Resumo: O assédio moral remete a práticas de humilhações, perseguição e ameaças nos locais de trabalho, componentes todos de um processo de violência psicológica que pode chegar até arriscar a vida da vítima. As atitudes hostis como à deterioração proposital das condições de trabalho, o isolamento e recusa de comunicação, atentados contra a dignidade e o uso da violência verbal, física ou sexual.
Sumário: 1. Introdução. 2. Assédio moral no trabalho. 2.1. O que é assédio moral no trabalho? 2.2. Fases da humilhação no trabalho. 2.3. A explicitação do assédio moral. 2.4. Os espaços da humilhação. 2.5. Políticas de reafirmação da humilhação nas empresas. 3. Entendendo o processo psicológico do assédio moral.4. Contexto global organizacional e relações laborais em Santa Catarina que podem propiciar o assédio moral. 5. A busca de indenização por danos morais pelas vítimas do assédio moral. 6. Jurisprudência, acórdão. 7. Conclusão. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O assédio moral remete a práticas de humilhações, perseguição e ameaças nos locais de trabalho, componentes todos de um processo de violência psicológica que pode chegar até arriscar a vida da vítima. As atitudes hostis como à deterioração proposital das condições de trabalho, o isolamento e recusa de comunicação, atentados contra a dignidade e o uso da violência verbal, física ou sexual – uma das modalidades do assédio moral que não será tratada aqui – constituem os meios pelos qual o agressor atinge as vítimas do assédio moral (HIRIGOYEN, 200l).
Os estudos iniciais sobre hostilidade no ambiente do trabalho, sob a ótica organizacional, são atribuídos a Heinz Leymann, responsável pela introdução do termo “mobbing” no universo trabalhista sueco na década de 80 do século passado. Outros termos usados: “bullying” e “harassment” nos EUA, “psicoterror ou acoso moral” na Espanha; “harcèlement moral” na França e “Ijime” no Japão (HIRIGOYEN, 2002, BARRETO, 2000).
O termo “assédio moral” é a nomenclatura adotada no Brasil e surge, oficialmente, no campo do direito administrativo municipal em 1999 através do Projeto de Lei sobre Assédio Moral, encaminhado para a Câmara Municipal de São Paulo, que dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática desse comportamento entre o funcionalismo da administração pública municipal direta, inspirado na pesquisa realizada na França por Marie-France Hirigoyen e publicada com o titulo “Le harcèlment moral: la violence perverse au quotidien”(1998). A tradução da sua obra para o português, em 2000, e a defesa da dissertação de Mestrado de Barreto sobre a jornada de humilhação dos empregados adoecidos no trabalho (2000) foram os responsáveis pela repercussão do tema no Brasil.
O objetivo deste trabalho é aprofundar no entendimento do processo de assédio moral nas organizações a partir dos estudos de Hirigoyen e Barreto, fundamentalmente, e da análise de relatos registrados em processos judiciais trabalhistas por danos morais em Santa Catarina e à luz do contexto organizacional brasileiro que, pelas suas características histórico-culturais, pode propiciar a crença de que muitas condutas de assédio moral obedecem a respostas “normais” que surgem na interação organizacional e nas relações de trabalho. A escravidão terminou, mas o assédio moral continua sendo uma prática muito comum nas organizações contemporâneas, onde os trabalhadores estão sendo submetidos ao um forte processo de vulnerabilização.
Analisamos cinco casos diferentes de trabalhadores de Santa Catarina demitidos, ligados às diversas organizações através de litígios trabalhistas, com pedidos de indenização por danos morais para reparação pecuniária dos maus tratos e humilhações ocorridos no espaço do trabalho durante a vigência da relação contratual, tendo como fonte principal os Acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina, com o intuito de observar a correlação entre a indenização por dano moral e assédio moral no local de trabalho.
2. – ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO
O que é assédio moral?
Assediar moralmente, segundo Barreto (2002, p. 2), é uma: “exposição prolongada e repetitiva a condições de trabalho que, deliberadamente, vai sendo degradado. Surge e se propaga em relações hierárquicas assimétricas, desumanas e sem ética, marcada pelo abuso de poder e manipulações perversas”.
O abuso do poder, de forma repetida e sistematizada durante um período longo de tempo, constitui a principal característica do assédio moral, configurando a prática da perversidade no local de trabalho (HIRIGOYEN, 2000; BARRETO, 2002; MOURA, 2002; FREITAS, 200I). Mas no assédio moral o abuso de poder não se dá de uma forma explicita.
O perverso do abuso do poder se estabelece subtilmente, através de estratagemas, por vezes até sob uma máscara de ternura ou bem-querer. O parceiro não tem consciência de estar havendo violência, pode até, não raro, ter a impressão de que é ele quem conduz o jogo. Nunca há conflito aberto. Se essa violência tem condições de se exercer de forma subterrânea, é porque se dá a partir de uma verdadeira distorção da relação entre o perverso e seu parceiro (BARRETO, 2000, p. 218).
