Assédio moral: Consequências e formas de prevenção no ambiente empresarial

Resumo: O presente trabalho se trata de uma breve exposição sobre o assédio moral, com especial ênfase à possibilidade de seu enquadramento como acidente de trabalho e formas de prevenção no âmbito empresarial


I – Noções preliminares: Conceito e Elementos


O Assédio Moral pode ser conceituado como uma conduta abusiva, reiterada, de natureza psicológica e que causa danos a direitos da personalidade do ofendido. Podem figurar como assediado tanto o empregador, como o empregado ou colegas de trabalho.


Sabe-se que o Assédio Moral pode ser expresso de diversas maneiras. Apenas a título exemplificativo, citamos as seguintes condutas: Ex: atribuir a vitima funções que, propositalmente, a isola dos demais (técnicas de isolamento); condutas que visam desacreditar ou desqualificar a vítima, tais como denegrir sua qualificação profissional; imputar-lhe erros que não cometera (técnicas de ataque); colocar a vítima sob pressão, impondo-lhe ônus desproporcionais caso não obtenha determinado resultado (técnicas punitivas) e, finalmente a comunicação hostil explícita, com críticas e ameaças públicas, ou implícitas, como não dirigir a palavra ou negar cumprimento (técnicas de Relacionamento).


Observe-se que o assédio moral prescinde da existência de hierarquia entre o agente e a vítima e em razão desta possibilidade de múltiplos direcionamentos no que tange às relações no ambiente de trabalho, a doutrina fixa ainda a seguinte classificação:


– Assédio Moral descendente: Tem como agente pessoa que ocupa na empresa posição hierárquica superior àquela da vítima (pode, portanto, ser o próprio empregador ou não). Neste caso, implica em verdadeiro abuso de poder.


– Assédio moral ascendente: O assédio moral parte de um ou vários subordinados em relação a alguém que ocupe posição hierárquica superior na empresa (empregador ou não).


– Assedio moral horizontal: Neste caso, vítima e assediador encontram-se no mesmo nível hierárquico. Vale dizer, são colegas de trabalho. Em geral decorre de conflitos interpessoais, competitividade, rivalidade, etc.


Apresenta-se assim notória a variedade de condutas e direções que possibilitam as mais diversas hipóteses de assédio moral. Mas desde já alertar-se para a necessidade da observância da coexistência de determinados elementos para a configuração do assédio moral, não se podendo imputá-lo a situações rotineiras onde se tem, no máximo, uma mera contenda, a qual se apresenta incapaz de lesar direito da personalidade do ofendido. São estes:


– Intensidade da violência psicológica (ou natureza psicológica do atentado à dignidade psíquica) [1]


– Reiteração da conduta;


– Finalidade de exclusão (ou consciência do assediador[2])


– Necessidade de um dano psíquico-emocional


Passemos então a uma breve análise dos requisitos supra referidos. Vejamos:


a) A intensidade da violência psicológica (ou natureza psicológica do atentado à dignidade psíquica):


A agressão passível de configurar o assédio moral, causada pelo assediador à vítima, fere o direito à personalidade, causando, portanto, dano psíquico-emocional, sendo, como é intuitivo, tal dano de natureza subjetiva.


Assim, a lesão se dá em relação à honra subjetiva e/ou objetiva. Vale dizer: Pode tanto causar à vítima a chamada “dor na alma”, ou seja, uma lesão que se dá apenas sob sua percepção; como também pode gerar à vitima ofensa perante terceiros, face à exposição indevida, tratando-se, portanto, da vergonha; da degradação e humilhação.


A necessária intensidade em relação à ofensa perpetrada é destacada com propriedade por MARIA ALICE MONTEIRO DE BARROS[3] , já que, por certo, a violência psicológica deve ser grave levando-se em conta o ponto de vista de uma pessoa normal, sob pena de causar-se verdadeira insegurança jurídica e banalização do instituto, caso inobservado tal requisito.


b) A reiteração da conduta;


A reiteração de condutas que causam lesão à honra do trabalhador, imputando-lhe tratamento degradante e em desacordo com a ética laboral é também essencial para que se caracterize o assédio moral. Trata-se de uma perseguição sistemática, contumaz.


