Karoline dos Santos Leal Ribeiro[1]
Rodrigo Moreira Sodero Victório[2]
RESUMO: O artigo objetiva analisar a possibilidade de concessão do benefício do auxílio-doença parental aos segurados do Regime Geral de Previdência Social que precisem se afastar do local de trabalho para cuidar de ente familiar acometido de enfermidade. Quanto à metodologia utilizou-se como método de abordagem o método dedutivo. Os procedimentos aplicados foram o bibliográfico e o documental, com a utilização de doutrinas e legislações para embasar a temática. O intuito do trabalho é apontar os elementos que possibilitam a concessão do benefício e assim, inseri-lo no Direito Previdenciário, especialmente no Regime Geral de Previdência Social, a fim de que haja igualdade com o Regime Próprio de Previdência Social, o qual prevê a possibilidade de conceder aos servidores públicos licenças para tratamento de saúde e por motivo de doença na família, que servem de molde ao auxílio-doença parental.
Palavras-chave: Auxílio-doença. Parental. Isonomia. Regime previdenciário.
ABSTRACT: The article proposta aims to analyze the possibility of granting the benefit of parental sickness benefit to insured members of the General Social Security who need to move away from the workplace to care for a family member affected by illness. As for the methodology, the deductive method was used as the approach method. The procedures applied were bibliographic and documentary, using doctrines and laws to support the proposed theme. The purpose of this paper is to point out the elements that allow the granting of the benefit and, thus, insert it in the Social Security Law, especially in the General Social Welfare Regime, in order to have equality with the Social Welfare Specific Regime, which provides possibility of granting public servants licenses for health care and family illness, which serve as a form of parental sickness benefit.
Keywords: Sickness allowance. Parental. Isonomy. Social security scheme.
Sumário: Introdução. 1. Previdência social. 1.1 Regimes de Previdência Social. 1.2 Finalidades da Previdência Social. 2. Auxílio-doença devido aos segurados do Regime Geral de Previdência Social. 3. Auxílio-doença parental. 3.1 Análise do projeto de Lei n. 286/2014. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O auxílio-doença está regulamentado nos artigos 59 a 63 da Lei n. 8.213/1991, a qual prevê que, constatada a incapacidade laborativa do segurado e se cumprida à carência exigida pela lei, o benefício será concedido pelo período em que persistir a incapacidade, a partir do 16º (décimo sexto dia) dia de afastamento para o segurado empregado e desde o início da incapacidade para os demais segurados (BRASIL, 1991).
Ocorre que quando uma família é acometida por doença grave de um de seus membros, todos sofrem. O núcleo familiar nesse momento se desdobra para cuidar do enfermo, acompanhá-lo em consultas, exames, procedimentos, sendo humanamente impossível cumprir com qualidade a rotina profissional sem faltas e atrasos, pois os desgastes físico e emocional não permitem.
O estudo terá como foco principal analisar a possibilidade de concessão do auxílio-doença parental aos segurados do Regime Geral de Previdência Social, nos casos em que o trabalhador necessite se afastar do trabalho para cuidar de familiar adoentado.
O tema possui relevância jurídica, pois se trata de um assunto ainda não disciplinado por norma legal, dando margem a diversas formas de interpretação dos magistrados, o que muitas vezes pode vir a prejudicar o segurado não abrangido por tal benefício.
Assim, o estudo aborda a possibilidade e a necessidade do reconhecimento deste novo benefício no atual rol dos benefícios garantidos aos contribuintes do Regime Geral da Previdência Social, a fim de que este ampare as pessoas que fariam jus a sua concessão, frente à possibilidade orçamentária do sistema da Seguridade Social. Fato que reforça, portanto, a proteção social e previdenciária do Estado.
Nesse contexto, o risco social é tamanho que a tese do auxílio-doença parental concretizou-se no Projeto de Lei do Senado n. 286/2014 que, atualmente, encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados. Em contrapartida, ainda que de grande avanço em termos legais e sociais, o projeto encontra lacunas que dão margem a dúvidas e diferentes interpretações, razão pela qual se fará em subtítulo especial com apontamentos e ressalvas acerca de referido projeto.
