Resumo:. Este artigo abordará questões gerais da advocacia brasileira, com ênfase na essencialidade desta carreira na manutenção da liberdade e do estado democrático de direito. Serão estudados os predicados dos procuradores públicos, cuja missão primordial reside nos interesses da Fazenda e na defesa de teses e políticas de estado ao revés dos interesses do gestor publico que sazonalmente ocupa posto na administração pública. De modo a conferir maior eficiência na defesa do interesse público legado as fundações e autarquias, os entes federativos deverão criar procuradorias próprias para atuar na área da especialização da administração indireta. Haverá o estudo atestando ser inconstitucional qualquer tipo de investidura precária para o exercício da advocacia pública, culminando em ato de improbidade para o desobediente.
Palavras chave: advogado público, procurador autárquico, proibição, comissionados, terceirizados, improbidade.
Abstract: This article will address general issues of brazilian public lawyer, emphasizing the essentiality of this career in the maintenance of freedom and democratic rule of law. Qualities of public advocates will be studied , whose primary mission lies in the public interests and defense of thesis and state policies to reverse the public manager's interests seasonally occupies position in public administration. In order to ensure greater efficiency in the public interest heritage foundations and autarchies, federative entity should create their own attorneys to act in the area of specialization of indirect administration. There will be the study attesting be unconstitutional any precarious endowment for the exercise of public law , culminating in impropriety act for the disobedient .
Keywords:. Public advocates, constitutional law.
Sumário: 1-Considerações introdutórias; 2- Função essencial. 3. Advocacia pública 4 Procurador autárquico. 5. Proibição de vínculo precário. 6- Improbidade. 7 conclusão. Referencias
1. Considerações introdutórias
Para se atenuar os desmandos e favorecimentos dos detentores do poder em detrimento da sociedade livre e tendo em perspectiva que os poderes devem ter relativo equilíbrio entre as suas atribuições, foi consagrado pela história e posteriormente entronizado nos ordenamentos jurídicos pelo mundo a clássica tripartição de poderes atribuída ao Barão de Montesquieu.
Mesmo com mecanismos legais prevendo amortecedores visando prevenir e atenuar desgastes entre os ramos do poder constituído, a Constituição Federal de 1988 trouxe como funções essenciais a administração da justiça: o Ministério Público, a Advocacia (pública e privada) e a Defensoria Pública. A raiz da essencialidade destas nobres carreiras reside fundamentalmente na defesa da liberdade, do estado democrático de direito e da dignidade da pessoa humana.
Para que cada uma delas possa cumprir a respectiva missão constitucional, em maior ou menor extensão, elas gozam de autonomia e encontra-se em patamar isonômico com Estado. As carreiras atinentes às funções essenciais a justiça, não podem ser desmobilizadas ou desmoralizadas ao alvedrio do detentor do poder. A exceção óbvia da advocacia privada, o exercício da referidas funções essenciais é exclusivo dos seus membros regularmente concursados, portanto, o seu munus é flagrantemente indelegável a particulares. Para alcançar o desideratum maior, as prerrogativas funcionais e remuneração dos integrantes daquelas carreiras deverão ser idênticas.
Todavia, o peso da responsabilidade destas funções não fica restrito ao âmbito judicial. Cabe àquelas carreiras um esforço para resolver conflitos fora do juízo, seja na mediação, conciliação ou na tortuosa senda administrativa. A sua atuação em sede preventiva evita a ilegalidade e o desperdício advindo dela, bem como atua no controle preventivo da corrupção.
Rendendo homenagens às demais funções essenciais à administração do Estado e da Justiça, este artigo tem modesta pretensão de abordar alguns aspectos da Advocacia Pública, adotando-se como premissa nuclear o disposto na lei 8.906/94, o código de ética e Provimento nº 144/2006 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Dado o seu caráter único, a Advocacia Pública é traduzida como atividade tipicamente de estado. Portanto, não pode ser delegada a terceiros. Seja na esfera consultiva ou contenciosa. O plano de fundo do seu trabalho é promoção dos interesses da Fazenda e da política publica que encontra albergue na Constituição. O advogado público somente deve almejar o bem comum, isto é, o interesse da sociedade e não do gestor de ocasião. O horizonte a ser perseguido é a pratica de uma Advocacia de Estado e não de governo. Os interesses políticos do gestor devem ser patrocinados por advogado particular pago as suas expensas e não pelo Erário.
Desta feita, os advogados detentores de cargo de provimento efetivo, não tem a menor preocupação em atender os humores do Chefe do Executivo e seus asseclas. As suas atribuições podem até tangenciar a viabilidade de determinada política pública, mas nunca devem sucumbir as depravações do gestor.
A independência constitui a maior virtude e o valor mais caro ao advogado. A sociedade incute no seu âmago certeza de que o advogado concursado atuará conforme o ordenamento jurídico e se empenhará sempre pelo bom combate, repudiando assim qualquer interferência tendente a afasta-lo do caminho do bom Direito.
O patrono com vínculo precário fará de tudo para encobrir os ilícitos e caprichos do seu padrinho, enquanto o procurador público tem como missão abrir a cortina e deixar o sol fazer o seu trabalho.
2. Função essencial
Uma das inovações instituídas pela Constituição de 1988 tem relação com a valorização da advocacia como sendo uma instituição essencial à defesa da soberania democrática e da guarda dos altos valores constitucionais. Ao mesmo tempo em que houve o enobrecimento da profissão, proporcionalmente acarretou num aumento do ônus do dever-ser do advogado perante seus próprios pares o Judiciário e a coletividade.
Ao ser elevado a função essencial à justiça, o advogado carrega consigo uma legítima expectativa social, de que atuará como um bastião da ética, agindo de forma independente e crítica[1] em face das ilegalidades e injustiças diárias.
Quando o advogado no exercício das suas funções e prerrogativas postula ou se dirige a qualquer Autoridade, o faz, em última análise, em nome de toda a sociedade, que legou no art. 133 da CF a virtuosa missão de servir como função essencial à justiça. Os advogados constituem a espinha dorsal do estado democrático de direito. A sua aliança necessariamente é com a democracia e não com o líder político de ocasião.
Situações conflituosas fazem parte do dia a dia da advocacia. Dependendo dos interesses e das pessoas envolvidas haverá enorme assimetria entre os envolvidos, situação em que o advogado não deverá se acovardar. A reputação individual de cada causídico reflete na imagem geral da advocacia, daí decorre a imperiosidade de que sua atuação seja sempre proba e destemida[2]. Neste ponto, faz-se oportuna a menção da manifestação histórica do advogado Sobral Pinto: “a Advocacia não é uma profissão de covardes”.
Desta forma, o profissional da advocacia pusilânime, que se deixa ser humilhado, atua com mesquinhez ou que se submete passivamente ao injusto, rebaixa a si e leva junto toda a honra de uma categoria inteira. O respeito à profissão é conquistado e posto a prova diariamente. Há um abismo entre ser advogado e apenas ter inscrição na Seccional da OAB. Na realidade, o párea contribui ativamente para que o abuso do direito e a ilegalidade prevaleçam impunimente, praticando assim, um enorme desserviço à sociedade.
Afora a Constituição Federal de 1988, a Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB) é a norma mais importante do advogado. O Estatuto prevê quais são as suas atribuições[3] e com clareza solar[4] determina que a virtude profissional está ligada a sua atuação livre em consonância com a sua consciência jurídica, tendo como referencial inafastável os mais elevados valores éticos e morais, notadamente os previstos na Constituição Federal de 1988. Neste particular, ao comentar o art. 31 § 1º da Lei 8.906/94, a Prof.ª Gisela Gondin Ramos[5], traz preciosa lição sobre o dever de independência imposto a todos os advogados, in verbis:
“O termo, no Estatuto, é empregado no sentido amplo, comportando não só os conceitos de independência técnica, como também de consciência pessoal. É princípio dominante, fundamental, significando que o advogado, para ter condições de exercer sua nobre função, há que se preservar independente de pressões, libertando-se de quaisquer medos que lhe possam restringir a sua atuação.
