Resumo: O presente artigo traz os aspectos polêmicos referentes à alienação parental, sob o ponto de vista da legislação, dos profissionais estudiosos sobre o assunto e da jurisprudência dos nossos Tribunais.
Sumário: Introdução; 1. Conceito de alienação parental; 2. Modos de alienação parental; 3. Alienação parental x direitos de personalidade; 4. Medidas cautelares e alienação parental; 5. Meios de combate à alienação parental; Conclusão; Bibliografia
INTRODUÇÃO
A alienação parental, apesar de ser um fenômeno antigo, vem despertando maior interesse recentemente, culminando na edição da Lei nº 12.318/10.
Inicialmente, traremos o conceito de alienação parental do legislador responsável pela Lei supracitada, de doutrinadores renomados e profissionais estudiosos do assunto.
A seguir, traremos situações exemplificativas de modos de alienação parental, tanto as presentes na Lei, quanto as retiradas de experiências acompanhadas por profissionais.
Após, discutiremos como a prática de atos de alienação parental pode interferir no exercício dos direitos de personalidade, que, em tese, são irrenunciáveis.
Em seguida, faremos uma crítica à concessão de medidas cautelares inaudita altera parte que, por vezes, funcionam como catalisador do processo de alienação parental, afastando cada vez mais o filho e o genitor alienado.
Por fim, traremos sugestões de meios de combate à alienação parental e como o Poder Judiciário pode auxiliar para o fim de tal prática.
1. CONCEITO DE ALIENAÇÃO PARENTAL
A alienação parental é um processo de “implantação de novas memórias” (DIAS, 2010, p. 455) ou imposição de informações, geralmente falsas ou extravagantes, de modo a desmoralizar o genitor alienado, a fim de provocar sentimento de raiva e desprezo por parte dos filhos ao genitor ou o afastamento entre eles.
Assim, ocorre a alienação parental quando configura-se “uma situação patológica no ambiente familiar em que estivesse inserida a criança, normalmente em decorrência de seu desfazimento e da má resolução de sentimentos de índoles diversas” (HIRONAKA e MONACO, 2010).
Priscila M. P. Corrêa da Fonseca (2006) explica que a alienação parental é o “afastamento do filho de um dos genitores, provocado pelo outro, via de regra, o titular da custódia”.
A Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010, conceitua como ato de alienação parental
“a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
Maria Berenice Dias (2010, p. 455) define como “nada mais do que uma ‘lavagem cerebral’ feita pelo guardião, de modo a comprometer a imagem do outro genitor, narrando maliciosamente fatos que não ocorreram ou que não aconteceram conforme a descrição dada pelo alienador”.
Ana Maria Frota Velly (2010) aduz que
“A síndrome de alienação parental é um transtorno psicológico que se caracteriza por um conjunto de sintomas pelos quais um genitor, denominado cônjuge alienador, transforma a consciência de seus filhos, mediante diferentes estratégias de atuação, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge alienado, sem que existam motivos reais que justifiquem essa condição”.
2. MODOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL
A alienação parental, conforme dito acima, consiste num conjunto de ações ou omissões causadas por um dos genitores ou parente próximo, com o intuito de denegrir a imagem do genitor alienado e desfavorecer sua convivência com o filho. A própria legislação e a doutrina especializada aduzem diversos modos de prática desses atos.
A Lei nº 12.318/10 traz um rol exemplificativo de formas de alienação parental, quais sejam:
“Art. 2o Omissis
Parágrafo único. Omissis
I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II – dificultar o exercício da autoridade parental;
III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós”.
Segundo Maria Berenice Dias (2010, p. 455),
“muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, quando um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação e o sentimento de rejeição, de traição, surge o desejo de vingança que desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro”.
Marcos Duarte (2009) explica que “o uso de táticas verbais e não verbais faz parte do arsenal do guardião” e a principal característica da alienação parental é a “lavagem cerebral no menor para que atinja uma hostilidade em relação ao pai ou mãe visitante”.
Para Caetano Lagrasta (2011) a prática de atos de alienação parental consiste num “verdadeiro estado de tortura, visando a colaboração destes no ódio ao alienado (ex-companheiro ou cônjuge; avós; parentes ou qualquer dos responsáveis pelo bem estar daqueles)”.