Por fim, em razão da lacuna legislativa que regulamente o auxílio-doença parental, é fundamental a sua divulgação para que se abram precedentes jurídicos para sustentação e normatização, que resultará em uma previdência mais justa, isonômica e protetiva aos segurados e dependentes.
1 PREVIDÊNCIA SOCIAL
A Previdência Social compõe um dos segmentos da Seguridade Social que, por possuir máxima amplitude, forma-se pelo tripé saúde, assistência social e previdência social, nos termos do artigo 194 da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Assim, importante destacar que o objetivo principal da Previdência Social é estabelecer um sistema de proteção social, para proporcionar meios essenciais de subsistência ao segurado e a sua família, principalmente no período em que não pode produzir e gerar renda, como por exemplo, em razão da idade avançada, da incapacidade laborativa, pela redução da capacidade, entre outros (GOUVEIA, 2015).
Trata-se, portanto, de um direito social, previsto no artigo 6º da Constituição Federal, veja-se:
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 1988).
Por meio do trabalho, o ser humano obtém seu proveito econômico, que por consequência, gera para si e para sua família condições e meios que possam garantir suas subsistências e, principalmente, uma vida digna.
A Previdência Social possui natureza securitária, coletiva, compulsória, organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória em determinadas situações, pois exige, para proveito de seus benefícios, prévia contribuição dos seus segurados.
1.1 Regimes de Previdência Social
A Previdência Social se compõe por três regimes, que são o Regime Geral de Previdência Social, abreviado de RGPS; o Regime Próprio de Previdência Social, que é o RPPS; e o Regime de Previdência Complementar.
O Regime de Previdência Complementar é de natureza privada, enquanto que o RGPS e o RPPS são públicos.
Sobre os regimes, Ibrahim (2011, p. 27) diz que:
A previdência social é tradicionalmente definida como seguro sui generis, pois é de filiação compulsória para os regimes básicos (RGPS e RPPS), além de coletivo, contributivo e de organização estatal, amparando seus beneficiários contra os chamados riscos sociais. Já o regime complementar tem como características a autonomia frente aos regimes básicos e a facultatividade de ingresso, sendo igualmente contributivo, coletivo ou individual.
O RGPS está previsto no artigo 201 da Constituição Federal, o qual regula que a Previdência Social será “organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial (…)” (BRASIL, 1988).
Apesar de possuir natureza pública, tem como destinatário os trabalhadores da iniciativa privada, logo, tem como segurados os empregados urbanos e rurais, os empregados domésticos, os contribuintes individuais, os trabalhadores avulsos e os segurados especiais, e os facultativos, que são aqueles que não possuem regime próprio de previdência e também não se enquadram como segurados obrigatórios.
Por fim, é regulado pela Lei n. 8.212 de 1991, de caráter compulsório para todo aquele que exercer atividade remunerada, os segurados obrigatórios, e de caráter facultativo para quem não exerça trabalho remunerado, a partir dos 14 (quatorze) anos, cuja administração para todos os casos é por intermédio do Instituto Nacional da Seguridade Social – INSS.
Por sua vez, o RPPS está previsto no artigo 40 da Constituição Federal, que assim dispõe:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo (BRASIL, 1988).
Da análise do artigo, o RPPS é o regime dos servidores públicos e tem caráter solidário e contributivo, o qual recebe contribuição do respectivo ente público que o servidor está vinculado, de seus servidores ativos e inativos e pensionistas.
Nas palavras de Kertzaman (2015, p. 38), “fazem parte destes regimes os servidores públicos da União, dos Estados e dos Municípios que preferirem organizar o seu pessoal segundo um próprio estatuto”, do qual deriva o termo “servidor estatutário”.
1.2 Finalidades da Previdência Social
De acordo com o disposto no artigo 3º da Lei n. 8.212 de 1991, que regulamenta a Seguridade Social no Brasil, a Previdência Social tem como finalidade assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, em razão de incapacidade laborativa, idade avançada, tempo de contribuição, desemprego involuntário, encargos de família, e também em casos de reclusão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente (BRASIL, 1991).
