Resumo: O artigo elaborado analisa dentro da legislação processual penal brasileira, a audiência de custódia, sua aplicação e os reflexos dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Tal estudo foi realizado com base em pesquisa científica, jurisprudencial e doutrinária, considerando as obras de PAIVA (2015), GIACOMOLLI (2015), LOPES JR (2014) e outros, realizando uma análise sobre a sua necessidade como medida de proteção do indivíduo detido, já que a prisão virou regra e muitas vezes ocorre sem fundamento jurídico. Conclui-se que tal medida é uma forma de diminuir as ilegalidades e reduzir a população carcerária, bem como possibilitar o controle judicial de atos de maus tratos e tortura.
Palavras-chave: Audiência de Custódia. Cárcere. Garantias. Constituição Federal. Tratados Internacionais.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 3. Conclusão. 4. Referências
Introdução
O presente artigo tem como objetivo estudar o instituto Audiência de Custódia, assunto que está sendo discutido no Senado Federal por meio do projeto de lei nº 55/2011, que determina tal audiência como medida necessária no processo penal brasileiro. Conforme se vê:
“Art. 306. (…)
§ 1.º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.
§ 2.º A oitiva a que se refere o § 1.º não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado.
§ 3.º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas.
§ 4.º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no § 2.º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código”.
O respaldo jurídico do citado projeto é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica) que foi ratificada em nosso país, no ano de 1992.
Além da Convenção Americana de Direitos Humanos, há o Pacto de Direitos Civis e Políticos (também ratificado pelo Brasil, desde 1992), no seu art. 9º, item 3, que regulamenta: […] qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade.
Apesar de ainda não estar legalizado no Brasil, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da resolução nº 213 de 15/12/15 regulamentou a audiência de custódia.
O presente trabalho objetiva analisar o conceito e quais são os objetivos da implementação da Audiência de Custódia, bem como as (possíveis) consequências que sua implementação irá trazer.
Desenvolvimento
Para Paiva (2016), o conceito e a finalidade da audiência de custódia seriam:
O conceito de custódia se relaciona com o ato de guardar, de proteger. A audiência de custódia consiste, portanto, na condução do preso, sem demora, à presença de uma autoridade judicial, que deverá, a partir de prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a Defesa, exercer um controle imediato da legalidade e da necessidade da prisão, assim como apreciar questões relativas à pessoa do cidadão conduzido, notadamente a presença de maus tratos ou tortura. Assim, a audiência de custódia pode ser considerada como uma relevantíssima hipótese de acesso à jurisdição pena.
A audiência de custódia é o ato que o sujeito preso é apresentado à autoridade judiciária, o juiz. Não somente é enviado ao juiz o auto de prisão em flagrante, mas também o acusado é apresentado pessoalmente. Tal regra só é válida para as prisões processuais, aquelas que ocorrem antes da sentença penal condenatória.
A apresentação do preso deve ocorrer em, no máximo, 24 horas, e em sua oitiva devem estar presentes o Ministério Público e a Defesa, defensoria pública ou particular. Devem ser analisadas a legalidade da sua prisão, possível hipótese de tortura, bem como se os seus direitos estão sendo assegurados.
Nesse momento ocorrerá somente uma entrevista, não haverá interrogatório, nem será discutido o mérito da prisão.
Com o fim da audiência, o juiz observará o art. 310 do Código de Processo Penal: relaxará a prisão ilegal; converterá a prisão em flagrante em preventiva; ou concederá liberdade provisória com ou sem fiança, sempre fundamentando a sua decisão sob pena de nulidade.
Essa audiência tem como finalidade o Princípio da Excepcionalidade, pelo qual a prisão cautelar deve ser tratada como a última punição atribuível ao caso. Nesse sentido, Lopes Jr :
[…] a excepcionalidade deve ser lida em conjunto com a presunção de inocência, constituindo um princípio fundamental de civilidade, fazendo com que as prisões cautelares sejam (efetivamente) a ultima racio do sistema, reservadas para casos mais graves, tendo em vista o elevadíssimo custo que representam. (LOPES, 2014, P. 817).
Noutro giro, a grande importância da audiência de custódia são os objetivos que ela possui. São eles: devido cumprimento do Tratado Internacional ratificado pelo Brasil em defesa dos Direitos Humanos: Convenção Americana dos Direitos Humanos, defesa preventiva de atos de tortura, evitar prisões ilegais e diminuir a superlotação nas entidades prisionais.
O devido cumprimento do Tratado Internacional ratificado pelo Brasil em defesa dos Direitos Humanos: Convenção Americana dos Direitos Humanos. Este, segundo Paiva (2015, p. 34), é o principal objetivo da implementação da Audiência de Custódia. Ora, se o Brasil é signatário do Tratado em questão, deve(ria) ajustar seu ordenamento jurídico para que fique em conformidade com as regras então ratificadas. A grande questão é que o Brasil ratificou tal Tratado há mais de vinte anos atrás e só agora o tema da audiência de custódia, nele contida, vem sendo discutido.
Prevê a Convenção, em seu artigo 7.5:
“Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.” (AMERICANOS, Organização dos Estados. PACTO DE SAN JOSÉ DE COSTA RICA. San José: Organização dos Estados Americanos, 1969. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm. Acesso em: 30 de novembro de 2016).
O Comitê de Direitos Humanos da ONU determinou que o atraso entre a prisão de um acusado e o momento em que ele comparece perante o juiz “não deve ultrapassar alguns dias”, nem mesmo durante estado de emergência.