Esta independência do advogado reflete-se e ao mesmo tempo é refletida na independência da própria Ordem dos Advogados, apresentando-se como base que sustenta a integridade da advocacia, a dignidade da profissão, legitimando os seus membros e a Corporação que os congrega, como paladinos da Justiça, do Direito e da Legalidade. ”(sem grifos no original).
Nesta toada, os deveres impostos a todos os advogados também podem ser encontrados no art. 2º do Código de Ética emanado pelo CFOAB: “O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes”
Com relação à rotina administrativa, determinadas regras aplicáveis ao funcionário ordinário, devem ser adaptadas para que não incidam em embaraço ao regular exercício da advocacia. Recorrendo a velha formula aristotélica de “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam”, a aplicação de regras funcionais devem ser interpretadas tomando por base à dignidade e a natureza das atribuições do advogado publico(Lex especialis), frente às obrigações gerais (Lex generalis) de todos os servidores públicos. O professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto[6] em artigo doutrinário traz a fórmula perfeita para dirimir eventuais divergências quando há aparente conflito entre os regramentos, in verbis:
“Como primeira regra, a observância dos deveres gerais da advocacia pública é fundamental para o desempenho da Advocacia de Estado, como função essencial a justiça, impondo-se esses sobre quaisquer outros.
Como segunda regra, os deveres constitucionais específicos do Advogado ou Procurador de Estado precedem a quaisquer outros deveres específicos impostos por leis ordinárias ou atos normativos menores, pois os cometimentos de radical constitucional têm precedência sobre qualquer outra sorte de cometimentos.
Como terceira regra, o dever de lealdade do Advogado ou Procurador de Estado, enquanto servidor público, não pode se esquivar, sob pretexto algum, de se opor a toda ordem que, por ciência e consciência próprias, tenha como atentatórias à lei e ao Direito…
Como quarta regra, a fortiori e, sobretudo, por se tratar de um dever constitucionalmente decorrente, o Advogado investido em Procuratura constitucional especificamente destinada ao controle de juridicidade do segmento da Administração junto a qual atua, tem o dever técnico e funcional de se opor a todo ato de autoridade administrativa, seja de que nível provier, que lhe pareça em ciência e consciência, atentatório a lei e ao Direito...” (sem grifos no original)
É muito comum que administradores públicos, ao conferir interpretação míope a dispositivo legal de que trata do dever geral de assiduidade e pontualidade do servidor, imponham ao advogado controle de ponto tipicamente operário/burocrático[7]. A Administração deve envidar todos os esforços para compatibilizar a comprovação de assiduidade com a dignidade da Advocacia[8]. Neste sentido, há a súmula nº 09 da Comissão Nacional da Advocacia Pública do CFOAB, in verbis:
“Súmula 9 – O controle de ponto é incompatível com as atividades do Advogado Público, cuja atividade intelectual exige flexibilidade de horário”.
A assiduidade e pontualidade do advogado é intrinsicamente ligada ao cumprimento de prazos e não baseada em tempo cronometrado[9], razão pela qual, a existência de previsão no edital do concurso pertinente a carga horária semanal, cumpre papel meramente folclórico, frente às responsabilidades que o Advogado Público tem de carregar (defesa da ordem jurídica) e dos deveres constitucionais e legais que tem de cumprir. Novamente: em que pese à relevância social das demais profissões, beira a raia do ridículo e do absurdo tratar o advogado militante[10] ou não como se fosse um mero burocrata de escritório.
A natureza intelectual da advocacia é incompatível com o controle rígido de horário[11]. Afinal de contas à pesquisa e elaboração de petições, pareceres e manifestações jurídicas em geral, dependem de condições mínimas de trabalho para se propiciar o raciocínio e estudo adequados, que em última análise culminarão na obra intelectiva capaz de traduzir a vontade da Advocacia de Estado.
Dentre a miríade de razões pra sustentar esta posição, ficarei restrito as mais evidentes: A uma, por se tratar de profissão que lida com aspectos peculiares da inteligência jurídica, sendo naturalmente de confiança da sociedade, cujo agir não se encerra com o alarme do relógio indicando o rancho ou o fim regulamentar do expediente. A duas, a senda da advocacia contenciosa não se prende a horários para o seu exercício, tendo em especial perspectiva atos processuais como audiências e sustentações orais, onde o seu início e término ficam ao sabor da complexidade dos debates e da pauta. A três, o Advogado, mais do que qualquer outro ser humano vivente, tem sua vida regida por prazos, quer de ordem judicial ou administrativa; neste contexto soluções jurídicas não nascem em árvores ou caem do céu, elas devem ser trabalhadas, refletidas e revistas dentro do lapso temporal adequado, inclusive sob pena de responsabilização pessoal e funcional do procurador público.
Ademais, a avaliação funcional do trabalho do advogado-servidor deverá ser calcada no nível da sua respectiva produção jurídico-intelectual em cotejo com o cumprimento dos prazos inerentes as suas atribuições. Evidentemente, por se tratar de carreira típica de estado, tal juízo somente poderá ser levado a cabo por um par, ou seja, outro advogado estável que tenha conquistado cargo equivalente ao do avaliado.
Os advogados públicos, somente destoam dos particulares em razão do vínculo com os seus “clientes”, sendo a essência do seu trabalho (postulação e zelo pelo bom direito), mutatis mutandis, a mesma. O procurador público é ligado impessoalmente a Administração pelo concurso específico para o desempenho daquela carreira. A clientela daqueles advogados tem forma (sociedade), mas não tem um rosto definido.
O profissional particular exerce o seu munus publico principalmente pelo vínculo de confiança existente entre outorgante do mandato e o outorgado, sendo o patrocínio dos interesses[12] do constituinte o mote principal do contrato. Todo o agir deve ser confluente, sob pena de o patrono sofrer penalidades administrativas[13] ou até mesmo ter consequências penais[14].
Neste contexto, a defesa dos interesses da sociedade tendo como perspectiva o Poder Público, foi legada pela Carta Política de 1988, a advogados concursados com edital específico e vocacionados a zelar pela sociedade, na pessoa dos Entes Federativos constitucionalmente consagrados e suas respectivas autarquias e fundações.
O critério do concurso público implica na lealdade do candidato aprovado perante a respectiva Instituição, divorciado, portanto, de quem ocupe sazonalmente a sua chefia executiva e os interesses que o motivaram a ocupar tal cargo.