Ademais, o direito à previdência social é de caráter fundamental para estabelecer vida digna ao segurado, tendo em vista a evolução constante pela qual o ser humano passa, concernente à fase da infância, adolescência, juventude, fase adulta e também à velhice. É certo que o homem trabalha com o intuito de subsistência e amparo próprio e familiar.
Nessa linha, a previdência social deve ser avaliada como direito fundamental que ampare o trabalhador, proporcionando-lhe o percebimento de remuneração quando não estiver em plena capacidade de executar suas atividades laborativas, por exemplo, acidentes, doenças, invalidez, desemprego involuntário, sustentando-o através de auxílios e pensões.
Assim, para atender a finalidade da Previdência Social, a Lei n. 8.213/1991 instituiu os seguintes benefícios: “a) Aposentadoria por invalidez; b) Aposentadoria por idade; c) Aposentadoria por tempo de contribuição; d) Aposentadoria especial; e) Salário-maternidade; f) Salário-família; g) Auxílio-doença; h) Auxílio-acidente; i) Pensão por morte; j) Auxílio-reclusão” (KERTZMAN, 2015).
Portanto, a Previdência Social vem ao socorro do segurado quando algo lhe obstruir a capacidade e/ou possibilidade de trabalhar, oferecendo benefício previdenciário que venha a substituir sua renda, quando este cumprir com todos os requisitos legais. Desse modo, a Previdência Social cumpre com seu dever constitucional de preservação da dignidade humana.
Dentre os benefícios abrangidos pelo RGPS aos seus contribuintes e segurados, tem-se o auxílio-doença, que é cabível quando o segurado estiver impossibilitado de exercer a sua atividade laborativa habitual em razão de alguma doença que o incapacite temporariamente. Entretanto, para ter direito ao recebimento deste benefício, o segurado deve preencher os requisitos do artigo 59 da Lei n. 8.213/1991. Ou seja, estar incapacitado por mais de 15 (quinze) dias consecutivos e cumprir a carência exigida. Nesse sentido, é a redação do artigo:
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Parágrafo único. Não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão (BRASIL, 1991).
Os primeiros quinze dias consecutivos ao afastamento do trabalho, a responsabilidade pelo pagamento do beneficio é do empregador, que pagará o salário normalmente devido ao empregado, de forma que, após esse período, a responsabilidade passará a ser da Previdência Social, por intermédio do INSS, conforme o artigo 60, § 3º da Lei 8.213/1991.
Consoante ao requisito da carência, explica-se que seu significado diz respeito ao número mínimo de contribuições mensais necessárias para que se requeira determinado benefício, quando este a exigir. No que concerne ao auxílio-doença, a carência mínima exigida por lei é, em regra, de 12 (doze) contribuições mensais, excetuado os casos explícitos do artigo 26, inciso II, da Lei 8.213/1991, que dispensam a carência.
Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
[…]
II – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada 3 (três) anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado; […] (BRASIL, 1991).
Ibrahim (2011) conceitua o auxílio-doença como “benefício não programado, decorrente da incapacidade temporária do segurado para o seu trabalho”, o qual salienta que “o risco coberto é a incapacidade para o trabalho, oriunda de doenças ou mesmo acidentes”. Para Nagy (2013) o auxílio-doença é descrito da seguinte maneira:
Benefício concedido ao segurado impedido de trabalhar por doença ou acidente por mais de 15 dias consecutivos. No caso dos trabalhadores com carteira assinada, os primeiros 15 dias são pagos pelo empregador, exceto o doméstico, e a Previdência Social paga a partir do 16º dia de afastamento do trabalho. Para os demais segurados inclusive o doméstico, a Previdência paga o auxílio desde o início da incapacidade e enquanto a mesma perdurar. Em ambos os casos, deverá ter ocorrido o requerimento do benefício.
Portanto, verifica-se que o auxílio-doença é um benefício protetivo, concedido ao segurado que esteja incapacitado de exercer sua atividade laborativa em razão de alguma debilidade temporária, seja por doença ou por acidente, desde que preenchidos os requisitos previstos na legislação.