Priscila M. P. Corrêa da Fonseca (2006) indica que a alienação parental
“é obtida por meio de um trabalho incessante levado a efeito pelo genitor alienante, muitas vezes até mesmo de modo silencioso ou não explícito. Nem sempre é alcançada por meio de lavagens cerebrais ou discursos atentatórios à figura paterna. Na maior parte dos casos, o cônjuge titular da guarda, diante da injustificada resistência do filho em ir ao encontro do outro genitor, limita-se a não interferir, permitindo, desse modo, que a insensatez do petiz prevaleça”.
A autora ainda dá exemplos de ações que podem ser consideradas atos de alienação parentais, tais como inventar desculpas para evitar visitas do genitor alienado, como febre, dor de garganta, visitas familiares, festinhas de amigos, além de chantagem emocional com a criança, de modo que a faça pensar estar traindo o genitor alienante ao conviver com o outro.
Para melhor explanação do assunto, transcreveremos a seguir um rol mais minucioso, porém não taxativo, de atos característicos de alienação parental praticados pelo genitor alienante:
“a) denigre a imagem da pessoa do outro genitor; b) organiza diversas atividades para o dia de visitas, de modo a torná-las desinteressantes ou mesmo inibí-las; c) não comunica ao outro genitor fatos importantes relacionados à vida dos filhos (rendimento escolar, agendamento de consultas médicas, ocorrência de doenças, etc.) d) toma decisões importantes sobre a vida dos filhos, sem prévia consulta ao outro cônjuge (por exemplo: escolha ou mudança de escola, de pediatra, etc.); e) viaja e deixa os filhos com terceiros sem comunicar o outro genitor; f) apresenta o novo companheiro à criança como sendo seu novo pai ou mãe; g) faz comentários desairosos sobre presentes ou roupas compradas pelo outro genitor ou mesmo sobre o gênero do lazer que ele oferece ao filho; h) critica a competência profissional e a situação financeira do ex-cônjuge; i) obriga a criança a optar entre a mãe ou o pai, ameaçando-a das conseqüências, caso a escolha recaia sobre o outro genitor; j) transmite seu desagrado diante da manifestação de contentamento externada pela criança em estar com o outro genitor; k) controla excessivamente os horários de visita; l) recorda à criança, com insistência, motivos ou fatos ocorridos pelos quais deverá ficar aborrecida com o outro genitor; m) transforma a criança em espiã da vida do ex-cônjuge; n) sugere à criança que o outro genitor é pessoa perigosa; o) emite falsas imputações de abuso sexual, uso de drogas e álcool; p) dá em dobro ou triplo o número de presentes que a criança recebe do outro genitor; q) quebra, esconde ou cuida mal dos presentes que o genitor alienado dá ao filho; r) não autoriza que a criança leve para a casa do genitor alienado os brinquedos e as roupas de que mais gosta; s) ignora em encontros casuais, quando junto com o filho, a presença do outro progenitor, levando a criança a também desconhecê-la; t) não permite que a criança esteja com o progenitor alienado em ocasiões outras que não aquelas prévia e expressamente estipuladas”. (FONSECA, 2006).
4. ALIENAÇÃO PARENTAL x DIREITOS DE PERSONALIDADE
Silvio Rodrigues (2003, p. 61) explica que os direitos de personalidade são
“inerentes à pessoa humana e portanto a ela ligados de maneira perpétua e permanente, não se podendo mesmo conceber um indivíduo que não tenha direito à vida, à liberdade física ou intelectual, ao seu nome, ao seu corpo, à sua imagem e àquilo que ele crê ser sua honra”.
A alienação parental – mediante a retirada de convivência com o genitor – fere, até mesmo, os direitos de personalidade da criança, e que, por serem irrenunciáveis, não se admite que o genitor tire tais direitos dos filhos.
Sobre os direitos de personalidade afetados com a alienação parental, tem-se, principalmente, o direito à família e o direito ao nome.
