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Aspectos jurídicos do anonimato do doador de sêmen na reprodução humana heteróloga

Fundado nos princípios 1 INTRODUÇÃO


O presente trabalho monográfico irá defrontar as teses doutrinárias em relação ao anonimato do terceiro doador de sêmen na reprodução humana medicamente assistida heteróloga.


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Com o mapeamento do genoma humano, a engenharia genética passou a desenvolver-se com grande rapidez, contribuindo para o avanço científico.


As experiências Científicas, no século XXI, tiveram grandes repercussões na vida humana. Em virtude disso, a sociedade passa a preocupar-se com novos valores morais que tentam interligar a medicina e a biologia ao campo ético, daí falar-se da bioética.


Bem lembra Vicente Barreto (1998, p.11) que “o direito congrega as relações estabelecidas entre os valores morais e a pesquisa e tecnologia biológicas, que se formalizam juridicamente”.


Os desafios jurídicos decorrentes dessa nova técnica de reprodução humana medicamente assistida, ainda não foi satisfatoriamente apreendido pelo direito. No que se refere a reprodução humana heteróloga, acabou nascendo uma problemática jurídica decorrente do direito de toda pessoa ter conhecimento de sua paternidade em contrapartida aos interesses do doador de sêmen, qual seja, o anonimato.


Emerge uma nova categoria de direitos humanos, a dos direitos do ser humano em relação à genética, a qual necessita de uma nova ordem normativa.


A polêmica é grande, tendo em vista os variados entendimentos que apontam uma dificuldade de se chegar a um consenso na aprovação de uma lei.


Passou-se a reconhecer como moral a escolha feita por um casal em adquirir filhos mediante métodos de concepção artificial, mormente com material genético não pertencente ao marido. Mais uma vez a biotecnologia propicia efeitos impactantes na sociedade.


Com o intuito de contribuir com as demais pesquisas que sem dúvidas irão surgir, esta monografia visa mencionar quais são os principais limites razoáveis que podem ser exigidos do doador de sêmen não pertencente ao núcleo familiar que participa da geração da vida humana.


A pesquisa abordará a reprodução humana heteróloga levando-se em consideração seus reflexos no direito de família. Passará pela Declaração Internacional do Genoma Humano, pelo direito comparado, pelos princípios constitucionais que regem o tema, pelo Código Civil Brasileiro, e ainda pela Resolução nº. 1358/92 do Conselho Federal de Medicina.


Também será objeto de estudo a visão pós-moderna da família, chamada de família eudemonista.


A pesquisa pretende abordar o direito reprodutivo como pertencente aos direitos humanos, bem como o papel do Estado, que assume dever indispensável em disponibilizar a todas as pessoas o acesso às técnicas reprodutivas, às informações necessárias e à segurança dos meios científicos empregados.


O enfoque principal é dar ênfase ao debate sobre o direito do filho concebido mediante a técnica heteróloga em saber de sua paternidade biológica frente ao o anonimato do doador de sêmen, envolvendo suas repercussões no biodireito e no direito de família.


O anonimato do doador é assunto de relevantes controvérsias, pois não se definiu ainda até que ponto sua identidade deverá ser preservada e se esse anonimato vai de encontro ao interesse do filho concebido artificialmente.


As técnicas de reprodução foram se aperfeiçoando e novas modalidades surgem. Devido a sua constante renovação, o tema será estudado a todo o momento.


Justifica-se este trabalho monográfico acadêmico pelo fato de o mesmo ser de suma importância à ordem jurídica. O tema deverá ser objeto de séria reflexão por parte daqueles que participam do processo legislativo, cujos efeitos repercutem diretamente na coletividade.


Diante dessa lacuna legislativa, surge a necessidade de uma legislação específica para que seja assegurado e resguardado o direito dos envolvidos nessa técnica artificial de procriação.


2 A FAMÍLIA PÓS-MODERNA


Os pesquisadores ainda não identificaram com precisão a origem da família, existem apenas deduções de como ela se desenvolveu.


De acordo com Welter (2003, p.32) “as idéias defendidas assentam-se em deduções imprecisas, formuladas por seus adeptos de conformidade com as tendências naturalistas, evolucionistas ou sociológicas”.


Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF), a família passou a ser reconhecida em nosso ordenamento jurídico baseada em outras concepções ideológicas.


Em seu artigo 1°, inciso III, passou-se a adotar o princípio da dignidade da pessoa humana, onde a pessoa surge como valor e possui dignidade pela sua própria existência. É um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.


No Código Civil de 2002 e na CF, a família eudemonista nota-se admitida pelo nosso ordenamento quando há o reconhecimento da união estável (CF,art. 226, §3o ) e da família monoparental, que é formada por um dos pais e seus descendentes. (CF, Art.226, §4º)


Alves confirma dizendo que “Inicialmente, há de se mencionar que o princípio do reconhecimento da união estável (art. 226, parágrafo 3o) e da família monoparental (art. 226, parágrafo 4o) foi responsável pela quebra do monopólio do casamento como único meio legitimador da formação da família”.


Sendo assim, Maria Berenice (2005) diz que por meio de uma visão pós moderna, surge a chamada família eudemonista, que tem como base a boa vivência, a valorização humana e a resposta aos anseios pessoais.


Atualmente encontramos novos modelos familiares que fazem parte de nossa realidade sociológica, com grandes mudanças estruturais. Não há mais a obrigatoriedade de uma família com estrutura sacra, criada pela Igreja.


 As necessidades humanas criaram uma nova roupagem ao papel de pai, mãe e filhos. Com a luta ideológica entre gêneros (masculino e feminino), propiciou-se a crise do patriarcado.


A mulher passou a assumir um papel relevante na família e o homem busca uma maneira diferente de ser pai; ambos fazem negociações diárias entre iguais.


Maria Berenice Dias observa:


“[…] O eudemonismo é a doutrina que enfatiza o sentido de busca pelo sujeito de sua felicidade. A absorção do princípio eudemonista pelo ordenamento altera o sentido da proteção jurídica da família, deslocando-o da instituição para o sujeito, como se infere da primeira parte do § 8º do art. 226 da CF: o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos componentes que a integram.” (DIAS, 2007, p.52).


O casamento se mantém por necessidade emocional, podendo ser dissolvido com maior facilidade, bastando alegar, por exemplo, a incompatibilidade de gênios com a impossibilidade de continuar uma vida em comum.


A estrutura familiar caminha para uma versão mais baseada nas afeições mútuas entre seus membros, servindo como modelo de bem estar.


 Hoje a família não tem uma padronização, ou seja, ela tem várias maneiras para sua formação, sem um modelo básico.


A família eudemonista preocupa-se com o afeto e com a felicidade. Formar seus membros para a sociedade, para serem cidadãos. Há uma busca pelo bem estar e pela satisfação em pertencer aquele núcleo familiar. Seus membros são mutuamente solidários.


3 BIOÉTICA E BIODIREITO


Os avanços científicos estão ocorrendo com uma celeridade nunca antes vista. Aquilo que no passado era considerado apenas ficção científica, atualmente faz parte de nossa realidade.


A ciência é inovadora, sempre desafia a sociedade em suas expectativas, atingindo também a saúde e a vida. O homem inicia seu poder no domínio da natureza, interferindo na criação de humanos.


A civilização está vivenciando grandes transformações na área da biotecnologia. Estamos diante de uma nova ordem do campo do conhecimento da vida humana, rodeado de descobertas surpreendentes e de utilidades ilimitadas.


Uma das maiores preocupações da sociedade do século XXI são as repercussões das experiências científicas na vida humana.


As grandes descobertas abriram novos campos de reflexão. A sociedade passa a adotar outros paradigmas éticos no campo da medicina e da biologia, preocupando-se com valores morais, daí falar-se da bioética.


Sgreccia (1996, p.23) define bioética como a “União dos valores éticos e os fatos biológicos para a sobrevivência do ecossistema todo: a bioética tem a tarefa de ensinar como usar o conhecimento em âmbito científico- biológico.”


A bioética é ramo da ética, a qual é necessária na atuação de qualquer atividade humana. O progresso científico nem sempre se reveste de ética ou de juridicidade.


