Resumo: O presente estudo analisa, por meio do referencial teórico – metodológico da Ergonomia da Atividade as relações entre o trabalho prescrito e real da carreira de Agentes de Polícia Civil do Distrito Federal. Os conceitos evocados e os argumentos elaborados mostram que existe uma discrepância significativa entre o trabalho prescrito e o trabalho real. Os resultados apontam para uma falha no modelo de gestão da instituição policial e para ausência de uma legislação atual e regulamentação compatível com as atividades já realizadas pelos Agentes. Esta pesquisa, em razão da natureza do problema em estudo e das questões e objetivos que orientam a investigação, apresenta um caráter qualitativo-descritivo. Para tanto, foram utilizadas três estratégias metodológicas de investigação: pesquisa documental; acompanhamento de grupos de debate na rede social do FACEBOOK, em caráter de etnografia virtual e realização de um grupo focal. A partir de todos os dados coletados, por meio das técnicas de pesquisa citadas, foi realizada uma codificação temática pautada na seleção de termos semânticos mais recorrentes nos três loci onde realizamos o trabalho de campo: documentos, internet e grupo focal.
Palavras-chaves: Trabalho prescrito; Trabalho real; Polícia Civil; Agente de Polícia; Ergonomia da Atividade.
1. INTRODUÇÃO
No Brasil, o serviço público é responsável por uma significativa parcela do mercado de trabalho, ao contrário de outros países, cuja iniciativa privada é predominante. Tornou-se uma alternativa de trabalho que ressalta algumas características únicas, como a estabilidade de emprego e a não redução do salário, entre outras.
No serviço público, as Carreiras Típicas de Estado são aquelas que exercem atribuições relacionadas à expressão do Poder Estatal, não possuindo, portanto, correspondência no setor privado. Integram o núcleo estratégico do Estado, requerendo, por isso, maior capacitação e responsabilidade. Estão previstas no artigo 247 da Constituição Federal e no artigo 4º, incisoIII, da Lei nº 11.079, de 2004.
As carreiras consideradas típicas de Estado são as relacionadas às atividades de Fiscalização Agropecuária, Tributária e de Relação de Trabalho, Arrecadação, Finanças e Controle, Gestão Pública, Segurança Pública, Diplomacia, Advocacia Pública, Defensoria Pública, Regulação, Política Monetária, Planejamento e Orçamento Federal, Magistratura e o Ministério Público.
Sendo o eixo da Segurança Pública, o contexto o qual se insere a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), que se trata de uma instituição pertencente à administração direta, essencial à função jurisdicional e vinculada ao Gabinete do Governador do Distrito Federal, é dirigida por delegado de polícia de carreira e tem relativa autonomia administrativa e financeira.
A Polícia Civil do Distrito Federal tem como missão institucional promover, integrada às instituições congêneres, a segurança pública, visando à preservação da ordem pública e à incolumidade das pessoas, por meio da apuração de delitos, da elaboração de procedimentos formais destinados à ação penal e da adoção de ações técnico-policiais, com a preservação dos direitos e garantias individuais.
Essa instituição caracteriza-se por um regime jurídico e condições de trabalho peculiares, de certo modo diferenciadas dos demais órgãos e entes públicos, visto que está fundada nos princípios de hierarquia e disciplina, cujos servidores, por expressa disposição legal, são submetidos ao regime de dedicação exclusiva.
A PCDF está inserida em um contexto organizacional que se vale da interdisciplinaridade em sua gestão de conhecimento e inteligência estratégica, uma vez que precisa compreender a dinâmica social para ter uma atuação abrangente. Para tanto, como uma das maneiras de trabalhar a reunião, correlação e síntese de disciplinas, ou seja, a interdisciplinaridade, a Polícia Civil do Distrito Federal por intermédio de um conjunto de ações, passou a conferir o caráter de especialidade às suas carreiras. Dentre tais ações, destaca-se quando começou a exigir como requisito de ingresso no seu quadro de servidores, a formação superior e a avaliação deste saber em concurso público (SOUZA, 2014).
E assim, diante da complexidade e diversidade dos cargos que compõem a PCDF existe a necessidade constante de um diálogo teórico entre Ergonomia da Atividade e a Psicodinâmica do Trabalho, bem como entender como cada cargo se insere na instituição e o grau de (in)compatibilidade entre o trabalho prescrito e o trabalho real para cada especialidade.
Nesse sentido o presente estudo que tem como foco a carreira de Agente de Polícia Civil Do Distrito Federal, estabelece como problema central da pesquisa, o seguinte questionamento: Existe descompasso entre a organização do trabalho prescrito e a vivência do trabalho real dos profissionais na carreira de Agente de Polícia Civil Do Distrito Federal?
Temos, então, como inferências a partir do problema das tensões entre trabalho prescrito e trabalho real no espaço funcional da atividade policial do agente de Polícia Civil Do Distrito Federal que:
– As atividades executadas (trabalho real) pelos dos Agentes de Polícia Civil do DF são compatíveis com as tarefas definidas em lei (trabalho prescrito)?
E nesse sentido para testar a problemática do estudo e estabelecer as reposta para os questionamentos foi utilizada a seguinte metodologia:
2. METODOLOGIA DA PESQUISA
2.1. CLASSIFICAÇÃO DO ESTUDO
Esta pesquisa, em razão da natureza do problema em estudo e das questões e objetivos que orientam a investigação, apresenta um caráter qualitativo-descritivo. Para tanto, foram utilizadas três estratégias metodológicas de investigação: pesquisa documental; acompanhamento de grupos de debate na rede social do Facebook, em caráter de etnografia virtual e realização de um grupo focal. A partir de todos os dados coletados, por meio das técnicas de pesquisa citadas, foi realizada uma codificação temática pautada na seleção de termos semânticos mais recorrentes nos três loci onde realizamos o trabalho de campo: documentos, Internet e grupo focal.
