que a lei impôs uma série de exigências, como a exigência de ler e escrever comprovadas no ato de alistamento. Por isso, teve-se um acentuado declínio do eleitorado no Brasil.


Portanto, o período imperial foi de suma importância para as votações no Brasil, já que, apesar de inúmeras restrições, o voto começou a ser instrumento de melhorias na área política administrativa, alternando a figura do governante, não sendo mais um estado de pessoas, passando assim, para um estado de leis.


2. A Primeira República (1889-1930).


Inúmeras medidas foram tomadas pelo governo republicano para as eleições neste período. Dentre as exigências pode-se enumerar, de maneira rápida e concisa, a comprovação de renda e idade mínima de 21 anos. O voto, de per si, não era obrigatório, tão quanto o alistamento.


Os cargos (federais) eram eleitos por maioria simples (Presidente, vice-presidente, e senadores) e à câmara usava-se o principio da proporcionalidade.


A autonomia municipal foi tratada de maneira que o princípio da descentralização política fosse respeitado através da soberania estatal, e por outro lado, as peculiaridades dos municípios, resguardados[2].


A corrupção alastrou-se por diversos motivos que fizeram do voto instrumento para o tiranismo político, social e jurídico. Facções majoritárias na política local passaram a controlar o alistamento eleitoral, resguardando de direito quem quer que não fosse do seu curral eleitoral, isto é, privava-se o indivíduo do exercício do voto se por acaso ele expressasse motivo divergente da facção.


O sistema eleitoral foi mudado, e assim as cédulas de votação deveriam ser colocadas num envelope fechado, que não tivesse nenhum símbolo, para dar um caráter de resguardo da vontade do eleitor, ou seja, maior segurança para que o eleitor votasse em segurança e secretamente.


De suma importância foi uma alteração efetuada em 1904, ano da última e mais decisiva mudança. Tal mudança teve como princípio a divisão do país em distritos eleitorais, o que de fato não muito ajudou, pois a corrupção ainda persistia, mas teve uma finalidade expressiva, já que delimitava as facções majoritárias, até o segundo plano.


Em suma, as mulheres e os analfabetos foram, mais uma vez, resguardados do direito de voto. A fraude eleitoral espalhou-se pelos diversos cantos desse país, deixando rastros de votos “comprados” pela força brutal, de exigências que obrigavam o menos informado, ou seja, o Brasil havia nascido como uma República de curral, onde os eleitores tinham cabrestos sufocando sua verdadeira vontade.


3. Dos anos 1930 ao Golpe de 1964.


Em meados de 1930, o Brasil sofreu uma drástica mudança política, ora, pois que, o getulismo se instalara e consequentemente o populismo exacerbado.


Após diversas discussões, em 1932 entrava em vigor o Código Eleitoral, que introduziu uma série de importantes modificações na vida brasileira. A principal mudança foi, sem sombra de dúvida, o voto feminino, já que uma onda anti-conservadora nascia na consciência do povo. E isso, de fato, foi uma grande evolução do sistema eleitoral brasileiro, pois países desenvolvidos ainda não consentiam o sufrágio feminino, v.g., a França, que somente autorizou o voto feminino em meados de 1944.


De mister é relembrar que, com o novo Código Eleitoral, o alistamento passou a ser obrigatório, imputando-se sanções aos indivíduos que não se alistavam, e.g., o direito de não trabalhar como servidor público.


Medidas foram tomadas para que o voto fosse por demais, secreto.


A primeira medida foi a instalação de cabines eleitorais, onde o eleitor podia votar sem o receio de estar sendo vigiado. A segunda medida, cumulativa à primeira, foi a instalação de envelopes oficiais, tendo a finalidade de não dar chances aos candidatos usurparem o voto secreto do eleitor. Por último, e a nosso ver a medida mais importante, a criação da Justiça Eleitoral, que ficou com a responsabilidade de organizar o alistamento, as eleições, a apuração dos votos e o reconhecimento para a proclamação dos eleitos.


O presente diploma legal ora citado introduziu o sistema misto de para eleições da câmara dos deputados, combinando aspectos do sistema proporcional e do sistema majoritário, o que trouxe maior complexidade para apuração.


Com efeito, o registro prévio de candidatos foi de suma importância trazida neste comando normativo, pois dava maior certeza quanto à segurança e admissibilidade de conhecimento perante o eleitor dos diversos candidatos, aos mais diversos cargos.