Surgiram vários questionamentos éticos em torno da evolução científica, daí a necessidade de se aplicar novos valores morais ao avanço das pesquisas, pois o padrão ético anterior é incapaz de resolver os novos dilemas.


 O enfoque da bioética é interligar a moralidade à biotecnologia, tratando da vida em suas diversas manifestações.


A bioética provocou o surgimento do biodireito, pois as condutas sociais alarmaram pela criação de regulamentação jurídica no âmbito da medicina da vida.


Para Chiarini Junior “Biodireito é um termo que pode ser entendido, também, no sentido de abranger todo o conjunto de regras jurídicas já positivadas e voltadas a impor, ou proibir uma conduta médico-científica e que sujeitem seus infratores às sanções por elas previstas”.


Biodireito seria, portanto, a positivação jurídica de permissões de comportamentos médico-científicos, e de sanções pelo descumprimento destas normas.


Segundo Barreto (1998, p.11), o direito congrega “as relações estabelecidas entre os valores morais e a pesquisa e tecnologia biológicas, que se formalizam juridicamente”.


Fala-se em outra categoria de Direitos Humanos, o chamado direitos humanos de quarta geração, que discute assuntos relacionados à genética.


A biotecnologia extrapola os limites da bioética, passando a atingir o Direito, o qual deverá seguir o mínimo de moralidade universal e um processo de humanização do progresso científico.


 A juridicização de temas bioéticos evita um vazio normativo, que poderia causar um colapso social, valendo-se de valores e princípios éticos adaptando-os à nova realidade da ciência. Obriga o mundo jurídico a avaliar até onde a pessoa está sendo beneficiada ou prejudicada com todo esse avanço tecnológico.


Com as técnicas de reprodução humana assistida surge a pessoa do médico, que tem em suas mãos o controle na criação da vida.


Passou-se a reconhecer como moral a escolha feita por um casal em adquirir filhos mediante métodos de concepção artificial.


A família tem sua organização diferenciada, não existindo mais somente filhos adotivos ou consanguíneos, dando uma nova roupagem ao conceito de família ensejando alteração da lei. Esta deverá preocupar-se primordialmente com a tutela da vida, sob pena da inoperância do direito.


4 DA ESTERILIDADE À REPRODUÇÃO HUMANA MEDICAMENTE ASSISTIDA HOMÓLOGA E HETERÓLOGA


Abordaremos nesta pesquisa a esterilidade masculina e o método heterólogo de concepção.


A geração de um novo ser somente ocorre naturalmente se existirem certas circunstâncias no casal para que a fecundação ocorra. Geralmente, podem ocorrer problemas de ordem física ou psíquica.


A esterilidade sempre foi vista de maneira depreciativa das qualidades de procriação humana, o estéril era visto como incapaz de perpetuar sua descendência, sendo socialmente desprezado.


Inicialmente acreditava-se que a esterilidade advinha somente da mulher, excluindo qualquer responsabilidade do homem.


Silvia da Cunha Fernandes menciona que até o final do século XV, somente a mulher era considerada estéril e que foi somente no século XVII, que se admitiu que a esterilidade também fosse possível no homem. (Fernandes, 2005, p.23).


Em 1677 foi admitida a esterilidade masculina, através de estudos científicos de Johann Ham.


A causa mais comum da infertilidade masculina é detectada quando o homem não produz espermatozóide ou quando o produz em quantidade insuficiente a necessária para ocorrer a fertilização.


Nos casos em que o problema é detectado no homem, uma das alternativas é a inseminação artificial com sêmen de doador. A opção pela vida profissional aliada ao estresse, e as doenças venéreas são as causas mais corriqueiras da infertilidade masculina.


De acordo com o Ministério da Saúde, no Brasil estima-se que, cerca de 15% dos casais possuem algum tipo de dificuldade para conseguir a gravidez. Maria Claudia também constata que 40% das esterilidades conjugais são atribuídas ao fator masculino.  (BRAUNER, p.60)


Contudo, a esterilidade perde sua importância mediante as técnicas de reprodução medicamente assistida. Não é necessário nem mesmo o desejo e o ato sexual para a procriação. A sexualidade passa a ser separada da procriação.


A dificuldade de engravidar não é raridade. É um problema social que atinge parcela significativa da população em idade procriativa.


A esterilidade e a infertilidade são consideradas doenças, possuem classificação na Classificação Internacional de Doenças – CID 10 da Organização Mundial de Saúde. O médico que cuida desta doença é chamado de especialista em Reprodução Humana.


Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) infertilidade é a ausência de concepção durante a tentativa após um ano de relações sexuais sem utilização de métodos contraceptivos.


Eduardo de Oliveira Leite, em seu estudo sobre procriações artificiais conceitua a infertilidade subdividindo-a em dois grupos, qual seja a infertilidade absoluta e a relativa:


“Os fatores de infertilidade podem ser absolutos ou relativos, dando origem à esterilidade ou à hipofertilidade. A esterilidade que advém de situações irreversíveis pode ser entendida como infertilidade absoluta; neste caso, a procriação só será possível por meio da utilização de técnicas de reprodução assistida. Já na hipofertilidade, a infertilidade advinha de causas inexplicadas cientificamente, a procriação pode ser conseguida através de terapêuticas tradicionais”. (LEITE, 1995, p.29)


Com o nascimento do primeiro bebê de proveta, “Louise Brown”, os casais com problemas conceptivos ficaram esperançosos.


A pessoa atualmente tem condições de recorrer a técnicas de reprodução, podendo escolher, inclusive, o melhor momento para ter filhos. Se o marido ou companheiro não tem espermatozóides, pode-se recorrer à doação de espermas de um doador anônimo.


A fecundação é a criação de um novo indivíduo. Com a fertilização, que é o instante em que o espermatozóide penetra o óvulo, há o surgimento de uma nova entidade biológica.


De acordo com ELIO SCRECIA:


 “[…] é uma observação comum a de que o primeiro evento na formação de um indivíduo humano é a fusão de duas células altamente especializadas, o oócito e o espermatozóide, por meio do processo de fertilização […]”. (SCRECIA, 1996, p.342).


Os reflexos da esterilidade na vida conjugal são grandes, repercutindo dentro da família e também na sociedade. A esterilidade servia de obstáculo à realização de um desejo de paternidade e maternidade, frustrando a necessidade humana de se multiplicar, e em alguns casos gerando uma patologia psíquica, pois o sentimento de derrota do casal é muito grande.


Como lembra Eduardo de Oliveira Leite (1995, p.22): “[…] a esterilidade não coloca em cheque só a organização psíquica do indiviíduo, mas atinge também o casal. Se a esterilidade é difícil de viver individualmente para o homem solteiro, ela é mais ofensiva para o homem casado”.


Transmitir a vida não se resume em um ato meramente biológico, mas em um envolvimento responsável de corpo e de sentimentos.


O mapeamento do genoma humano trouxe grandes repercussões para o desenvolvimento da biotecnologia. Os processos biológicos começam a sofrer o domínio pelo homem, ocorrendo transformações de estilos de vida.


A conquista da ciência na área da reprodução humana levou a necessidade de imposição de critérios para a utilização das modernas tecnologias reprodutivas e a sexualidade deixou de ser uma necessidade biológica.


Assim diz Maria Claudia que:


“A dificuldade está em reconhecer-se que o respeito aos direitos sexuais e reprodutivos está vinculado à questão do controle da sexualidade e da capacidade reprodutiva, pelo processo de educação e socialização das pessoas, tendo em vista que esses elementos determinam o grau de realização do indivíduo em relação seu corpo, sua possibilidade de viver sua sexualidade de forma gratificante e de organizar sua vida reprodutiva”. (BRAUNER, 2003, p.9)


A reprodução medicamente assistida surgiu como uma forma de tentar resolver a esterilidade. A inseminação artificial é também chamada de “concepção artificial”, “fertilização artificial”, “fecundação” ou “fertilização assistida” e outras denominações.


Tornou-se possível que o filho ao invés de advir de um ato íntimo do casal, pudesse surgir com a colaboração de um terceiro, com a fertilização feita em laboratório.