2.2. TÉCNICAS
A pesquisa documental teve por objetivo descrever e analisar a organização prescrita do trabalho. Assim, foram utilizados o Regimento Interno Da Polícia Civil Do Distrito Federal – Decreto Nº 30.490, de 22 de Junho de 2009, Regime Jurídico Peculiar Dos Funcionários Policiais Civis Da União e Do Distrito Federal – Lei Nº 4.878, de 3 de Dezembro de 1965, Constituição Da República Federativa Do Brasil De 1988 e o Edital De Concurso Público para ingresso no Cargo de Agente de Polícia Civil do Distrito Federal (Distrito Federal, 2013).
A etnografia virtual consistiu no acompanhamento dos grupos de debate e teve por objetivo observar como o tema trabalho real é discutido no cotidiano dos Agentes de Polícia nas redes sociais. As anotações foram realizadas a partir de setembro de 2014 e registradas por cerca de dois meses. Neste período realizei observação participante recorrente nesse espaço virtual, inclusive interagindo com outros policiais civis no intuito de aprofundar discussões sobre a questão da relação trabalho real e prescrito na tentativa de elucidar suas percepções acerca de consequências de assimetrias entre essas duas modalidades de trabalho.
Foi realizada ainda uma entrevista coletiva em formato de grupo focal gravadaa com um grupo de agentes, buscando-se captar as percepções e vivências subjetivas decorrentes da experiência do trabalho para, assim, analisar as relações entre trabalho prescrito e real a partir de elementos descritos pelos entrevistados como exemplos de tarefas e atividades reais do cotidiano do cargo de Agente de Polícia Civil.
Em linhas gerais, essa estratégia metodológica objetivou, essencialmente, a vivência subjetiva dos trabalhadores, isto é, aquela que provém do inconsciente, afastando do seu campo de interesse, em contrapartida, a objetividade dos fatos, representada pela realidade do trabalho humano em suas dimensões físicas e cognitivas. Dentro dessa perspectiva, não despertam interesse direto a realidade dos fatos na situação de trabalho, tampouco a descrição efetuada pelos trabalhadores de seus trabalhos, mas sim a vivência subjetiva que é expressa pela fala.
Outra característica do arranjo metodológico utilizado é que ele esteve centrado, fundamentalmente, no comentário verbal de um grupo de pessoas, pois este se constitui no canal fundamental para o estabelecimento de contato com a subjetividade do trabalhador. Seu significado, de certa forma, representa a formulação do pensar dos trabalhadores sobre a sua própria situação (DEJOURS, 1992).
O grupo focal foi constituído de seis policiais civis lotados em diferentes seções de investigação da 11ª Delegacia de Polícia Civil, localizada na cidade do Núcleo Bandeirante/Distrito Federal, como participantes e de um pesquisador, que atuou como moderador do debate e na coleta de dados.
Para a condução da entrevista coletiva foi elaborado um roteiro de questões. A reunião foi realizada em uma sala localizada na sede da própria Delegacia a qual os policiais estavam vinculados. A sessão foi gravada, com o consentimento dos entrevistados, e durante toda a entrevista o pesquisador fez anotações.
Após a entrevista, o áudio gravado foi utilizado para estabelecer qual a percepção do trabalho real pelos agentes de polícia, bem como foi analisado como elemento de coleta de dados para interpretação do pesquisador.
2.3. PERFIL DOS ENTREVISTADOS NO GRUPO FISCAL
Na estrutura organizacional da PCDF, agentes podem desenvolver diversas funções dentro de uma delegacia, utilizou-se como critério para escolha dos sujeitos de pesquisa o fato de estarem lotados em sessões diferentes na mesma sede, sendo três mulheres e três homens, com idades entre 26 e 50 anos, representando policiais que exercem atividades na Seção de Investigação de Crimes Violentos (SICVIO), Seção de Repressão a Drogas (SRD), Seção de Polícia Comunitária (SPCOM) e Seção de Investigação Geral (SIG). A Seção de Atendimento à Mulher (SAM) e da Seção de Apoio Administrativo (SAA) não apresentou voluntários. Os policiais selecionados tinham entre 1 e 20 anos de tempo de serviço.
Salienta-se que participação na pesquisa não teve caráter convocatório, mas sim voluntário, ou seja, após apresentação da proposta de pesquisa, os Agentes de cada sessão foram convidados a participar e uma vez tendo aceitado, foram alertados da utilização daqueles dados para confecção de pesquisa científica.
2.4. COLETA DOS DADOS
A coleta de dados para percepção do trabalho real se fundamentou nas seguintes fontes:
– CODIFICAÇÃO TEMÁTICA: Por meio do acompanhamento do grupo denominado “EPAs PCDF” sitiado no “FACEBOOK”, foram selecionados trechos de postagens de vários policiais para analisar a organização real do trabalho.
“EPAs PCDF” é um grupo virtual destinado aos Escrivões, Peritos Papiloscopistas e Agente da Polícia Civil e Agente Penitenciário do Distrito Federal, conta com a participação de 1492 membros e foi criado com intuito de promover a intregração entre os integrantes da PCDF, bem como fomentar discussões sobre os mais variados temas de interesse comum das categorias.
Sendo as discussões sobre os temas: tarefas, atribuições competências, atividades dos agentes de polícia, as fontes de coleta de dados sobre a organização real do trabalho desses profissionais.
– ENTREVISTAS: Consistiram em depoimentos obtidos em entrevistas coletivas semi-estruturadas, técnica que possibilita o estabelecimento de uma relação dialogal entre pesquisador e informante, proporcionando a participação de ambos na produção da entrevista e, portanto, da geração de conhecimento (TRIVIÑOS, 1987).
A utilização desse tipo de instrumento de coleta de dados objetivou, basicamente, atingir a um propósito, ou seja, descrever as representações dos agentes de polícia sobre o trabalho prescrito e real exercido por eles.
O roteiro elaborado para a condução das entrevistas procurou abranger os seguintes tópicos:
– conhecimento sobre à natureza e conteúdo das tarefas prescritas;
– aspectos relativos à norma legal das tarefas;
– a responsabilidade e os conhecimentos necessários para aplicação das normas na atividade cotidiana;
– compatibilidade entre o trabalho prescrito e o trabalho real;
– a percepção sobre os problemas e soluções para adequação do trabalho prescrito e o trabalho real.
