Resumo:O objetivo desse artigo é abordar o aspecto protetivo e dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais que são internadas involuntariamente, de acordo com o que determina a Lei 10.216/2001.
Observamos que o referido diploma legal é resultante de longo processo de reivindicação e mobilização social proporcionados pelo movimento chamado de Reforma Psiquiátrica.
E, que efetivou mudanças salutares nos tratamentos com a pessoa portadora de transtorno mental, passando-se a questionar a internação como forma prioritária de tratamento e estimulando a utilização da rede de serviços com enfoque no psicossocial.
A referida lei além de conceituar a internação psiquiátrica involuntária (IPI) inseriu um novo ator nesse contexto, que é Ministério Público Estadual que passou a ter função prevista e regulamentada quanto à sua participação no controle e acompanhamento das internações.
Criando para os serviços psiquiátricos através do procedimento de notificação ao Ministério Público, novas responsabilidades ao autorizarem e/ou executarem as ditas internações involuntárias.
É bom apontar que as principais leis brasileiras que tratam da saúde mental são: Decreto 1132/1903, Decreto 24559/1934 e Lei 10216 de 2001.
O processo denominado Reforma Psiquiátrica propõe a efetiva superação do modelo assistencialista hospitalar, também chamado de modelo manicomial, considerando que a institucionalização do paciente psiquiátrico tem caráter essencialmente prejudicial.
A pessoa internada perde sua liberdade, individualidade e se distancia de sua origem familiar, o que por si só, é óbice para a reinserção social do paciente e do respectivo tratamento.
Temos que reconhecer que a Lei de 2001 representa avanço no campo da saúde mental, ao dispor claramente sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redirecionar o modelo vigente em saúde mental, apesar de ainda manter a existência do hospital psiquiátrico.
Resta determinado que as internações ocorram somente quando os demais recursos ambulatoriais se mostrarem insuficientes.
Resta ainda caracterizar como involuntária a internação quando ocorre sem o consentimento do paciente e a pedido de terceiro, e ainda, podemos conceituar como internação compulsória as determinadas pela justiça.
As internações involuntárias devem ser comunicadas ao Ministério Público Estadual no prazo de setenta e duas horas de sua efetivação, principalmente em razão desse órgão exercer a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (Constituição Federal, 1988, art. 127), ou seja, garantir a efetivação dos direitos dos cidadãos.
Resta, no entanto, saber se realmente o primacial objetivo quanto ao MP está se concretizando na realização, controle e acompanhamento das internações psiquiátricas involuntárias, de acordo com os expressos termos fixados pela Lei 10 216/2001 e pela Portaria 2391/02 editada pelo Ministro da Saúde em 26/12/2002 que disciplinou, de maneira a proporcionar a defesa, a garantia e a proteção dos direitos da pessoa internada involuntariamente, fazendo com que essa função tenha efeitos positivos nos serviços de internação e na vida das pessoas com transtorno mental.
Cumpre salientar que o processo de Reforma Psiquiátrica tem como objetivo a reconstrução da cidadania da pessoa com transtorno mental, buscando a superação dos paradigmas psiquiátricos num processo de transformação do pensamento e das atitudes relacionadas à loucura em diversos campos que compõe a sociedade, sejam os saberes, as práticas, as técnicas, a cultura, o social e o jurídico.
Por essa razão, é importante a criação e implantação de novas leis que atuem no sentido da promoção e efetivação destas mudanças e que garantam a preservação dos direitos da pessoa humana (lembrando que este é um dos fundamentos da república brasileira e do Estado Democrático de Direito).
Desde o nascimento da psiquiatria como especialidade médica advinda extamente da prática de internamento, procuramos demonstrar a constituição e importância da internação e do asilo e ainda da transformação da loucura em alienação mental.
Nesse contexto histórico, é determinante o papel da lei francesa de 1838 no estabelecimento da relação entre a psiquiatria e justiça e entre esta e o Estado principalmente através da regulamentação da internação psiquiátrica.
Em França, as ordens de internações chamadas de lettre de cachet eram estabelecidas pela autoridade real e as pessoas eram recolhidas às chamadas casas de correção ou aos hospitais gerais.
Tais estabelecimentos eram conceituados como instituições de reclusão e destinados a abrigar e apartar do meio social, os que perturbavam, quais sejam: os loucos, prostitutas, libertinos, doentes, pobres, ociosos e, etc…
Os hospitais gerais eram instituições que não tinham conotação de instituição médica, e passou a ser identificada a partir de transformações iniciadas no final do século XVIII.