Em 1934, na Constituinte, foram introduzidos, além dos 214 representantes eleitos pelo povo, 40 nomes que foram representantes classistas, sendo que esse sistema de voto era indireto. Assim, a Constituição Federal de 1934 estabeleceu a idade mínima de 18 anos para exercer o direito ao voto, e a obrigatoriedade para homens e funcionárias públicas.


Todas essas mudanças foram por terra, já que, com o Golpe de 1937, o parlamento foi fechado, e onda democrática estava perto de não mais acontecer.


Com a redemocratização, em 1945, uma lei teve conteúdo expresso no sistema eleitoral. A chamada Lei Agamenon tornava duas únicas formas de votar: por alistamento ou por ex-officio.


A lei Agamenon, além de ampliar a obrigatoriedade do alistamento e do voto para todas as mulheres, estabeleceu multas para quem não se alistasse ou não comparecesse para votar. Além dessas medidas concernentes ao eleitor, desta lei resultaram diversas medidas protetivas, tal como o princípio da proporcionalidade para as eleições da câmara dos deputados. Os partidos eram obrigados a apresentarem uma lista de candidatos, não sendo mais permitida candidaturas avulsas, e por fim, os eleitores votavam em somente um nome.


Fato curioso foi um artigo dessa mesma lei que permitia que o mesmo candidato pudesse concorrer em diversos estados e em diferentes cargos eletivos. A mesma também regrou sobre a organização dos partidos políticos, sua formação e sua extinção.


Assim, a eleição de 1945 foi considerada a de maior participação, e de idem valor moral, já que representava uma nova era de plena democracia[3].


Doravante, a Constituição Federal de 1946 confirmou o direito de voto para alfabetizados maiores de 18 anos e a obrigatoriedade de alistamento e do voto.


No âmbito federal, o mandato à presidência era de cinco anos sem direito a reeleição, os estados elegiam três senadores cada um, com mandatos de oito anos, e à câmara dos deputados o mandato era de quatro anos.


Novamente, o parlamento brasileiro cria o mais novo Código Eleitoral, datado em 1950, que acabou com o alistamento ex-officio, tendendo somente aos maiores de 18 anos o alistamento presencial ao cartório eleitoral para a retirada do título. Hodiernamente, esse é ainda o método adotado.


  A seção eleitoral foi unificada, pois antes disso, os eleitores votavam em lugares distintos. E em 1955, uma nova lei adotou a cédula oficial, que passou a ser confeccionada pela justiça eleitoral. Uma conseqüência drástica do uso da cédula oficial foi o aumento exacerbado de votos nulos para cargos de ordem proporcional, no caso, o legislativo.


Mesmo com todos os defeitos eleitorais, a Primeira República foi um sucesso, tendo em vista os degradantes meios que os eleitores eram obrigados a votarem, antes da República. Porém, mais uma vez, os analfabetos ficaram de fora do processo eleitoral, o que de fato, fez do Brasil um país não tão democrático como queria ter-se a idéia.


4. Do Regime Militar à democracia atual (1964-2000).


Mesmo sendo um governo ditatorial, o governo militar resguardou eleições direitas para alguns cargos.


O sistema partidário era dividido em dois únicos partidos, sendo um grupo político a favor do governo militar (ARENA), e de outro lado, simpatizantes de uma “social democracia” (MDB), disputando as preferências do eleitorado.


Cargos do poder Executivo não eram eleitos, ou seja, o sistema majoritário foi drasticamente abolido.


Promulgado o Ato Institucional nº3, foram realizadas as eleições para governador e vice-governador em eleições indiretas, isso, no governo de Costa e Silva. Deveras, em 1977, a Emenda Constitucional nº8 trouxe consigo o Pacote de Abril, instituindo eleição indireta para o Senado, o que ficou conhecido como o “Senador Biônico”, sendo que este era eleito através de um colegiado de maneira indireta, ou seja, não era reconhecido o poder de voto do povo, mas sim, dos egrégios do colégio eleitoral.


Inovação do período militar foi a “invenção” da legislação eleitoral da possibilidade de utilizar a sublegenda nas eleições para prefeito e senador.


O Regime Militar teve um período, de talvez, “plena” democracia, já que no seu início as eleições eram multipartidárias (1965), e conseguintes no final de determinado período (1982)[4].