Em sua pesquisa, Maria Helena Machado (2008, p. 88) diz que depois de muitos estudos a respeito da inseminação artificial em 1866, J. Marion Simns, concretizou a primeira gravidez em mulheres, que findou em aborto. A partir daí outros cientistas chegaram a conclusão de que seria necessário a criação de bancos de sêmen congelados.


A autora ainda relata que foi comprovada a possibilidade de os espermatozóides resistirem a baixas temperaturas e serem capazes de suportar choques térmicos de congelamentos e descongelamentos sem grandes prejuízos, e com isso permitiu-se a difusão da técnica heteróloga.


Apenas em 1889, Dickison realizou inseminação artificial com sêmen de doador. Mas a técnica começou a ser amplamente divulgada na década de 60, dando início a grandes debates a respeito do assunto.


Ao ser possível a inseminação com sêmen de um doador, surgiram várias críticas, principalmente da Igreja Católica e algumas vezes da própria área médica.


As técnicas de procriação assistida surgiram com o intuito de beneficiar casais que padecem de infertilidade. Contudo, como todo fato social dotado de relevância, como neste caso, surge a necessidade de uma regulamentação jurídica no campo da filiação, tudo isto, levando-se em consideração a bioética.


Belmiro Pedro Welter leciona que:


 “A inseminação artificial é uma técnica de procriação humana medicamente assistida, em que o material genético masculino é depositado diretamente na cavidade uterina da mulher, não por meio de um to sexual, mas, sim, assexual […]”. (WELTER, 2003, p.217)


Silvia da Cunha Fernandes(2005, p.28) também relata que “a inseminação como forma de fecundação artificial, significa a união do sêmen ao óvulo por meios não naturais de cópula.”


Há dois métodos de inseminação: a homóloga e a heteróloga.


Meirelles (1998, p.37) destaca que “[…] dependendo do caso, pode-se recorrer a inseminação artificial homóloga, que é realizada com a utilização de sêmen do marido ou do companheiro da paciente, ou na técnica heteróloga, na qual se utiliza o esperma de um doador fértil”.


Com a inseminação artificial os espermatozóides passam por uma seleção e são transferidos mecanicamente para o interior do aparelho genital feminino.


Na inseminação homologa faz-se a concepção com o sêmen do marido, ou seja, o material genético a ser utilizado pertence ao casal, os quais recorrem a esse método quando não conseguem a fecundação por meio do ato sexual.


Silvia da Cunha Fernandes diz que:


 “A homóloga consiste na introdução dos espermatozóides do marido ou companheiro, previamente colhidos através de masturbação, no útero da mulher. O liquido seminal é injetado, pelo médico, na época em que o óvulo se encontra apto a ser fertilizado”. (FERNANDES, 2005, p.29)


As técnicas de reprodução assistida foram, inicialmente, uma forma de contornar a infertilidade do casal, permitindo o desejo de procriar com informação genética de ambos, sendo inicialmente pensado a técnica reprodutiva homóloga.


Mais tarde viu-se que ela não era eficaz em todos os casos de esterilidade, assim pensou-se em outra técnica que pudesse utilizar material genético de um doador, surgindo então a técnica heteróloga.


A heteróloga é feita com o sêmen de terceiro doador, pois a capacidade de gerar filhos é nula, devido a esterilidade do marido. O material genético do doador advém de um banco de sêmen, e é inserido na cavidade uterina da mulher.


Para tanto, segundo resoluções médicas, é necessário que o marido autorize o ato, para que no futuro a paternidade não seja contestada. Além da adoção, esta é a única possibilidade de casais estéreis terem filhos.


A respeito desta técnica Silvia da Cunha classifica como


“Heteróloga ou exogâmica, que ocorre com a introdução do sêmen do doador fértil, que não o marido ou companheiro, no útero da mulher; para tanto, é imprescindível o consentimento informado do casal […]”, acrescenta ainda dizendo que “[…] esse tipo de inseminação só pode ser utilizado como último recurso do geneticista para tratar da infertilidade” (CUNHA, 2005, p.30).


Os bancos de sêmen conservam o material genético masculino. Em 1993 foi instalado, em São Paulo, o primeiro banco de sêmen brasileiro no Hospital Albert Einstein.


A sociedade brasileira ainda não aceitou totalmente a inseminação heteróloga. Até pouco tempo não se imaginava que pessoas estéreis pudessem gerar um filho com herança genética de um terceiro anônimo.


Posiciona-se Guilherme Calmon dizendo que:


“[…] somente pode-se admitir a legitimidade do recurso às técnicas de reprodução assistida heteróloga quando se constatar, por exemplo, a esterilidade indiscutível do marido, pois em princípio a solução seria a técnica reprodutiva homóloga”. (GAMA, 2003, p. 644)


O estágio atual da matéria impõe a construção da estrutura jurídico-legal de vários pontos polêmicos, por isso a imprescindibilidade de lei regulamentadora.


A melhor técnica a ser empregada deve ser avaliada pelo médico. Este profissional que antes assumia a função de apenas acompanhar o andamento da gravidez, atualmente podem substituir o processo normal de procriação.


Maria Helena Machado (2008, p.33) relata que “ocorreu uma transferência de responsabilidade conjugal para o corpo médico que não tem mais hoje somente como função garantir a saúde, mas também o poder de criar, transformar, e até de ser constrangido a destruir a vida”.


Dependendo do caso, pode-se recorrer à inseminação artificial homóloga, que utiliza sêmen do companheiro, ou a heteróloga, que utiliza sêmen de outrem.


5 OS CAMINHOS DE UMA REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA E O DIREITO COMPARADO


Atualmente, são aceitas diversas formas de constituição de família. O parentesco não é mais exclusivamente considerado apenas pela consangüinidade. A idéia de conceber um filho com sêmen de um doador está em fase de construção em nossa sociedade.


A paternidade era vista apenas sob seu ângulo biológico. A mãe deveria ser fecundada pelo pai através da relação sexual para que pudesse dar a luz. Criava-se uma “micro-comunidade” de sangue. No entanto, surgiu uma relação de paternidade afetiva, não sendo biológica.


Com toda essa nova roupagem na família, o ordenamento jurídico foi surpreendido, pois não há lei que discipline o tema. A partir de então, começaram a surgir divergências doutrinárias, havendo defensores da tese de que é direito da criança saber de sua identidade genética, em contrapartida ao entendimento de outros que dizem que o caráter meramente biológico não satisfaz aos interesses da criança e nem mesmo da família.


As controvérsias não estão apenas estritamente ligadas no campo jurídico, há discussões filosóficas, sociológicas e até mesmo religiosas diretamente ligadas à temática.


O direito, por ser um fenômeno social, não consegue, muitas vezes, caminhar concomitantemente com a sociedade. No direito comparado também há discussão sobre essa matéria e no Brasil ainda não há lei específica que discipline sobre esse tema.


Maria Claudia Crespo Brauner (2003) cita que foram apresentados alguns projetos visando regulamentar a reprodução assistida, tais como: Projeto de Lei n°.90/99, escrito pelo Senador Lúcio Alcântara; o Projeto de Lei n°.1184/03, apresentado pelo Senador José Sarney; o Projeto de Lei n°.120/03 do Deputado Roberto Pessoa e também o Projeto de Lei n°.4686/04, do Deputado José Carlos Araújo.


Para acalorar o debate sobre a regulamentação jurídica sobre a técnica de reprodução humana heteróloga, mencionarei o que dizem algumas legislações de outros países a respeito do sigilo da identidade do doador envolvido. O estudo segue as orientações de Brauner (2003), que faz breve síntese da legislação alemã, espanhola e francesa.


Pela legislação Alemã a doação de sêmen deve ser gratuita e sobre o sigilo da doação a lei diz que é assegurado o direito de conhecer a identidade do doador a partir dos 16 anos de idade.


Já a espanhola defende o sigilo das doações, porém em casos especiais poderão ser fornecidas informações gerais sobre o doador, sem revelar sua identidade.