Evidentemente, o Brasil precisa se adequar aos acordos celebrados nos tratados e convenções internacionais, devendo, dessa maneira, assegurar uma leitura convencional e constitucional do processo penal brasileiro.
Da defesa preventiva de atos de tortura: a apresentação do preso ao juiz, no prazo de até 24 horas, previne o tratamento desumano ou degradante contra o cidadão nos interrogatórios policiais. Proporcionando ao detido seus direitos humanos. Nesse sentido, Paiva:
“[…] a medida pode contribuir para a redução da tortura policial num dos momentos mais emblemáticos para a integridade física do cidadão, o qual corresponde às primeiras horas após a prisão, quando o cidadão fica absolutamente fora de custódia, sem proteção alguma diante de (provável) violência policial.” (PAIVA, 2015, p. 37)
O terceiro objetivo da audiência é evitar prisões ilegais. O magistrado deve fazer uma análise detalhada para que o cidadão não sofra constrangimento ilegal. Ao verificar somente o auto de prisão em flagrante, portanto somente a acusação, sem a manifestação de defesa, torna mais complexa a interprestação da legalidade.
Ademais, na presença física do preso ao juiz, a defesa é aumentada, já que o acusado pode se defender pessoalmente e com a presença de seu defensor. Tal idéia é o significado do Princípio da Paridade das Armas, pelo qual ambas as partes devem possuir a mesma chance de ataque e contra-ataque.
Luigi Ferrajoli conceitua:
Para que a disputa se desenvolva lealmente e com paridade de armas, é necessária, (…), a perfeita igualdade entre as partes: em primeiro lugar, que a defesa seja dotada das mesmas capacidades e dos mesmos poderes da acusação; em segundo lugar, que o seu papel contraditor seja admitido em todo estado e grau do procedimento e em relação a cada ato probatório singular, das averiguações judiciárias e das perícias ao interrogatório do imputado, dos reconhecimentos aos testemunhos e às acareações. (Ferrajoli, 2006, p. 565)
Por sua vez, enumeram Luiz Flávio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli:
Mas a igualdade não pode ser, evidentemente, somente formal: o correto enfoque da 'paridade de armas' leva ao reconhecimento não de uma igualdade estática, senão dinâmica, em que o Estado deve suprir desigualdades para vivificar uma igualdade real. Se o devido processo é a expressão jurisdicional democrática de um determinado modelo de Estado, essa igualdade somente pode ser a substancial, efetiva, real. As oportunidades dentro do processo (de falar, de contraditar, de reperguntar, de opinar, de requerer e de participar das provas etc.) devem ser exatamente simétricas, seja para quem ocupa posição idêntica dentro do processo (dois réus, v.g.), seja para os que ostentam posição contrárias (autor e réu, que devem ter, em princípio, os mesmos direitos, ônus e deveres). (GOMES, MAZZUOLI, 2010, p. 113)
Por fim, o último objetivo, podemos falar da diminuição da superlotação nas entidades prisionais.
Segundo informações do Conselho Nacional de Justiça, O Brasil possui 994.985 pessoas presas, entre as quais 244.034 seriam de pessoas presas provisoriamente. O Brasil ocupa o quarto lugar entre os países com o maior contingente de pessoas presas, atrás de Estados Unidos da América, China e Rússia. Considerando também as prisões domiciliares e em regime aberto, alcançamos o terceiro lugar.
Diante dos dados e da realidade brasileira, é necessário que o Estado promova alterações no sistema carcerário do país. Por essa razão, a audiência de custódia também tem como finalidade diminuir a superlotação nos presídios. Além disso, só será posto em liberdade quem seria vítima de um encarceramento ilegal, pois se a prisão for necessária, o sujeito será mantido preso.
Corroborando o assunto, o Conselho Nacional de Justiça elencou os (possíveis) resultados da realização da Audiência de Custódia:
– O relaxamento de eventual prisão ilegal (art. 310, I, do Código de Processo Penal);
– A concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 310, III, do Código de Processo Penal);
– A substituição da prisão em flagrante por medidas cautelares diversas (arts. 310, II, parte final e 319 do Código de Processo Penal);
– A conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva (art. 310, II, parte inicial);
– A análise da consideração do cabimento da mediação penal, evitando a judicialização do conflito, corroborando para a instituição de práticas restaurativas;
– Outros encaminhamentos de natureza assistencial.
Conclusão
Conforme o exposto acima, verifica-se que a audiência de custódia é uma ferramenta para a aplicação dos direitos humanos, da dignidade da pessoa humana e dos direitos e garantia fundamentais, já que oferece ao preso o rápido contraditório, evita as prisões sem necessidade, reduz a superlotação carcerária e protege a integridade física do detido contra os atos de tortura.
Por conseguinte, entende-se que o instituto vem ao encontro das garantias individuais, particularmente no que tange à presunção de inocência e devido processo legal, favorecendo não só o indivíduo que ficará livre de uma prisão ilegal, mas também a sociedade que pode encontra nesta, uma providência para iniciar a mudança do costume do encarceramento em massa como forma de solução dos problemas da segurança pública.
Graduada em Direito pela Pontíficia Universidade Católica de Minas Gerais / BH em 2004. Pós Graduada em Direito Administrativo e Direito Ambiental pela Faculdade Cândido Mendes em 2012. Tecnóloga em Gestão Pública pela faculdade Estácio de Sá em 2016. Analista Judiciária do Ministério Público de Minas Gerais
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