Todo o processo eleitoral era regido pelo Código Eleitoral datado de 1965, introduzindo uma série de modificações eleitorais, tais como, proibição de coligações nas eleições para sistema proporcional, registro prévio de candidatura, etc. fazendo com que o eleitor, mesmo desprovido de vontade, pudesse, ao menos, ter segurança em quem votar.


Depois do famigerado AI nº2, onde os partidos foram extintos, a volta à eleição direta ocorreu no ano de 1982, para o cargo de governador de estado.


Com o fim do Regime Militar em 1985, o congresso nomeou José Sarney para o governo provisório, sendo que a eleição para presidente da república seria feita de maneira indireta. O eleito foi Tancredo Neves, porém uma grave enfermidade o ausentou da presidência, sem que tomasse posse, morreu em meados da diplomação.


Fato de suma importância foi a emenda constitucional nº25, que dava plenos poderes aos analfabetos a votarem, porém, seu alistamento eleitoral não era obrigatório.


Em 1988, com participação imensurável de congressistas, foi promulgada a “Constituição Cidadã”, pelo qual dava garantias eleitorais, tais como o sufrágio universal, e o acesso à democracia representativa. Nesse mesmo diploma legal, foram introduzidas medidas que regulariam as eleições, v.g., a sistema majoritário de voto para os cargos de presidente da republica, governadores, senadores e prefeitos; e o sistema de dois turnos, onde o escopo está explicito no caráter de maioria absoluta, etc.


Diversas medidas deram-se na CF 88, medida estas que realçaram o espírito democrático-cidadão, como por exemplo, as emendas constitucionais que adotaram o regime de governo presidencial no prazo estabelecido em quatro anos, e não mais cinco anos, como antes era previsto; e em 1997, uma emenda que, a meu ver, restringiu o voto democrático, já que essa emenda possibilitava ao executivo a livre arbítrio para recandidatar.


No mesmo ano de 1997, o congresso aprovou lei que regulamentava de maneira especifica as eleições. A lei nº. 9.504/97 regulamentou as eleições.


Com aspecto futurista, o Brasil foi o primeiro país a adotar um meio eletrônico para votação, a urna eletrônica. Esse sistema foi de grande relevância, pois diminui plenamente o número de fraudes eleitorais, e também o número de votos inválidos, visto que na urna eletrônica é previsto apenas digitar o número do candidato escolhido, não precisando assim, escrever o nome e o número.


5. Conclusão.


Dado o exposto, conclui-se que o Brasil teve um passado obscuro nas eleições. Porém, paulatinamente o Estado Democrático de Direito instaurou-se e tem, hodiernamente, a precípua finalidade a perpetuação em liames entre o povo e seus representantes[5].


Dizia Heráclito de Éfeso que “o mundo vive em constante mutação”, e isso pode ser plenamente aplicado ao aspecto eleitoral brasileiro, visto que inúmeras foram as alternativas para alcançar um meio mais digno de escolha para a vida em comum.


A princípio, a política domina círculos escolares, intelectuais, suburbanos, etc. e, em tempos atuais vivenciados, a nação ao menos aparenta maior consciência da prestatividade do voto, o que, deveras teve a impulsão de acordo com as tendências históricas ora relatadas.


Portanto, desvincular o passado de um país é esquecer sua história, e o Brasil vem cada dia mais participando de escolhas importantes, de decisões que afetam o cotidiano urbano e rural, não se esquecendo, é claro, do passado onde a participação era limitada e que no estalo da arte é imprescindível para uma sociedade de maiores poderes de exigir atitudes para o bem comum.


 


Referências

BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

CHALITA, Gabriel. Ética dos governantes e dos governados. São Paulo: Max Limonad, 1999

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: Romance da história da filosofia. 46.reimpressão. São Paulo: Cia. das Letras, 1991.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – a Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Constituição para e Procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1997.

NICOLAU, Jairo Marconi. A história do voto no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 32.ed. São Paulo: Malheiros, 2009.


Notas:

[1] NICOLAU, Jairo Marconi. A história do voto no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

[2] SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 32.ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

[3] CHALITA, Gabriel. Ética dos governantes e dos governados. São Paulo: Max Limonad, 1999.

[4] BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 122.

[5] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – a Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Constituição para e Procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1997.

Informações Sobre o Autor

Lucas Carlos Vieira

Acadêmico de Direito do Centro Universitário Toledo – Unitoledo.


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Equipe Âmbito Jurídico

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