2.5. ANÁLISE DOS DADOS
Os dados colhidos foram analisados por meio da metodologia de análise de dados qualitativos, denominada de análise de conteúdo, através da qual foi atribuída relevância aos comentários diretos extraídos da discussão, considerando-se as palavras utilizadas e os seus significados, o contexto em que foram colocadas as idéias, a consistência interna, a freqüência e a extensão dos comentários, e a especificidade das respostas, sempre levando em consideração que a psicopatologia do trabalho está apoiada num modelo de homem e de subjetividade.
A escolha deste método de análise foi motivada pela constatação de que ele permite trabalhar as informações e os dados que não se mostram explícitos a partir dos depoimentos dos sujeitos entrevistados. Sendo necessário, assim, fazer uma leitura semântica acerca do sentido das expressões faladas e até mesmo gestuais dos falantes.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1. O TRABALHO PRESCRITO NOS DOCUMENTOS E NA PERCEPÇÃO DOS AGENTES POLICIAIS
A análise da categoria de trabalho prescrito, realizada a partir dos documentos legais e da legislação em vigor, permite definir a Policia Civil como órgão integrante da segurança pública, que tem como atribuição exclusiva a realização das funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto militares, ressalvadas as de competência da União.
Vejamos a percepção do tema de um dos policiais entrevistados:
“Eu acredito que seria exercer a Polícia Judiciária, não somente auxiliando, mas realizando a investigação em si, operação, mandado de prisão, eu acho que seria uma investigação mais ampla. O agente de polícia tem a função de investigador.”
Quanto às atribuições prescritas para o cargo de Agente de Polícia Civil do Distrito Federal, estas são: realizar atividade de nível superior, envolvendo investigar atos ou fatos que caracterizem ou possam caracterizar infrações penais; assistir a autoridade policial no cumprimento das atividades de polícia judiciária; coordenar ou executar operações de natureza policial ou de interesse de segurança pública; executar intimações, notificações ou quaisquer outras atividades julgadas necessárias ao esclarecimento de atos ou fatos sob investigações; dirigir veículos automotores em serviços, ações e operações policiais; executar demais serviços de apoio à autoridade policial, executar outras atividades decorrentes de sua lotação.
Esse levantamento documental possibilitou a descrição e análise do cargo, porém a delimitação do trabalho prescrito sob o formato de tarefas não é possível, uma vez que em uma análise exploratória de conteúdo desses documentos o diagnóstico do trabalho dos agentes de polícia revelou uma ótica mais voltada para os interesses institucionais do que para o trabalhador policial em si, como pode ser vista nas falas a seguir:
“Bom, as tarefas básicas do Agente é auxiliar o Delegado, essa seria nossa tarefa, auxiliar, mas acaba que a gente faz o trabalho além, que seria o trabalho de investigar. Entendeu? Tudo feito pelos Agentes de Polícia né? Investigação, relatório, oitivas, tudo isso é feito pelo Agente de Polícia, isso seriam atribuições pela lei do Delegado, porque a gente é auxiliar do Delegado, porque não tem muitas funções detalhadas.”
Em outro momento temos:
“Concordo com eles, ainda mais que na legislação, uma que a gente sabe muito bem e está escrito, é dirigir viatura, um caso que é inclusive motivo de “chacota” por causa disso, mas concordo com eles, porque nossa tarefa mesmo, mesmo, se for seguir ao pé da letra é auxiliar o Delegado.”
Ocorre que as tarefas desenhadas para os Agentes de Polícia apresentam incoerências com as próprias normas legais, a descrição e análise do cargo caracterizam-se pela existência de imprecisões, redundâncias e contradições. Nesse sentido, cabe salientar alguns aspectos críticos presentes no documento analisado:
Uma descrição imprecisa se encontra no inciso VI, do artigo 99 do Decreto Nº 30.490, de 22 de JUNHO DE 2009, que assegura como atribuição (tarefa) o dever de executar outras atividades decorrentes de sua lotação. A discussão aqui é o que são essas “outras” atividades.
Algumas e incompatibilidades e Contradições podem ser constatados no edital do Concurso Público para Provimento de Vagas e Formação de Cadastro de Reserva no Cargo de Agente de Polícia EDITAL Nº 1 – PCDF/AGENTE, DE 1º DE AGOSTO DE 2013, descreve como atividade sumária do cargo a realização de atividades de nível superior, envolvendo investigar atos ou fatos que caracterizem ou possam caracterizar infrações penais. Ocorre que de acordo com o art. 3º da Lei nº 9.264, de 7 de Fevereiro de 1996, a qual trata dentre outras matérias, da Carreira de Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), o cargo de Agente de Polícia é legalmente de nível intermediário. Para ilustrar a percepção desse tema, tem-se a seguinte publicação extraído do grupo “EPAs PCDF/FACEBOOK”:
“Em termos de competência do que cabe ou não aos EPAs decidirem… realmente é algo inútil. Infelizmente. Nenhum EPA é gestor da polícia. Fica parecendo telespectadores querendo definir os finais das novelas… não adianta, quem vai decidir são os donos da novela. /// Infelizmente também não são os juízes que definem as nossas atribuições legais. São as Leis. (juízes não podem invadir competência legislativas de outro poder) Proposta inicialmente pelo Chefe do Poder Executivo. Pela lei (talvez arcaica) somos "carteiros/motoristas/vigias"… meros auxiliares. Tanto é assim que ganhamos como NÍVEL MÉDIO dentre as carreiras típicas de estado Devido às atribuições de Nível Médio. /// Emitir opiniões nesse quesito é democrático. Mas infelizmente não passará de meras opiniões… (grifo nosso). 26 de novembro às 16:27. Fonte: https://www.facebook.com/groups/EPAspcdf/search/?query=plenaria).
Apesar de que desde a edição da Lei nº 11.134, de 15 de julho de 2005, seja exigido o curso superior para ingresso na carreira, não existe lei que regulamente o exercício de atividades de nível superior pelo Agente de Polícia, o que de fato é uma contradição.
