Resumo: O auxílio reclusão é o benefício mais controverso previsto em nossa legislação. Isso ocorre por inúmeras razões, a principal delas encontra respaldo no fato de que há no Brasil um enorme estigma social atribuído ao preso, que é, consequentemente, estendido aos seus familiares. Com o aumento da violência a população tem se tornado cada vez mais resistente em aceitar que uma pessoa que cometeu um ato criminoso possa vir a receber um benefício previdenciário. Assim, o objetivo desta pesquisa é destacar a abordagem equivocada dada ao tema, bem como pontuar as justificativas que originaram os projetos de lei atualmente em tramitação em contraponto com a visão dos especialistas cujo posicionamento é favorável à concessão do benefício.
Palavras-Chave: Auxílio Reclusão. Benefício Previdenciário. Estigma Social. Projeto de Lei. Dignidade da Pessoa Humana.
Abstract: The reclusion aid is the most controversial benefit provided by our legislation. This is due to a number of reasons, the main one being supported by the fact that there is in Brazil a huge social stigma attributed to the prisoner, which is consequently extended to his relatives. With the increase of violence the population has become increasingly resistant in accepting that a person who has committed a criminal act can receive a social security benefit. Thus, the objective of this research is to highlight the mistaken approach given to the topic, as well as punctuate the justifications that originated the bills currently in process in counterpoint with the view of the specialists whose position is favorable to the concession of the benefit.
Keywords: Reclusion Aid. Social Security Benefit. Social Stigma. Bill of Rights. Dignity of the Human Person.
Sumário: Introdução. 1. Auxílio Reclusão – Conceito e Previsão Legal. 1.1. Dos Requisitos Necessários Para Concessão. 1.2. Da Vigência, Cessação e Extinção do Benefício. 2. Propostas de Extinção/Rateio do Auxílio Reclusão em Tramitação na Câmara. 3. Da Marginalização do Preso e seus Familiares. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa abordará o benefício do auxílio reclusão, benefício este devido ao dependente do segurado recolhido à prisão. Sua existência enseja diversos debates, tanto entre os leigos, quanto entre os doutrinadores do Direito Previdenciário e demais especialistas.
No transcorrer desta pesquisa será realizada uma análise acerca do auxílio reclusão, na qual será apresentada seu conceito e previsão legal, bem como os requisitos para sua concessão, vigência, cessação e extinção do benefício.
Serão apresentadas ainda, as propostas em tramitação na Câmara, cujo tema é a extinção e o rateio do auxílio reclusão, bem como as justificativas adotadas pelos parlamentares para embasar sua aprovação.
Por fim, será traçado um paralelo entre estas justificativas, que trazem em seu bojo um discurso de ódio e preconceito para com o preso e seus familiares face às posições favoráveis à sua concessão, a fim de que se estabeleça uma nova visão acerca do tema.
Por esses motivos é que cabe a pesquisa deste tema, a fim de demonstrar que esse benefício não pode ser reduzido ou retirado do rol de prestações previdenciárias.
1. AUXÍLIO RECLUSÃO – CONCEITO E PREVISÃO LEGAL
O auxílio reclusão é um benefício previdenciário destinado aos dependentes do segurado de baixa renda que se encontre recluso, contudo, para que haja a concessão do referido benefício o segurado preso não pode perceber remuneração da empresa nem estar em gozo de auxílio doença ou aposentadoria.
Assim como ocorre na pensão por morte, a ideia central que sustenta a concessão deste benefício se apoia no fato de que a Previdência Social é um sistema que assegura a subsistência não só do segurado, mas também da sua família diante de acontecimentos que não admitam sua manutenção pelo próprio segurado.
A Constituição Federal em seu art. 201, IV, prevê a concessão do auxílio reclusão aos dependentes dos segurados de baixa renda.
Já o art. 18 da Lei 8.213/91 apresenta um rol de benefícios e serviços prestados ao segurado pelo Regime Geral de Previdência Social, no qual o auxílio reclusão encontra-se inserido em seu inciso II, alínea “b”.