O auxílio-doença parental tem como fundamento a proteção social à entidade familiar, de forma que se configura como sendo o benefício fornecido ao parente que está incapacitado para exercer, temporariamente, sua atividade laborativa em razão do cuidado de ente familiar acometido de doença grave ou em estado terminal. Significa proteger o segurado que necessite se afastar de seu trabalho para cuidar de determinado parente.
Isso porque a justificativa para a concessão do benefício se encontra amparada pela proteção constitucional à família, a qual é protegida pela Constituição Federal, em seu artigo 226, que regula que “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (BRASIL, 1988).
Assim, Santos (2013, p. 65) explica que “[…] compete ao Estado proporcionar meios para garantir a propagação da família com observância e eficácia dos direitos fundamentais sociais, caso contrário, culminaria na derrubada das estruturas da República Federativa do Brasil”.
O auxílio-doença parental é uma construção de entendimentos doutrinário e jurisprudencial e tem como molde a união do auxílio-doença do RGPS, a licença para tratamento de saúde e a licença por motivo de doença em pessoa da família, esses dois últimos previstos no RPPS.
Em âmbito federal, a licença para tratamento de saúde está regulada pela Lei n. 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, em seu artigo 202 e seguintes, que “Será concedida ao servidor licença para tratamento de saúde, a pedido ou de ofício, com base em perícia médica, sem prejuízo da remuneração a que fizer jus” (BRASIL, 1990). É o benefício concedido os segurados do RPPS que se assemelha ao auxílio-doença do RGPS.
Por sua vez, a licença por motivo de doença em pessoa da família não encontra semelhança com nenhum dos benefícios previstos no RGPS, e dispõe, em seu artigo 83, também da Lei n. 8.112/1990 (em se tratando de servidores públicos federais), que:
Art. 83. Poderá ser concedida licença ao servidor por motivo de doença do cônjuge ou companheiro, dos pais, dos filhos, do padrasto ou madrasta e enteado, ou dependente que viva as suas expensas e conste do seu assentamento funcional, mediante comprovação por perícia médica oficial.
I – por até 60 (sessenta) dias, consecutivos ou não, mantida a remuneração do servidor; e
II – por até 90 (noventa) dias, consecutivos ou não, sem remuneração.
Em outras palavras, diz-se que o benefício será concedido ao servidor que precisar se ausentar de sua atividade laborativa em razão de cuidados com ente familiar – aqui abrangidos cônjuge ou companheiro; pais; filhos; padastro ou madastra; enteado ou dependente – acometido de alguma doença, mediante comprovação da enfermidade por perícia médica oficial do órgão. Frisa-se que a remuneração será mantida por até 60 (sessenta dias) do afastamento, sem que implique a perda do cargo ou função.
A diferença que há entre os segurados do RGPS e do RPPS faz com que haja vulnerabilidade para os primeiros, eis que estão impossibilitados de se afastar do trabalho para cuidar de um ente familiar, já que se requererem perante o INSS o benefício do auxílio-doença, terão seu pedido indeferido por ausência de incapacidade que os impeça de exercer a atividade laboral, pois o benefício visa proteger apenas o próprio segurado e não a terceiros.
Diante desta lacuna legislativa, o Senado Federal, por meio da Senadora Ana Amélia (PP/RS), propôs o Projeto de Lei n. 286/2014 que visa acrescentar o artigo 63-A à Lei n. 8.213/1991, que irá assegurar o auxílio-doença parental – concessão de licença remunerada para acompanhar pessoa enferma da família – ao segurado do Regime Geral da Previdência Social. Essa inovação legislativa taxativamente criaria o instituto do auxílio-doença parental, passando a contar o novo dispositivo com a seguinte redação:
Art. 63-A. Será concedido auxílio-doença ao segurado por motivo de doença do cônjuge ou companheiro, dos pais, dos filhos, do padrasto, da madrasta ou do enteado, ou de dependente que viva a suas expensas e conste de sua declaração de rendimentos, mediante comprovação por perícia médica, até o limite máximo de 12 (doze) meses, nos termos e nos limites temporais estabelecidos em regulamento (BRASIL, 2014).