Tais resultados denotam uma visão peculiar da concepção formal do trabalho, pois sendo a legalidade um dos princípios institucionais da Polícia Civil do Distrito Federal, cabe aos seus servidores fazer somente o que a lei permite obedecendo ao que diz a redação do art. 37 da CF/88 e do artigo 2º da lei 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo).
Os resultados dessa primeira etapa de análise podem ser resumidos na seguinte lista:
ü Investigar atos ou fatos que caracterizem ou possam caracterizar infrações penais;
ü Assistir a autoridade policial no cumprimento das atividades de polícia judiciária;
ü Coordenar ou executar operações de natureza policial;
ü Executar intimações, notificações policiais;
ü Dirigir veículos automotores em serviços, ações e operações policiais;
ü Executar demais serviços de apoio à autoridade policial;
ü Executar outras atividades decorrentes de sua lotação;
3.2. TRABALHO REAL – PERCEPÇÃO DOS AGENTES DE POLÍCIA
A análise crítica dos conceitos de trabalho prescrito e trabalho real permite identificar um conjunto de aspectos que chama a atenção sobre a importância da compatibilidade entre a tarefa e a atividade dos trabalhadores. Destacam-se como propriedades intrínsecas do conceito de tarefa: é sempre preexistente ou anterior à atividade; veicula explícita ou implicitamente um modelo de sujeito; requer do sujeito dupla atividade de elaboração mental e de execução manual.
Ela estabelece, portanto, uma potencial agenda de comportamentos para a atividade de mediação dos trabalhadores, estabelecendo parâmetros básicos em termos de formas de agir e de interação com o contexto sociotécnico de trabalho (FERREIRA & BARROS 2003).
Ora, o estado da arte em ergonomia salienta de forma abundante como modelos de gestão de natureza Taylorista-Fordista, ainda hoje largamente utilizado nas organizações, tendem a construir cenários do trabalho prescrito que se distanciam da atividade real dos trabalhadores.
São práticas de concepção supostamente científicas que configuram uma verdadeira cultura do trabalho prescrito, mas que padecem de limites visíveis (FERREIRA, 2003). Na realidade, são modelos que concebem os trabalhadores como um fator de ajuste, ou seja, o homem deve adaptar-se ao trabalho e não o contrário, como preconiza a Ergonomia da Atividade.
Os resultados oriundos das entrevistas e observações das discussões no grupo “EPAs PCDF” possibilitaram identificar que existe uma discrepância significativa entre o trabalho prescrito e o trabalho real, decorre das observações que os Agentes de Polícia acreditam que a normatização de suas atividades é muita vaga e imprecisa, o que exige constante adaptação do trabalhador policial às tarefas impostas pelos gestores da instituição, sendo que muitas vezes tais tarefas extrapolam as competências do cargo de agente ou quando mesmo realizadas, são atribuídas e apropriadas por outras categorias legalmente competentes, não havendo o devido reconhecimento do trabalho executado.
Segue um relato extraído do grupo “EPAs PCDF”:
“Da mesma forma que os Deltas não reconhecem o relatório do Agente de Polícia (mas querem que os Agentes o façam), é o que os Peritos Criminais querem, que façamos os "exames" e eles se apropriem do resultado. Se não somos competentes para estas tarefas porque eles que são não o fazem? Vamos continuar sendo chamados de balconistas, mela-dedos e escravões? Isso não é motivo para revolta? Nossas tarefas evoluíram. É nisto que acredito. Que se mudem as leis. 4 de dezembro às 06:44. (Fonte: https://www.facebook.com/groups/EPAspcdf/search/?query=peritos).”
As observações das percepções dos Agentes quanto ao trabalho real exercido e adotado como referencial a Noção Fundamental em Ergonomia (GUÉRIN et al., 2001, p.15) afirma que: "A tarefa não é o trabalho, mas o que é prescrito pela empresa ao operador. Essa prescrição é imposta ao operador; ela lhe é, portanto exterior, determina e constrange sua atividade. Mas, ao mesmo tempo, ela é um quadro indispensável para que ele possa operar: ao determinar sua atividade, ela o autoriza".
Temos que, o trabalho real percebido pelos agentes é de fato correlacionado com atividades hoje prescritas. Não existe uma divergência do que se “fazer” e sim qual o limite do que se “fazer”. Devido à imprecisão da norma, é necessária uma atualização da norma de forma restringir a atividade realmente exercida.
Assim, utilizando as estratégias metodológicas de investigação dessa pesquisa tomando como eixo temático as tarefas prescritas relacionadas no Quadro 1, analisou-se algumas postagens e trechos da entrevistas que permitiram confirmar a existência de um conflito entre o que se é prescrito e o que se verifica como trabalho real.
Vejamos uma colocação extraída do grupo virtual quando se debateu as atividades reais dos agentes de polícia. Salienta-se que os nomes dos policiais citados serão preservados e substituídos pela sigla Ag(X), em que X será substituído em ordem numérica de acordo com as citações, segue uma das postagens relacionadas com a organização do trabalho real:
“É por isso Ag(1) e Ag(2), o dia q o agente começar a enxergar a sua atividade dentro de um contexto de ADMINISTRAÇÃO DA INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO, ele começará a entender melhor o q faz e assim, pleitear melhor a respeito do q faz, ora, o agente apura crimes pela elucidação da trama ou história do crime, APURAR É CONHECER e isso ocorre numa dinâmica em q há uma entrada, processamento e saída de dados/informação q irá realizar o entendimento, irá PRODUZIR O CONHECIMENTO daquilo q se deseja saber, no caso do agente, a elucidação da trama ou história do crime.
ENTRADA – é o acesso (busca ou coleta) aos suportes de informação, no caso do agente, em razão dele atuar na elucidação da trama ou história do crime, ele acessa pessoas e os meios pelo qual as pessoas se comunicam (rede de telecomunicações, internet etc.) ou preparam (ex. dinheiro, veículo, local etc.) ou realizam (ex. arma, droga etc.) a atividade criminosa, ora senão vejamos:
1 – pela entrevista, seja nos plantões, seções, diligências e operações policiais, o agente acessa pessoas e o q elas têm a dizer sobre a trama criminal.
2 – pelo recrutamento de colaboradores (ex. informantes) o agente acessa pessoas e o q elas sabem sobre a trama criminal.