A não explicitação do conflito é um elemento fundamental: se existe assédio moral, é justamente porque nenhum conflito pôde ser explicitado. No conflito, as recriminações são faladas, a guerra é aberta, enquanto que por trás de todo procedimento de assédio moral existe o não falado e o escondido. “Não são expressos em tom de cólera, e sim em tom glacial, de quem enuncia uma verdade ou uma evidência” (HIRIGOYEN, 2001, p. 135).
É necessário, portanto, distinguir a comunicação verdadeira e simétrica, mesmo que gerada na esfera de um conflito, daquela comunicação perversa, subliminar, sub-reptícia, composta de subterfúgios, porque esta é uma das armas usadas pelo agressor para atingir sua vítima: “junção de subentendidos e de não-ditos, destinada a criar um mal-entendido, para em seguida explorá-lo em proveito próprio” (HIRIGOYEN, 2001, p. 117).
O agressor é freqüentemente, mas não necessariamente, o chefe; segundo Hirigoyen (200l) o assédio moral pode provir do comando hierárquico (vertical), de colegas da mesma hierarquia funcional (horizontal), da omissão do superior hierárquico diante de uma agressão (descendente), ou caso raro, quando o poder, por alguma razão, não está com o comando superior e sim nas mãos do subalterno (ascendente). Mas quem detém o poder pode mais facilmente abusar dele, sobre tudo quando se trata de chefes considerados medíocres profissionalmente, com baixa auto-estima e, conseqüentemente, necessidade de ser admirado e destacado.
As pessoas mais susceptíveis de se tornarem vítimas do assédio moral são aqueles empregados que apresentam algumas diferenças com respeito aos padrões estabelecidos. Hirigoyen (2002) define os seguintes tipos discriminatórios: assédio moral por motivos raciais ou religiosos; assédio em função de deficiência física ou doença; assédio em função de orientações sexuais; assédio discriminatório de representantes de funcionários e representantes sindicais.
Também pessoas “atípicas”, “excessivamente competentes ou que ocupem espaço demais”, aliadas a grupos divergentes da administração, “improdutivas” ou temporariamente fragilizado por licenças de saúde tornam-se o alvo das perseguições por assédio moral.
Por sua vez, Barreto (2003a) tipifica os seguintes empregados passíveis de violência no local de trabalho: os adoecidos, os sindicalizados, os acima de 40 anos, os criativos, os sensíveis à injustiça e ao sofrimento alheio, os questionadores das políticas de metas inatingíveis e da expropriação do tempo com a família, àqueles que fazem amizades facilmente e dominam as informações no coletivo.
2.1 – E o que é assédio moral no trabalho?
É a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistirem do emprego.
Caracteriza-se pela degradação deliberada das condições de trabalho em que prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e a organização. A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares. Estes, por medo do desemprego e a vergonha de serem também humilhados associado ao estímulo constante à competitividade, rompem os laços afetivos com a vítima e, freqüentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o ‘pacto da tolerância e do silêncio’ no coletivo, enquanto a vitima vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando, ‘perdendo’ sua auto-estima.
O desabrochar do individualismo reafirma o perfil do ‘novo’ trabalhador: ‘autônomo, flexível’, capaz, competitivo, criativo, agressivo, qualificado e empregável. Estas habilidades o qualificam para a demanda do mercado que procura a excelência e saúde perfeita. Estar ‘apto’ significa responsabilizar os trabalhadores pela formação/qualificação e culpabilizá-los pelo desemprego, aumento da pobreza urbana e miséria, desfocando a realidade e impondo aos trabalhadores um sofrimento perverso.
A humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida do trabalhador e trabalhadora de modo direto, comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais, ocasionando graves danos à saúde física e mental*, que podem evoluir para a incapacidade laborativa, desemprego ou mesmo a morte, constituindo um risco invisível, porém concreto, nas relações e condições de trabalho.
A violência moral no trabalho constitui um fenômeno internacional segundo levantamento recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) com diversos paises desenvolvidos. A pesquisa aponta para distúrbios da saúde mental relacionado com as condições de trabalho em países como Finlândia, Alemanha, Reino Unido, Polônia e Estados Unidos. “As perspectivas são sombrias para as duas próximas décadas, pois segundo a OIT e Organização Mundial da Saúde, estas serão as décadas do ‘mal estar na globalização”, onde predominará depressões, angustias e outros danos psíquicos, relacionados com as novas políticas de gestão na organização de trabalho e que estão vinculadas as políticas neoliberais.
2.2 – Fases da humilhação no trabalho
A humilhação no trabalho envolve os fenômenos vertical e horizontal.
O fenômeno vertical se caracteriza por relações autoritárias, desumanas e aéticas, onde predomina os desmandos, a manipulação do medo, a competitividade, os programas de qualidade total associado a produtividade. Com a reestruturação e reorganização do trabalho, novas características foram incorporadas à função: qualificação, poli funcionalidade, visão sistêmica do processo produtivo, rotação das tarefas, autonomia e ‘flexibilização’. Exige-se dos trabalhadores/as maior escolaridade, competência, eficiência, espírito competitivo, criatividade, qualificação, responsabilidade pela manutenção do seu próprio emprego (empregabilidade) visando produzir mais a baixo custo.