A Senadora autora do projeto justificou sua proposta na proteção especial que a família tem perante a Constituição Federal, anteriormente explanada, e frisou a necessidade de se atender ao princípio da isonomia, que também encontra respaldo constitucional, uma vez que a respectiva lacuna legislativa impede a aplicação deste princípio de forma apropriada:
Percebe-se que o servidor público federal tem tratamento diferenciado daqueles que estão em situação de risco idêntico, mas que são filiados ao Regime Geral de Previdência Social. Vale notar ainda que não só existe a previsão, como é amplo o rol de possibilidades, posto que até mesmo quando se fala em situações de relação “padrasto x enteado” o benefício pode ser deferido (2014).
Afirmou que a legislação tem que cobrir a sociedade do risco social, a fim de que cumpra o papel para o qual se destina que é a função social:
Ora, se o risco social envolvido é a perda ou a diminuição da capacidade laborativa e em decorrência disso, a da renda familiar, a resposta parece ser positiva, pois como poderia uma mãe acompanhar um filho acometido de neoplasia maligna ou acidentado gravemente e não ter sua capacidade laborativa comprometida na media em que tem a obrigação familiar de dar assistência aos seus próprios filhos, acompanhando-os em consultas, exames, tratamentos, e o mais importante que é prover o apoio psicológico para uma boa recuperação. Ampliando a questão, observando que a lei não traz restrição explícita (e toda restrição deve ser expressa) e que a lei deve ser interpretada conforme o fim social a que se destina (cobertura do risco social) e ainda a interpretação conforme o texto constitucional parece que a dúvida fica ainda menor ou até mesmo, deixa de existir. Todavia a autarquia previdenciária interpreta e regulamenta restritivamente (2014).
Por fim, discorre que não se pode permitir uma proteção insuficiente no que diz respeito aos segurados do RGPS, tendo em vista que não há motivos para que “o risco social não venha a ser coberto nas situações elencadas no presente projeto de lei” (2014). E, ainda, cita que o déficit da previdência não serve como argumento para a não concessão do benefício, porque o seu pagamento acarretaria em economia aos cofres públicos, trazendo como exemplo o de uma mãe que, acompanhando seu filho no tratamento de uma neoplasia, diminuiria os custos com internação e remédios, pois a presença do ente familiar reduz o tempo de internação do paciente.
3.1 Análise do Projeto de Lei n. 286/2014
Ante a análise do Projeto de Lei n. 286/2014, verifica-se que nele há omissões quanto a determinados pontos considerados importantes. Tais pontos podem ser elencados como: a) a necessidade de se conceder ao segurado, passados os 12 (doze) meses de concessão do benefício, o afastamento sem remuneração pelo período indicado pelo médico que faz o tratamento do ente enfermo; b) um período de estabilidade após o retorno a sua atividade laborativa.
Souza (2016), ao comentar acerca do projeto em seu artigo científico intitulado “Auxílio-Doença Parental: Análise do Projeto de Lei do Senado (PLS) n. 286/14”, fez algumas ponderações. Em primeiro lugar, observa Souza (2016) que os dependentes enumerados pelo Projeto de Lei são diferentes dos constantes no rol do artigo 16 da Lei n. 8.213/1991, o qual classifica os dependentes do segurado como sendo:
Art. 16 […]
I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;
II – os pais;
III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave.
Enquanto que o projeto apenas elenca os seguintes dependentes “cônjuge ou companheiro, dos pais, dos filhos, do padrasto, da madrasta ou do enteado, ou de dependente que viva a suas expensas e conste de sua declaração de rendimentos”. Ou seja, não menciona se o filho deverá ser emancipado ou não; a idade limite para que ele venha a ser considerado dependente; bem como também não menciona o irmão, seja emancipado ou não. De modo contrário, acrescenta o padrasto, madrasta e dependente que seja sustendo pelo contribuinte.