O direito à convivência familiar consiste na possibilidade de a criança ou adolescente conviver com ambos os genitores e seus familiares, num ambiente ideal de harmonia e respeito, que possibilite ao mesmo o completo desenvolvimento psicológico e social.
Tal direito tem assento na Constituição da República Federativa do Brasil, conforme artigo 227, caput, abaixo transcrito:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
O Estatuto da Criança e adolescente elenca como direito fundamental a convivência familiar, conforme artigo 19, caput, in verbis:
“Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”.
Com a alienação parental, na maioria das vezes, o principal objetivo do genitor alienador é impedir tal convivência, o que, segundo Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Gustavo Ferraz de Campos Monaco (2010), “macula a dignidade humana também por afetar a identidade pessoal da criança”.
Quanto ao direito ao nome, aduz Sílvio de Salvo Venosa (2002) que é uma forma de individualização do homem na sociedade e, por isso, o Código Civil, em seu artigo 16, afirma que “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”.
Em alguns casos de alienação parental, tem-se a ocultação da própria identidade de um dos genitores, obstando, assim, não só a convivência familiar, como também a própria identidade da criança.
5. MEDIDAS CAUTELARES E ALIENAÇÃO PARENTAL
Para exercer o maior controle possível sobre a relação entre genitor e filho, surgem casos de alienação parental que vão além da “intriga” familiar, culminando até mesmo em denúncias no âmbito criminal contra o genitor alienado, por vezes falsas.
Na hipótese de denúncia falsa, o genitor alienante o faz como forma de reverter a guarda do menor ou suspender as visitações. Mediante o receio da veracidade das alegações, na maioria das vezes, o juiz concede a medida cautelar sem oitiva das partes, impedindo, desde então, o contato do filho com o genitor acusado.
Assim, a concessão de medida cautelar, que deveria conservar a eficácia de um direito a fim de evitar um prejuízo irreparável, infelizmente, vem sendo utilizada como uma verdadeira forma de manipulação pelo genitor alienante e punição antecipada ao genitor alienado.
A advogada e psicóloga Alexandra Ullmann explica que é cada vez mais comum a falsa acusação de abuso sexual, o que pode ter consequências desastrosas, uma vez que a simples acusação pode implicar numa medida cautelar inaudita altera parte, afastando a criança do acusado sem qualquer possibilidade de defesa.
Para comprovação da ocorrência ou não de maus-tratos, abusos sexuais ou quaisquer outras modalidades de crimes contra a criança ou adolescente, é importante a atuação conjunta e eficaz do juiz com psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais.
Infelizmente, a prática de tais atos leva tempo, sobretudo no “afogado” Poder Judiciário do nosso país, o que pode levar a um irrecuperável prejuízo para o genitor e o filho que tiveram seu relacionamento abalado.
Maria Berenice Dias (2010) complementa que
“o tempo trabalha em favor do alienador. Quanto mais demora a identificação do que realmente aconteceu, menos chances há de ser detectada a falsidade das denúncias. Como é impossível provar fatos negativos, ou seja, que o abuso não existiu, o único modo de descobrir a presença da alienação é mediante perícias psicológicas e estudos sociais. Os laudos psicossociais precisam ser realizados de imediato, inclusive, por meio de procedimentos antecipados, além da obrigação de serem transparentes e elaborados dentro da melhor técnica profissional”.
A mesma autora conclui que é
“mister que o juiz tome cautelar redobradas: deve buscar identificar a presença de outros sintomas que permitam reconhecer que está diante da síndrome da alienação parental e que a denúncia de abuso foi levada a efeito por espírito de vingança, como meio de acabar com o relacionamento do filho com o genitor”.
Como se não bastasse o prejuízo sentimental para o genitor acusado e seu filho, o pior aspecto que pode decorrer de um caso de denúncia falsa é a criança desencadear um processo traumático de algo que sequer existiu.
Explica Maria Berenice Dias (2010, p. 456) que
“o filho é convencido da existência de determinados fatos e levado a repetir o que é afirmado como tendo realmente acontecido. Nem sempre consegue discernir que está sendo manipulado e acaba acreditando naquido que lhe foi dito de forma insistente e repetida (…) A sua verdade passa a ser verdade para o filho, que vive com falsas personagens de uma falsa existência, implantando-se, assim, as falsas memórias”.