A ‘flexibilização’ inclui a agilidade das empresas diante do mercado, agora globalizado, sem perder os conteúdos tradicionais e as regras das relações industriais. Se para os empresários competir significa ‘dobrar-se elegantemente’ ante as flutuações do mercado, com os trabalhadores não acontece o mesmo, pois são obrigados a adaptar-se e aceitar as constantes mudanças e novas exigências das políticas competitivas dos empregadores no mercado global.
A “flexibilização”, que na prática significa desregulamentação para os trabalhadores/as, envolve a precarização, eliminação de postos de trabalho e de direitos duramente conquistados, assimetria no contrato de trabalho, revisão permanente dos salários em função da conjuntura, imposição de baixos salários, jornadas prolongadas, trabalharem mais com menos pessoas, terceirização dos riscos, eclosão de novas doenças, mortes, desemprego massivo, informalidade, bicos e subempregos, dessindicalização, aumento da pobreza urbana e viver com incertezas. A ordem hegemônica do neoliberalismo abarca reestruturação produtiva, privatização acelerada, estado mínimo, políticas fiscais etc. que sustentam o abuso de poder e manipulação do medo, revelando a degradação deliberada das condições de trabalho.
O fenômeno horizontal está relacionado à pressão para produzir com qualidade e baixo custo. O medo de perder o emprego e não voltar ao mercado formal favorece a submissão e fortalecimento da tirania. O enraizamento e disseminação do medo no ambiente de trabalho reforçam atos individualistas, tolerância aos desmandos e práticas autoritárias no interior das empresas que sustentam a ‘cultura do contentamento geral’. Enquanto os adoecidos ocultam a doença e trabalham com dores e sofrimentos, os sadios que não apresentam dificuldades produtivas, mas que ‘carregam’ a incerteza de vir a tê-las, mimetiza o discurso das chefias e passam a discriminar os ‘improdutivos’, humilhando-os.
A competição sistemática entre os trabalhadores incentivada pela empresa, provoca comportamentos agressivos e de indiferença ao sofrimento do outro. A exploração de mulheres e homens no trabalho explicita a excessiva freqüência de violência vivida no mundo do trabalho. A globalização da economia provoca, ela mesma, na sociedade uma deriva feita de exclusão, de
desigualdades e de injustiças, que sustenta, por sua vez, um clima repleto de agressividades, não somente no mundo do trabalho, mas socialmente. Este fenômeno se caracteriza por algumas variáveis:
Dificuldade para enfrentar as agressões da organização do trabalho e interagir em equipe.
Rompimento dos laços afetivos entre os pares, relações afetivas frias e endurecidas, aumento do individualismo e instauração do ‘pacto do silêncio’ no coletivo.
Comprometimento da saúde, da identidade e dignidade, podendo culminar em morte.
Sentimento de inutilidade. Descontentamento e falta de prazer no trabalho.
Aumento do absenteísmo, diminuição da produtividade.
Demissão forçada e desemprego.
A organização e condições de trabalho, assim como as relações entre os trabalhadores condicionam em grande parte a qualidade da vida. O que acontece dentro das empresas é fundamental para a democracia e os direitos humanos. Portanto, lutar contra o assédio moral no trabalho é estar contribuindo com o exercício concreto e pessoal de todas as liberdades fundamentais. É sempre positivo que associações, sindicatos, coletivos e pessoas sensibilizadas individualmente intervenham para ajudar as vítimas e para alertar sobre os danos a saúde deste tipo de assédio.
2.3 A EXPLICITAÇÃO DO ASSÉDIO MORAL
Gestos, condutas abusivas e constrangedoras, humilhar repetidamente, inferiorizar, amedrontar, menosprezar ou desprezar, ironizar, difamar, ridicularizar, risinhos, suspiros, piadas jocosas relacionadas ao sexo, ser indiferente à presença do/a outro/a, estigmatizar os/as adoecidos/as pelo e para o trabalho, colocá-los/as em situações vexatórias, falar baixinho acerca da pessoa, olhar e não ver ou ignorar sua presença, rir daquele/a que apresenta dificuldades, não cumprimentar, sugerir que peçam demissão, dar tarefas sem sentido ou que jamais serão utilizadas ou mesmo irão para o lixo, dar tarefas através de terceiros ou colocar em sua mesa sem avisar, controlar o tempo de idas ao banheiro, tornar público algo íntimo do/a subordinado/a, não explicar a causa da perseguição, difamar, ridicularizar.
2.4 OS ESPAÇOS DA HUMILHAÇÃO
Nas empresas:
Começar sempre reunião amedrontando quanto ao desemprego ou ameaçar constantemente com a demissão.
Subir em mesa e chamar a todos de incompetentes.
Repetir a mesma ordem para realizar uma tarefa simples centenas de vezes até desestabilizar emocionalmente o trabalhador ou dar ordens confusas e contraditórias.
Sobrecarregar de trabalho ou impedir a continuidade do trabalho, negando informações.
Desmoralizar publicamente, afirmando que tudo está errado ou elogiar, mas afirmar que seu trabalho é desnecessário à empresa ou instituição.
Rir a distância e em pequeno grupo; conversar baixinho, suspirar e executar gestos os direcionado ao trabalhador.