A lei francesa diz que a doação deve ser gratuita e sigilosa e nos casos que necessitem de tratamento terapêutico o médico poderá ter acesso as informações que não identifiquem civilmente o doador.


Diante de uma pequena comparação, nota-se que a legislação alemã é mais permissiva, pois permite que a identidade seja conhecida no futuro.


A lei sueca, de acordo com Guilherme Calmon Nogueira da Gama não prevê o sigilo, permite que a pessoa possa, com a maioridade, conhecer o genitor biológico.


5.1 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DO GENOMA HUMANO E DOS DIREITOS HUMANOS E O SIGILO DAS INFORMAÇÕES GENÉTICAS


O progresso científico deve ter como paradigma a dignidade da pessoa humana, que é o maior principio jurídico, evitando que o homem seja reduzido a “coisa”.


Formula-se uma nova categoria de Direitos Humanos, fundados na biologia e na genética. Daí a elaboração da Declaração universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos colocando em debate a necessidade de contextualização histórico e socioeconômica da biotecnologia.


Foi criada pela UNESCO em 1997 reconhecendo assim o direito humano ao patrimônio genético. Entre seus signatários, reforça um compromisso moral e mandamental assumido pelos Estados. Insere-se no campo do biodireito trazendo deveres aos países signatários de incorporarem seus princípios e regras ao seu ordenamento jurídico interno.


Em se tratando do anonimato do doador, pode-se elencar alguns artigos da Declaração que são de suma importância.


A Declaração diz em seu artigo 4° que o genoma humano não pode ser objeto de transações financeiras.


O artigo 5º da Declaração continua o entendimento dizendo que em se tratando de genoma humano deverá ser dado a pessoa envolvida todas as informações e também será necessário seu consentimento prévio.


Maria Helena Diniz trata do sigilo das informações genéticas dizendo que:


“O DNA é a imagem da sua pessoa e representa um tipo especial de propriedade por conter informações diferentes de todos os outros tipos de informação pessoal. Sua imagem científica não deve ser invadida, por mera curiosidade, pois exame e rastreamento genéticos apenas podem ser realizados por razões terapêuticas e com o consenso da pessoa ou de seus familiares”. (DINIZ, 2002, p.169)


A Declaração garante ao indivíduo que ele não poderá ser alvo de investigações indesejadas sobre sua intimidade genética. Não poderá haver divulgação de seus dados. O acesso à informação genética deverá ser restrito.


A Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos a respeito do sigilo das informações ligadas à genética traz o seguinte:


O Direito à intimidade genética está expresso em seu artigo 7°, in verbis: “Quaisquer dados genéticos associados a uma pessoa identificável e armazenados ou processados para fins de pesquisa ou para qualquer outra finalidade devem ser mantidos em sigilo, nas condições previstas em lei”.


E ainda em seu artigo 9º:


“Com o objetivo de proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais, as limitações aos princípios do consentimento e do sigilo só poderão ser prescritas por lei, por razões de força maior, dentro dos limites da legislação pública internacional e da lei internacional dos direitos humanos”.


O acesso ao genoma humano é inviolável, faz parte da individualização de cada pessoa, e somente ela é quem poderá ter acesso a suas próprias informações, pertence à intimidade da pessoa. Seus dados genéticos são revestidos de sigilo, sendo ilícito qualquer publicidade.


O artigo 8º da Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos também prevê, in verbis “todo o indivíduo terá direito, segundo a lei internacional e nacional, à justa reparação por danos sofridos em conseqüência direta e determinante de uma intervenção que tenha afetado seu genoma”.


Ou seja, abre-se caminho para que caso as informações sigilosas sejam reveladas, a vítima da divulgação ilícita terá direito a indenização.


A revelação das informações genéticas é de grande gravidade. O genoma pertence a esfera íntima da pessoa, merecendo proteção jurídica. Por isso, os dados do doador de sêmen são pertencentes a ele exclusivamente, não podendo ser objeto de investigações embasadas apenas na vontade do filho concebido mediante a técnica heteróloga em saber a identidade do doador.


É relevante lembrar que a Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988,através de seu artigo 5º, inciso X, incluiu a intimidade do ser humano como direito fundamental individual, nos termos seguintes:


“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.


Ao fazer a análise dos artigos expostos entende-se que o anonimato do doador de sêmen deve ser gratuito, voluntário, sigiloso e suas limitações devem ser prescritas por lei.


5.2 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E SEUS PRINCÍPIOS APLICADOS À INSEMINAÇÃO HETERÓLOGA


Os direitos fundamentais também sofreram modificações no decorrer da história do constitucionalismo. Surgiram novos direitos como fundamentais aos indivíduos.


Em razão disso, a doutrina passou a classificar os direitos fundamentais de acordo com o momento em que foram reconhecidos como tais pelo constituinte.


Atualmente considera-se existente quatro dimensões ou gerações de direitos fundamentais.


Welter discorre acerca das quatro dimensões dos direitos fundamentais:


“[…] a primeira ocorrente na primeira metade do século XIX, refere-se aos direitos e liberdades individuais (como a liberdade de religião, de consciência, de circulação, de expressão, o direito de propriedade e da inviolabilidade de domicilio); a segunda, situa-se na segunda metade do século XIX, e protege os direitos coletivos (direito de reunião, de associação, de greve, à participação política, o sufrágio universal e de criação de partidos políticos); a terceira geração de direitos surgiu na primeira metade do século XX, atinente às questões sociais, econômica e cultural (direito ao trabalho, à saúde, à habitação, à educação, ao acesso à cultura e ao lazer); a quarta e mais recente dimensão de direitos ocorreu no final do século XX, relacionada com os progressos da ciência médica (engenharia genética, patrimônio genético) e de solidariedade entre os povos (direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente e ao patrimônio comum da humanidade)”. (WELTER, 2003 p.80-81)


Em suma, a primeira geração refere-se aos direitos e liberdades individuais, os quais exigem uma abstenção do Estado em defesa da individualidade das pessoas, correspondem aos direitos civis e políticos.


A segunda dimensão, ligada ao ideal de igualdade, protege os direitos coletivos onde o Estado visa assegurar o mínimo de igualdade em favor dos desamparados, correspondem aos direitos sociais culturais e econômicos (salário mínimo, condições de trabalho, habitação e outros);


A terceira geração é atinente as questões coletivas de interesses difusos, ou seja, a preocupação não é mais em relação ao homem individualmente considerado, mas com os bens coletivos difusos tais como a proteção ao meio ambiente,ao patrimônio cultural e a paz.


A quarta dimensão, ainda não é reconhecida por todos os doutrinadores, é relacionada com os progressos da ciência médica (engenharia genética patrimônio genético) e de solidariedade entre os povos.


Os direitos fundamentais deixaram de englobar apenas a liberdade individual, passando a exigir também posições positivas do Estado.


As novas gerações de direitos são acrescidas às anteriores. Sendo assim, o Estado deixou de ser individualista e passou a ser participante do contexto econômico, cultural e social.


Com a biotecnologia em desenvolvimento, buscou-se humanizar o progresso científico com elaboração de normas voltadas a valores éticos que pudessem estar em harmonia com a nova ordem social.


Os direitos sexuais e reprodutivos foram recentemente reconhecidos como direitos humanos, tal fato se deu na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, em Cairo, da qual o Brasil é signatário.


O Estado de Direito passou por mudanças e com isso a constitucionalização dos direitos da pessoa também sofreram alterações. Partia-se de um conceito liberal baseado no individualismo passando para compreensão da pessoa em um contexto social, onde não há a possibilidade de alguma autoridade pública poder desrespeitas as regras e princípios constitucionais.


Os filhos biológicos ou socioafetivos são elevados a um grau de igualdade pela CF de 1988.


A CF em seus diversos dispositivos menciona direta e indiretamente os direitos reprodutivos, protege, por exemplo, o direito a saúde, a gestante e a família, que são intimamente ligados aos direitos reprodutivos.


Ao dizer expressamente que a família é a base da sociedade brasileira e dever do estado protegê-la, a Constituição Federal assume a responsabilidade de dar respaldo a um bom desenvolvimento familiar incentivando sua formação.