Sobre o assunto, a advogada e psicóloga Alexandra Ullmann diz que esses problemas ecoam por toda a vida da pessoa, já que a criança, apesar de não possuir memória sensorial do episódio, adquire uma espécie de “falsa memória”, tornando-se um adulto “dicotomizado”.
Andreia Calçada (2008) explana que
“em função do imaginário infantil e do que os psicólogos chamam de verdade psíquica para a criança; as consequências de uma falsa acusação de abuso sexual deixam marcas tão cruéis e graves quanto à de um abuso real. As crianças ficam sujeitas a apresentar algum tipo de patologia grave, nas esferas afetiva, psicológica e sexual, pois vivenciam um conflito interno nessa relação triangular de pai, mãe e filho.”
Maria Berenice Dias (2010, p. 457) indica algumas alternativas que tem sido experimentadas a fim de evitar a suspensão definitiva das visitas do genitor, tais como:
“a) determinação de visitas no fórum. b) a criação do visitário, como ocorre em São Paulo; c) a designação de uma pessoa da confiança do genitor guardião para acompanhar a criança nas visitas realizadas ao outro genitor; d) a realização de visitas na sede do Conselho Tutelar”.
Enfim, diante do crescente número de denunciações caluniosas nesse sentido, os Tribunais pátrios já vem entendendo pela manutenção do convívio do genitor acusado com o filho, como demonstram as jurisprudências colacionadas:
“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. ABUSO SEXUAL. INEXISTÊNCIA. SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL CONFIGURADA. GUARDA COMPARTILHADA. IMPOSSIBILIDADE. GARANTIA DO BEM ESTAR DA CRIANÇA. MELHOR INTERESSE DO MENOR SE SOBREPÕE AOS INTERESSES PARTICULARES DOS PAIS. Pelo acervo probatório existente nos autos, resta inafastável a conclusão de que o pai da menor deve exercer a guarda sobre ela, por deter melhores condições sociais, psicológicas e econômicas a fim de lhe propiciar melhor desenvolvimento. A insistência da genitora na acusação de abuso sexual praticado pelo pai contra a criança, que justificaria a manutenção da guarda com ela não procede, mormente pelo comportamento da infante nas avaliações psicológicas e de assistência social, quando assumiu que seu pai nada fez, sendo que apenas repete o que sua mãe manda dizer ao juiz, sequer sabendo de fato o significado das palavras que repete. Típico caso da Síndrome da Alienação Parental, na qual são implantadas falsas memórias na mente da criança, ainda em desenvolvimento. Observância do art. 227, CRFB/88. Respeito à reaproximação gradativa do pai com a filha. Convivência sadia com o genitor, sendo esta direito da criança para o seu regular crescimento. Mãe que vive ou viveu de prostituição e se recusa a manter a criança em educação de ensino paga integralmente pelo pai, permanecendo ela sem orientação intelectual e sujeita a perigo decorrente de visitas masculinas à sua casa. Criança que apresenta conduta anti-social e incapacidade da mãe em lhe impor limites. Convivência com a mãe que se demonstra nociva a saúde da criança. Sentença que não observou a ausência de requisito para o deferimento da guarda compartilhada, que é uma relação harmoniosa entre os pais da criança, não podendo ser aplicado ao presente caso tal tipo de guarda, posto que é patente que os genitores não possuem relação pacífica para que compartilhem conjuntamente da guarda da menor. Precedentes do TJ/RJ. Bem estar e melhor interesse da criança, constitucionalmente protegido, deve ser atendido. Reforma da sentença. Provimento do primeiro recurso para conferir ao pai da menor a guarda unilateral, permitindo que a criança fique com a mãe nos finais de semana. Desprovimento do segundo recurso”. (0011739-63.2004.8.19.0021 2009.001.01309 – APELACAO – 1ª Ementa DES. TERESA CASTRO NEVES – Julgamento: 24/03/2009 – QUINTA CAMARA CIVEL).