Não cumprimentar e impedir os colegas de almoçarem, cumprimentarem ou conversarem com a vítima, mesmo que a conversa esteja relacionada à tarefa. Querer saber o que estavam conversando ou ameaçar quando há colegas próximos conversando.
Ignorar a presença do/a trabalhador/a.
Desviar da função ou retirar material necessário à execução da tarefa, impedindo o trabalho.
Exigir que fizesse horários fora da jornada. Ser trocado/a de turno, sem ter sido avisado/a.
Mandar executar tarefas acima ou abaixo do conhecimento do trabalhador.
Voltar de férias e ser demitido/a ou ser desligado/a por telefone ou telegrama em férias.
Hostilizar, não promover ou premiar colega mais novo/a e recém-chegado/a empresa e com menos experiência, como forma de desqualificar o trabalho realizado.
Espalhar entre os colegas que o/a trabalhador/a está com problemas nervosos.
Sugerir que peça demissão, por sua saúde.
Divulgar boatos sobre sua moral.
2.5 POLÍTICA DE REAFIRMAÇÃO DA HUMILHAÇÃO NAS EMPRESAS
a) com todos os trabalhadores:
Estimular a competitividade e individualismo, discriminando por sexo: cursos de aperfeiçoamento e promoção realizada preferencialmente para os homens.
Discriminação de salários segundo sexo.
Passar lista na empresa para que os trabalhadores/as se comprometam a não procurar o Sindicato ou mesmo ameaçar os sindicalizados.
Impedir que as grávidas sentassem durante a jornada ou que façam consultas de pré-natal fora da empresa.
Fazer reunião com todas as mulheres do setor administrativo e produtivo, exigindo que não engravidem, evitando prejuízos à produção.
Impedir de usar o telefone em casos de urgência ou não comunicar aos trabalhadores/as os telefonemas urgentes de seus familiares.
Impedir de tomar cafezinho ou reduzir horário de refeições para 15 minutos.
Refeições realizadas no maquinário ou bancadas.
Desvio de função: mandar limpar banheiro, fazer cafezinho, limpar posto de trabalho, pintar casa de chefe nos finais de semana.
Receber advertência em conseqüência de atestado médico ou por que reclamou direito.
b) discriminação aos adoecidos e acidentados que retornam ao trabalho
Ter outra pessoa no posto de trabalho ou função.
Colocar em local sem nenhuma tarefa e não dar tarefa. Ser colocado/a sentado/a olhando os outros trabalhar, separados por parede de vidro daqueles que trabalham.
Não fornecer ou retirar todos os instrumentos de trabalho.
Isolar os adoecidos em salas denominadas dos ‘compatíveis’. Estimular a discriminação entre os sadios e adoecidos, chamando-os pejorativamente de ‘podres, fracos, incompetentes, incapazes’.
Diminuir salários quando retornam ao trabalho.
Demitir após a estabilidade legal.
Ser impedido de andar pela empresa.
Telefonar para a casa do funcionário e comunicar à sua família que ele ou ela não quer trabalhar.
Controlar as idas a médicos, questionar acerca do falado em outro espaço.
Impedir que procurassem médicos fora da empresa.
Desaparecer com os atestados. Exigir o Código Internacional de Doenças – CID – no atestado como forma de controle.
Colocar guarda controlando entrada e saída e revisando as mulheres.
Não permitir que conversem com antigos colegas dentro da empresa.
Colocar um colega controlando o outro colega, disseminando a vigilância e desconfiança.
Dificultar a entregar de documentos necessários à concretização da perícia Médica pelo INSS.
Omitir doenças e acidentes.
Demitir os adoecidos ou acidentados do trabalho.
3. Entendendo o processo psicológico do assédio moral
Segundo Hirigoyen (2001), a primeira é a fase da sedução perversa, no inicio do relacionamento, envolvendo-se a vítima com o processo de desestabilização e perda progressiva da autoconfiança através de constantes humilhações que diminuem os valores morais do indivíduo e aniquilam a suas defesas.
A humilhação “é um sentimento de ser ofendido, menosprezado, rebaixado, inferiorizado, submetido, vexado e ultrajado pelo outro. É sentir-se ninguém, sem valor, inútil” (BARRETO, 2000, p. 218).
O trabalhador assediado moralmente, a princípio, não é passivo e nem dócil como o “homem-boi” de Taylor. Torna-se vítima porque reage às ações do agressor e por não concordar com a postura administrativa adotada por ele enquanto detentor do poder. Neste sentido, pontua Freitas (200, p.11) que “é o assédio que desencadeia a reação, posto que a vítima reaja ao autoritarismo.
É, pois, a sua recusa a submeter-se à autoridade, apesar das pressões, que a designa como alvo”. No assédio moral, segundo Hirigoyen (2002, p. 27), “não se observa mais uma relação simétrica como no conflito, mas uma relação dominante-dominado, na qual aquele que comanda o jogo procura submeter o outro até fazê-lo perder a identidade” através de “uma fria racionalidade, combinada a uma incapacidade de considerar os outros como seres humanos” (HIRIGOYEN, 2001, p. 13). Viram-se instrumentos, meros objetos, e assim é consumado o ato de “coisificar”.