Há princípios constitucionais que regem todas as relações familiares, como a dignidade da pessoa humana, planejamento familiar, a paternidade responsável, direito a filiação, etc.


Há liberdade para procriar, cabendo ao homem e a mulher reger seu núcleo familiar.


O planejamento familiar é direito fundamental da família, previsto no artigo 226, parágrafo 7º da CF, que reza:


“Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e na paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte das instituições oficiais e privadas.”


Portanto, há previsão legal expressa referente ao planejamento familiar. Cabe ao casal a decisão em recorrer as técnicas reprodutivas. O indivíduo tem o direito de escolher os meios razoáveis para planejar sua vida reprodutiva, desde que os meios para tal sejam considerados seguros e esta opção deve ser feita com clareza, por isso a importância de ser dado ao casal todas as informações.


A Lei n.º 9263/96, define planejamento familiar em seu art. 2º:


“Para fins desta Lei, entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.”


Todos têm a livre escolha de seu planejamento familiar, é um ditame constitucional. O direito de gerar, mesmo sendo mediante técnicas medicamente assistidas, deve ser respeitado. É inerente ao planejamento familiar. As pessoas possuem ampla liberdade para buscar a concepção, quanto também para evitá-la.


A lei 9263/96 em seu artigo 9º caput e parágrafo único, diz que:


“Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção.


Parágrafo único. A prescrição a que se refere o caput só poderá ocorrer mediante avaliação e acompanhamento clínico e com informação sobre os seus riscos, vantagens, desvantagens e eficácia.”


Nesse sentido, entende-se que a escolha das técnicas conceptivas não é ilimitada, pois deverá preencher certos requisitos para recorrer a reprodução medicamente assistida. Tais como a esterilidade absoluta para ser possível valer-se da técnica heteróloga.


A paternidade responsável, no artigo 226, § 7º da CF pôs um fim a supremacia da paternidade biológica:


“Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”.


A investigação da paternidade biológica não pode vir a contraditar a paternidade socioafetiva, pois esta serve melhor aos interesses da criança concebida mediante a técnica de reprodução heteróloga.


O princípio do melhor interesse não se encontra de maneira expressa nas leis brasileiras, por ser um princípio, é repleto de indeterminações e generalidades devido a seu alto grau de abstração.


Mesmo assim, é aplicado no ordenamento jurídico pátrio, posto que é abarcado pela Convenção Internacional dos Direito da Criança, aprovada em 1989, na Assembléia Geral das Nações Unidas da qual o Brasil é signatário.


A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança revela a importância da infância no seio da sociedade. Cada país signatário deve garantir o mínimo de direitos às suas crianças.


O Congresso Nacional brasileiro aprovou a referida Convenção pelo decreto legislativo nº 28/90, tendo sua promulgação regulada pelo decreto 99.710/90.


O artigo 3.1 do dec. 99.710/90 dispõe que


“Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança”.


O Brasil incorporou no ordenamento jurídico o princípio do melhor interesse da criança, significa dizer que as necessidades da criança devem prevalecer.


Devido a sua pouca maturidade, além de ter assegurado os direitos pertencentes a qualquer pessoa, a criança possui uma tutela especial no ordenamento jurídico, devendo ter maior proteção do Estado. Sendo assim, reza o artigo 3° do Estatuto da Criança e do Adolescente:


“A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”


Ao ter um doador anônimo indaga-se se é justo uma criança não ter acesso a sua ascendência.


Com a nova visão da família eudemonista a revelação da identidade do doador de sêmen torna-se obsoleta, pois a caso ela fosse possível o pai socioafetivo, que consentiu com a doação não terá a segurança psicológica ao formar sua família.


A criança deve nascer em um ambiente familiar com pessoas que as queiram, tendo uma convivência saudável e com seu bem-estar assegurado. As políticas de reprodução assistida devem respeitar os princípios bioéticos.


Atende-se o interesse da criança ao permitir que ela seja gerada em uma família estruturada, que lhe dê afeto e garantia de um desenvolvimento salutar.


O aspecto biológico não é de grande importância. Não basta conceber, é preciso exercer a paternidade responsável, participação na educação do filho, ter o reconhecimento social da filiação.


5.2.1 DO PAPEL DO ESTADO


A biotecnologia começa a ser vista como uma “fábrica de desejos”, sem que sejam avaliados os riscos e resultados desta projeção de vontades. O tema movimenta verbas de alta lucratividade, envolvendo patentes e grandes investimentos.


O homem é sujeito de direitos cabendo ao Estado Democrático de Direito coibir, rejeitar a “coisificação” da vida, garantindo a dignidade humana a o acesso no cenário da ciência ao desenvolvimento das técnicas de reprodução.


A geração de um filho corre o risco de ser associada a uma relação de consumo, com a monetarização da vida humana. É impossível impedir o acesso dos indivíduos às conquistas da medicina. O tema trata de saúde pública.


A Lei que trata do Planejamento Familiar (Lei n°. 9.263/96) abrange vários artigos que tratam do papel do Estado nessa ocasião. Diz em seu artigo 3º, caput, parágrafo único e inciso I, in verbis:


“Art. 3°- O planejamento familiar é parte integrante do conjunto de ações de atenção à mulher, ao homem ou ao casal, dentro de uma visão de atendimento global e integral à saúde.


Parágrafo único – as instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde, em todos os seus níveis, na prestação das ações previstas no caput, obrigam-se a garantir, em toda a sua rede de serviços, no que respeita a atenção à mulher, ao homem ou ao casal, programa de atenção integral à saúde, em todos os seus ciclos vitais, que incluem, como atividades básicas, entre outras:


 I – a assistência à concepção e contracepção”.


O poder público deve oferecer medidas assistenciais aos casais que tentam se reproduzir, mas não obtém êxito, dando-lhes o direito à filiação e à descendência. Alguns limites também devem ser impostos.


A lei ainda diz em seu Artigo 9°:


“Art. 9º – para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção cientificamente aceitos e que coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção”.


O estado deve atentar-se em garantir a saúde sexual e reprodutiva das pessoas para que seja possibilitado o planejamento familiar.


É preciso construir uma posição justa para se organizar a intervenção médica na reprodução humana, buscando meios de se exigir juridicamente a responsabilidade dos envolvidos no método, dando ao cidadão a segurança de sua integridade física e psicológica.


Maria Berenice Dias (2006) faz breve relato:


“O planejamento familiar de origem governamental é dotado de natureza promocional, não coercitiva, orientado por ações preventivas e educativas e por garantia de acesso igualitário a informações, meios métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade”. (DIAS, 2006, p. 269)


O consentimento dos interessados devem ser esclarecidos e o Estado deve dar toda a proteção necessária ao ser humano gerado por meio de reprodução humana heteróloga, a dignidade humana e o interesse social devem ser relembrados a todo momento. Assim reza o artigo 4° da lei 9263/96:


“Art. 4° – o planejamento familiar orienta-se por ações preventivas e educativas e pela garantia de acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fertilidade”.


Cabe ao Estado criar uma política de reprodução humana que respeite os direitos fundamentais, garantindo a todos condições de reprodução responsável, bem como fornecer recursos financeiros para torná-la acessível os usuários do Sistema único de Saúde.


Assegurar as funções reprodutivas é uma intervenção estatal legítima, oferecendo alternativas que possam ajudar no nascimento do desejado filho.


Os casais estéreis têm pleno direito de recorrer a reprodução heteróloga, pois se trata de um tratamento de saúde, que deve ser disponibilizado a quem dele necessite, observada a existência de indicação médica que identifique o problema de saúde reprodutiva.


Não é lícito o Estado impossibilitar aos casais o acesso a tratamentos que visem solucionar o problema da concepção.


5.3 O CÓDIGO CIVIL DE 2002


O direito brasileiro ainda não solucionou o impasse em relação ao anonimato do doador e o direito da criança concebida mediante a técnica heteróloga de reprodução humana assistida de saber a identidade do doador, para ter conhecimento de seu pai biológico.