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CAUTELAR DE SUSPENSÃO DO DIREITO DE VISITAÇÃO COM PEDIDO LIMINAR. ALEGAÇÃO DE INDÍCIOS DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR PRATICADO PELO RÉU À FILHA MENOR, DURANTE VISITAÇÕES FIXADAS JUDICIALMENTE. DEFERIMENTO DA LIMINAR SUSPENDENDO AS VISITAS DO RÉU À FILHA. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE A AÇÃO, DETERMINANDO O RETORNO DAS VISITAS PATERNAS DE FORMA GRADUAL. APELO DA GENITORA (AUTORA) ALEGANDO QUE AS PROFISSIONAIS INDICADAS PARA ACOMPANHAR AS VISITAS DO RÉU À FILHA NÃO PRESTAM TAL TIPO DE SERVIÇO E QUE, APESAR DE NÃO TER SIDO COMPROVADO O ABUSO SEXUAL PELO GENITOR, MOSTRA-SE PRUDENTE A MAJORAÇÃO, DE 3 MESES PARA 6 MESES, PARA CADA ETAPA DETERMINADA NA SENTENÇA, EM FACE DO DISTANCIAMENTO E DA RESISTÊNCIA DA FILHA AO PAI. Após detalhada instrução probatória, as provas produzidas nestes autos, acrescidas da conclusão da ação penal movida contra o ora apelado, onde a denúncia foi rejeitada por ausência de justa causa, correta mostra-se a sentença, ao concluir que não foi comprovada a prática imputada ao genitor, julgando improcedente o pedido exordial, determinando a retomada da visitação liminarmente suspensa, de forma gradual. Não se mostra necessário passar cada fase da retomada da visitação originária para um intervalo de seis meses, visto que, além das fotografias constantes dos autos não evidenciarem o alegado sofrimento da menor quando em convívio com o pai/apelado, diante do prolongado tempo de suspensão das visitas paternas, em prol do melhor interesse da criança, não deve o magistrado postergar a retomada de tal convívio, mas apenas determinar medidas de facilitação da reaproximação com segurança do pai com a filha, para o que, mostra-se pertinente que ambos os genitores se submetam a acompanhamento psicológico, em tal período delicado, o que foi aceito por eles, conforme consignado no estudo psicológico. Para facilitar o entendimento dos genitores sobre a necessidade de garantirem a manutenção do convívio de ambos com os filhos, após a separação conjugal, evitando-se os sérios problemas causados pela alienação parental, o acompanhamento de profissional de psicologia afigura-se uma medida de proteção da criança e do adolescente. Deve ser reformada parcialmente a sentença, para determinar que as partes se submetam a tal acompanhamento psicológico, bem como para determinar que a genitora (apelante), no caso de não ser possível o acompanhamento da menor, no período estabelecido na sentença, pelas profissionais elencadas na sentença, indique pessoa de sua confiança, de forma a não inviabilizar ou retardar o cumprimento da sentença. Provimento parcial do recurso”. (Apelação Cível N° 0013910-50.2004.8.19.0002, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RJ – 1ª Ementa, DES. CLAUDIO DE MELLO TAVARES – Julgamento: 07/07/2010).