1.1 DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA CONCESSÃO
A concessão do auxílio reclusão depende do preenchimento de alguns pressupostos, quais sejam: qualidade de segurado do preso, qualidade de dependente do segurado e a baixa renda do segurado.
Considera-se segurado toda pessoa filiada ao INSS, que seja inscrita e realize os pagamentos mensais à Previdência Social.
Os segurados do INSS são divididos nas seguintes categorias: empregado, trabalhador avulso, empregado doméstico, contribuinte individual, segurado especial e facultativo.
Em que pese a nomenclatura do benefício “auxílio reclusão”, sua concessão ocorre independentemente do regime em que o segurado se encontra, seja ele de reclusão ou detenção.
Contudo, terão direito ao recebimento do auxílio reclusão apenas os dependentes dos segurados que cumprem pena nos regimes fechado e semiaberto. Não sendo cabível, portanto, aos dependentes dos segurados que estejam em livramento condicional ou cumprindo pena em regime aberto.
Isso porque, a total restrição da liberdade é requisito fundamental para a concessão do benefício, de modo que o segurado estará impossibilitado de realizar qualquer atividade laborativa que possa garantir o sustento de seus familiares.
São considerados dependentes do segurado aqueles que, apesar de não contribuir com a Previdência Social são apontados pela legislação como possíveis beneficiários, sendo eles divididos em 3 (três) classes: o cônjuge, o companheiro e o filho não emancipado (menor de 21 anos ou inválido); os pais, e o irmão não emancipado (menor de 21 anos ou invalido).
É presumida a dependência econômica das pessoas listadas na primeira classe, já as demais deverão comprovar sua dependência econômica.
A Constituição Federal em seu art. 201, IV, prevê a concessão do auxílio reclusão aos dependentes dos segurados de baixa renda. Esta restrição foi imposta pela Emenda Constitucional nº 20/1998, uma vez que antes de 16.12.1998 o benefício era concedido independentemente da renda do segurado.
Entretanto, observamos na prática, que embora esteja previsto na Carta Maior, que a renda verificada deve ser a do segurado, existem diversas decisões que consideram apenas a renda dos dependentes na análise da concessão do benefício.
Este entendimento tem em seu escopo o principio fundamental da dignidade da pessoa humana, uma vez que resguarda aos familiares do preso o direito a uma vida digna.
Além dos requisitos supramencionados, para que o benefício seja concedido será obrigatória a juntada da certidão do recolhimento à prisão.
No que tange a carência, entende-se que, por derivação, o auxílio-reclusão também passou a exigir carência de 24 contribuições, vez que a MP 664/2014 alterou a redação do artigo 26, I, da Lei 8.213/91, que dispensava a carência do auxílio-reclusão, deixando apenas o salário-família e o auxílio-acidente como benefícios que dispensam a carência.
1.2 DA VIGÊNCIA, CESSAÇÃO E EXTINÇÃO DO BENEFÍCIO
Inicia-se o recebimento do auxílio reclusão na data da prisão do segurado, desde que o requerimento seja realizado em até 30 dias contados do seu recolhimento à prisão. Caso o requerimento seja realizado após este prazo o termo inicial para recebimento do benefício será a data do requerimento.
Quanto aos dependentes, o benefício será extinto no caso de falecimento, emancipação ou caso atinja a maioridade, salvo se o dependente for inválido.
No que tange o segurado sua extinção se dará nos seguintes casos: falecimento; liberdade condicional; transferência para o regime aberto ou domiciliar; extinção da pena e concessão da aposentadoria.
No caso de falecimento do segurado o benefício de auxílio reclusão deverá ser convertido em pensão por morte.
Já a suspensão do benefício ocorrerá no caso de fuga do segurado, de modo que o seu restabelecimento se dará apenas com a sua recaptura.
Para que o benefício seja mantido será devida ainda, a apresentação de declaração de permanência na condição de presidiário, conforme disposto no parágrafo único do art. 80 da Lei de Benefícios.