Observe-se que, em relação ao tempo necessário para que se tenha o elemento “reiteração”, com a vênia daqueles que entendem de forma diversa, parece-nos não ser segura, ao menos por hora, a aplicação de qualquer objetividade aos casos em estudo, eis que não há lei delimitando tal lapso temporal.


Assim, em homenagem ao princípio da razoabilidade que deve nortear qualquer análise jurídica, nos filiamos à tese que entende como imprescindível a análise do caso concreto a fim de evitar injustiças. Sim, pois não parece crível ignorar a reiteração de conduta, no caso de uma ofensa que se dê, por exemplo, de forma intensa, no período de um mês. Ora, parece cristalino que determinada conduta lesiva que se repete por um mês, pode apresentar-se até mais gravosa ou lesiva do que outra que perdure por um ano.


c) A finalidade de exclusão:


A conduta assediadora tem por fim banir o empregado do ambiente laboral, seja de forma a mantê-lo alheio à integração com o grupo, seja afastando-o fisicamente (através de trabalhos isolados ou de uma transferência indesejada) ou pior, mediante o afastamento definitivo da empresa, eis que as agruras a que se sujeita o empregado se apresentam de tal forma, que o pedido de demissão pode parecer ser a única opção àquele empregado sistematicamente vilipendiado em sua honra.


Em regra, visa drenar de tal forma a energia, o ânimo, a confiança, a estrutura psicológica do assediado, de forma a tornar a continuidade daquela relação de trabalho insuportável.


d) A necessidade de um dano psíquico-emocional :


No assédio moral, as condutas repetitivas manifestadas através de tratamentos humilhantes, degradantes, perseguições, ofensas, etc., se dão de tal forma que implicam em redução da auto-estima, acarretam desequilibro- mental e stress. A saúde mental e muitas vezes, até mesmo a física, é comprometida, gerando ou agravando doenças. Tratam-se das chamadas “doenças psicossomáticas”.


A tendência é que o empregado assediado se torne, efetivamente improdutivo, mas não em razão de suas qualidades pessoais e funcionais, mas em decorrência do quadro clínico desencadeado. Em situações extremas, mesmo a vida do empregado pode vir a ser ceifada, ante a possibilidade de quadros depressivos que levem ao suicídio.


Observe-se que para a configuração do assédio moral, a se entender pela necessidade do dano psíquico, se fará essencial a realização de perícia a fim de aferir a efetiva existência do dano alegado, bem como o nexo causal. Ou seja, faz-se imprescindível laudo médico certificando a existência de doença psíquico-emocional e a relação desta com o ambiente de trabalho belicoso.


Afinado com este entendimento, segue-se a transcrição de trabalho elaborado pela ilustre Juíza Sueli Teixeira[4] que, ao discorrer sobre o nexo causal entre depressão e trabalho, cita informações trazidas por pesquisadora da UnB:


“(…) Diagnosticar a depressão em decorrência do trabalho não é tarefa fácil. (…) Relata que “no caso dos bancários fica mais fácil diagnosticar quando há algum caso de assalto ou seqüestro”. E que as decepções sucessivas em situações de trabalho, geradas pelo excesso de competição, implicando ameaça permanente de perda de função, perda do posto de trabalho e demissão pode determinar o acometimento da enfermidade, apontando ainda como principais fatores de risco: ausência de pausas de trabalho; tarefas repetitivas; pressão das chefias e clientes; falta de perspectiva de ascensão; prolongamento da jornada de trabalho; falta de reconhecimento no trabalho desenvolvido e medo permanente de demissão.


Citando Wanderley Codo, a pesquisadora reafirma que a organização do trabalho exerce sobre o homem uma ação específica, cujo impacto é o aparelho psíquico. Em certas condições, emerge um sofrimento, dificultando a relação homem-trabalho, levando o trabalhador a estados de doença, dentre elas, encontram-se a fadiga, distúrbios do sono, alcoolismo, depressão, estresse e a síndrome de Burnout.


Em suma, prevalece o entendimento na área de saúde mental que vários fatores contribuem para a depressão: fatores genéticos, biológicos e psicossociais,ou seja, um quadro depressivo desenvolve-se com a somatória de fatores, aparecendo o trabalho em determinadas condições como um fator desencadeante e/ou de agravamento.