Não há previsão suficiente de normas em nosso ordenamento jurídico que possibilite a solução desse conflito, nem mesmo a própria sociedade posicionou-se a respeito, pois as opiniões são divididas e muito variáveis.


Esperava-se que o Código Civil de 2002 solucionasse esta omissão legislativa, porém, não ocorreu.


Nossos magistrados ao deparam-se com o caso concreto terão grande dificuldade para prolatarem suas decisões, pois o juiz é obrigado a proferir julgamento. Não podendo deixar as partes sem a solução jurídica, com a inércia do Estado.


Diante de tal omissão legislativa torna-se necessário um breve discurso acerca da filiação.


O art. 1.593 do Código Civil define duas espécies de parentesco: o parentesco é natural ou civil, “conforme resulte de consangüinidade ou outra origem”.


A origem do parentesco que leva em conta um ancestral comum, onde ocorre simplesmente o reconhecimento da filiação pelo seu aspecto biológico, ou seja, critério baseado unicamente no sangue é chamado de parentesco consangüíneo.


A filiação socioafetiva, de acordo com Welter (2003, p.148) “compreende a relação jurídica de afeto”.


É instituto reconhecido na CF em seu Artigo 227,§ 6º: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.


Ser pai ou mãe não diz respeito apenas a consanguinidade, não se trata apenas de vínculo genético. Atualmente, diante da família eudemonista atribui-se a filiação a dimensão afetiva, principalmente quando se refere aos filhos concebidos mediante material genético de um doador anônimo.


A valorização do elemento afetivo confirma que a relação consanguínea não é tão importante. A filiação social constitui uma grande conquista para definição dos laços de filiação. Com ela atende-se o melhor interesse da criança que será criada em um ambiente onde foi desejada e amada.


É observado a importância do predomínio dos interesses afetivos, onde impera o interesse da família em uma felicidade recíproca e com reconhecimento social.


Revelar a identidade do doador, levando-se em consideração apenas o interesse do filho concebido mediante a técnica heteróloga em saber seu conteúdo biológico, não seria ato benéfico à família. Ao contrário, gerará insegurança psicológica aos pais, e acarretará também insegurança jurídica à filiação.


A família afetiva, mais que tudo é estabelecida constitucionalmente, fato que não dá razão a um discurso biologista. Existe uma relação jurídica de afeto, cujo amor e respeito existente entre seus integrantes lhes dão sustentáculo e são seu único vínculo.


A criança ostenta um lugar de filho nessa relação, para Orlando Gomes (1994, p.311) “ter de fato o título correspondente, desfrutar as vantagens a ele ligados e suportar seus encargos. É passar a ser tratado como filho”.


Ao ser tratado como filho a criança tem atendido suas necessidades vitais, como alimentação, moradia e educação e é considerado como filho nas relações sociais. É reconhecido como tal na sociedade e na família onde convive.


A formação do filho como ser humano é o tratamento de maior valor, onde ele tem o máximo de benefícios, e isto nem a lei nem o sangue lhe garantem. Deve-se privilegiar o máximo de benefício para o filho.


A paternidade socioafetiva garante a estabilidade social, forma uma base emocional que contribui de uma maneira diferenciada no desenvolvimento humano do filho. Há uma demonstração de dedicação que é uma qualidade maior do que apenas corresponder a herança genética. Tudo isto advém de uma salutar convivência e não do sangue.


A verdadeira filiação está mais na dedicação dada ao filho do que na procedência do sêmen, pai é o que assume os deveres de paternidade, que correspondem aos direitos mencionados no art. 227 da Constituição:


“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.


Atesta Eduardo de Oliveira Leite (1995, p.186) que “não basta ser genitor, nem educador, nem capaz de transmitir nomes e bens, mas e, sobretudo, o pai é aquele que estabelece um profundo vínculo amoroso com o filho”.


Ao tratar da Reprodução Heteróloga o Código Civil apenas em seu artigo 1.597 disse que se presume pai aquele marido ou companheiro que vive em união estável, que consentir em ter o filho valendo-se da reprodução heteróloga.


O art. 1597 admite a filiação mediante inseminação artificial heteróloga, ou seja, aquela que se vale do sêmen de outro homem, desde que tenha havido prévia autorização do marido da mãe.


 Assim, se um casal resolve que a mulher deva ser inseminada com material genético de terceiro, o marido que der a autorização não poderá, durante ou após o casamento negar a paternidade, ela será legalmente presumida, é uma ficção criada pela presunção da paternidade, em decorrência da paternidade social.


Entende-se também com a interpretação do inciso III que não é possível a inseminação artificial heteróloga após o casamento com outra pessoa ou a morte do marido, mesmo que ele tenha deixado autorização.


Sílvio de Salvo Venosa (2001, p.252) defende que a procriação assistida somente seja permitida com expresso consentimento dos cônjuges e mediante a comprovação de necessidade, oportunidade e conveniência, com objetivo de prevenir problemas de ordem ética e jurídica.


Ainda está em trâmite no senado projeto de lei que pretende proibir a possibilidade de procriação heteróloga a mulheres solteiras ou que não vivem ao menos em união estável.


Sendo assim, o casal que opta por permitir a inseminação na mulher de material genético de um terceiro, o marido que consentiu com a prática não poderá no futuro negar a paternidade. Esta presunção facilita na identificação do pai sem maiores delongas, mantendo a segurança jurídica necessária a sociedade através de uma ficção legal, onde a lei atribui à criança um pai social.


Revela-se neste caso a paternidade jurídica, ou presumida. O legislador preocupou-se primeiramente em manter a instituição familiar.


O direito à filiação é personalíssimo, indisponível e imprescritível. Assim diz a lei 8069 (ECA) de 13/07/1990 em seu artigo 27: “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça”.


Sendo o doador do material genético não pertencente ao âmbito conjugal, indaga-se se o filho tem o direito de conhecer o pai biológico no futuro.


Entendo que neste caso, deve ser estabelecido o parentesco civil entre a criança e o cônjuge que não participou com seu material genético, e o doador não terá relação jurídica alguma com o filho nascido de sua doação.


O parentesco civil estará estabelecido entre o cônjuge não doador e o filho, e o parentesco natural persistirá entre o cônjuge doador e o filho consanguíneo. Ressaltando-se que a inseminação deverá ser feita com a autorização do cônjuge ou companheiro não participante da genética, logo, não caberá discutir arrependimento posterior.


O filho social também deve ser passível de direito tal como a biológico, sendo infundada a diferenciação jurídica entre eles.


Na inseminação heteróloga a origem do filho, em relação aos pais, é em parte biológica quando se trata da mãe e em parte socioafetiva quando se trata do pai.


Não poderá haver contradição por investigação de paternidade no futuro, não podendo ser desfeito o estado de filiação por uma decisão judicial reconhecendo a paternidade ao doador de sêmen.


Quando se tratar de doação anônima de sêmen na inseminação artificial heteróloga o reconhecimento da paternidade ao doador não deverá vir a tona.


5.4 RESOLUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA


No Brasil não há lei que regulamente a doação de sêmen garantindo o anonimato do doador, existe apenas uma Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM nº. 1358/92), com algumas ponderações, que trata apenas dos aspectos éticos da questão. Preocupou-se em pelo menos enumerar alguns princípios básicos organizando a matéria e interpretando por si mesmo a questão, devido a falta de legislação pertinente.


As contradições advindas a respeito da reprodução humana medicamente assistida (RA) levou o Conselho Federal de Medicina a regulamentar que:


“1 – As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da situação atual de infertilidade”.


Em relação à doação de gametas estabelece em seu inciso IV que:


“1- A doação nunca terá caráter lucrativa ou comercial;
2- Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa;
3 – Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador;
4 – As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores;
5 – Na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará que um doador tenha produzido mais que 2 (duas) gestações, de sexos diferentes, numa área de um milhão de habitantes;
6 – A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora;
7 – Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços, nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas prestam serviços, participarem como doadores nos programas de RA”.


A Resolução é a única base existente. Sendo assim, o posicionamento do Conselho a respeito do anonimato dos doadores e também dos receptores é de cunho obrigatório. As informações existentes sobre ambos pertencem somente às clinicas de RA.