3 – pelo monitoramento de pessoas (campana ou uso de carrapato ou outros meios disponíveis) o agente acessa pessoas e o q elas fazem na trama criminal.
4 – pela prisão, apreensão, condução coercitiva ou outra diligência para localização ou abordagem de pessoas, o agente acessa pessoas e o q elas devem saber da trama criminal.
5 – pela infiltração (feita pelo agente ou mediante recrutamento de terceiro supervisionado por ele) o agente acessa pessoas e o q elas tramam subjetivamente.
6 – pela busca e apreensão de coisas, sejam meios de comunicação, documentos, equipamentos eletrônicos e outros q guardam relação com atividade criminosa, o agente acessa os dados e informações q essas coisas venham a fornecer, a fim de conhecer a trama criminal.
7 – pela coleta ou pesquisa em bases de dados disponíveis (ex. internet/intranet, documentos públicos, coisas apreendidas e dados sigilosos cujo acesso foi autorizado legalmente) o agente acessa dados e informações q guardam relação com a trama ou história do crime.
8 – pelo monitoramento de comunicações (escuta ambiental, interceptação telecomunicações, telemática e de outros sinais) o agente acessa o q as pessoas tramam subjetivamente.
PROCESSAMENTO – é quando o agente, com base no q foi coletado ou buscado, realiza a montagem (com cruzamento de dados ou exploração de hipóteses) das questões pertinentes à apuração da trama ou história do crime, nesse momento surge uma variável imprescindível que é o tirocínio policial, como capital intelectual relevante: http://www.inteligenciapolicial.com.br/…/tirocinio… (já disponível no site do sinpol: http://sinpoldf.com.br/tirocinio-policial-e-investigacao/).
É interessante observar q nada se faz sozinho, tanto q nesse processamento, o agente interage com os trabalhos investigativos realizados pelos demais atores da investigação policial/criminal e vice-versa, por isso diz-se q investigar é um ato interdisciplinar, a separação de áreas é apenas para fins de identificação, didática e organização dos trabalhos, para melhor realização da inter-relação desses setores num único serviço, q é a investigação, MAS CADA ATOR VAI TER UM PÉ EM SUA ÁREA PRINCIPAL E OS DEDOS DE SEU OUTRO PÉ EM CADA UMA DAS OUTRAS ÁREAS.
SAÍDA – é a difusão q o agente faz daquilo q processou, o q é feito por RELATÓRIOS, REGISTROS PRELIMINARES (histórico de ocorrência policial ou certidão de cumprimento em verso de mandado) ou qdo colhe (termo de declarações, 99% quem faz sozinho é o EPA entrevistando quem declara, tanto nos plantões, cartórios e seções) ou presta DECLARAÇÕES (dentro ou fora da polícia: ex. audiências judiciais) pertinentes à apuração da trama ou história do crime.
Por fim, os trabalhos do agente não se dão necessariamente nessa progressão (entrada/processamento/saída), a classificação q apresentei é apenas para fins de compreensão, como todo fenômeno, em cada fase do processo, outras se manifestam, interpenetradas, sem seguir necessariamente um escalonamento fixo, assim, essas ações o agente realiza pela atividade de Inteligência (como o Oficial de Inteligência da ABIN, com a diferença q fazemos inteligência policial e eles, de Estado) e TOAP/TIP (técnicas operacionais da ação e imobilização policial), norteado por conhecimentos técnicos-científicos: psicologia, antropologia, sociologia, administração, metodologia de produção do conhecimento científico…bem, a-gente mexe com gente, certo? além de outros saberes q auxiliam ou suportam ou assessoram o q faz, como bem apontou o Ag(3): o Direito (somos agente da lei, certo? mas não precisamos ser juristas pra fazer o nosso trabalho). Abçs.” Fonte:https://www.facebook.com/groups/EPAspcdf/permalink/796694313705462/)
Nesta longa exposição o policial argumenta que ao contrário do que é prescrito no item “Assistir a autoridade policial no cumprimento das atividades de polícia judiciária” o que se observa é que o Agente não está auxiliando e sim executando as tarefas que por lei são atribuídas ao Delegado de Polícia.
Em outra postagem temos:
“Nunca fomos nem seremos agentes dos outro ou da autoridade policial. Ademais autoridade policial em sentido mais cientifico é todo aquele q exerce o poder da policia. Seja PM, civil ou federal. O agente de policia é p cargo com as atribuições mais complexas, pois vai a campo atrás de provas, autoria, materialidade etc. Este cargo deve possuir nos seus quadros pessoas com conhecimento cientifico e legal para cumprir suas atribuições legais de forma eficiente e eficaz.” Fonte: https://www.facebook.com/groups/EPAspcdf/?ref=ts&fref=ts
Segundo esse pensamento, os Agentes acreditam que são responsáveis pela maior parte da atividade fim da polícia judiciária, como também compõe o maior quadro da estrutura da Polícia Civil do DF, e o resultado produtivo esperado da instituição só é possível porque os trabalhadores estão extrapolando diariamente as tarefas que lhe são devidas (trabalho prescrito) exercendo atividades que vão além de suas atribuições (trabalho real), mesmo não sendo capacitados, valorizados ou remunerados adequadamente para tais atividades por vezes aquém do trabalho policial “stricto sensu”.
Nesta perspectiva, foi observado que esse pensamento também esteve presente nos relatos dos Agentes que participaram do Grupo Focal, segue:
“É porque na verdade as atribuições do Agente de Polícia ela não é detalhada, salvo em engano são três incisos, a investigação em si é atribuição do Delegado de Polícia. A legislação é muito vaga, na minha opinião, a norma não define, não limita, a gente tem várias atividades que não estão limitadas em lei, nada está escrito como deveria está. Agente exerce um pouco o papel de Escrivão, Delegado.”
Diante do que foi exposto até aqui, é recorrente a ideia de que o Agente executa atividades do cargo de Delegado de Polícia, o que gera um desconforto. Ocorre que não há uma resistência na realização das tarefas, e sim uma insatisfação por realizar uma tarefa que não é reconhecida como de sua competência pela própria instituição e sociedade, no ponto de vista legal.