Nesse particular, é bom recordar a internação como louco de Marquês de Sade em Charenton, apesar de se destacar em sua época por sua cultura e conhecimentos extraordinários.
Aliás, a famosa cena histórica do assassinato na banheira do líder revolucionário Marat, por Charlotte Cordary, teria sido escrita pelo Marquês de Sade durante exatamente sua internação e encenada pelos próprios pacientes.
O internamento é o a priori, o local de exame, o espaço de observação e o isolamento é a priori do saber psiquiátrico.
Mesmo depois de mais de duzentos anos, este procedimento permanece ocupando lugar destacado dentro da prática e do saber psiquiátricos.
A medicalização da loucura não significa, na importação da teoria médica da loucura no espaço do internamento, mas significa em verdade, e primeiramente, a reestruturação interna das instituições de reclusão do louco que paulatinamente, por um efeito próprio à reorganização de seu espaço, vai lhes dar uma significação intrinsecamente médica de agente terapêutico.
Mesmo depois do famoso gesto de Pinel (retirando as correntes dos alienados) simboliza sua ênfase na humanização do atendimento.
A experiência de Pinel e ainda de outros alienistas transformou a internação no principal recurso para o tratamento da alienação mental e ainda adquiriu status de procedimento terapêutico indispensável.
Assim o asilo passou a ser local privilegiado para a realização do tratamento, pois continha os elementos necessários para sua realização.
Onde o alienista tinha condições para realizar o isolamento da doença e do doente para observar o desenvolvimento, e, então, finalmente classificá-la.
A loucura fora transformada em doença e definida como alienação mental, definida como estado no qual a pessoa que tenha distúrbio na razão, e a partir do qual, perca o principal elemento da constituição humana.
Mesmo assim era cogitada ser possível a restituição da razão do alienado. Por meio do tratamento moral aplicado no asilo, onde o alienado era submetido ao isolamento do meio social e numa reaprendizagem de normas, regras e rotinas para uma prover uma convivência salutar.
Portanto, é relevante perceber que a psiquiatria nasceu exatamente da internação, vista como procedimento médico, mas que colocou em debate a liberdade das pessoas, já que foi no contexto da Revolução Francesa que isso aconteceu.
A transformação da loucura em alienação mental criou um problema para nova sociedade francesa, e gerou um paradoxo. Pois no momento histórico da revolução francesa quando se propunha constituir uma sociedade libertária, fraternal e igualitária, os doentes psiquiátricos, ou alienados, eram confinados em instituição que muito tinha de características de instituição totalitária do Estado absolutista.
O louco era considerado um sujeito da des-razão, e incapacidade por sua doença, de atender as regras sociais, portanto, não lhe era reconhecida a cidadania.
Desta forma foi elaborada da Lei francesa de 1838 que teve grandes repercussões por todo mundo ocidental. E que proporcionou a integração entre a psiquiatria e o Estado, principalmente através da regulamentação da internação psiquiátrica.
Tal lei conferiu legitimidade para segregamento e isolamento da pessoa e viabilizando o entendimento que o tratamento da loucura só era possível se realizado em instituição asilar (num período necessário para sua recuperação).
No Brasil, o cenário após o término da Segunda Grande Guerra Mundial traduziu nova panorama da reforma das instituições psiquiátricas, principalmente por questionar o papel e a natureza do hospital psiquiátrico e do saber médico, exigindo maior dinamização da estrutura bem como as modalidades de condições de tratamento que fossem mais eficazes para a recuperação dos doentes.
Começou-se a minorar o isolamento do internado e tornar a instituição um meio terapêutico, pois não estava mais cumprindo a função de recuperação dos doentes, ao contrário, estava sendo responsabilizada pelo agravamento da doença.
Surgiram a partir daí, alguns movimentos: comunidade terapêutica, psiquiatria do setor, psiquiatria comunitária, antispsiquiatria e psiquiatria democrática italiana.
Procurou-se transformar o tratamento para o interior da comunidade e, outros, visavam transformar as concepções da loucura. No Brasil, tal processo fora iniciado no final da década de setenta, através da criação do Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental.
Ao abordar o aparato legislativo sobre a questão é curial observar que a Lei 180 de 1978 da Itália exerceu particular influência no Projeto de Lei 3657/1989, que revelou importante passo no debate pela superação do modelo tradicional psiquiátrico ou manicomial e pela criação de rede de serviços substitutiva ao hospital psiquiátrico.
Um ano importante foi o de 1978, exatamente na cidade do Rio de Janeiro quando alguns médicos psiquiatras realizaram contundentes denúncias sobre as condições de certa unidade hospitalar e as demais irregularidades ali existentes.