Assim, cumpre bem examinar os aspectos ocupacionais (condições de trabalho e realização de tarefas), osteomusculares (incidência de patologias por atividades repetitivas ou de força), de saúde mental (desde estresse a transtornos graves), do uso de drogas ilícitas e consumo abusivo de álcool, além de outras doenças.


Para tanto, torna-se imprescindível a atuação dos profissionais da saúde ocupacional para realizar diagnósticos, sugerir medidas preventivas ou soluções nos ambientes do trabalho, inclusive, com a participação de psicólogos do trabalho nas perícias judiciais realizadas com o objetivo de se averiguar a existência ou não do nexo causal entre depressão e trabalho, porquanto é preciso compreender cada caso dentro do seu contexto humano e cultural. (…)” (grifos nossos)


Assim, como se vê, a ilustre Magistrada, conclui de forma bastante fundamentada pela necessidade da prova pericial para aferição de tal patologia.


Pertinente, entretanto, trazer a lume posição no sentido de entender dispensável o dano psíquico e, por conseqüência, a prova pericial, conforme bem destaca ALICE MONTEIRO DE BARROS[5], ao aduzir que: “a doutrina distingue o dano psíquico do dano moral. O primeiro se expressa por meio de uma alteração psicopatológica comprovada, e o segundo lesa os direitos da personalidade e gera conseqüências extrapatrimoniais independente de prova, pois se presume. O dano moral independe do dano psíquico.”


A posição da ilustre magistrada tem por base fundamento deveras interessante, uma vez que entende que o conceito de assédio moral deve ter em conta o comportamento do assediador e não o resultado danoso. Ademais, segue argumentando ilustre doutrinadora: “a proteção constitucional abrange não só a integridade física, mas também a moral”.


Veja-se que o ponto nodal da argumentação supra referida, para fins de excluir a necessidade do dano psíquico para a caracterização do assédio moral, a nosso ver, reside na observação de que, a considerar imprescindível tal requisito, teríamos uma mesma conduta com variações no seu resultado, conforme o grau maior ou menor de resistência psíquica do assediado, gerando situações desiguais e, portanto, injustas.


Não obstante, em que pese a adequada fundamentação e com a máxima vênia daqueles que entendem de forma diversa, nos filiamos ao entendimento favorável a necessidade da configuração do dano psíquico como elemento do assédio moral.


Cumpre abrir uns parênteses para observar que, se analisarmos com mais profundidade a questão, poderemos perceber que o dano moral nada mais é do que uma conseqüência da conduta assediadora, afigurando-se como pressuposto para fins de reparação, já que, como resta de elementar conhecimento, não havendo dano, não há o que se reparar. Não obstante, pensamos ser adequado enquadrá-lo como um dos elementos necessário à configuração do assédio moral, exatamente para que possamos distinguir a ofensa decorrente desta conduta e aquela derivada de outras formas de ofensa a direito da personalidade, tais como o assédio sexual e o próprio dano moral, já tutelado constitucionalmente e despido de outras circunstâncias qualificadoras necessárias à sua caracterização.


Neste passo, cumpre ressaltar a relevância do aspecto relacionado ao caráter comprometedor da saúde do trabalhador, em relação ao assédio moral, já que será exatamente em razão deste que se poderá falar na configuração também do acidente de trabalho, conforme se verá mais adiante. Não bastasse, também neste particular, o assédio moral ganha maior relevo, quando comparado às demais hipóteses onde também se tem caracterizado o dano moral, sem que tenha se configurado especificamente o assédio, diferenciais estes elementares para a fixação do quantum indenizatório, que tende a ser maior nos casos de assédio.


II. CONSEQUÊNCIAS DO ASSÉDIO MORAL:


Uma das mais usuais conseqüências do assédio moral no ambiente do trabalho consiste na possibilidade de tal fato dar ensejar o pagamento de indenização a título de danos morais, caso o assediado ingresse com a ação judicial cabível.


Em relação a tal efeito, já manifestamos anteriormente nosso entendimento no sentido de que a caracterização do dano moral, a nosso ver, muito embora decorra da conduta assediadora, também se enquadra como um de seus elementos, pelas razões já expostas à qual nos reportamos.