Abstraindo-se que critérios éticos não precisariam ser positivados, robustecendo o disposto na Lex generalis, o Código de Ética[15] instituído pela Ordem dos Advogados do Brasil por força do art. 33 c/c 55, V da Lei 8.906/94, reforça o seu caráter impositivo. A ética é o sentimento da necessidade de dar combate ao injusto, situando-se em uma ordem anterior ao Direito, que a pressupõe. Direito sem ética é arbitrariedade pura. Ética sem direito é uma incompletude. Exatamente nesta senda intelectiva, o Profº. Celso Cintra Mori[16], deixa legada a seguinte lição:
“A primeira é a de que a advocacia tem um interesse intrínseco fundamental na ética. Ainda que fosse apenas por necessidades corporativas e de defesa do mercado de trabalho, todo advogado deveria ser profundamente ético e ter comportamento profissional compatível. Porque ainda que a falta de ética possa produzir no curto prazo alguns resultados favoráveis ao cliente ou ao advogado, a médio e longo prazos a falta de ética desorganiza o Estado de Direito e a convivência social, tornando desacreditada, inútil e improdutiva a atividade do advogado…
Um código de ética só pode ser visto como um conjunto de enunciações sobre a ética, compilado com o propósito de destacar e ressaltar princípios, ênfases e prioridades “. (grifo nosso)
3. Advocacia Pública
A Carta Magna reservou aos artigos 131 (união) e 132(estado-membro) para tratar da Advocacia Pública dos Entes Federativos, restando odiosa omissão quanto aos Municípios[17]. Tais importantes dispositivos cingem-se na organicidade das respectivas carreiras públicas, devendo ser lido em conjunto com o art. 133 do Diploma Constitucional[18]. Sem qualquer receio de errar, pode ser extraído da inteligência da Carta Política, que as prerrogativas mais caras a Advocacia são a independência[19] e a inviolabilidade dos atos e manifestações.
Para a realização de todos os desideratos constitucionais, todos os advocatus se encontram submetidos ao império instituído pela L. 8.906/94, in verbis:
“Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
§ 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional” (sem grifos no original)
Neste passo, a Ordem dos Advogados do Brasil, cumprindo com a sua missão constitucional, promoveu ato normativo, para dentre outras coisas identificar quais agentes públicos pertencem aos quadros da Advocacia Pública. Para tanto foi editado o Provimento nº 114/2006 do CFOAB, são eles:
“Art. 2.º Exercem atividades de advocacia pública, sujeitos ao presente provimento e ao regime legal a que estejam submetidos: I – os membros da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Procuradoria-Geral Federal, da Consultoria-Geral da União e da Procuradoria-Geral do Banco Central do Brasil; II – os membros das Defensorias Públicas da União, dos Estados e do Distrito Federal; III – os membros das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das respectivas entidades autárquicas e fundacionais; IV – os membros das Procuradorias e Consultorias Jurídicas junto aos órgãos legislativos federais, estaduais, distrital e municipais; V – aqueles que sejam estáveis em cargo de advogado, por força do art. 19 do ADCT”c(sem grifos no original)
Desta forma, para que o servidor público detentor de cargo de provimento efetivo possa ser enquadrado como advogado público, deverá, ser aprovado em concurso específico, onde cumulativamente no edital elaborado a conveniência de cada Ente Federativo se exija, no mínimo, a inscrição regular na OAB, bem como o referido cargo detenha quaisquer das atribuições previstas no art. 1º da Lei 8.906/94, in litteris:
“Art. 1º São atividades privativas de advocacia:
I – a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais
II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.” (sem grifos no original)
Portanto, para se evitar qualquer tipo de desvio ou transposição de cargos, os fatores acima declinados devem estar presentes para que seja atestada identidade ou não do cargo com a Advocacia Pública.
Ao contrário da União (art. 131 da CF) e dos Estados (art. 132 da CF), a advocacia municipal carece de um dispositivo constitucional especialmente lapidado para ela, isto é, citando-a textualmente. Mesmo assim, a moralidade administrativa e o instituto do concurso público constituem regras constitucionais de caráter inegavelmente petreo, portanto, tem-se impossível hermenêutica que dê ensejo à ausência de procuradores concursados nos municípios e suas autarquias[20]. O novel art. 75 III do CPC[21] deve sofrer interpretação restritiva abarcando apenas os advogados concursados para a correspondente municipalidade e suas autarquias (art. 75 IV do CPC).
Não se olvide que os procuradores das estatais desempenham igualmente relevante papel para a advocacia e a sociedade. Os mais vultosos escândalos provêm da administração indireta, ressaltando que os quadros de sua advocacia são convenientemente desaparelhados e tomados por contratados precários. O salteador do dinheiro público vai onde tem facilidades!
O regime das empresas públicas e sociedades de economia mista, por mandamento constitucional segue indiscutivelmente as leis e dinâmicas inerentes ao direito privado. Todavia, o destino do dinheiro lá aplicado tem relevância social (interesse público) e tem impacto direto ou indireto na capacidade da Fazenda em gerir os recursos. Os dirigentes das estatais, a exemplo das suas contrapartes na administração pública direta não estão autorizados a usar patrimônio da pessoa jurídica ao seu alvedrio. As regras do art. 37 da CFRB devem também devem ser seguidas pelas empresas públicas e sociedades de economia mista, notadamente quando se fala da obrigatoriedade de concurso público para a admissão dos seus empregados.
Por uma questão elementar de simetria, os advogados das estatais devem gozar das mesmas prerrogativas funcionais e vencimentos praticados com os seus colegas estatutários. Vale lembrar que a Lei 8.906/94 c/c provimento 114/2006 do CFOAB abarcam absolutamente todas as modalidades de advogados publicos. Logo a diferença entre um procurador de estatal e um da administração direta ou de autarquia /fundação, reside unicamente na natureza jurídica da investidura do seu vínculo (concurso) com a Instituição.
Da mesma forma, os procuradores[22] e consultores do legislativo também devem ter valorização idêntica às demais carreiras. O ramo de consultoria legislativo tem de ser igualmente prestigiado, já que a elaboração de projetos legislativos de acordo com a Constituição estará menos suscetível a questionamentos perante as Cortes Judiciais[23]. Fato este que gera economia de recursos e maior segurança jurídica.
4. Do procurador Autárquico
Em apertada síntese as autarquias e fundações públicas[24] são instituídas por meio de lei específica, pelo Ente Federativo com personalidade jurídica de direito público, para a consecução de políticas públicas de estado específicas, seguindo, portanto, os desígnios da Constituição.
A sua formação e manutenção ultrapassa a legislatura que a criou. Elas possuem quadro funcional afetado e em caso de extinção, os servidores lá alocados serão incorporados a Administração Direta. A autarquia/fundação poderá até deixar de existir, mas sempre haverá demanda de pessoal pelo poder público, especialmente quando se trata da alea jurídica.
A administração indireta detém caráter eminentemente técnico e não político. Logo, não deve ser comparada a Ministérios e Secretarias de Estado, que são desfeitos e erigidos ao sabor da política de cada governante de ocasião. Enquanto um ministério pode ser criado para acomodar a coalizão que elegeu o Chefe do Executivo, uma autarquia/fundação atenderá execução de uma política pública e dificilmente será descartada na mesma velocidade e frequência com que acontece com os cargos políticos na administração direta.
As entidades da Administração Indireta apesar de possuírem personalidade jurídica própria, integram o conceito de Fazenda, gozando, portanto, de todas as prerrogativas inerentes a ela, notadamente as processuais: art. 182 e ss. do CPC.
Independente do seu matiz, o Procurador Público regularmente aprovado em concurso específico para atuação nas hostes da advocacia pública, deverá ser tratado isonômicamente em relação aos demais congêneres procuradores. Compartilhando assim, a mesma base legislativa, seja em termos de raiz da nomenclatura, nas prerrogativas funcionais, honorários de sucumbência e vencimentos. A dignidade é da advocacia. A atuação é em prol da Fazenda (rectius sociedade).