Vale ressaltar que não se admite a concessão do benefício após a soltura do segurado, condição esta imposta visando que o mesmo se insira no mercado de trabalho, de modo a minorar suas chances de cometer novos delitos.
2. PROPOSTAS DE EXTINÇÃO/RATEIO DO AUXÍLIO RECLUSÃO EM TRAMITAÇÃO NA CÂMARA
A PEC 304/13, cuja apresentação se deu em 29/08/2013 é de autoria da Deputada Antônia Lúcia – PSC/AC. A Proposta consiste na alteração do inciso IV do art. 201 e no acréscimo do inciso VI ao art. 203 da Constituição Federal, visando a extinção do auxílio-reclusão e criação de benefício para a vítima de crime. A proposta encontra-se na Câmara aguardando parecer do Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
A justificativa apresentada pela Deputada se apoia no fato de que seria mais justo amparar a família da vítima do que a família do criminoso. Para ela, a finalidade da medida não é indenizar a vítima, mas assegurar seu sustento mínimo e de seus familiares, sugerindo como renda o valor equivalente a um salário mínimo.
Cumpre esclarecer que a presente proposta não trata de benefício previdenciário, já que o benefício concedido à vítima de crime teria cunho assistencial. Ou seja, a proposta pretende excluir um benefício previdenciário, cujo caráter é contributivo-retributivo, para incluir um benefício assistencial, concedido independente de contribuição a todos que necessitarem.
Pelo texto, o pagamento do novo benefício deverá ser realizado pelo período que durar o afastamento da vítima de suas atividades que lhe garantiam seu sustento. Já em caso de falecimento, o benefício deverá ser convertido em pensão paga ao cônjuge ou companheiro e aos seus dependentes.
O projeto prevê ainda que, a vítima que tiver direito ao recebimento de algum benefício previdenciário não poderá pleitear o benefício assistencial.
Vale destacar que uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) exige muito tempo para preparo, elaboração e votação, uma vez que modificará a Constituição Federal.
Após sua apresentação, a PEC é analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) quanto à sua admissibilidade. Nesse exame leva-se em conta a constitucionalidade, a legalidade e a técnica legislativa da proposta. Se aprovada, a Câmara criará uma comissão especial que ficará responsável por analisar seu conteúdo.
Esta comissão especial terá o prazo de 40 sessões do Plenário para proferir parecer. Posteriormente, a PEC deverá ser votada pelo Plenário em dois turnos, com intervalo de cinco sessões entre uma e outra votação. Necessitando de pelo menos 308 votos (3/5 dos deputados) em cada uma das votações para ser aprovada.
Depois de aprovada na Câmara, a PEC segue para o Senado, onde é analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e depois pelo Plenário, onde passará por nova votação em dois turnos.
Caso o Senado aprove o texto como o recebeu da Câmara, a emenda é promulgada pelas Mesas da Câmara e do Senado. Todavia, se o texto for modificado, voltará para a Câmara, onde enfrentará nova votação.
Concomitantemente, existem outras propostas em tramitação na Câmara abordando o mesmo tema, como por exemplo, o Projeto de Lei 5671/2013 de autoria do Deputado André Moura, também do PSC. O objetivo da PL é promover a alteração do art. 80 da Lei nº 8.213/91, para que o auxílio-reclusão seja rateado entre os dependentes da família do preso e os dependentes da vítima que vier a falecer ou ficar com sequelas irreversíveis ou parciais.
A Proposta de Emenda apresentada mais recentemente no que tange o tema ora analisado é de autoria do Deputado Aluísio Mendes – PTN/MA.
A PEC 267/2016 também visa alterar os incisos IV do art. 201 e V do art. 203 da Constituição Federal, para extinguir o auxílio-reclusão e estender aos dependentes da pessoa vítima de homicídio consumado a garantia de um salário mínimo de benefício mensal.
O Deputado Aluísio Mendes fundamentou a Proposta no que, segundo ele seria uma distorção presente na Constituição. Apoiando sua justificativa no fato de que a decisão de praticar um crime cabe tão somente ao indivíduo, devendo ele, portanto ser o responsável pelo sustento de sua própria família.