Tal acontecimento teve peculiar repercussão fora do hospital em questão e recebeu apoio de outras entidades importantes do setor da saúde como o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (CEBES) e o Movimento de Renovação Médica (REME) que haviam sido criados em 1976. E, assim foi constituído o Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM).
Em razão das denúncias o Ministério da Saúde promoveu na época a demissão de duzentos e sessenta funcionários. No entanto, a referida medida desencadeou a primeira greve do setor público no país após a instalação do regime de exceção, num episódio que ficou afamado como a “crise da Dinsam” ( Divisão Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde.
Através desta mobilização e apoio e participação do REME e do CEBES houve a expansão do MTSM por diversas cidades brasileiras. Alguns Núcleos Estaduais do CEBES assim como alguns sindicatos passaram a contar com Comissões de Saúde Mental.
Também fora realizado o V Congresso Brasileiro de Psiquiatria em Camboriú que, devido à participação dos grupos supramencionados, adquiriu notório caráter político e que repercutiu além do campo psiquiátrico.
Desta forma, com a ocorrência de tais acontecimentos a sociedade veio a se inteirar melhor sobre a realidade da loucura e da instituição hospitalar que fazia parte do cotidiano apenas dos que trabalhavam nos hospitais.
Assim a loucura enquanto doença mental deixa de ser objeto de interesse e debate exclusivo dos técnicos e doutros e galgava as principais entidades civis da sociedade (como a ABI, OAB, CNBB, CONTAG e etc) e a grande imprensa afinal divulgava, com maior destaque e initerruptamente por cerca de quase um ano, as condições relativas aos hospitais psiquiátricos e as distorções da política nacional de assistência psiquiátria, portanto a mera questão psiquiátrica fora promovida e se tornara uma questão pública.
Ainda podemos assinalar que a reforma psiquiátrica brasileira fora muito influenciada por experiências internacionais como a comunidade terapêutica, a psicoterapia iinstitucional, a psiquiatria de setor, a antipsiquiatria e, princpalmente, a reforma psiquiátrica italiana.
Em resumo podemos explicar tais experiências:
Comunidade Terapêutica (Inglaterra) e Psicoterapia Institucional (França) ambas se preocupavam em recuperar o hospital psiquiátrico. Pode se definir a primeira como sendo caracterizada pela adoção de mediadas administrativas democráticas, de cunho participativo e coletivo, cujo objetivo é a trans formação da dinânima institucional do asilo.
Apontavam publicamente para as péssimas condições dos internados nos hospitais psiquiátricos.
A psicoterapia institucional considerava que a instituição hospitalar possuía características doentias que deveriam ser tratadas para que a mesma tivesse cunho terapêutico.
Psiquiatria de Setor (França) e Psiquiatria Comunitária (EUA) tais movimentos deslocaram o ponto central do tratamento para a comunidade. A psiquiatria de setor é anterior à psicoterapia institucional e apresentou-se como um movimento de contestação da psiquiatria asilar, iniciado no período pós-guerra, na França.
Foi considerado a matriz política psiquiátrica francesa desde a década de 1960 e consistia na transferência do atendimento para a comunidade.
Já a psiquiatria comunitária surgiu nos Estados Unidos em meio ao contexto da crise do organicismo mecanicista e encontrava-se no cruzamento da psiquiatria de setor e da socioterapia inglesa.
Representou a delimitação de novo campo para a psiquiatria, no qual havia um novo objeto, a saúde mental.
A psiquiatria preventiva acreditava ter encontrado uma estratégia de intervenção nas causas das doenças mentais, fazendo com que procurasse realizar a prevenção das doenças e a promoção da saúde mental. Possuía como referências culturais e filosóficas a Fenomenologia, o existencialismo, a obra de Foucault, algumas correntes da sociologia e psiquiatria norte-americanas, psicanálise e marxismo.
Questionou a naturalização da loucura, pois considerava o saber e as práticas psiquiátricas inadaptadas no tratamento com a loucura, em particular com a esquizofrenia.
Desta forma, pretendia romper com o modelo assistencial e destituir o valor do saber médico com respeito à explicação, à compreensão e ao tratamento das doenças mentais. Isto promoveu a aparição de novo projeto de comunidade terapêutica, no qual há o profundo questionamento do saber psiquiátrico.
A antipsiquiatria (Inglaterra) e a psiquiatria democrática italiana, tais movimentos iniciaram crítica à psiquiatria enquanto saber e enquanto prática.