O procurador público terá como único horizonte o interesse coletivo, pouco importando se irá desagradar o gestor ou seus serviçais. O Advogado estatutário, por definição constitucional, é um órgão unipessoal, praticando o que a doutrina consagrou como sendo Advocacia de Estado. Prestemos atenção ao magistério mais do que qualificado do profº. Diogo de Figueiredo Moreira Neto[25], ipsis litteris:
“… Advogados de Estado, sejam eles da União, dos Estados Membros, do Distrito Federal (e doutrinariamente, até dos Municípios) e de suas autarquias de todo gênero e fundações de direito público, são, afinal, todos em última análise os responsáveis e atores principais da permanente tarefa de aperfeiçoamento das respectivas funções constitucionais, ainda porque, conhecendo melhor as dificuldades que diuturnamente enfrentam, compete-lhes dar delas testemunho, e sobretudo, o elevado exemplo de brava intransigência, quando se trate do cumprimento do direito. (grifo nosso)
Deve ser registrado que lamentavelmente no âmbito de alguns estados federados e municípios, não há um estatuto específico[26] para os procuradores da administração indireta. Mesmo eles tendo, nos termos do art. 1º c/c 3º § 1º da Lei 8.906/94, a nobre e árdua faina na defesa do patrimônio público (Fazenda). Coadunados, portanto, com aos deveres dos ilustres advogados da administração direta.
Nesta toada, apesar de não ter previsão reluzente no art. 132 da CF, é juridicamente possível extrair-se da inteligência da Constituição Federal de 1988, a existência e legalidade da carreira de procurador autárquico. Sobre a constitucionalidade e legitimidade deste cargo[27] na ordem jurídica brasileira, é pertinente trazer a lume a lição de escol esculpida profº. Leonardo Carneiro da Cunha[28], in verbis:
“… nos termos do art. 75 IV do CPC, as autarquias e as fundações de direito público são presentadas em Juízo, ativa e passivamente, “por quem a lei do ente federado designar”.
Desse modo, conforme estabelecido pelas normas criadoras, a presentação pode ser confiada ao seu dirigente máximo ou a procuradores (chamados de procuradores autárquicos ou de procuradores de fundações, respectivamente), caso sejam criados tais cargos no âmbito interno das autarquias e fundações, com a função expressa de presenta-las em juízo.” (sem grifos no original)
Ademais, O Supremo Tribunal Federal, no que se refere ao paradigma pertinente ao teto dos subsídios dos procuradores autárquicos, conferindo a regular hermenêutica constitucional, decidiu que os membros desta carreira estão abarcados na previsão do art. 37 XI da CF. Vejamos:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TETO REMUNERATÓRIO. ART. 37, XI, DA CONSTITUIÇÃO. EXEGESE DO TERMO “PROCURADORES”. INCLUSÃO DE PROCURADORES DE ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. PRECEDENTE: RE 558258, RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI, PRIMEIRA TURMA, DJe051 DIVULG 17-03-2011 PUBLIC 18-03-2011. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 562.238. 02/04/2013”
Ora, só há enquadramento remuneratório, em razão da existência concreta de um cargo que o corresponda. Criada a Autarquia ou Fundação, deverá no mínimo ser instituída a respectiva procuradoria. Deve ficar claro que não se pretende incentivar o dissenso entre os membros da própria Administração Pública, o diálogo e a divergência são salutares num regime democrático, mas certos atos políticos podem tem caráter danoso além de qualquer tolerância legal. Diz o velho jargão consagrado nos bancos das faculdades de direito “na prática a teoria é outra”.
Abstraindo-se a Lei de Mediação (L. 13.140/2015), de forma preventiva devem ser tomadas providencias para que interesses conflitantes entre a Administração Direta (governante temporal) e Indireta (área técnica estável) não sejam resolvidos de forma manu militari.
Tomando por base a especificidade da autarquia/fundação e a singularidade eminentemente política da administração direta, é imperativa a existência de corpo próprio de procuradores[29] especializados na seara técnica que ensejou na sua criação. Quanto mais aprofundado o estudo, mais refinada será a defesa da Fazenda.
Para que possam atuar com a devida isenção jurídica na área consultiva e extrajudicial devem os autárquicos, em estatuto legal próprio, deter status formal semelhante com os seus colegas procuradores do estado. A opinião técnica-jurídica deve ter o mesmo peso, já que o munus exercido por ambas as categorias tem albergue no art. 1º da Lei 8.906/94.
Quando não se tratar de norma vinculante advindo do órgão jurídico central, a escolha da tese administrativa deverá recair unicamente sobre os ombros do gestor público, que arcará com os eventuais ônus relativos a uma má escolha. O que não pode existir de jeito nenhum é a soberba entre carreiras, uma vez que, todos os advogados públicos, repita-se a exaustão, encontram-se sob o manto da multicitada Lei 8.906/94 9(art. 1º c/c 3º § 1º).
No que tange a atuação Judicial, a procuradoria da administração indireta por ter maior contato com a expertise da respectiva Autarquia/Fundação, detém maiores condições de zelar pela defesa da Fazenda. Apesar disso, por estar enquadrada num sistema jurídico, não há impedimento de seguir as coordenadas ditadas pela procuradoria geral. Aqui devem ser trabalhadas teses de estado, devendo, como regra geral, ser obedecidas às diretrizes institucionais elaboradas pelo respectivo órgão jurídico central. Sem menosprezo do dever de independência inerente a cada advogado, o idioma a ser falado em Juízo deverá ser o mesmo, em nome de uma atuação uniforme na defesa dos interesses do Erário.
Por uma questão elementar de racionalização da mão de obra e da já referida especialização da matéria legada a Administração Indireta, é mais do que louvável que os seus procuradores sejam incumbidos da sua própria atuação na esfera judicial e cuidar da estrutura burocrática que advém dela. Quem tem o dever de praticar a Advocacia de Estado, o faz na esfera consultiva ou contenciosa com a mesma obstinação e zelo pela res publica. No frigir dos ovos o raciocínio jurídico e a interesse público continuam, cada uma na sua medida, os mesmos. O requisito primordial do concurso público foi atendido.
Em termos ideais, os procuradores de Autarquia e Fundação deveriam ficar subordinados funcionalmente a um órgão jurídico único, que definiria dentre outras coisas a lotação de cada servidor na autarquia/fundação onde houvesse a maior demanda por pessoal. Seria muito mais eficiente[30] e menos dispendioso para a administração, se houvesse integração inteligente entre os advogados da administração indireta, a exemplo do que aconteceu com a União, com a criação da carreira de procurador federal.
Claro que uma Advocacia Autárquica forte e integrada, no seu âmbito funcional, diminuiria substancialmente os desvios e a ilegalidade, mas como aparentemente o combate à corrupção é só um desejo efêmero e sazonal, a sociedade deixa passar.
Merece também o registro que o art. 9º, da Lei n.º 9.469/97, é expresso ao prever que "A representação judicial das autarquias e fundações públicas por seus procuradores ou advogados ocupantes de cargos efetivos dos respectivos quadros, independe da apresentação do instrumento de mandato”. Nesta mesma toada são os firmes entendimentos sumulados no STF[31], STJ[32] e o TST[33] sobre a representação processual das autarquias.
Deve ser assinalado ainda, que o Código de Processo Civil em seu art. 182 trata a Advocacia Pública, como um gênero, cabendo à inteligência de duas espécies relacionadas estritamente com o vínculo criado com o concurso público prestado, a saber: os procuradores da administração direta e indireta[34].
Nesta toada pode ser citado o art. 75 IV do CPC, onde há prestígio da vontade do Ente Federativo, para de acordo com a sua autonomia, institua ou não fundações e autarquias. Se o fizer, o Ente deverá criar corpo próprio de procuradores[35] especializados na expertise da entidade ou então irracionalmente aumentar a já extenuante carga de trabalho dos procuradores do estado com a promoção da defesa de mais um ramo da Fazenda, fato este que prejudicará a eficiência do serviço.