A PEC 267/2016 foi apensa à PEC-304/2013 e está sujeita à apreciação do plenário.
3. DA MARGINALIZAÇÃO DO PRESO E SEUS FAMILIARES
É possível afirmar que cada vez mais a população reluta em aceitar a concessão do auxílio reclusão.
Prova disto é que as Propostas citadas no tópico anterior costumam ser muito bem recepcionadas pela população, visto que, em enquete realizada no site da Câmara, 95,6% dos participantes se mostraram favoráveis à PEC 304/13.
Acredita-se que com a exclusão do benefício ou até mesmo com o seu rateio, será corrigida uma injustiça social e moral. Entretanto, a opinião de vários juristas, entre eles, especialistas em direito previdenciário, diverge do julgamento feito pela população leiga. Alguns deles chegam a dizer que as propostas apresentadas são inconstitucionais.
Tal situação se deve ao fato de que as mídias de massa e a população, de modo geral, proferem frases como: “direitos dos manos” (fazendo alusão aos direitos humanos), “bandido bom é bandido morto”, “auxílio bandido” e muitas outras menções que evidenciam o estigma social ao qual detém o preso e seus familiares.
Contudo, temos que nos atentar à posição dos especialistas, especialmente àqueles que adotam um viés sociológico. Pois, para eles, a não concessão do benefício de auxilio reclusão violaria o direito constitucional que preceitua que a pena não deve passar da pessoa do condenado.
Os que defendem a concessão do benefício adotam ainda a ideia de que a prisão do segurado também é de responsabilidade do Estado, isso porque, não lhe fora proporcionado uma condição de vida melhor (educação, lazer, saúde, entre outros).
Assim, considerando a matéria ora estudada, podemos dizer que o auxílio reclusão é benefício de natureza alimentar, destinado tão somente aos dependentes do segurado preso, traduzindo-se num direito humano e essencial para as pessoas que encontram-se à margem da sociedade. Tanto é verdade que a Constituição Federal tem como princípio a família como base de uma sociedade justa e solidária, devendo ser amparada pelo Estado, que deverá contribuir para a minoração da desigualdade.
4. CONCLUSÃO
Diante da elaboração do presente estudo destaca-se o fato de que os parlamentares ao apresentarem propostas no tocante ao auxílio reclusão se valem da marginalização do preso e de seus dependentes para ganhar visibilidade e prestígio perante a sociedade que vê na concessão do auxílio reclusão uma grande injustiça.
Assim, é possível dizer que a problemática encontrada no decorrer desta pesquisa repousa na distorção das informações acerca do tema e a sua propagação de forma leviana e descabida.
Ademais, observamos que apesar de todas as críticas a respeito do auxílio reclusão, sua concessão aos familiares daqueles que encontram-se com a liberdade restrita, tem em seu escopo propiciar o mínimo necessário para gozar de uma vida honesta e respeitável.
De modo que, ao contrário do que se pensa, devido sua natureza, só se beneficia do auxílio reclusão o individuo que contribuiu para a previdência social.
Desta forma, conclui-se que o trabalhador que contribuiu com a previdência social, ainda que tenha cometido um ato criminoso não pode ser desamparado, nem tampouco seus familiares, de modo que a dignidade da pessoa humana é um dos princípios garantidores da prestação do benefício ora analisado, sendo dever do Estado não se omitir e prestar esta proteção social aos dependentes do segurado preso.
Enfim, o auxílio-reclusão é necessário para que os dependentes não fiquem desamparados em situação de miserabilidade, fato que fere todos os outros princípios ligados à dignidade da pessoa humana.
Advogada. Pós-Graduanda em Direito da Seguridade Social pela Universidade Cândido Mendes
Carlos Alberto Vieira de Gouveia é Mestre em Ciências Ambientais e Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais; Vice-Presidente para a área Previdenciária da Comissão Direitos e Prerrogativas e Presidente da Comissão de Direito Previdenciário ambas da OAB-SP Coordenador do curso de pós-graduação em Direito Previdenciário da Faculdade Legale
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