A antipsiquiatria surgiu na Inglaterra na década de 1960 através de um grupo de psiquiatras dos quais destacavam-se Ronald Laing e David Cooper.
A antipsiquiatria denuncia veementemente a cronificação do hospital psiquiátrico e a procura de diálogo entre loucura e razão, colocando a loucura entre os homens, e, não dentro deles.
Este movimento inicia um processo de ruptura com o saber psiquiátrico moderno.
A Psiquiatria Democrática italiana foi iniciada por Franco Basaglia e fez uma crítica radial ao paradigma psiquiátrico afirmando a urgência da revisão das relações a partir das quais o saber médico fundava sua práxis.
Em 1971, Basaglia vai a Trieste onde inicia a demolição do aparato manicomial existente e tenta costituir novas formas de entender, lidar e tratar a loucura.
Esta demolição significou a realização de uma análise crítica da sociedade e da forma pela qual se relaciona com o sofrimento e a diferença: não significou a negação da instituição e da doença mental, mas relacionou-se com a negação do poder que a sociedade entregava à psiquiatria para que esta isolasse, excluísse e anulasse aqueles que se encontravam fora dos limites impostos pela normalidade social.
O trabalho realizado em Trieste demonstrou a possibilidade da constituição de uma rede de atenção capaz de oferecer e produzir novas formas de sociabilidade e subjetividade para os que utilizam a assistência psiquiátrica, assim como o oferecimento e a produção de cuidados. Tal experiência conduziu à destruição do manicômio e o fim da violência e do aparelho da instituição psiquiátrica tradicional.
Por fim, a experiência italiana demonstrou a possibilidade real de transformações no lidar e tratar com a loucura: e a modificação dos recursos assistenciais, do reconhecimento social, da inserção social.
A legislação italiana e os pressupostos desta experiência produziram impacto positivo de reforma psiquiátrica na realidade brasileira.
O deslocamento da questão da loucura para fora da área médica e técnica para a discussão da sociedade em geral, fez com que questões como cidadania, direitos humanos e os direitos dos pacientes psiquiátricos ganhassem importância.
Desta forma, a reforma psiquiátrica propunha processo constante de construção e reflexões e transformações nos campos assistencial, cultural, conceitual e jurídico.
No início da década de oitenta, a previdência social brasileira passou por mais uma crise que possibilitou organização de modalidade de convênio entre o Ministério da previdência e Assistência Social (MPAS) e o Ministério da Saúde (MS), denominado de “co-gestão”. Nessa ocasião foram incluídos três hospitais psiquiátricos federais situados na cidade do Rio de Janeiro (Instituto Phillipe Pinel, Centro Psiquiátrico Pedo II e a Colônia Juliano Moreira).
Através das diretrizes estipuladas pelo MPAS e MS esta modalidade de gestão colocou em cena os princípios de descentralização, integração, hierarquização, regionalização e participação comunitária que nos anos seguintes marcariam as políticas de saúde.
Importante ressaltar que no Brasil até o início da década de noventa, o Ministério da Saúde previa remuneração somente para internação psiquiátrica e consulta ambulatorial, dificultando a realização de outros procedimentos e outras atividades.
As Portarias 189/91 e 224/92 representaram um relevante avanço no processo de constituição de nova rede de serviços em detrimento ao hospital psiquiátrico, pois efetivaram o financiamento de estabelecimentos não manicominiais e permitiram o fechamento de instituições não qualificadas para a prestação de assistência.
Esses novos serviços, frutos do redirecionamento do novo modelo assistencial, incluem um novo papel, novos técnicos, novas práticas, nova forma de lidar com a comunidade e de pensar em relação a saúde mental, bem como um novo pensar sobre o serviço inserido na comunidade sem ser um serviço isolado que atenda exclusivamente aos pacientes, mas que seja um serviço que atue intermediando a relação da sociedade com os mesmos. Isto implica, muitas das vezes, em ultrapassar a idéia de serviço com ações culturais, de lazer, de trabalho, enfim, outras formas de lidar na sociedade.
A desinstitucionalização é exatamente relevante no processo da reforma psiquiátrica e é umas das principais estratégias para a transformação da assistência entendida como desospitalização, a desconstrução sendo conceito advindo da psiquiatria democrática que propõe repensar saberes, práticas e até mesmo a própria psiquiatria.
No modelo tradicional o paciente é encarado como alienado, incapaz, sem razão e sem juízo. A antipsiquiatria e a psiquiatria democrática italiana iniciaram o desmistificação de tais pré-conceitos, sublinhando que a prática dessas expressões eram prejudiciais e impede que a pessoa doente tenha condições mínimas para definir seu tratamento e que tenha responsabilidade sobre sua condição.