De qualquer forma, deve ser repudiada qualquer interpretação legal que enseje na remota tolerância de que advogados detentores de vínculo precário possam praticar atos exclusivos da Advocacia Pública, seja na área consultiva ou contenciosa. Acerca do tema, o Supremo Tribunal Federal tem remansosa jurisprudência sobre impossibilidade de advogados privados praticarem atos restritos a Advocacia de Estado, in verbis:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. …. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente. ADI 4261-RO Relator: Min. AYRES BRITTO. D.O: 20/08/2010”
Ademais, não há sentido lógico em vedar a participação de afilhados na administração direta e não aplicar exatamente o mesmo raciocínio para as autarquias e Fundações de direito público, já que todos se enquadram no conceito de Fazenda. No máximo, o particular pode prestar serviços esporadicamente sobre o estudo de índole acadêmica sobre tese jurídica, que guarde estrita pertinência com os interesses da Fazenda, todavia, jamais poderá atuar em situações e casos concretos.
Dado o reconhecimento fático-jurídico da existência e pertinência dos procuradores da administração indireta, se faz salutar trazer a baila o enunciado 383 do Forum dos Processualistas Civis, in verbis:
“E. 383 (art. 75, §4º) As autarquias e fundações de direito público estaduais e distritais também poderão ajustar compromisso recíproco para prática de ato processual por seus procuradores em favor de outro ente federado, mediante convênio firmado pelas respectivas procuradorias”. (Grupos: Impacto do novo CPC e os processos da Fazenda Pública e Negócios Processuais)
É imprescindível que a Constituição Federal, por simetria com o modelo de advocacia especializada consagrado pela União, contenha dispositivo expresso determinando a criação[36] da carreira de procurador da administração indireta nos estados-membros e nos municípios, onde neles existam autarquias ou fundações. Deixando por conta de cada um a regulamentação da carreira, tendo em vista, a demanda específica do ente federativo em questão.
Despiciendo lembrar, que para ser enquadrado na categoria de Advogado de Estado, o cargo público em voga deverá conter no edital do seu concurso as atribuições entabuladas no art. 1º da Lei 8.906/94. A remuneração deverá obedecer ao disposto no art. 39 § 1º da CF.
A Advocacia Pública é atividade típica de estado, sendo também enquadrada como função essencial a justiça, implicando na indelegabilidade[37] do seu exercício a qualquer um que não pertença regularmente aos seus quadros. Sendo atividade indispensável à efetividade da Constituição Federal, a exemplo da Defensoria Pública[38], Magistratura e Ministério Público, o constituinte reformador tem o dever de buscar constantemente melhorias institucionais.
Beira a leviandade conjecturar que o típico administrador público brasileiro, envidará esforços para a construção e fortalecimento de carreira, que implique em maior controle dos atos e gastos públicos. Se não vier um mandamento constitucional, isto é, ordem direta e clara de cima para baixo, a revoada de apadrinhados jamais será debelada e os recursos da sociedade continuarão a servir aos corruptos.
A sociedade brasileira jamais deixará o estigma do colonialismo e apaniguamento enquanto não construir consciência crítica sobre a moralidade administrativa e os negócios próprios a políticas de estado.
Portanto, todos os advogados regularmente concursados para as carreiras da advocacia pública, devem obrigatoriamente se portar com a galhardia e desassombro instituídos pelo Estatuto da OAB e todos os seus regramentos[39], além dos estatutos próprios de cada ramificação da Advocacia Pública.
5 Precariedade do vínculo
Muito embora a Constituição Federal de 1988 faça uma previsão genérica no art. 37 V, de que forasteiros possam ocupar cargos de direção, chefia ou assessoramento na Administração, certamente esta peculiaridade não deverá ser aplicada a cargo destinado a Advogado Público. O procurador concursado exerce uma função essencial ao funcionamento do Estado Democrático de Direito, ao atuar, dentre outras coisas, no controle de legalidade da Administração, na medida em que defende o interesse público, e não a conveniência efêmera do gestor.
Essa função de controle, como obstinadamente defendido acima, é notoriamente incompatível com formas de investidura marcadas pela precariedade, tais como o comissionamento ou qualquer outra modalidade de admissão de advogados que os submeta à affectio de quem os tenha contratado ou nomeado. Neste sentido é o magistério do profº. Mario Bernardo Sesta[40], in verbis:
“São incompatíveis com a caracterização da Advocacia do Estado, salvo em hipóteses excepcionais, as formas de investidura marcadas pela precariedade, tais como o comissionamento, a contratação e qualquer outra modalidade de admissão de Advogados para o exercício dessa competência, que os deixe sujeitos ao “nuto” de quem os tenha nomeado, admitido ou contratado. A investidura institucional pressupõe, no mínimo, que os agentes da Advocacia do Estado sejam investidos em cargo público de provimento efetivo, só acessível mediante concurso público, e que a competência que lhes é própria decorra, no mínimo, da lei e, não, de ato administrativo.” (sem grifos no original)
Obviamente numa relação privada, o patrono exercerá o seu mandato em prol dos interesses do seu constituinte. Por uma questão de raciocínio lógico, este paralelo, deve ser estendido ao advogado com vinculo precário com a Administração. O tal causídico atuará primordialmente para agradar e atender a lascívia administrativa do seu nomeante, até porque, se não o fizer perderá a sua “boquinha” com o poder público.
A Advocacia Pública por ostentar características de carreira de estado, não pode ser delegada a terceiros. Nesta toada, é nulo de pleno direito qualquer ato administrativo ou processual contencioso subscrito por impostores (vínculo precário), ante a absoluta ausência de pressuposto de existência.
Por uma questão de segurança jurídica, a razão de existir de um “ato presumidamente legal”, implica no atendimento mínimo dos requisitos de validade. Todos as ações praticadas por advogado com vínculo precário são inidôneos por natureza, isto é, de caráter mais do que duvidoso, devendo todos os seus atos serem prontamente anulados (in dubio pro sociedade), por ferir de morte a boa fé objetiva e a moralidade administrativa, cujo corolário é a presunção de legalidade dos atos administrativos.
Seria leviano crer que os afilhados têm vontade própria ou que venham a tomar qualquer atitude em desatino com os objetivos do seu padrinho, sejam eles flagrantemente ilícitos ou atuando com desvio de finalidade. Esses esparros atendem presumidamente a um interesse externo e potencialmente escuso, devendo sua presença ser execrada completamente do serviço público. Faz-se mais do que oportuna menção a frase atribuída ao filósofo Tomas de Aquino: “de boas intenções o inferno esta cheio”.
Portanto, um indivíduo com vínculo ad nutum com a Administração Pública, unicamente se preocupará em manter o seu respectivo gestor-proxeneta feliz e com a libido administrativa satisfeita, em detrimento da ética, do interesse público e os eventuais prejuízos advindos de uma má conduta. Caso algum dano advenha de um ilícito perpetrado pelo precário, que na prática “só deve satisfações ao seu padrinho”, recairá sobre o colo da “viúva” a responsabilidade pela indenização. Seguindo nesta toada, o festejado profº. Celso Antônio Bandeira de Melo no bojo de seus ensinamentos em seu Curso de Direito Administrativo[41] traz esta lapidar lição:
“Estes cargos e as chamadas funções comissionadas são as grandes fontes dos escândalos encontradiços no serviço público porque, quando os seus ocupantes não provem de carreiras públicas, carecendo de grandes compromissos com elas, são alheios aos freios que disto lhe resultariam (…) razão pela qual são manipuláveis à vontade por seus superiores, agentes políticos, de cuja boa vontade depende a sua permanência, pelo que geralmente são proclives a satisfazer-lhes os propósitos, ainda quando incorretos…” (sem grifos no original)
Ademais, a advocacia pública, obiter dictum, não é efetivamente estruturada na maioria das autarquias e fundações estaduais. O conveniente vácuo criado, flagrantemente em desfavor da sociedade, é preenchido por advogados nomeados, com alto índice de déficit intelectual, de honradez pífia e com integridade moral extremamente questionável.