Conforme o Art. 95 do Decreto nº 30.490, de 22 de JUNHO DE 2009 são atribuições do Delegado de Polícia.
“Art.95. São atribuições do Delegado de Polícia:
I – Supervisionar, coordenar, controlar e executar as atividades específicas de polícia civil ou de interesse da segurança pública;
II – Desenvolver estudos e pesquisas com vistas à preservação da segurança pública;
III – Estudar e propor medidas destinadas a simplificar o trabalho e a redução dos custos das operações policiais;
IV – Elaborar planos de estudos de situação de busca de informações e de operações policiais;
V – Proceder à análise de dados e elaborar informações no âmbito da Polícia Civil;
VI – Participar de estudos e pesquisas de natureza técnica sobre administração policial;
VII – Representar à autoridade competente sobre questões de natureza penal;
VIII – Planejar operações de segurança e de investigações;
IX – Supervisionar ou executar operações de caráter sigiloso;
X – Instaurar e presidir inquéritos policiais e termos circunstanciados;
XI – Presidir sindicâncias e outros procedimentos administrativos;
XII – Presidir audiências e lavratura do respectivo termo;
XIII – Proceder com todos os atos e formalidades necessários para a instrução do inquérito policial e outros procedimentos de natureza criminal ou administrativa;
XIV – Instruir e orientar pessoal sob sua chefia visando estabelecer novas técnicas e procedimentos de trabalho;
XV – Executar outras atividades decorrentes de sua lotação;
XVI – Cumprir e fazer cumprir o presente regimento, regulamentos administrativos e leis em vigor;
XVII – Desempenhar outras atividades que se enquadrem no âmbito de suas atribuições.”
Nesse sentido, verifica-se que apesar dos agentes afirmarem que também realizam na prática, de forma complementar e muitas vezes suplementar, as atividades previstas nos incisos I, II, III, IV, V, VI, VIII, IX, XIII, do art. 95, não existe previsão dessas atividades no art. 99 da mesma lei quando trata da prescrição da atividades dos Agentes de Polícia.
Tomemos como exemplo o inciso I: “Supervisionar, coordenar, controlar e executar as atividades específicas de polícia civil ou de interesse da segurança pública”, infere-se dessa redação que somente o Delegado de Polícia possui a competência para executar a investigação criminal, quando que pelo que já foi exposto isso é um trabalho executado em conjunto com os componentes da Polícia Civil, o trecho abaixo descreve a visão de um Agente de Polícia.
“NÃO ADIANTA SÓ FALARMOS Q O AGENTE FAZ INVESTIGAÇÃO policial, porque todos da carreira policial civil fazem investigação policial, sendo q fora desta ainda tem os q fazem investigação criminal…investigar é uma atividade interdisciplinar q concorrem diversos atores especializados, mas cada um tem a sua área reservada na investigação (criminal e policial) e IP, o perito nas questões criminalísticas, o legista nas questões médico legais, o papi nas questões de identificação humana, o escrivão nos procedimentos cartorários E O AGENTE, QUAL É A SUA ÁREA RESERVADA? como não sabemos e não nos preocupamos em delinear isso normativamente, acabamos sempre ficando como agente dos outros…mas a SENASP em 2005 reconhece q o perfil Agente Policial (resultado da fusão agente e escrivão) é o especialista na apuração (por isso a oc chega na seção com o despacho: APURE-SE) da trama subjetiva ou história do crime prestando aquele insumo aos tomadores de decisão q traduz-se na célebre frase: "apenas narra-me os fatos q darei o direito ou a decisão" (por isso a instrução jurisdicional dá-se num processo judicial de conhecimento), ou seja, somos nós quem contamos a TODOS a história do crime, A TRAMA CRIMINAL: como foi concebido, premeditado, planejado, preparado, executado e o pós-execução, sendo quem, com quem, aonde, quando, o que e porque. Há troncos da investigação policial q inclinam mais pra objetividade dos suportes de informação (é o caso de criminalística, medicina legal e identificação humana), já a linha do agente inclina mais para a subjetividade da questão porque lida diretamente com as questões intrínsecas do ser humano e seus personagens (autor, comunicante, vítima, testemunhas, informantes, colaboradores e afins) no fato em apuração, o q inclui aí a motivação deles, por isso é uma abordagem com teor preponderantemente subjetivo, mas isso em nada reduz o seu caráter técnico-científico, ora, as ciências q mais lidam com as questões humanas, como a sociologia, psicologia e antropologia, reconhecem a variável da subjetividade em suas pesquisas, porém, a identificam e reconhecem como questão a ser considerada por quem deseja conhecer, o q não é diferente com o trabalho do agente…na verdade, não há abordagem apuratória q não exista a variável subjetiva, mas como disse, há algumas áreas em q esse fator está mais intrinsicamente relacionado e outros não, mas todos com o mesmo valor pra investigação, seja policial ou criminal. e nós, agentes, temos a nossa área também.”