A segunda etapa, da violência manifesta, com a vítima já envolvida, é pontuada de estratégias de violências e de agressões aplicada aos poucos. Segundo Hirigoyen (200l), o enredamento, já na fase da violência manifesta, comporta um inegável componente destrutivo porque a vítima não tem mais resistência para reagir e o agressor usa e abusa dos seus poderes para manipular o indivíduo “coisificado”.
Uma vez implantado o assédio moral, com a dominação psicológica do agressor e a submissão forçada da vítima, a dor e o sentimento de perseguição passam para a esfera do individual, sem uma participação do coletivo. A presença do individualismo nas relações de trabalho tem uma função desarticuladora: “cada um sofre no seu canto sem compartilhar suas dificuldades com um grupo solidário”, explica Hirigoyen (2002, p. 26). A solidariedade dos colegas dificilmente aparece no momento da humilhação. A dor sentida não é compartilhada e nem compreendida.
A constante desqualificação a que é submetida à vítima conduz ela a pensar que “ela merece o que lhe aconteceu”, “ela estava pedindo isso”. Assim é que acontece o deslocamento da culpa: o trabalhador moralmente assediado internaliza sua culpa e acredita que tem uma efetiva participação na sua doença. Essa etapa, difícil de ser rompida, coincide com as radicais tentativas de solucionar o problema. Em palavras de Barreto (2000, p. 148) “a vida perde o sentido transformando a vivência em sofrimento, num contexto de doenças, desemprego, procuras, desamparo, medo, desespero, tristeza, depressão e tentativas de suicídio”.
Quando a vítima, de fato, começa a sentir os sinais da doença, aparece outro sintoma: a ocultação do problema. A atitude está diretamente relacionada ao medo de perder o emprego e por isso, como tática, o trabalhador não declara abertamente a sua doença e prefere sofrer sozinho. Uma vez adoecido, sem nenhuma alternativa, o caminho para o trabalhador é afastamento do trabalho que, ao princípio, é por licença para tratamento da doença apresentada; em seguida, a demissão propriamente dita como conseqüência da inadequação do trabalhador adoecido aos padrões de produção da organização.
A vítima não se liberta totalmente com o afastamento do local de trabalho ou do agressor. Não convive mais diariamente com a prática da violência, mas carrega consigo toda angustia do período: “as agressões ou as humilhações permanecem inscritas na memória e são revividas por imagens, pensamentos, emoções intensas e repetitivas, seja durante o dia, com impressões bruscas, de iminência de uma situação idêntica, ou durante o sono, provocando insônias e pesadelos” (HIRIGOYEN, 2001, p. 183).
O suicídio pode ser o ponto final. Para Barreto (2000, p. 242) “quando o homem prefere a morte à perda da dignidade, se percebe muito bem como a saúde, trabalho, emoções, ética e significado social se configuram num mesmo ato, revelando a patogenicidade da humilhação”.
4. Contexto Global Organizacional e Relações Laboram na Bahia que podem propiciar o Assédio Moral
Sem sombra de dúvidas, a globalização intensificou a alteração nas relações interpessoais, atribuindo uma nova ordem e um novo modelo de comportamento de tal configuração que os conflitos internos, anteriormente não aflorados ou superficialmente expostos, passaram a ser mais acentuados, mas não por isto mais explícitos.
O denominado assédio moral, com as suas práticas de humilhação, perseguição, rebaixamento, ameaças sistemáticas, tornou-se um modo de relacionamento entre os empregados e os empregadores nos locais de trabalho no contexto organizacional contemporâneo, onde os trabalhadores: tornam-se mais frágeis, propensos a sofrer violência psicológica estimulada por um super-poder empresarial, decido a torná-lo máquinas produtivas, invocando, por meio de práticas de controle e de vulnerabilização, o direito à posse e da alma do coletivo que produz (BATISTA, 2003, p.1)
A pós-industrialização trouxe o desenraizamento das instituições perenes de emprego e o desemprego. São criadas novas teorias sobre ocupação e auto-emprego, que substituam o papel que o emprego tinha no desenvolvimento de uma identidade profissional, tão cobrada no reconhecimento social da cultura moderna.
Surge um novo conceito: a empregabilidade, e com ele o auge dos experts, tecnocratas estrategistas e empreendedores, de saúde “perfeita”, convictos do seu papel na organização, polivalentes e disponíveis, de emoções flexibilizadas e abertos a mudanças (GUERRERO RAMOS, 1989; HARVEY, 1993; ENRIQUEZ, 1997, BARRETO, 2000).
Como super-heróis, muitos deles se constituem nos líderes fazedores e disseminadores dos novos valores consumistas que, com a fórmula mágica de sua sedução perversa, pretendem dar sentidas as vidas dos indivíduos nas organizações, principalmente, para administrar melhor seu tempo e seu estresse em função do grande deus da modernidade: a produtividade.
As pessoas nas organizações terminam vivendo em função da produtividade e do medo de virar improdutivos e, assim, presos da armadilha estratégica (ENRIQUEZ, l997), o seu caráter é corroído (SENNETT, 200l), a sua subjetividade “seqüestrada” (FARIA e KANASHIRO, 2001) e o seu ser-sujeito coisificado.