Tomando por base os argumentos acima, é absolutamente impensável que um advogado com vínculo precário presente a Administração Pública em Juízo ou que produza qualquer parecer jurídico sobre um caso concreto. No final das contas é a vontade da Administração que será posta no texto, com presunção de legalidade. Se tal vontade atende a fins obscuros ou não, restará ao controle repressivo (Tribunal de Contas, Ministério Público…) investigar os fatos imputados como ilegais, situação que somente ocorrerá, invariavelmente, anos após a feitura do tal ato. O prejuízo é incalculável !!
O mestre Celso Antônio[42] demonstra, acertadamente, ter verdadeira ojeriza no fato de que detentores de vínculo precário trabalhem na feitura e subscrição de trabalhos técnicos, que servirão de escopo para a tomada de decisões administrativas, o que é merecedor dos mais efusivos aplausos!! Vejamos:
“Anote-se que é absolutamente inadmissível que titulares de cargos em comissão possam emitir “pareceres técnicos” e, se o fizerem, tais pareceres, conforme advertência de Carolina Zancaner Zockun, serão inaptos a oferecer suporte jurídico prestante para quem os siga.” (grifei)
Para o bem ou para o mal, vive-se hoje na era dos direitos. Toda a maledicência praticada no cotidiano visa o seu desiderato com um mínimo de lastro jurídico. O desperdício de recursos, bem como os desvios escandalosos de dinheiro público, especialmente os relacionados ao procedimento licitatório[43], nascem como um ato presumidamente legal e na gigantesca maioria das vezes são chancelados por um advogado (“assessor jurídico”)[44], sem vínculo moral e legítimo (concurso) com a Administração.
A sociedade não pode ser submetida ao risco da rapinagem por quem a deveria servir e na verdade acaba por se fartar com os recursos públicos, sem a menor cerimônia, quer embolsando pecúnia, traficando influencia ou empregando parentes. É escandalosamente bestialógico e frívolo conjecturar que a raposa zelará pelo maior interesse do galinheiro. Honestidade não é uma opção!
A democracia e o Estado de Direito só se fortalecem com sólidas instituições voltadas para o controle da legalidade, o que exige a garantia constitucional de um corpo permanente, profissionalizado, bem preparado, protegido e remunerado, sem riscos de interferências políticas indevidas no exercício de funções eminentemente técnicas. Sobre a matéria o professor Dalmo de Abreu Dallari[45] leciona da seguinte forma, ex cathedra:
“O procurador público é quem torna certo que o Poder Público não é imune ao Direito. Compete-lhe defender os interesses sociais, particularizados numa entidade pública, sem excessos ou transigências, sempre segundo o Direito. Consciente de que o poder político e a atividade administrativa são expressões da disciplina jurídica das atividades de direção e administração da sociedade, o Procurador, orientando ou promovendo a defesa de interesses, jamais deverá omitir o fundamento jurídico de seu desempenho. E sã consciência jurídica não há de permitir que pela vontade de agradar ou pelo temor de desagradar, invoque o Direito segundo critérios de conveniência, para acobertar ações ou omissões injustas” (sem grifos no original)
Neste sentido, ainda na doutrina primorosa do professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto[46], o exercício da Advocacia Pública encontra-se relacionado com a atividade fim do Estado, uma vez que, o seu desígnio precípuo reside na manutenção da ordem jurídica, o que possibilita o funcionamento dos demais direitos e de forma secundária as medidas governamentais. Sobre os critérios de independência que todo Advogado de Estado deve ostentar, colhe-se a seguinte lição, in verba magistri:
“… O Advogado ou Procurador de Estado, como qualquer outro servidor público, porém com mais razão, por se tratar de um profissional de direito estará desobrigado de obedecer a ordens hierárquicas quando manifestamente ilegais, expressão que aqui deve ser adotada em sentido amplo (ilegais, ilegítimas e ilícitas), incluindo-se entre essas, qualquer determinação para agir contra a sua própria ciência e consciência, enquanto órgão funcionalmente independente…o dever de lealdade do Advogado ou Procurador de Estado, enquanto servidor público, está referido ao ente estatal a que serve, e não aos seus governos nem muito menos, a governantes,…” (grifei)
Neste diapasão, a independência técnica é prerrogativa inerente ao Advogado Público, devendo a sua lealdade ser exclusiva a Instituição a que se encontra vinculado, assim como, a ética, sua consciência profissional, e o ordenamento jurídico vigente. Ademais, se faz pertinente trazer à baila a lição preciosa do professor Marcos Juruena[47] sobre este particular: “A ninguém – salvo a governos totalitários e/ou corruptos – pode interessar uma Advocacia Pública enfraquecida ou esvaziada”
A matéria em debate está longe de ser pioneira ou revolucionária. É inquietante presenciar atualmente este tipo de anomalia, uma vez que, a Constituição Federal só está em vigor há 28 anos !!!! O tema em tela está na pauta no Supremo Tribunal Federal, prestes a se tornar uma súmula vinculante (PSV 18)[48].
A Suprema Corte reiteradamente vem rechaçando sucessivas tentativas de se burlar a regra constitucional[49], de onde se extrai a proibição de que detentores de vínculo precário no exercício de atividades restritas a esfera da Advocacia Pública, in verbis:
“E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE –… É inconstitucional o diploma normativo editado pelo Estado-membro, ainda que se trate de emenda à Constituição estadual, que outorgue a exercente de cargo em comissão ou de função de confiança, estranho aos quadros da Advocacia de Estado, o exercício, no âmbito do Poder Executivo local, de atribuições inerentes à representação judicial e ao desempenho da atividade de consultoria e de assessoramento jurídicos, pois tais encargos traduzem prerrogativa institucional outorgada, (…), em ordem a que possa agir com independência e sem temor de ser exonerado “ad libitum” pelo Chefe do Poder Executivo local pelo fato de haver exercido, legitimamente e com inteira correção, os encargos irrenunciáveis inerentes às suas altas funções institucionais… ADI 4843. Min. Celso de Mello D.O. 18/02/2015 “ (sem grifos no original)
Além de tudo isso, é assente que o mau administrador público, não tem a menor pressa na convocação de advogados regularmente aprovados em concurso. Afinal de contas, a cada dia que um serviçal seu permanece no cargo público, gera um vil conforto espiritual e material, de que haverá engajamento jurídico para a consecução dos seus odiosos objetivos. Desta feita, tais indivíduos não podem embaraçar/atrasar com seus toscos interesses e de seus padrinhos, a posse e entrada em exercício dos candidatos[50] que se submeteram a certame com disputa intelectual, seguindo critérios estritos de isonomia e probidade.
Cargos públicos em pleno século XXI, não podem mais ser suscetíveis a nomeações por critérios mesquinhos, escusos ou por amizade, muito menos ainda por questões vinculadas a parentesco. A dinâmica feudal (suserano x vassalo), de triste memória, foi superada há muito tempo, tendo sido execrada definitivamente pela ordem constitucional instituída em 1988.
Portanto, é de clareza solar que a Advocacia Pública, segundo a Constituição Federal de 1988, é restrita a servidores de cargo efetivo que lograram êxito num concurso público específico para o exercício daquele munus, na forma do retromencionado art. 1º do Estatuto da Advocacia, aliado ao Código de Ética e o Provimento 114/2006 do Conselho Federal da OAB.
6. Da improbidade
Não constitui nenhum mistério que os atos dos agentes públicos no exercício das suas atribuições devem atender o plenamente a juridicidade, sendo oportuno consignar que a legalidade deverá servir como alicerce no agir do servidor.