E não poderia ser diferente, pois o assédio moral, por definição, consiste numa conduta que lesa direitos da personalidade, em especial a honra e, uma vez consumado o dano, resta evidente a sujeição ao ofensor à obrigação de repará-lo. Neste caso o fundamento legal para tanto se concentra, sobretudo, no art. 5°, inciso X da Constituição Federal, o qual tem como inviolável a intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, assegurando a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.


Ressalte-se que a reparação civil abrange não somente o dano moral decorrente da conduta assediadora, mas também eventual dano material e lucro cessante, conforme o caso concreto. Basta imaginar uma situação em que determinado empregado comisssionista tenha sofrido uma queda vertiginosa em seus ganhos em razão de ter sido vítima de verdadeira “sabotagem” em seus contatos para vendas.


Insta registrar que o pleito indenizatório poderá ser formulado tanto contra o assediador, já que este é efetivamente o autor do dano, como também poderá ser voltado contra o empregador (o que geralmente ocorre), uma vez que este é solidariamente responsável (a teor do art. 932, III do Código Civil) pelos atos de seus empregados no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão deste, além de possuir obrigação de proporcionar a seus empregados um meio ambiente saudável (art. 7º, XXII CF)


Observe-se ainda que no caso de ação movida em face do empregador poderá ser pleiteada a rescisão indireta do contrato de trabalho ou a reintegração, conforme o caso. Sim, pois um determinado empregado assediado pode preferir deixar o local de trabalho e fará jus aos benefícios da rescisão indireta, com fulcro no art. 483 da CLT e seus incisos. Já outro empregado assediado, poderá ter sido levado pelas circunstâncias do assédio a pedir demissão, preferindo agora reaver o seu emprego, além dos demais ressarcimentos cabíveis


Inúmeras são as situações que podem surgir, razão pela qual parece evidente que estas deverão ser analisadas conforme o caso concreto.


Note-se que, caso a empresa venha a suportar uma condenação judicial em razão de conduta imprópria de seu empregado, poderá valer-se de ação regressiva em face deste. Tal assertiva tem como fundamento a previsão contida no art. 934 do Código Civil, muito embora seja rara a constatação de sua prática. Provavelmente tal se dá pelo “custo x benefício” de tal providência, eis que, ao final, o pagamento à empresa acaba restando frustrado ante a escassez de recursos do empregado assalariado.


Mas de todas as possíveis conseqüências no âmbito judicial, já narradas, a que se apresenta como mais incipiente, guarda relação com a possibilidade de configuração de acidente de trabalho.


É bem verdade que, até o momento, não se tem vislumbrado grandes aplicações práticas onde se constate pleitos de reconhecimento de acidente de trabalho em virtude de assédio moral. Muito provavelmente em razão do instituto ainda encontrar-se em fase de amadurecimento, onde o mero reconhecimento do assédio moral, por si só, já se apresenta como desafio a ser vencido. Parece que pretender, a um só tempo, também sua caracterização como doença ocupacional ou laboral seria “dar um passo maior do que a perna”, preferindo-se o caminhar mais comedido.


Não obstante os estudos sobre o assunto já despontam, fazendo crer que não haverá grandes dificuldades para que, uma vez caracterizado o assédio moral, este se enquadre perfeitamente como acidente do trabalho.


O que pode parecer estranho, a primeira vista, é facilmente compreendido pela simples análise do texto legal pertinente. Senão vejamos:


Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:


I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;


II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.


§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:


a) a doença degenerativa;


b) a inerente a grupo etário;


c) a que não produza incapacidade laborativa;


d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.


§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho. (grifamos)


Ancorando-nos nos ensinamentos expostos de forma exemplar em artigo elaborado pela Juíza Sueli Teixeira[6], temos que:


Equivale dizer: comprovado o nexo causal entre a doença e as condições em que o trabalho era executado, a doença pode ser enquadrada como acidente do trabalho, mesmo quando o fator patogênico não constar da relação da Previdência Social. (…)