Diz expressamente em seu inciso IV, n.2, diz que “os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa”. Portanto, não deixa margem  interpretação duvidosa em se tratando do anonimato.


Os doadores e receptores não podem se conhecer. Os pais buscam um perfil biológico parecido com os seus, pois desejam um filho parecido com eles.


São garantidos o anonimato do doador e a gratuidade da doação do sêmen. Fator que impede a comercialização do sêmen pelas clínicas.


6 O ANONIMATO DO TERCEIRO DOADOR DE SÊMEM versus CONHECIMENTO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA


A Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM nº. 1.358/92) ao tratar do anonimato, menciona que a doação de gametas e embriões será anônima, preservando-se tanto o sigilo da identidade dos doadores quanto dos receptores, evitando, desta forma, sérias repercussões no desenvolvimento psicológico da criança nascida através deste procedimento.


A clínica fará apenas um cadastro das informações genéticas do doador, mas manterá em sigilo suas identidade civil.


O Projeto de Lei (PL nº. 90/99) admite que a criança possa ter acesso a identidade civil do doador quando completar a maioridade, ou antes disso, caso haja óbito de seus pais.


Casais que tem dificuldade de procriar, mas são possibilitados de conceber mediante outros meios, devem recorrer a tratamentos ou no insucesso desta valer-se da inseminação homóloga.


Aos que não conseguem conceber naturalmente ou mediante terapias médicas são os que podem ir em busca da técnica de inseminação heteróloga.


Surge a figura do doador do sêmen. No Brasil, qualquer parte do corpo humano não pode ser comercializada, são coisas fora do comércio. O doador dispõe de seu gameta apenas imbuído na solidariedade.


A gratuidade previne os interesses financeiros em torno dos componentes do corpo humano.


Além disso, o doador o faz por altruísmo, sendo vedado qualquer tipo de comercialização, segundo o artigo 199, § 4º da CF.


A doação de gametas obedece ao preceito do anonimato. Neste ponto inicia-se a grande controvérsia doutrinária, pois alguns defendem o anonimato absoluto, outros a revelação da identidade do doador em alguns casos e outros ainda advogam a tese de que o anonimato fere o direito constitucional do filho em ter conhecimento da paternidade.


Ferrenho debate está sendo travado no cenário jurídico com relação ao direito do filho afetivo em investigar a paternidade genética.


A Lei 8069/90 ( Estatuto da Criança e do Adolescente) reza que:


 “Art. 26 Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação”.


E diz ainda em seu artigo 27: “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça”.


Com base nesse dispositivo legal Tycho Brahe(2000, p. 85), baseado em estudos de Álvaro Villaça de Azevedo e Walter Ceneviva afirma que “o filho concebido através de uma das técnicas de reprodução assistida poderá, a qualquer tempo, investigar sua paternidade, esclarecendo, ainda, que os responsáveis pela guarda dos dados do doador de sêmen deverão fornecê-los, em segredo de justiça”.


De acordo com esse entendimento, mesmo com a assinatura do termo de compromisso feita pelos pais na clínica de fertilização em não demandar a identidade do doador, entendem que essa obrigação não é aplicada ao filho. Consideram que investigar a paternidade é um direito personalíssimo, tem o direito do conhecimento do estado de sua filiação. Saber da filiação não implica no desfazimento da filiação jurídica.


Welter ( 2003, p.171) também leciona o mesmo ensinamento. Para ele, o filho pode ter a necessidade psicológica de conhecer seu pai verdadeiro, e sua família não pode impedi-lo. Diz que “o filho natural ou o medicamente assistido, seja biológico, seja socioafetivo, tem o direito constitucional de conhecer a sua ancestralidade, que faz parte do direito de cidadania e dignidade humana”.


Ainda segue defendendo a tese de que é direito do filho ajuizar ação de investigação de paternidade biológica quando houver necessidade psicológica; para observar os impedimentos matrimoniais; e para preservar a saúde do filho e dos pais biológicos.


Trata-se de um fundamento com pouca sustentação jurídica. O art. 27 do Estatuto que diz ser um direito personalíssimo da criança investigar a paternidade biológica é anterior ao Código Civil de 2002.


Sem contar que a paternidade já é preexistente, mesmo que de forma afetiva. O artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente somente possui efetividade caso não exista nenhuma paternidade, deste modo assegura-se o reconhecimento do estado de filiação. O novo paradigma adotado pela CF e pelo Código Civil de 2002 não dá exclusividade ao predomínio da paternidade biológica.


Talvez tais doutrinadores não se lembraram que o doador de sêmen não visa constituir família, o faz por altruísmo. Sua vontade deve ser levada em consideração, já que se não fosse por ele, a vida surgida não teria existido. Ele é o principal sujeito dessa relação. Não lhe pode ser imputado uma obrigação que não anuiu, ele doou o seu sêmen para que uma mulher desconhecida fosse fecundada.


Muitas questões ainda serão polêmicas, pois a formação dessa família com patrimônio genético diferente do habitual dependerá de solução de conflitos, buscando a melhor solução jurídica, principalmente no que tange aos interesses da criança nascida desse procedimento. O debate está sendo travado do plenário jurídico brasileiro.


A família não se constitui apenas de pessoas, mas de um complexo psíquico onde cada um assume seu papel de pai, mãe e filho, sem que haja necessidade de vínculo biológico. Pai e mãe biológicos, muitas vezes podem não exercer satisfatoriamente seus papéis dentro da família.


O anonimato do doador de sêmen, figura como uma barreira ao conhecimento da origem biológica.


Ao tentar evitar a monetarização do homem surge a preocupação em saber como proteger a criança dos reflexos de sua concepção por meio de sêmen de outrem.


Não há nenhuma relação entre um filho nascido por meio de um doador anônimo, ocorrendo apenas a colaboração com o material genético.


De acordo com a visão eudemonista da família pós moderna, o doador jamais poderá ser considerado como pai, não há qualquer relação de filiação.


7 CONSIDERAÇÕES FINAIS


A reprodução artificial heteróloga deve ser indicada no caso de esterilidade humana, ou seja, caberá quando outros métodos terapêuticos não forem mais possíveis.


Não deve existir parentesco entre o pai biológico e o filho nascido da inseminação heteróloga. A paternidade se estabelece segundo outras bases, devendo prevalecer a afetividade. Esse é o verdadeiro vínculo familiar, pais podem não ser os biológicos. Dessa forma, atendem-se aos princípios do melhor interesse da criança e da paternidade responsável.


Ao consentir com a técnica de inseminação heteróloga forma-se o interesse na filiação, que é basicamente socioafetiva, não sendo passível de repudio ao pai jurídico. Constitui-se parentesco civil referente àquele que não contribui com seus gametas para a concepção da criança. Não há possibilidade jurídica e nem mesmo viabilidade moral de uma pessoa ter dois pais.


Deve-se proteger o interesse da criança em ter uma família biparental, mesmo que constituída por uma mãe biológica e um pai afetivo.


O direito de gerar não é absoluto, não podendo ser uma fundamentação que permita aos casais realizarem todas as maneiras possíveis de reproduzir artificialmente.


O direito de conhecer os pais biológicos pode não ser possível, e sofrer limitações, em certos casos, como na inseminação heteróloga. Há uma atenuação desse direito. O anonimato do doador deve ser uma regra, porém passível de exceção.


O bem-estar da criança precisa ser preservado. Com isso essa técnica de reprodução não pode ser vista como incompatível aos interesses da criança, a qual foi intimamente querida pelos pais e seu desenvolvimento será com dignidade e afeto.


O sigilo da identidade do doador de sêmen é primordial para protegê-lo e incentivar as doações. Sem a garantia do anonimato, indubitavelmente, não haverá muitos interessados em ajudar aos casais com problemas de esterilidade.


Para Casabona:


“Deve-se assegurar de forma paralela que o marido/companheiro assuma a paternidade legal do filho nascido por este tipo de técnica, exigindo-se, por sua vez, o seu consentimento, o que implicará na assunção da paternidade sem a possibilidade de sua impugnação posterior, devendo-se garantir que o doador não possua nenhuma obrigação legal oriunda da sua paternidade biológica”.