Num infeliz passado não muito distante, os interesses individuais do funcionário público poderiam ser sorvidos impudicamente na fonte da Administração Pública. A Constituição Federal de 1988 trouxe, especialmente, no seu art. 37 caput, princípios com força normativa, impondo vedações e deveres específicos relacionados à conduta entre a Administração Pública e os seus servidores[51].
Não mais se tolera a burla dos meios legais para o alcance de fim aparentemente lícito ou ilícito, concomitante a isto não se permite mais usar impunemente do direito para embuçar maldades (desvio de finalidade) para satisfazer desígnio próprio ou de outrem. A lealdade não pode ser mais com o nomeante ad nutum e nomeado, mas sim do aprovado em concurso com a Instituição[52] e a sociedade.
De Plácido e Silva em seu laureado Dicionário Jurídico[53] define assim o verbete corrupção: “etimologicamente possui o sentido de ação de depravar… de destruir ou adulterar”. Ficando unicamente restrito a seara da improbidade, tem-se por corrupto administrativo aquele que atua de forma dolosa ou culposa na quebra da boa fé objetiva, na expectativa que lhe foi depositada[54] e no descumprimento aos princípios normativos do art. 37 CF, tendo ocorrido prejuízo material ou não, desonrando assim, a sua permanência no serviço público. Logo, independente do vínculo ser efetivo ou não, o servidor ou até mesmo um particular fantasiado de servidor (comissionado, terceirizado…) está sujeito a Lei de Improbidade (lei 8429/92). O prof. Waldo Fazio Júnior[55] traz salutar definição acerca do que se trata a improbidade:
“… chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo ‘tráfico de influência’ nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos …" (grifo nosso)
Por parte da sociedade, há aparente intolerância com os atos de corrupção alheia, mas não com a própria. É lugar comum na mente do homem médio a ojeriza a pratica de atos de corrupção lato sensu pelo outro, enquanto o próprio indivíduo se vê desimpedido para praticar ilícitos, grandes ou pequenos. A corrupção é uma chaga social que deve ser combatida diuturnamente. Com a clareza de raciocínio que lhe é peculiar o profº Emerson Garcia[56], proporciona a seguinte lição, ipsis litteris:
“Observa-se, ainda, ser comum que considerável parcela mostre-se indignada com a corrupção nas estruturas sociais de poder, mas, no seu dia-dia, descumpra as mais comezinhas obrigações do convívio social (v.g.: aguardar a vez, respeitar sinais, recolher tributos etc.) Esse estado de coisas, quase imperceptível nas origens, traz a lembrança de imediato, a teoria norte americana das broken windows, indicando pequenas infrações, caso não coibidas, evoluirão para infrações mais graves…
…O “jeitinho brasileiro”, reflete uma “zona cinzenta moral”, em que depender das circunstancias, condutas normalmente tidas como erradas passam a ser vistas como certas, ou, ao menos toleráveis. A aceitação social da corrupção possui um potencial expansivo diretamente proporcional a possibilidade, ou não de que certa conduta seja considerada mero “jeitinho”, o que, sob os olhos da realidade social, a retiraria do plano da ilicitude…” (grifei)
Não se pretende aqui, e nem poderia, fazer estudos aprofundados sobre as mais diversas formas de agentes públicos[57] admitidas pelo Ordenamento. Contudo, até as pedras da rua sabem, que para a ocupação de cargos na Administração Pública, todos têm de se curvar a regra universal do concurso público. É de clareza solar que os cargos relativos a Advocacia Pública são indelegáveis, sendo certo, que todos os atos administrativos e processuais praticados por um farsante (advogado com vínculo precário) são nulos de pleno direito.
Neste sentido, é incontroversa que a presença de pessoas estranhas ao serviço público devem acontecer em hipóteses excepcionalíssimas e compatíveis com a legalidade e a moralidade administrativa. Tal como foi exaustivamente trabalhado aqui, o munus da advocacia pública é exclusiva aos servidores de carreira, que tem por atribuições editalícias, as atividades previstas no art. 1º da Lei. 8.906/94.
Não sendo hipótese dos art. 9º e 10 da Lei de Improbidade, a contratação de advogados privados, em detrimento de concurso e os seus desencadeamentos, indubitavelmente constitui ato de improbidade por violar, pelo menos, o art. 11 da Lei 8429/92[58].
É perene do âmbito do STJ que “O ato de improbidade administrativa prevista no art. 11 da Lei 8.429/92 não requer a demonstração de dano ao erário ou de enriquecimento ilícito, mas exige a demonstração de dolo, o qual, contudo, não necessita ser específico, sendo suficiente o dolo genérico”[59]. Ora, sendo a advocacia pública atividade típica de estado e indelegável por natureza, está inserido neste tipo legal a malevolência na contratação de advogado que usurpe as atribuições restritas da Advocacia de Estado. O perigo é real e imediato! Neste diapasão o mesmo Superior Tribunal de Justiça não dá trela para os apadrinhados, in verbis:
“… amolda-se ao disposto no caput do art. 11 da Lei nº 8.429/92, […] contratar e manter servidora sem concurso público na Administração, […] ainda que o serviço público tenha sido devidamente prestado, tendo em vista a ofensa direta à exigência constitucional nesse sentido. […] a admissão da servidora 'não teve por objetivo atender a situação excepcional e temporária, pois a contratou para desempenhar cargo permanente na administração municipal, tanto que, além de não haver qualquer ato a indicar a ocorrência de alguma situação excepcional que exigisse a necessidade de contratação temporária, a função que passou a desempenhar e o tempo que prestou serviços ao Município demonstram claramente a ofensa à legislação federal'. […]" (REsp 1005801 PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/04/2011, DJe 12/05/2011)
O agente público não poderá escolher em qual ambiente se portará com probidade e onde a moralidade e a impessoalidade possam ser deixadas de lado. Até porque aquele que transige sobre a honestidade, na verdade é deficitário dela. Neste esteio, se faz oportuna a lição do profº Emerson Garcia[60], in verbis:
“Violado o princípio da impessoalidade, a conduta do agente poderá ser enquadrada na tipologia da Lei 8429/1992, caracterizando a improbidade administrativa…ao violar o principio da impessoalidade, o agente público infringe o dever jurídico previsto no art. 4º da lei 8.429/1992 e ipso facto, sua conduta se coaduna com o art. 11 caput e inc. I da Lei. 8429/1992. no primeiro dispositivo, ao violar um dos princípios regentes da atividade estatal e infringir o dever de honestidade e lealdade às instituições…” (grifo nosso)
Desta forma, acredita-se piamente que a manutenção de advogados com vínculo precário na Administração Pública, agride a Constituição, além de ser lesiva por sua própria natureza, avilta a probidade administrativa de forma indelével, merecendo ser combatida com o devido rigor. Ademais, sobre a questão relacionada a improbidade administrativa, novamente o escólio do Mestre Emerson Garcia[61], é mais do que pertinente, no contexto do caso sub examine, vejamos:
“… No direito positivo pátrio, apresentam-se como elementos caracterizadores da improbidade, a) violação de toda a ordem de princípios previstos no art. 37 da Constituição; b) a impossibilidade de se compatibilizar a incompetência do administrador com o princípio da eficiência da administração; c) falta de tratamento isonômico dos cidadãos, impossibilitando-os de ascender ao funcionalismo público; d) a ausência de seleção daqueles que ocuparão cargos públicos, permitindo que incompetentes sejam responsáveis pela gestão da coisa pública; e) a contratação de apadrinhados, em flagrante violação ao princípio da impessoalidade; e f) a prática de conduta consubstancia ilícito penal, como é o caso do art. 1º, XIII, do Decreto-Lei nº 201/1967 (“nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei).