É de se observar também que a lista de doenças ocupacionais da Previdência Social constante do Anexo II do Decreto n. 3.048/99 indica o grupo dos chamados “transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho”, apontando como fatores dessas doenças problemas com o emprego e com o desemprego, condições difíceis de trabalho, ritmo de trabalho penoso, reação após acidente grave, reação após assalto no trabalho, desacordo com o patrão e colega de trabalho, circunstâncias relativas às condições de trabalho, má adaptação à organização do horário de trabalho, etc., como se vê no Grupo V do CID -10.(…)


Logo, apesar de a depressão não possuir previsão expressa enquanto doença do trabalho, a existência de fatores desencadeantes ou agravantes no ambiente de trabalho, tais como apontados, autoriza a conclusão no sentido de que a enfermidade pode ser assim considerada pela sua interligação íntima com os dispositivos indicados no mesmo grupo do Anexo II.(…)


Feitas tais considerações, pode-se dizer que a depressão pode vir a ser considerada como doença do trabalho encontrando previsão no inciso II do art. 20 da Lei n. 8.213/91 quando o empregado estiver sob a exposição das substâncias tóxicas elencadas no Anexo II, Grupo V do CID-10; ou quando houver uma ligação profunda entre ela e as doenças ocupacionais existentes no mesmo grupo, devendo-se, nessa hipótese, averiguar as circunstâncias relativas às condições de trabalho.


Na linha desse raciocínio, tem-se que, se a depressão não se enquadrar nessas hipóteses, em caso excepcional, poderá ser considerada como doença do trabalho a partir do reconhecimento do nexo causal entre a doença e o trabalho, com amparo na disposição do § 2º do artigo 20 da Lei n. 8.213/91.” (grifamos)


Parece-nos que o raciocínio desenvolvido pode muito bem alcançar outras hipóteses de danos psíquicos, sendo, talvez, a depressão uma das enfermidades mais usuais (senão a mais comum) advinda das situações de assédio moral.


Assim, uma vez comprovado que o assediado desenvolveu doença psíquica em razão de fato ligado a sua atividade profissional parece mesmo plausível a configuração como acidente de trabalho, conferindo-lhe, portanto, todos os efeitos e garantias decorrentes.


Note-se que tal entendimento encontra-se em consonância com aqueles que defendem a tese da necessidade do efetivo dano psíquico, o qual necessariamente deverá ser comprovado por perícia. Acaso se adote a tese da prescindibilidade de tal comprovação, parece que a caracterização de acidente do trabalho decorrente de assédio moral ficará prejudicada.


Já fora da seara jurisdicional, temos ainda a possibilidade da imposição de sanções disciplinares em decorrência da conduta reprovável no âmbito laboral, nos casos em que o empregado seja o assediador. Estas serão aplicáveis mesmos nos casos em que a conduta (seja por não apresentar gravidade compatível, seja por não apresentar os requisitos necessários), não justifique pleitos indenizatórios (assédios ou dano moral strictu sensu). Basta que se constate uma inadequação da conduta que se enquadre num dos incisos do art. art. 482 da CLT (que, como se sabe, apesar de referir-se a “justa causa” permite aplicação de penalidades mais brandas), apresentando-se despicienda a expressa previsão do “assédio moral” para tanto.


Basta observar que, caso a conduta inadequada do empregado, não se enquadre nos diversos incisos do art. 482 da CLT, algumas das quais – inclusive – abarcam as situações de ofensa a honra, certamente esta recairá nas hipóteses de “incontinência de conduta ou mau procedimento”.


Neste ponto, convém estabelecer os conceitos, a fim de elucidar o raciocínio desenvolvido, vejamos:


A incontinência de conduta consiste em comportamento habitual e irregular do empregado que interfere no bom desempenho do serviço e na imagem da empresa. Em geral é apontado pela doutrina como um desregramento de conotação sexual, apesar de que também pode abranger outras hipóteses de haja afrontas de ordem moral[7]. Estaria portanto abrangendo as situações de assédio sexual;


O mau procedimento, por sua vez, é definido por exclusão, vale dizer, qualquer conduta imprópria ao ambiente de trabalho que não se enquadre nos demais incisos, pode perfeitamente ser ali enquadrado.


Parece que tal observação nos leva a uma conclusão lógica, no sentido de que toda conduta assediadora pressupõe uma infração disciplinar plenamente punível, a luz dos dispositivos constantes na CLT, conforme o caso concreto.