Fonte: https://www.facebook.com/groups/EPAspcdf/?ref=ts&fref=ts
Observa-se também um descompasso na exclusividade das atribuições dos incisos II, III, IV, V, VI do art. 95, ao cargo de Delegado de Polícia, visto que, apesar de fomentar que o desenvolvimento de estudos e pesquisas com vistas à preservação da segurança pública; estudar e propor medidas destinadas a simplificar o trabalho e a redução dos custos das operações policiais; elaborar planos de estudos de situação de busca de informações e de operações policiais; proceder à análise de dados e elaborar informações no âmbito da Polícia Civil, seria atribuição desse cargo todo o aparato tecnológico, hoje utilizado na Instituição foi desenvolvido com participação de Agentes de Polícia. Destaca-se os trechos a seguir:
Trecho1:
“Quando eu entrei na PCDF (1995 ) o retrato falado era feito pelo desenho. Em 1997 a PCDF passou a usar um software comprando para a realização das montagens das faces, mas como ficava muito longe da realidade que a vítima queria, transportávamos as imagens do software para o Adobe Photoshop e fazíamos as alterações das peças, para ficar mais próximo do rosto que a vítima visualizou no momento do crime. Ocorre que o banco do software comprado pela polícia era muito limitado e com qualidade baixa, com características que não supriam a necessidade do trabalho, uma vez que o brasileiro é um povo muito miscigenado e ainda era em preto e branco. A partir do ano de 2000, eu, como chefe da seção de Retrato Falado do II, comecei a fazer uso das fotos dos presos do DF ( que faziam a identificação criminal no II) para a confecção dos retratos falados feitos no II. Fiz o recorte de mais de 3000 fotos e Montei um banco com mais de 10.000 peças coloridas. As peças eram recortadas e inseridas de forma sistemática pela cor da pele, etnia, idade e sexo e assim modificamos a qualidade dos retratos falados feitos pela PCDF. Passamos a fazer as montagens diretamente pelo Adobe Photoshop e não mais pelo software da PCDF que ainda era MSDOS. Nós do II ensinamos essa técnica para várias policias do país inteiro e inclusive para a Polícia Federal e até HOJE, o banco de RETRATO FALADO da PCDF é feito a partir das fotos dos presos do DF e é alimentado diariamente para estar sempre atual. A PCDF nunca mais precisou comprar software de retrato falado e nossos trabalhos são de altíssima qualidade fotográfica a partir dessa técnica desenvolvida por nós, Papiloscopistas do DF.
Trecho2:
“Todos foram desenvolvidos pelas EPAS a partir do ano de 1999, tive a oportunidade de vivenciar o antes e o depois desta verdadeira revolução tecnológica na PCDF. Nenhum delta colocou a mão nisto. Inclusive nossa ocorrência policial é a mais completa do país, sendo que será utilizada para uniformização dos boletins de ocorrência em nível nacional. Nossos sistemas são inclusive mais complexos que da PF.”
Trecho3:
“Esses projetos foram patenteados no INPI com os respectivos responsáveis. Na verdade foi um trabalho de equipe de Engenharia de Software, Banco de Dados, Rede Infraestrutura e Segurança, Suporte e Projetos de Planejamento e Aquisição que resultou nos seguintes projetos: Millenium, Proced, Horus net, Disque Denuncia, Delegacia eletrônica, Projeto Cérebro, Polares, Atlas, PCDF Móvel, Dame, Afis – Projeto de aquisição, SIIC, Nada consta Web, Protocolo. Cartoriun. Tudo Integrado e evitando inconsistência das informações e redundância de trabalho. Um verdadeiro trabalho de equipe, por isso não queria citar nomes porque posso esquecer alguns nomes. Valeu.”
Por fim, analisando os diálogos do Grupo Focal observou-se que Agentes de Polícia também executam o que está previsto no inciso XIII, do art. 95:
XIII – Proceder com todos os atos e formalidades necessários para a instrução do inquérito policial e outros procedimentos de natureza criminal ou administrativa;
De acordo com um dos entrevistados:
“Na prática existe delimitação, por exemplo, vai buscar preso no presídio (o Agente de Polícia); quem registra ocorrência o Agente de Polícia; o local de crime, quem vai? O Agente de Polícia. A oitiva que é atribuição do Delegado, quem faz? O Agente e o Escrivão de Polícia.”
No entanto, apesar do que a discussão assinala, o cenário político já apresenta perspectivas para adequar melhor o trabalho prescrito com o trabalho real do Agente de Polícia, vez que já se encontra em discussão o projeto de lei, que altera a Lei no 9.264, de 7 de fevereiro de 1996, para transformar em cargos de nível superior os cargos da Carreira de Polícia Civil do Distrito Federal, segundo consta, o texto da passaria a vigorar da seguinte forma:
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º A Lei nº 9.264, de 7 de fevereiro de 1996, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 3º A Carreira de Polícia Civil do Distrito Federal fica reorganizada nos seguintes cargos de nível superior:
I – Perito Criminal;
II – Perito Médico-Legista;
III – Agente de Polícia;
IV – Escrivão de Polícia;
V – Papiloscopista Policial; e
VI – Agente Penitenciário.” (NR)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Segue abaixo também a justificativa do projeto de Lei da assinado por Miriam Aparecida Belchior:
Excelentíssima Senhora Presidenta da República,
1. Temos a honra de submeter à apreciação de Vossa Excelência o anexo Anteprojeto de Lei que altera o art. 3º da Lei nº 9.264, de 7 de fevereiro de 1996, a qual trata, dentre outras matérias, da Carreira da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). A medida contida na proposição legislativa em tela reveste-se de extrema relevância, visto que busca atrair, valorizar e reter profissionais de alto nível de qualificação,
compatíveis com a natureza e o grau de complexidade das atribuições da carreira, objeto da proposta.
2. A proposta busca registrar em texto legal que todos os cargos da Carreira da Polícia Civil do Distrito Federal são de nível superior. Tal questão se refere especificamente aos cargos de Perito Criminal, Perito Médico-Legista, Agente de Polícia, Escrivão de Polícia, Papiloscopista Policial e Agente Penitenciário, para os quais, desde a edição da Lei nº 11.134, de 15 de julho de 2005, é exigido curso superior para ingresso. Entretanto, os cargos se mantêm legalmente como sendo de nível intermediário.
3. Ante o exposto, e em face das mudanças do mundo do trabalho na era da informação, das políticas de recursos humanos e da própria forma de atuação da Polícia Civil do Distrito Federal, propõe-se consignar em texto legal que todos os cargos de Perito Criminal, Perito Médico-Legista, Agente de Polícia, Escrivão de Polícia, Papiloscopista Policial e Agente Penitenciário, integrantes da Carreira de Polícia Civil do Distrito Federal, são de nível superior.
4. Com o aperfeiçoamento proposto, entende-se que será possível recrutar profissionais mais bem preparados para o exercício da função e para o trato com a sociedade, bem como dar continuidade à política de recursos humanos no âmbito do Governo Federal para a construção de um serviço público profissionalizado e eficiente, que visa fomentar uma inteligência permanente no Estado para o desenvolvimento.
5. São essas, Senhora Presidenta, as razões que nos levam a submeter à elevada apreciação de Vossa Excelência, o anexo Anteprojeto de Lei.