Esta poderia ser a descrição de uma parodia da realidade, mas, em verdade, as mudanças nas condições de trabalho estão criando a fragmentação da identidade, uma das grandes conseqüências da modernidade (GIDDENS, 1991). Por isso, observa Geertz (1989, p. 174), “a era do sujeito alienado parece impedir a construção consciente de futuros sociais alternativos [e] cada vez mais vivemos vidas padronizadas de desespero”.
Desde que a “coisificação” do trabalhador parece ter se intensificado nas relações trabalhistas das organizações contemporâneas, ao deixar de ser instrumentos para virar fins (WOOD, l992), o assédio moral poderia ser considerado como comportamento resultante das atuais exigências impostas às organizações pela globalização. Mas a “era da globalização” não criou o assédio moral: os maus tratos sempre foram “estilos” de intensificação da produtividade dos trabalhadores, fato muito evidente na tradição cultural brasileira.
Pedagogos e filósofos como Paulo Freire (1987) e Leonardo Boff (1999), historiadores como Caio Prado (1972), Raymundo Faoro (1979), Sérgio Buarque de Holanda (1984) e Darcy Ribeiro (1995), economistas como Celso Furtado (1964) e Francisco de Oliveira (1990), sociólogos como Florestán Fernandes (1978) e Otávio Ianni (1987), antropólogos como Roberto DaMatta (1980; 1982; 1991) e Lívia Barbosa (1992), administradores como Guerreiro Ramos (1996). Mais recentemente, Prestes Motta (1997), entre outros, todos coincidem em afirmar que a base da cultura brasileira é o engenho, reconhecendo a relevância das relações sociais estabelecidas na Casa Grande e a Senzala como foram relatadas por Gilberto Freyre (1973) e indo mais além: a ambigüidade das relações propiciou o “jeitinho brasileiro”, que faz com que o conflito seja omitido e a situação dos privilegiados perpetuada.
A convivência normal com as relações hierárquicas caracterizadas por uma grande concentração de poder faz com que seu abuso seja socialmente aceito. Desta forma, a elite representante da “casa grande” continua a controlar e dominar a população (FAORO, 1979), perpetuando nas organizações locais relações paternalistas com envolvimentos ambiguamente cordial-afetivos e autoritário-violentos (PRESTES MOTTA, 1997) que poderíamos equiparar com as fases da sedução perversa e manifestação da violência, respectivamente, do assédio moral segundo Hirigoyen (200l).
Num mundo onde tudo está construído de cima para baixo e desarticulado por relações personalista-individualistas, a culpa é sempre dos outros, sublinhando a autonomia, o auto-respeito e a auto-estima (PRESTES MOTTA, 1997). Fenômeno que dificulta a autodeterminação, a iniciativa, o senso crítico e a capacidade de decisão que caracterizam a postura de espectador dos liderados (FREIRE, 1987; BOFF, 1999; CALDAS, 1997), facilmente susceptíveis de ser fragmentados na sua identidade, seqüestrados na sua subjetividade, corroídos no seu caráter e, em definitivo, assediados na sua moral.
5. A busca de indenização por danos morais pelas vítimas do assédio moral
O dano moral, conforme Pamplona Filho (2002, p. 52),
“É aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, a sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente”.
As causas trabalhistas, com pedidos de indenização por danos morais, refletem a não aceitação da subordinação imposta pelo empregador e podem ser interpretadas como sinal de resistência aos desmandos no local de trabalho, inclusive como reação à impunidade dos que pratica o assédio moral.
A opção por estudar os processos trabalhistas, através de acórdãos, atas e sentenças, está vinculada ao exame de casos concretos para verificar a ocorrência de maus tratos e humilhações ao empregado e tem como vantagem o registro oficial dos depoimentos, tanto do agredido quanto do agressor ou seu preposto, além de permitir a apreciação dos pareceres judiciais emitidos sobre o litígio trabalhista e a confirmação ou não da lesão à intimidade do trabalhador.
É interessante esclarecer que acórdão é uma decisão final proferida sobre um processo por um tribunal superior, como recurso de dissídio individual, e que os litígios trabalhistas no Brasil são atribuições decididas pela Justiça do Trabalho, órgão do Poder Judiciário, estruturado em Tribunal Superior do Trabalho, Tribunais Regionais do Trabalho e Juntas de Conciliação e Julgamento, conforme art. 111 da Constituição Federal de 1988.
O método que utilizamos é a “análise de conteúdo”, seguindo as idéias defendidas por Carmo – Neto (1996) por ser a sistemática mais adequada para extrair os dados de um processo trabalhista, permitindo desvendar elementos encobertos e de buscar informações essenciais a partir de uma nova leitura do seu conteúdo, admitindo-se a inferência dos acontecimentos da relação conflituosa do trabalho como resultado de “reflexões das entrelinhas, nas razões das analogias, nas observações e comparações sobre freqüências, características, aspectos culturais, morais, religiosos e pessoas” (CARMO-NETO, 1996, p. 402).