Note-se que também em relação ao empregador pode-se aplicar o raciocínio similar, devendo-se, entretanto, atentar para as infrações específicas previstas no art. 483, as quais diferem daquelas relacionadas ao empregado. Neste ponto, entendemos que a figura de maior abrangência e na qual o assédio moral sempre poderá ser enquadrado (na falta de outro dispositivo mais específico) corresponde à alínea “d”, onde se tem o não cumprimento das obrigações contratuais. Sim, dentre outras, é evidente a obrigação do empregador de zelar pela manutenção de um ambiente de trabalho salutar o que fica prejudicado quando se constata a configuração do assédio moral.


III – FORMAS DE PREVENÇÃO NO ÂMBITO EMPRESARIAL:


Conforme já se enfatizou, proporcionar ao empregado um ambiente de trabalho salubre ou – quando muito – providenciar para que condições desgastantes e nocivas à sua saúde sejam neutralizadas, é obrigação do empregador.


Isso inclui zelar pelo respeito à honra de seus empregados, bem pela observância aos limites de trabalho humanamente possível a serem impostos, sob pena de vir a ser responsabilizado judicialmente caso a inobservância de tais deveres gerem danos ao empregado.


Não pode, portanto o empregador tolerar e, menos ainda, incentivar qualquer conduta hostil ou ofensiva entre seus empregados no exercício de suas atividades ou no âmbito de suas dependências. Mas que providências podem ser tomadas a fim de evitar um ambiente de trabalho hostil e danoso aos demais empregados?


Inicialmente, convém relembrar, como bem destaca a doutrina[8], ao discorrer sobre o assédio moral, que este consiste em fator de risco psicossocial apto a provocar danos à saúde, razão pela qual pode muito bem ser enquadrado como doença do trabalho, à luz do art. 20 da lei 8.213/91, conforme analisado anteriormente.


Assim, já é possível inferir, a possibilidade de atribuir-se à CIPA (Comissão Interna de Prevenção contra Acidentes do Trabalho) a atribuição no que tange à prevenção e combate ao assédio moral.


E para que medidas neste sentido sejam tomadas de forma eficaz é preciso ter em vista que estamos a falar de pessoas e não de máquinas. Assim, certamente, as providências aptas a evitar ou amenizar situações que ofereçam potencial risco à harmonia e saúde no ambiente de trabalho, terão pertinência com a disponibilidade de profissionais devidamente habilitados no assunto.


Com efeito, uma primeira providência que pode ser tomada consiste na constituição de uma Ouvidoria no âmbito da empresa, ou, no caso de pequenas empresas, ao menos a designação de um determinado grupo de empregados imbuídos da mesma finalidade.


Tal simples medida torna viável que empregados levem ao conhecimento da empresa (ou empregador) problemáticas interpessoais de cunho lesivo, viabilizando a resolução destas, antes que seja perpetrada uma lesão maior à honra ou a dignidade dos envolvidos.


Para tanto, é possível, inclusive, agregar-se a atuação de conciliadores, de assistentes sociais, psicólogos e até mesmo psiquiatras que atuem junto ao setor médico da empresa, conforme necessário.


Afigura-se também salutar que os empregados (principalmente por aqueles que exercem cargos de chefia) sejam devidamente orientados e tenham suas dúvidas esclarecidas, o que pode se dar mediante realizações de palestras ou dinâmicas de grupos, evitando assim o nascimento e fomento de situações conflituosas por mera ignorância, como, não raro, acontece.


Só para se ter idéia, diversas são as condenações por assédio moral em razão de procedimento adotado por chefias, que expõe – inadvertidamente – o empregado a situações constrangedoras em razão deste não ter atingido determinada meta, tudo sob a escusa de “estímulo” ou uma mera “brincadeira”… Esta lamentável conduta certamente seria facilmente evitada, se houvesse o devido esclarecimento acerca das possíveis conseqüências, tanto no âmbito jurídico, como empresarial (sanções disciplinares previstas na CLT).


Estas seriam, portanto, algumas providências que, apesar de singelas, poderiam surtir grande efeito preventivo já que muitas vezes situações indesejadas são deflagradas em razão da mera ignorância sobre o assunto ou ausência de paliativos para as discórdias cotidianas.