In casu, afigura-se a lesividade ao interesse público, sendo injurídico afirmar que a lei somente visa punir o administrador desonesto, não o incompetente. Que seja incompetente na gestão dos seus bens, não na condução do patrimônio público; que viole sua moral individual, não a moralidade administrativa; que presenteie os amigos com os seus pertences, não com cargos públicos. Enfim, até mesmo para a incompetência deve ser estabelecido um limite” (grifei)
Não se imagina um juiz, promotor ou defensor comissionado/terceirizado! Deve ser dado um basta à farra com o dinheiro público !! A via principal de combate ao desperdício e a corrupção passa pela seara da Advocacia de Estado. Ela se revela como primeira e última linha de defesa do patrimônio público. Repita-se a exaustão: sendo atividade de estado e por sua natureza indelegável a qualquer particular, somente servidores com cargo efetivo, detentores de atribuições idênticas ao art. 1º da Lei 8.906/94 é que podem atuar pela Advocacia Pública seja na eterna e desigual luta pelo controle de legalidade dos atos administrativos ou na representação em Juízo do Poder Público.
7. CONCLUSÃO
A Procuradoria Pública constitui espécie do gênero Advocacia, tendo como lei de regência nuclear o Estatuto da Advocacia e da OAB (l. 8.906/94). Neste particular há incidência do Provimento nº 114/2006 e o Código de Ética, ambos emanados pelo Conselho Federal da OAB. Para ser considerado Advogado público, o profissional deverá ser aprovado em concurso público específico, onde no edital se exija inscrição na Seccional da OAB e as atribuições deverão ter identidade estrita com o art. 1º da Lei 8.906/94.
Segundo a disciplina constitucional, o advogado deverá atuar com destemor e independência, cabendo a este profissional manter posição contra a iniquidade e ilegalidades. É dever maior seguir os ditames éticos da profissão e atuar pela preservação da dignidade da advocacia. O advogado atua em última análise na preservação da democracia e da liberdade do indivíduo contra o arbítrio de qualquer natureza
Se não há hierarquia entre advogados, magistrados e membros do ministério público, muito menos não podem existir diferenciações no tratamento formal entre os membros da advocacia. Todos presumidamente são competentes para o exercício do munus previsto na Lei 8.906/94. A inclinação de cada ramo da carreira é que ditará a especialidade do vínculo de trabalho, permanecendo intactas a dignidade da profissão e as prerrogativas legais. Prestar ou não concurso público é uma opção do profissional, cabendo a todos os membros, entre si, e no trato com terceiros agir com urbanidade.
A Advocacia Pública tem o dever de zelar pelos interesses da Fazenda e não do gestor que ocasionalmente ocupe o cargo executivo. Ao procurador jurídico concursado somente interessa a obediência a Constituição e as Leis, pouco importando se suas manifestações técnicas-jurídicas desagradam ao administrador ou seus correligionários.
Devem ser reputados como inexistentes quaisquer atos típicos da advocacia praticados por terceiros detentores de vínculo precário com a Administração. Tais profissionais são claramente incompetentes, em qualquer acepção deste termo.
Mesmo que por milagre reste vencida a etapa referente ao plano da existência, os atos praticados por comissionados e afins, violam a moralidade pública, uma vez que, estão condicionados a atenderem a interesses particulares de quem os nomeou, pouco importando a aparente legalidade ou não do ato. Presume-se viciado o ato perpetrado por advogado detentor de vínculo precário, uma vez que, a sua condição como agente inidôneo e tendencioso é logicamente incompatível com a presunção de legalidade dos atos administrativos. Não pode existir paradoxo na Administração Pública.
Pela sua vinculação com a Fazenda e não com o Chefe do Executivo e seus prepostos, o Advogado público, apenas atuará pelos interesses indisponíveis do Estado, envidando esforços no cumprimento dos valores e regras constitucionais. Os advogados de estado não carecem de autorização hierárquica ou consentimento superior para agirem de acordo com a sua consciência jurídica, uma vez que, são órgãos unipessoais por excelência e por necessidade do serviço, sendo essencial a administração da justiça e do estado. Portanto, praticam Advocacia de Estado e não de governo.
Seguindo a dicotomia entre administração direta e indireta prevista no DL 200/67, em que pese a literalidade do art. 132 da CF, em razão da complexidade das relações jurídicas brasileiras e da autonomia inerente a autarquia e fundação, pelo respectivo estado-membro, é plenamente constitucional, segundo a inteligência das jurisprudências do STF, STJ e TST a criação e manutenção de procuradorias próprias nas autarquias e fundações, desde que subordinadas a um órgão jurídico central.
Ademais, o novo CPC faz referencia expressa a advocacia autárquica, sem trazer maiores celeumas no mundo jurídico, muito pelo contrário. A novel legislação traz maior segurança jurídica aos procuradores da administração indireta na sua atuação em Juízo e dão certeza de que não constituem categoria de somenos importância, apesar dos esforços de determinados Entes Federativos em rebaixa-los conferindo-lhe um rotulo de segunda categoria, ao instituir impudicamente nomenclatura abjeta, bem como pífia política de remuneração, tudo em completo desatino com a dignidade da advocacia e com o art. 39 § 1º da CRFB
Os procuradores autárquicos e fundacionais, representam um ramo especializado da advocacia pública, em virtude da sua atuação ficar restrita a entidade de caráter eminentemente técnico, para o qual prestaram concurso. Ficando ressalvada a possibilidade de remoção para atuação na administração indireta, dada à conveniência jurídica do respectivo ente federativo, tendo em vista as atribuições previstas no art. 1º da Lei 8.906/94.
A valorização da Advocacia Pública implica em investimento da sociedade numa carreira de estado, habilitada a defesa dos interesses da Fazenda em Juízo ou fora dele. A resiliência do advogado-servidor é intrinsicamente ligada a adequada estruturação da carreira, com remuneração correspondente as responsabilidades legadas pela Constituição Federal e pela L. 8.906/94.
Não pode ser tolerado, nem em pensamento, que procurador público aufira remuneração inadequada com a dignidade da advocacia ou que execute o seu nobre munus trabalhando em condições insalubres.
O exercício dos cargos da advocacia pública não pode ser delegado a particulares, uma vez que, integra o rol restrito das carreiras de estado. Portanto, frise-se, só poderá praticar atos privativos de advogado, em prol da Administração, aquele que é detentor de cargo de provimento efetivo, cujo edital, preveja como requisito ao candidato da vaga, a inscrição na OAB e contenha quaisquer das atribuições elencadas no art. 1º da Lei 8.906/94.
Qualquer tentativa de escamotear particulares nos postos restritos a advocacia de estado deverá ser combatida robustamente e caracterizado como atos de improbidade. A defesa do patrimônio público não pode ficar a cargo de um sujeito detentor de vinculo precário, cujo maior preocupação reside em mimar a quem o nomeou e se curvar a seus interesses e humores e não com o direito e o zelo inerentes a defesa da Fazenda.
A atuação focada unicamente na consagração das políticas de estado implica na maior eficiência na prestação do serviço público. Há também o salutar controle preventivo da legalidade dos atos administrativos, que bem feito evita prejuízos ao Erário e impõe certa disciplina ao Administrador relapso.
Uma advocacia de estado forte combate a corrupção no seu nascedouro. Com um corpo sério, bem remunerado e organizado de profissionais detentores de cargo de provimento efetivo, há menos margem para tentações e aceitação de vantagens ilícitas. Advogado não constitui despesa ao erário, mas sim investimento para atuação organizada da Fazenda em juízo ou fora dele.
Procurador Fundacional e Professor da Universidade Candido Mendes – Centro
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