Respeitosamente,
Assinado por: Miriam Aparecida Belchior
E assim, ante as perspectivas futuras, os Agentes assinalam uma visão positiva quanto à adequação de suas tarefas com as atividades em si desenvolvidas, bem como, apontam como parte da solução do problema, a aprovação desse projeto de Lei.
Neste sentido, o maior desafio para tornar compatível o trabalho prescrito com o real e também proporcionar o devido reconhecimento das atividades já desenvolvidas há mais de uma década, esbarra principalmente em fatores políticos externos, vez que a instituição já se apropriou e se “acostumou” como essa prestação de serviço ilegal, necessitando assim de uma luta externa para aprovação de leis que regulamentem e adequem corretamente todo o trabalho desenvolvida na instituição Polícia Civil do Distrito Federal.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da complexidade dos estudos acerca das relações de trabalho que envolvem as organizações de Segurança Pública com o objetivo de entendê-las, modernizá-las e reestruturá-las, esta pesquisa abordou a situação da carreira de Agente de Polícia Civil do Distrito Federal com as suas peculiares características em termos de descompasso entre trabalho prescrito e trabalho real. Inicialmente, partiu-se da questão de pesquisa: Existe descompasso entre a organização do trabalho prescrito e a vivência do trabalho real dos profissionais na carreira de Agente de Polícia Civil Do Distrito Federal? A partir da qual se verificou que existe, na percepção dos agentes de polícia, uma discrepância significativa nas relações de trabalho em função de certo conflito de atribuições desses profissinais.
Foi utilizado como contribuições teórico-metodológicas reflexões oriundas do campo da Ergonomia da Atividade, para inicialmente definir as tarefas dos Agentes de Polícia e determinar as atividades reais desses servidores, bem como identificar prováveis defasagens entre o trabalho prescrito e o trabalho real. Tudo isso visando subsidiar estudos específicos, no campo da Psicodinâmica do Trabalho, referentes ao fenômeno prazer/sofrimento do trabalho na Carreira de Agente de Polícia Civil do distrito Federal.
Constatou-se que a formação superior geral do Agente de Polícia Civil do Distrito Federal, apesar de ser exigida para o ingresso em sua carreira e exercício de suas atribuições, a atividade real desenvolvida por esses trabalhadores não é reconhecida como tal, o que causa desconforto nas relações de trabalho, como apontado pelos agentes entrevistados e em suas manifestações na rede social Facebook.
Verificou-se ainda, que a categoria de Agente de Polícia PCDF possui um quadro de pessoal que é atualizado intelectualmente em nível multidisciplinar, o que atende ao perfil particular de sua função. Também se observou na percepção desses profissionais, que eles exercem funções incompatíveis com as tarefas que lhe são prescritas e atuam cotidianamente em atividades inerentes e exclusivas do cargo de Delegado de Polícia e de forma complementar a dos Escrivães de Polícia.
A discrepância entre o trabalho prescrito e o trabalho real tem sido amplamente apontada pela literatura como em Daniellou, Laville e Teiger (1989); Mendes e Abrahão (1996); Ferreira e Araújo (1998); Abrahão (2000); Guérin e cols. (2001); Ferreira e Barros (2003); Ferreira (2004), enfatizando suas implicações e seus efeitos para o bem-estar dos trabalhadores, a eficiência e a eficácia do processo produtivo. Tal discrepância, conforme corrobora resultados de pesquisas e intervenções, impacta negativamente na instituição como um todo.
O efeito principal do descompasso entre o trabalho prescrito e o trabalho real se opera ao nível da atividade dos trabalhadores. No estudo realizado com caixas de supermercados, Ferreira e Araújo (1998) destacam dois limites principais da concepção de trabalho prescrito: (a) o desconhecimento das solicitações efetivas do trabalho real em função da natureza da atividade, pois essa requer esforços físicos intensos (agravados em função das características não ergonômicas do posto de trabalho), funcionamento mental significativo (identificar, tratar e tomar decisões) e solicitação afetiva considerável (gerir com polidez a idiossincrasia dos clientes); e (b) o não reconhecimento pela empresa de atividades suplementares dos trabalhadores, inerentes à função caixa e vitais para a garantia da qualidade e de produtividade visadas.
O descompasso, em síntese, agrega dificuldades aos trabalhadores, pois reduz a margem de manobra para responder satisfatoriamente às exigências presentes nas situações, gerando, em consequência, uma sobrecarga de trabalho e aumento do custo humano da atividade.
As consequências da distância entre a tarefa e a atividade demandam uma carga de trabalho que impacta nos componentes físicos, cognitivos e psíquicos, originando sintomas físicos como ressaltado por Daniellou, Laville e Teiger (1989): fadiga física (produzindo a incidência de dores lombares, dorsais, ombros e pescoço); fadiga mental (expresso sob a forma de cansaço mental, sensação de esgotamento) e fadiga nervosa (expresso sob a forma manifestações de ansiedade, medo, frustração).
Esse trajeto teórico sucinto nos conceitos de trabalho prescrito (tarefa) e trabalho real (atividade) conduz às outras categorias centrais para o objetivo deste texto, ou seja, as noções de prazer e sofrimento no trabalho sob a ótica da Psicodinâmica do Trabalho.
Por fim, destaca-se que o presente trabalho abre perspectivas para outros estudos sobre trabalho do policial civil, bem como subsidia dados para estabelecer um diálogo entre Ergonomia da Atividade (referencial teórico do presente) e Psicodinâmica do Trabalho, que poderá analisar a correlação entre discrepância do trabalho prescrito e trabalho real, aqui apresentado, com as ocorrências de vivência de prazer-sofrimento na instituição, bem como determinar a influência deste fato na produtividade da organização e do trabalhador policial.
Especialista em Gestão de Segurança Pública pela Universidade de Brasília 2014 Especialista em Investigação Criminal pela Universidade Católica de Brasília 2009 possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de Brasília 2006 e mestrado em Biologia Molecular pela Universidade de Brasília 2009. Tem experiência na Investigação Criminal de Homicídios e Crimes Violentos Perícia Criminal e Operações Policiais
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