O anonimato há de admitir exceções, em situações especialíssimas. A identidade somente deverá aparecer para os médicos em caso de enfermidades genéticas graves, para preservar a saúde e a vida do filho e do pai biológico, e para evitar possíveis casamentos incestuosos com filhos biológicos do doador. O parentesco sanguíneo e o direito em conhecer as origens devem ceder lugar a filiação afetiva. A família não é mais vista exclusivamente pelo critério consanguíneo. O afeto é que gere as relações familiares e tem sua aceitação social, fato que também merece aceitação jurídica.


O projeto de ter um filho envolve desejos, o psicológico, e a emoção daqueles que o esperam. A inseminação heteróloga torna possível este projeto de parentalidade por aqueles que sofrem problemas de fertilidade, e que muitas vezes jamais poderiam ter filhos. A elaboração de uma lei que discipline o assunto poderá limitar os riscos que envolvem a medicina da vida.


O direito de gerar é um direito fundamental do ser humano. As técnicas de reprodução artificial devem ser permitidas, desde que o consentimento dos interessados seja esclarecido, principalmente em relação aos custos, a possibilidade de fracassos nas tentativas e os aspectos jurídicos e psicológicos envolvidos.


A identidade do doador deve ser armazenada nos bancos de sêmen, somente podendo ser disponibilizada mediante critérios emergenciais onde a pessoa tenha necessidade de obter informação indispensável para sua saúde, em razão do sêmen defeituoso. Mesmo assim, par que isso ocorra seria necessário autorização judicial.


Com o anonimato a família tem garantido seu desenvolvimento normal, com total autonomia. Dizer que a criança tem direito a conhecer a identidade genética faz com que retroajamos a paternidade biológica, conceito já ultrapassado pelos juristas.


A verdadeira paternidade está na vontade e no prazer dos pais em criarem seus filhos e não na procedência do sêmen.


Afirma Rodrigo da Cunha Pereira:


“[…] a família não é um grupo natural, mas cultural, não se constituindo apenas por um homem, mulher e filhos, mas sim, de uma edificação psíquica em que cada membro ocupa lugar/função de pai, de mãe e de filho, sem que haja necessidade de vínculo biológico […]”. (PEREIRA apud LACAN, 1990, p. 13)


Com o advento da Constituição Federal de 1988 e o código Civil de 2002, ocorreu a quebra do patriarcalismo, já que não reside mais no ordenamento jurídico pátrio qualquer desigualdade entre os filhos e direitos e deveres dos cônjuges.


O anonimato do doador é importante para que a família tenha um desenvolvimento normal garantido.


Utilizar material genético proveniente de um banco de esperma deve ser um fator que beneficie o convívio familiar. Saber a origem genética do sêmen que foi doado, pouco importa para efeito de se estabelecer uma filiação. Sem contar que a doação anônima estimula os doadores, os quais sabem que o seu altruísmo não implicaria em um vínculo de parentesco, sem a possibilidade de virem futuramente assumir obrigações afetivas, morais ou até patrimoniais.


A origem biológica deve ser desconsiderada, para que seja assegurada a inserção total da criança em sua família, objetivando resguardar o melhor interesse da criança, sobressaindo o vínculo afetivo e a busca pela felicidade recíproca entre seus membros. Não há como estabelecer uma verdadeira família sem o sentimento de amor.


Nenhum procedimento legal do filho concebido poderá ser pleiteado em face do doador anônimo, ou por este contra o filho.


Luiz Edson Fachin professa o seguinte:


 “Ressente-se o Brasil de um necessário movimento de reforma legislativa que, partindo de um novo texto constitucional, possa organizar, no plano da legislação ordinária, um novo sistema de estabelecimento da filiação. Pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços de paternidade numa relação sócio-afetiva, aquele, enfim, que, além de emprestar o nome de família, o trata como sendo verdadeiramente seu filho perante o ambiente social. E no fundamento da posse de estado de filho é possível encontrar a verdadeira paternidade, que reside no serviço e no amor que na procriação. Esse sentido da paternidade faz eco no estabelecimento da filiação e, por isso, reproduzindo a modelar frase do Professor João Batista Villela, é possível dizer que, nesse contexto, há um nascimento fisiológico e, por assim dizer, um nascimento emocional”. (FACHIN, 1992, p. 156)


Há um nascimento emocional entre pais e filhos, por razões sociais, criando verdadeiramente um ambiente familiar, onde a criança foi planejada e querida pelos pais, os quais não podem ter filhos naturalmente.


Não se pode defender conceitos desiguais entre filhos concebidos mediante inseminação artificial e filhos concebidos naturalmente, sob pena de arquitetar uma discriminação, a qual fere os princípios constitucionais em relação a família.


A chamada família afetiva é estabelecida constitucionalmente, WELTER defende que não há motivo de os juristas biologistas oporem resistência a filiação socioafetiva.


Segundo Orlando Gomes (1994, p.311) “[…] ostentar um estado de filho é ter de fato um título correspondente, desfrutar das vantagens a ele ligadas e suportar seus encargos. É passar a ser tratado como filho […]”.


Cabe somente ao médico ter acesso à identidade genética do doador para casos de extrema necessidade, como por exemplo, a disponibilidade para transplante de órgãos, em caso de doenças genéticas e para averiguar impedimentos matrimoniais, tudo isto sem a necessidade da criança vir a saber quem é seu ascendente.


Frise-se que a identidade do doador deve permanecer restrita, apenas seus dados, em casos extremamente necessários, ligados a temas genéticos é que devem ser revelados ao médico apenas.


Um simples ato sexual, feito sem as devidas cautelas de prevenção à concepção determina um parentesco, um laço familiar.


Não há motivos para permitir que a identidade de um doador de sêmen seja revelada baseando-se apenas no direito da criança em saber de sua ancestralidade, não se trata de direito de caráter absoluto.


Por outro lado, o sigilo a respeito dos dados do doador não pode também ser absoluto. Pode acontecer que irmãos venham a se casar, ou até mesmo que pai e filha contraiam casamento devido a uma falta de informação que lhes servirão de grande utilidade.


O principal atingido em todo este contexto é o doador, que não tem o interesse em assumir uma paternidade, sem o seu ato altruístico aquela família não teria sido formada.


 Seus interesses devem prevalecer sobre os interesses do filho concebido artificialmente. Foi ele quem deu a oportunidade a este filho de ter tido um desenvolvimento humano pautado na dedicação de seus pais e o simples conhecimento da herança genética não deve sobressair. Tais laços não nascem da biologia, derivam da convivência.


Garantir a dignidade da pessoa humana não se resume simplesmente em permitir à criança o conhecimento do doador que lhe possibilitou o nascimento.


O direito fundamental a ser preservado é o da intimidade do doador, conservando a identidade deste no anonimato. Pouco importa se o filho se concretizou com material genético próprio ou de terceiros.


Brauner (2003, p 84- 94) elenca alguns princípios indispensáveis para a formulação de uma lei regulamentando o uso das técnicas reprodutivas no país, tais como: indicação terapêutica, o consentimento esclarecido dos usuários, o sigilo sobre a identidade do doador, a gratuidade das doações de material genético, a seleção e intervenções em embriões para evitar doenças hereditárias, a proteção do interesse superior da criança e o direito dos pais de gerar.


É urgente a necessidade de publicação de Lei especial que regulamente a técnica de reprodução humana heteróloga, pois o tema ainda é novidade e seus reflexos irão repercutir no futuro, e não podemos permitir que tamanha lacuna permaneça em nossa legislação. O tema gera preocupação, pois os benefícios das técnicas de reprodução humana são amplamente divulgados, mesmo com todas estas controvérsias jurídicas, merecendo debate aprofundado.


Apesar de não ser possível mencionar neste trabalho todos os pontos problemáticos a respeito do tema, espera-se ter contribuído com a presente monografia para futuros estudos e debates jurídicos.


Informações Sobre o Autor

Lorhainy Ariane Lagassi Martinelli

pós-graduada em Ciências Penais


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Equipe Âmbito Jurídico

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