Ademais, no artigo 16 da Lei n. 8213/1991 há previsão expressa em seu texto acerca da regra de classes entre os dependentes, isso é, a existência de dependente da primeira classe exclui dependentes de outras classe, nos termos do § 1º do artigo 16 que afirma que “§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes” (BRASIL, 1991), enquanto que o projeto se omitiu quanto à referida regra.
Souza (2016) enfatiza que a redação do PLS n. 286/14, no estado em que se encontra atualmente, dá margem para que a interpretação seja da mesma forma que a do artigo 16 da Lei 8.213/1991 por parte do INSS. Justifica seu posicionamento dizendo que “Poderá a autarquia previdenciária negar o benefício, mencionando que os tipos de dependentes previstos no art. 63-A são excludentes e que estão em ordem de preferência, onde a existência de dependente anterior exclui o posterior” (SOUZA, 2016).
Vê-se, então, que são pontos adicionais, mas que tornariam o projeto mais amplo e eficaz, além de oferecerem tranquilidade ao segurado que precisou se afastar. No entanto, apesar de o projeto carecer de melhorias em seu texto, ainda é um avanço na luta pelo tratamento isonômico aos segurados do RGPS, comparados aos segurados do RPPS.
Para tanto, o objetivo central da presente pesquisa fundou-se na análise acerca da necessidade da ampliação da proteção social aos beneficiários do RGPS, para demonstrar a possibilidade de concessão do auxílio-doença parental no contexto atual da Previdência Social brasileira, o qual tem por base as licenças para tratamento de saúde e por motivo de doença em pessoa da família tal como ocorrem no RPPS.
Conclui-se da pesquisa em questão, corroborada pela doutrina pátria, bem como da análise dos preceitos constitucionais no que diz respeito à família e ao princípio da isonomia, além do disposto nas legislações infraconstitucionais, que o benefício do auxílio-doença parental deve ser implementado pelo Poder Legislativo.
É por esta razão que o presente trabalho defende a ampliação da proteção social brasileira, mediante a criação do auxílio-doença parental. Outrossim, a criação do benefício estaria pondo em prática a proteção absoluta garantida às crianças e aos idosos, visto que além de serem considerados as gerações mais vulneráveis, estão enfrentando uma situação de doença, sendo a presença de um ente próximo e querido imprescindível.
Em razão desse cenário, depara-se com o PLS n. 286/2014 que, muito embora ainda precise de melhorias em seu texto, a fim de que fique claro, coerente e completo, é um passo para que haja a igualdade entre os segurados do RGPS e do RPPS, até porque a fruição de ambos depende de contribuição.
Por fim, respondendo a problemática instalada, acredita-se que sim, há a possibilidade jurídica para a concessão do benefício ora defendido, tendo em vista que embora, não esteja atualmente regulamentado, há formas para que este seja concedido, enquanto o projeto ainda esteja em trâmite, bastando, para tanto, a provocação ao sistema judiciário, que tem as ferramentas necessárias para conceder o benefício do auxílio-doença parental.
Ademais, a Seguridade Social possui recursos para a mantença deste benefício previdenciário, razão pela qual verificado, no caso concreto, o preenchimento dos requisitos do benefício, é dever do Estado garantir a proteção social que o contribuinte faz jus. De mais a mais, tem-se que o fundamento do auxílio-doença parental é minimizar o sofrimento vivido pelo segurado do RGPS que necessite se afastar do labor para cuidar de ente enfermo, garantindo-lhe condições mínimas de subsistência do lar.
REFERÊNCIAS
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[1] Advogada, Graduada em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina em 2014. Pós-graduada em: Direito Penal e Processual Penal pela Universidade do Vale do Itajaí em 2015. Pós-graduanda em MBA em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pela Faculdade Facel. E-mail: karolinelealadv@outlook.com
[2] Advogado. Coordenador de pós-graduação. Professor de Direito Previdenciário de diversos cursos de pós-graduação e extensão. Especialista em Direito Previdenciário e em Direito do Trabalho. Membro do Grupo de Estudos Previdenciários Wladimir Novaes Martinez. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP. Autor de artigos jurídicos para revistas especializadas em Direito Previdenciário.
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