A adoção dessa metodologia “vai além do texto, e se transfere, não necessária ou diretamente para a consciência de quem o escreveu ou produziu, mas para as razões inconscientes e involuntárias do plano do discurso” (ibidem, p. 406). Realizamos um levantamento quantitativo de 244 acórdãos, concluídos e publicados entres os exercícios de 2000 a 2002, oriundos de processos trabalhistas com pedido de indenização por dano moral, e permanecemos com cinco acórdãos, atas e sentenças, cujos relatos demonstram a presença do assédio moral, manifestada através de práticas de maus tratos, humilhações, perseguições, envolvendo os tipos discriminatórios que serão relatados abaixo.
6. JURISPRUDÊNCIA, ACÓRDÃO
DAS EMENTAS DE JULGADOS PROCEDENTES A CARACTERIZAÇÃO DO ASSÉDIO MORAL
1) Ac.-2ªT-Nº 01159/2007, RO 02174-2006-026-12-00-8, 11386/2006 DANO MORAL. ASSÉDIO. PROVA. Para haver uma indenização por assédio moral, há que ficar robustamente provado que uma das partes tenha se excedido de modo que seus atos ou omissões, de forma dolosa ou culposa, tenha resultado em danos à outra parte. PROVIMENTO PARCIAL. Mantido o valor da condenação fixado em 1º grau.
2) Ac.-1ªT-Nº 00784/2007, RO 00538-2006-026-12-00-5, 8235/2006, INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL. A conduta abusiva da empresa violadora dos direitos da personalidade que atenta, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade, a integridade física ou psíquica do trabalhador, ameaçando o seu emprego ou degradando o meio ambiente do trabalho, configura assédio moral e enseja o pagamento de indenização a título de danos morais, nos termos dos arts. 5º, X, da CF e 186 do Código Civil.
3) Ac.-1ªT-Nº 15212/2006 , RO 08806-2005-034-12-00-0, 8524/2006. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL. A conduta abusiva da empresa violadora dos direitos da personalidade que atenta, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade, a integridade física ou psíquica do trabalhador, ameaçando o seu emprego ou degradando o meio ambiente do trabalho, configura assédio moral e enseja o pagamento de indenização a título de danos morais, nos termos dos arts. 5º, X, da CF e 186 do Código Civil. PROVIMENTO PARCIAL para acrescer à condenação o pagamento de indenização por danos morais.
4) Ac.-3ªT-Nº 04319/2006, RO-V 00745-2005-008-12-00-7, 10051/2005, INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL. A comprovação de que a zombaria praticada pelos sócios da reclamada no ambiente de trabalho contra o autor configurava muito mais do que uma simples brincadeira, pois tinha o intuito de menosprezar o empregado e escarnecer dele em razão de seu problema de visão, configura assédio moral, também conhecida como “mobbing”, “bullying” ou “harcèlement moral”, no direito internacional. Os efeitos da exposição prolongada e repetitiva a situações humilhantes e vexatórias são deletérios à auto-estima da pessoa e, no ambiente de trabalho, a prática tem a agravante de ocorrer em uma relação hierarquizada, com forte dependência econômica do trabalhador. Os danos decorrentes de tais atitudes devem ser indenizados, servindo a condenação também para obtenção de um efeito didático-pedagógico, a fim de que a conduta não mais se repita no empreendimento. DAR-LHE PROVIMENTO para condenar a reclamada a pagar ao autor indenização por danos morais.
5) Ac.-2ªT-Nº 1118711187/2006 RO-V-A 00179-2005-019-12-00-7, 3755/2006. ASSÉDIO MORAL – REPRESÁLIA POR TER INGRESSADO COM AÇÃO TRABALHISTA – CARACTERIZAÇÃO – INDENIZAÇÃO DEVIDA. É devida a indenização postulada quando os atos da empregadora caracterizam o assédio moral, havendo prova nos autos de que tenha adotado práticas destinadas a deteriorar as condições de trabalho, abusivas e maliciosas, com o fito de forçar o empregado a pedir demissão. Se o assédio moral traduz represália contra o ajuizamento de ação trabalhista, deve ser coibida ainda com maior rigor, por estar o direito de petição dentre os mais necessários ao estabelecimento de um Estado Democrático de Direito.
DAS EMENTAS E ACÓRDÃOS DE JULGADOS IMPROCEDENTES A CARACTERIZAÇÃO DO ASSÉDIO MORAL
1) Ac.-2ªT-Nº 1318013180/2006, RO-V 00052-2006-022-12-00-1, 05173/2006. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. A indenização por dano moral só é devida quando o empregador, por dolo ou culpa, pratica ato ilícito contra o empregado. Não tendo o trabalhador demonstrado na prova colhida a ofensa ou assédio moral afirmados na inicial, não faz jus à indenização. NEGAR‑LHE PROVIMENTO.
2) Ac.-3ªT-Nº 1128111281/2006, RO-V 05148-2005-035-12-00-1. 4025/2006.
ASSÉDIO MORAL. NEXO ETIOLÓGICO. NÃO-CONFIGURAÇÃO. Em que pese o duvidoso gosto das brincadeiras a que estava o empregado submetido em seu local de trabalho, não há como deferir o pleito de reparação de dano se não evidenciada a agressão à integridade moral do trabalhador que, para oferecer suporte ao ressarcimento, há de se denotar de forma inequívoca. NEGAR-LHE PROVIMENTO.