“MEDIDA CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO – MENOR IMPÚBERE – ALEGAÇÃO DE SUSPOSTO ABUSO SEXUAL INDEFERIMENTO DO PEDIDO LIMINAR – INCONFORMISMO AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – RAZÕES FÁTICAS FUNDADAS NA ESTEIRA DE UMA LAUDO PRODUZIDO PELO PSICOLOGO QUE PRESTA SERVIÇOS AO CONSELHO TUTELAR – AUSÊNCIA DE PROVAS CONCLUSIVAS E VALORATIVAS – MENOR QUE ESTÁ SENDO CRIADA PELO GENITOR PATERNO – INEXISTÊNCIA DE SUPORTE PROBATÓRIO PARA A CONCESSÃO DO PEDIDO DE BUSCA E APREENSÃO – RECURSO QUE SE NEGA SEGUIMENTO A TEOR DO ARTIGO 557 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DECISÃO INTERLOCUTÓRIA CONFIRMADA. Cabe ressaltar, nesse momento, que consta dos autos a entrevista realizada pelo psicólogo do Conselho Tutelar que, em tese, comprovaria a existência de um suposto abuso sexual. No entanto, tal prova não é corroborada por nenhuma outra, não sendo, assim, possível verificar se houve inexoravelmente a chamada “síndrome de alienação parental” na qual um dos genitores imputa falsamente ao outro uma conduta desonrosa, o que leva a criança a acreditar na veracidade dos fatos imputados. Dessa forma, a decisão recorrida, ao indeferir o pedido de busca e apreensão da menor, perfilhou-se na melhor solução diante da delicadeza da presente situação em tela. Compulsando os autos, verifica-se que a criança está sendo criada pelo pai, razão pela qual o afastamento, mesmo que provisório, sem respaldo probatório mínimo, pode ser prejudicial à menor, principalmente porque essa medida só deve ser deferida se houver efetiva demonstração de risco, não bastando, portanto, uma simples alegação.” (0001100-10.2008.8.19.0000 / 2008.002.13084 – AGRAVO DE INSTRUMENTO – 1ª Ementa – DES. MARCUS TULLIUS ALVES – Julgamento: 14/10/2008 – DECIMA NONA CAMARA CIVEL)
5. MEIOS DE COMBATE À ALIENAÇÃO PARENTAL
Em nosso ordenamento jurídico, existem diversos mecanismos que objetivam coibir a prática de alienação parental.
A Lei nº 12.318 estabelece, em seu artigo 5º, sanções ao alienador, que poderão ser impostas de pronto pelo juiz, sem prejuízo da posterior responsabilização civil e criminal, tais como:
“Art. 5º Omissis
I – declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II – estipular multa ao alienador;
III – ampliar o regime de visitas em favor do genitor alienado;
IV – determinar intervenção psicológica monitorada;
V – alterar as disposições relativas à guarda;
VI – declarar a suspensão ou perda do poder familiar”.
Dessa forma, a legislação busca a interrupção dos atos de alienação criminal e o imediato retorno da criança ao convívio com o genitor alienado, podendo o juiz, cumulativamente ou não, aplicar as medidas elencadas no referido artigo.
Tais medidas devem ser aplicadas o mais rápido possível, quando da primeira percepção de hipótese de alienação parental por parte do juiz ou dos profissionais que acompanham o caso concreto, de forma a evitar que as consequências dos atos de genitor alienante se alastre de forma irreparável.
Priscila M. P. da Fonseca (2006) afirma que
“é imperioso que os juízes se dêem conta dos elementos identificadores da alienação parental, determinando, nesses casos, rigorosa perícia psicossocial, para então ordenar as medidas necessárias para a proteção do infante. Observe-se que não se cuida de exigir do magistrado – que não tem formação em Psicologia – o diagnóstico da alienação parental. No entanto, o que não se pode tolerar é que, diante da presença de seus elementos identificadores, não adote o julgador, com urgência máxima, as providências adequadas, dentre elas, o exame psicológico e psiquiátrico das partes envolvidas”.
A depender da gravidade da conduta do genitor alienante, atribui-se como punição a simples advertência do mesmo ou aplicação de multa, o que, em certos casos, pode caracterizar medidas extremamente ineficazes.
Assim sendo, deve-se continuar assistindo à criança, de modo que ela seja estudada pelos profissionais competentes, a fim de avaliar a necessidade de uma sanção mais efetiva.
Caso haja essa necessidade, o inciso III, supracitado, prevê a ampliação do regime de visitas em favor do genitor alienado, o que parece sensato, uma vez que estreita os laços entre as vítimas da alienação parental, possibilitando ao genitor e, principalmente, à criança, o restabelecimento do seu direito de convivência familiar.
Caso essa medida não seja suficiente, é possível a reversão da guarda do menor.
O Código Civil, em seus artigos 1.637, caput e 1.638, IV, abaixo transcritos, elencam hipóteses em que pode haver a suspensão ou destituição do poder familiar:
“Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha”.
“Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:(…)
IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente”.