Interessantes obras focaram a temática no campo das ciências sociais, como por exemplo, o trabalho de Elisa reis intitulado “Cidadania: história, teoria e utopia”, no qual a autora propõe reflexão sobre o conceito e o exercício da cidadania, destacando a relevância da obra de Marshall e apresentando alguns temas relacionados à cidadania negada aos que possuem problemas psiquiátricos.
Já o texto de Regina G. Marsiglia sob o título “Os cidadãos e os loucos no brasil. A cidadania como processo” mostra resumidamente o desenvolvimento da cidadania no Brasil, e aponta como ponto principal as particularidades deste conceito na questão do doente mental.
Joel Birman em seu texto “A cidadania tresloucada. Notas introdutórias sobre a cidadania dos doentes mentais” cogita da condição de cidadania dos doentes mentais. O autor menciona que não se trata de apenas resgatar os direitos dos loucos, pois desde o momento em que adquiriram o estatuto de pacientes psiquiátricos, foram excluídos da vida social, civil e política sem poder usufruir os direitos de cidadão. Portanto, trata-se da real construção de sua condição de cidadão.
Quando a loucura fora transformada em doença mental no final do século XVIII através da constituição da psiquiatria, foi instalada na questão da cidadania, a exclusão social do louco.
Daí, como destaca Birman ser relevante a criação do estatuto de enfermo com direito à assistência e ao tratamento, sob a proteção do Estado, reconhecendo-se assim seus demais direitos sociais, e ipso facto, a sua condição de cidadania plena.
Na década de setenta e em seu final quando era patente o declínio do regime militar, alguns movimentos sociais foram organizados e começaram ganhar expressão. Em particular com a revogação do AI-5, a reabertura de partidos políticos, a anistia política que contribuíram para o fortalecimento e crescimento da participação popular nos movimentos sociais.
Tais movimentos sociais levaram a reconquista da democracia, da cidadania, e dos direitos sociais, civis e políticos. O resultado da luta foi a consolidação no processo de redemocratização e na elaboração e promulgação da Constituição de 1988 que fora alcunhada de “Constituição cidadã” pois efetivou relevante ampliação dos direitos para todo o povo.
Na área da saúde, dois movimentos destacaram-se: o movimento pela reforma sanitária e o movimento pela reforma psiquiátrica. Tais movimentos, através de suas atuações, proporcionaram transformações fundamentais.
Do projeto de reforma sanitária, de todas as reivindicações feitas, foi criado e estabelecido o Sistema Único de Saúde (SUS) que presta assistência atualmente a toda população brasileira.
O processo de reforma psiquiátrica foi iniciado em 1979 com o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) que se tornou o primeiro e mais importante ator deste processo e, desde então, vêm proporcionando uma série de significantes transformações no campo da saúde mental.
Somente nos anos oitenta, é que a questão da cidadania do doente mental adquiriu maior relevo e visibilidade no Brasil, principalmente através do reconhecimento pelo Estado, de uma dívida social relacionado ao desrespeito de sua condição de cidadão.
Portanto, a cidadania seria determinada não por razões políticas ou assistenciais, mas, sim por razões estruturais presente na formação do conceito de loucura e doença mental.
Por fim, em abril de 2001 foi promulgada a Lei 10.216 que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Pode ser considerada uma conquista de direitos na esfera da saúde, com o reconhecimento da dignidade da pessoa humana, da cidadania e, por fim, como sujeito de direito.
Ressaltar que o Ministério Público possui missão importantíssima na proteção dos direitos humanos e que passa em função da referida lei ter mais uma atribuição de controlar e acompanhar o tratamento e a internação do paciente psiquiátrico, principalmente no caso de internação involuntária.
O MP e o Poder Judiciário têm a competência constitucional para solucionar e dirimir conflitos oriundos das diferenças sociais e divergências de interesses que convivem no mesmo espaço e tempo, cabendo salientar dizer que direito deve ser aplicado para a solução dos conflitos.
Outrora, na área de saúde mental, a atuação do MP era tradicional nos processos de interdição, onde realizava a fiscalização do processo, do curador, e também promovia a interdição.
A partir da Lei 10.216/2001 a atuação do MP foi ampliada por meio da determinação de comunicação da internação psiquiátrica involuntária para este órgão.
A explicitar a lei a participação do MP contribui para que as pessoas com transtorno mental tornem-se cientes de seus direitos e tenham um órgão ao qual recorrer caso sintam-se lesionadas em seus direitos e violadas em sua condição de cidadão.
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
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