3) Ac.-3ªT-Nº 1278612786/2006. RO-V 05198-2005-035-12-00-9. 3877/2006. DANO MORAL. PERSEGUIÇÃO E TERROR PSICOLÓGICO NO AMBIENTE DE TRABALHO. CULPA DO EMPREGADOR NÃO DEMONSTRADA. EFEITOS. Para que se impute a condenação ao pagamento de indenização por dano moral baseada na responsabilização subjetiva contemplada no art. 186 do Código Civil (art. 159 do Código Civil revogado) imperativa se torna a existência de ação ou omissão do agente ou de terceiro (responsabilidade in eligendo), dolo ou culpa dessas pessoas, nexo causal e lesão extrapatrimonial. Não comprovado o liame de causalidade entre o alegado dano moral (perseguição e terror psicológico no ambiente de trabalho) e o eventual ato ilícito do demandado e inexistindo culpa do empregador, não há como deferir a indenização pleiteada. NEGAR-LHE PROVIMENTO.
4) Ac.-3ªT-Nº 04222/2006. RO-V 07450-2005-035-12-00-4. 10646/2005. DANO MORAL. NÃO-CONFIGURAÇÃO. Exige-se prova robusta da conduta dolosa ou culposa impingida ao empregador, bem assim do nexo de causalidade e do prejuízo à esfera pessoal do obreiro para o deferimento da reparação de ordem moral. Não se afigurando a prova coligida contundente quanto ao dolo ou, ao menos, a culpa da reclamada e nem tampouco demonstração inequívoca do dano sofrido, impõe-se a manutenção da decisão primeira que indeferiu a indenização pretendida. NEGAR-LHE PROVIMENTO.
5) Ac.-2ªT-Nº 04711/2006. RO-V 00199-2005-042-12-00-5. 12539/2005. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. O dano moral há de ser claramente evidenciado. O ônus da prova incumbe a quem o alega, nos termos dos arts. 818 da CLT e 333, inciso I, do CPC. Não demonstrada a alegada violação à honra, à dignidade, ao decoro, à integridade moral, à imagem, à intimidade ou a qualquer atributo relativo à personalidade humana, e por isso protegido juridicamente, não se tem configurada a ocorrência de danos morais. DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO DA RECLAMADA para excluir da condenação o pagamento da indenização por assédio moral.
7. Considerações finais
Voltada para sua sobrevivência e inserida num contexto econômico, a organização contemporânea atende mais às necessidades do mercado do que às dos seus trabalhadores, que, em palavras de Barreto e Alencar (2003, p. 2), “a globalização provoca, ela mesma, na sociedade uma deriva feita de exclusão, de desigualdades e de injustiças, que sustenta, por sua vez, um clima repleto de agressividades, não somente no mundo do trabalho, mas socialmente”.
Mas, como mostra a cultura brasileira, a “era da globalização” não criou o assédio moral, pois os maus tratos sempre foram “estilos” de intensificação da produtividade dos trabalhadores. O assédio moral no Brasil tem características especificas da nossa cultura organizacional, oriunda de um modo de produção escravocrata, com poderes e hierarquias fortemente autoritários, como podemos perceber nos casos analisados.
A coisificação do trabalhador é evidente: os empregados, em todos os casos analisados, são tratados como peças substituíveis na engrenagem da produção, como mero recurso produtivo e não como seres humanos. Tal e como descrito por Hirigoyen e Barreto, as perseguições, maus tratos e humilhações se dão pela perversidade manifesta no descaso para com o semelhante e a desumanizarão das relações de trabalhado.
Podemos perceber a ligação do assédio moral com o dano moral, não apenas como o caminho judicial indenizatório e compensador do processo de humilhação e maus tratos, mas pela existência do nexo causal entre seus conceitos, pois ambos são vinculados aos agravos causados ao trabalhador no exercício da sua função.
O não reconhecimento do assédio moral nos dissídios individuais, por parte da jurisprudência trabalhista brasileira, não impede que decisões sobre indenização por dano moral iniciem um novo entendimento sobre a correlação do dano com o assédio moral, este como causa e aquele como efeito das humilhações ao empregado. As ações são vitoriosas não apenas pelo ganho financeiro, mas também como ato inibidor de tratamento desumano nas organizações, como fica evidenciado pelos acórdãos ora estudado.
O trabalho a ser feito nas organizações é uma reeducação de valores que implica uma mudança cultural, com incentivo a pratica do diálogo constante e permanente e a implantação de um código de ética e de conduta de todos os empregados, inclusive as chefias, baseado no respeito mútuo e no companheirismo.
ex-titular do escritório jurídico C. Martins & Advogados Associados no Rio de Janeiro, Assessor Jurídico da Prefeitura Municipal de Conceição de Macabu, Pós Graduando em Gestão Pública Municipal em Rio das Ostras, especialista em Segurança Pública pelo SENASP Brasilia, Graduando em Administração de Empresa, Consultor Jurídico, especialista em Direito Civil pela Universidade Cândido Mendes/RJ.
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