Tal decisão pode parecer radical no início, uma vez que significaria extrema mudança de rotina e estilo de vida da criança, porém tem-se que as consequências, a longo prazo, seriam menos desastrosas que as impostas pela síndrome de alienação parental, razão pela qual essa sanção poderá ser eficaz e já vem sendo aplicada nos nossos Tribunais, conforme decisão do Judiciário gaúcho abaixo:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO DE GUARDA DE MENOR. GUARDA EXERCIDA PELOS AVÓS MATERNOS, CONFIADA AO PAI NA SENTENÇA. PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DA MENOR. Estando demonstrado no contexto probatório dos autos que, ao melhor interesse da criança, será a transferência da guarda para o pai biológico, que há muitos anos busca em Juízo a guarda da filha, a sentença que assim decidiu, com base na prova e nos laudos técnicos, merece ser confirmada. Aplicação do 1.584, do Código Civil. Guarda da criança até então exercida pelos avós maternos, que não possuem relação amistosa com o pai da menor, restando demonstrado nos autos presença de síndrome de alienação parental. Sentença confirmada, com voto de louvor. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO”. (Apelação Cível Nº 70029368834, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 08/07/2009).
Priscila M. P. da Fonseca (2006) também elenca algumas providências judiciais que podem ser adotadas pelo juiz, a depender do estágio da alienação parental, a saber:
“a) ordenar a realização de terapia familiar, nos casos em que o menor já apresente sinais de repulsa ao genitor alienado; b) determinar o cumprimento do regime de visitas estabelecido em favor do genitor alienado, valendo-se, se necessário, da medida de busca e apreensão; c) condenar o genitor alienante ao pagamento de multa diária, enquanto perdurar a resistência às visitas ou à prática que enseja a alienação; d) alterar a guarda do menor, principalmente quando o genitor alienante apresentar conduta que se possa reputar como patológica, determinando, ainda, a suspensão das visitas em favor do genitor alienante, ou que elas sejam realizadas de forma supervisionada; e) dependendo da gravidade do padrão de comportamento do genitor alienante ou diante da resistência dele perante o cumprimento das visitas, ordenar sua respectiva prisão”.
Quanto à aplicação do instituto da responsabilidade civil no âmbito do direito de família, esta já é amplamente aceito pela doutrina especializada.
Assim, além das medidas elencadas na Lei 12.318, é possível a reparação pelo dano moral sofrido pelo genitor alienado, com fulcro no artigo 5º da Constituição Federal e nos artigos 186 e 927, caput, do Código Civil, abaixo transcritos:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
O mais importante, segundo Caetano Lagrasta (2011), é que a punição seja “exemplar e de aplicação imediata, assim que o magistrado perceber a elaboração de alienação ou o encaminhamento à respectiva síndrome”.
CONCLUSÃO
A família é um instituto essencial à vida em sociedade, principalmente para a criança e o adolescente, uma vez que necessitam, em regra, da inserção num seio familiar que possibilitem o seu correto e saudável desenvolvimento.
Ocorre que, com a separação dos pais, ou mesmo estando eles juntos, um dos genitores ou familiares próximos, chamados alienantes, como forma de atingir o genitor, ou até mesmo outro familiar, o alienado, acabam por prejudicar o desenvolvimento psicossocial da criança e do adolescente, uma vez que a alienação parental consiste em mentiras e acusações falsas, na maioria das vezes.
O primeiro passo a ser dado é procurar a prevenção de atos de alienação parental, mediante a divulgação, estudo e discussão das consequências entre profissionais e pais.
Caso já se tenha instalado a alienação parental, é importante que o genitor alienado procure profissionais (psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais) capacitados para lidar com esse tipo de situação e, caso necessário, ingresse junto ao Poder Judiciário, a fim de tomar as medidas necessárias para coibir prática tão danosa e responsabilizar o genitor alienante.
A alienação parental causa muita dor e sofrimento ao genitor alienado, mas, indubitavelmente, o faz muito mais à criança, que também é vítima da alienação, uma vez que seu desenvolvimento psicológico incompleto a faz mais vulnerável à síndrome e pode resultar em traumas irreversíveis.
Advogada. Mestrado em Direito das Relações Sociais na Contemporaneidade pela Universidade Federal da Bahia – UFBA em curso. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior de Advocacia de Pernambuco – ESA/PE. Pós-graduação em Direito do Trabalho pela Universidade Cndido Mendes – UCAM
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