IV – CONCLUSÃO:


O tema “assédio moral” ainda se encontra em fase de desenvolvimento, mas desde já aponta num sentido bastante promissor no que tange à repressão de abusos no âmbito profissional, inclusive com tendência a ser devidamente enquadrado como acidente de trabalho, ante o comprometimento da saúde psíquica que, a nosso ver se apresenta como um de seus elementos, conforme já exposto.


Não obstante, como se disse, o desenvolvimento da temática permite desde já que haja, por parte dos empregadores, não só uma conscientização, mas também uma atuação preventiva, impedindo que o ambiente hostil passível de lesar o empregado se instale, ou, quando muito, que qualquer desavença seja resolvida no seu nascedouro, limitando-se – portanto – a meras contendas sem maior grau ofensivo.


Todos nós estamos sujeitos a eventuais excessos no trato cotidiano com o semelhante, valendo lembrar que a falibilidade é característica inerente ao ser humano. Parafraseando o jargão popular: “Que atire a primeira pedra” aquele que nunca se deixou levar por um momento de destempero emocional ao ponto de gerar, minimamente, uma potencial alteração no estado psíquico de outrem.


Mas é sempre salutar lembrar (ou ser lembrado) que apesar das vulnerabilidades natas, o nosso direito termina, quando começa o do outro.


Convém, por derradeiro, observar que a manutenção de um ambiente de trabalho salubre, o que, como visto, abrange o ponto de vista psicológico, afigura-se não somente obrigação do empregador, mas também seu interesse, já que a concorrência de fatores estimulantes e harmoniosos no ambiente laboral implicará, logicamente, no estímulo ao incremento da produtividade.


Destarte, forçoso portanto concluir-se que, superando uma imagem superficial de antagonismo, os Primados Constitucionais referentes ao Valor Social do Trabalho e Dignidade da Pessoa Humana caminham – na verdade – lado a lado com os interesses capitalistas. Basta fazermos uso de uma percepção adequada, que certamente será alcançada com o desenvolvimento e propagação dos estudos sobre o tema.


 


Referências:

___________ – Constituição da República Federativa do Brasil – 40ª ed., 2007 – Saraiva.

BARROS, Alice Monteiro; Curso de Direito do Trabalho, 3ª Ed., São Paulo, 2007, LTr.

DELGADO, Mauricio Godinho.; Curso de Direito do Trabalho, 5ª Ed, São Paulo, 2006, LTr.

PAROSKI , Mauro Vasni. Reflexões sobre a morosidade e o assédio processual na Justiça do Trabalho Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12003 > Acesso em 11/09/09

SAAD, Gabriel Eduardo.; CLT, 40ª ed., São Paulo, 2007, LTr.

TEIXEIRA, Sueli. A depressão no meio ambiente de trabalho e sua caracterização como doença do trabalho. Disponível em <http://www.calvet.pro.br/artigos/depressao_meioambiente.pdf> Acesso em 11/09/09


Notas:

[1] Há quem se refira ao requisito como “natureza psicológica do atentado à dignidade psíquica do indivíduo”. Optamos pela referência feita pela autora citada, por entender que abrange também a idéia trazida por aqueles.

[2] Entendemos que ambas as expressões podem ser utilizadas no mesmo sentido,  considerando-se a intenção de deixar o assédio à margem,  no que tange ao tratamento dispensando a todos os demais.

[3] Barros, Alice Monteiro de..  Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr,  2007.

[4] TEIXEIRA, Sueli. A DEPRESSÃO NO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO E SUA CARACTERIZAÇÃO COMO DOENÇA DO TRABALHO. Disponível em http://www.calvet.pro.br/artigos/depressao_meioambiente.pdf – Acesso em 12/09/2009

[5] Barros, Alice Monteiro. Ob citada

[6] TEIXEIRA, Sueli. Ob. Citada.

[7] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho – 3. Ed. – Niterói: Impetus, 2009. pag. 852

[8] Barros, Alice Monteiro de . obra citada, pg. 910

Informações Sobre o Autor

Patricia Oliveira Lima Pessanha

Advogada concursada da Administração Pública Indireta; Pós Graduada em Direito Material e Processual de Trabalho


Equipe Âmbito Jurídico

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