Resumo: Os Direitos Sociais Fundamentais garantidos constitucionalmente a todos e o abismo que os separa da realidade de milhões de brasileiros compõem o cenário do qual emerge a preemente necessidade de atuações positivas por parte do Estado. As políticas públicas consubstanciam-se no resultado dessa necessidade, passando a perquerir a cidadania plena e assim, realizando os objetivos fundamentais elencados na Constituição Federal de 1988. Superada a visão meramente assistencialista, alguns programas sociais, tais como o Bolsa Família, tem sido considerados grandes aliados no combate à histórica desigualdade social que marca o país. Expõe ainda, no contexto do processo democrático que vem consolidando-se no Brasil, a indispensável participação da sociedade civil no combate às suas mazelas sociais, destacando-se que todos os atores sociais devem estar envolvidos rumo à conquista de uma sociedade justa, livre e solidária. E por certo, nesse caminho, o papel a ser desempenhado pelo Estado deve fugir de práticas clientelistas, não contaminando as políticas públicas realizadoras dos direitos básicos do cidadão com manobras tão somente eleitoreiras.
Palavras-chave: Direitos Sociais. Políticas Públicas. Programas sociais.
Abstract: The Fundamental Social Rights assured by the constitution to all citizens and the abysm that separates them from the reality of millions of Brazilians make up the scenery from which stems the urging need of positive actions by the State. Public policies are based on the results of this need, in search of full citizenship and thus, taking advantage of the fundamental objectives defined in the Federal Constitution of 1988. Surpassing the merely vision of assistencialism, a few social programs, such as the Bolsa Família (Family Grant), have been seen as a great ally in fighting the historical social inequalities that are a characteristic of the nation. It also shows, in the context of the democratic process that is being consolidated in Brazil, the essential participation of the civil society in fighting the social difficulties, pointing out that all the social players must be involved towards a fairer, free and solidary society. And certainly, in this way, the role to be performed by the State must stay away from clientelist politics, not contaminating the public policies that guarantee basic rights to the citizens with solely electoral maneuvers.
Keywords: Social rights. Public policies. Social Programs.
Sumário: 1 Introdução. 2 Realidade Social e o abismo que a separa da realidade constitucional. 3 Programas sociais como instrumentos de realização da cidadania plena. 4 Conclusão. Referências Bibliográficas.
1 Introdução
Esse artigo pretende a abordagem de políticas públicas que implementam programas sociais que, atrelados aos objetivos da Carta Política do Brasil, visam à máxima potencialização dos direitos fundamentais, em especial dos direitos sociais, no intuito da realização da cidadania plena. Partindo-se da previsão constitucional dos direitos sociais e, em paralelo, da realidade fática dos brasileiros, passando-se pela concepção de política pública adotada no presente, chegar-se-à à necessária atuação do Estado que deve, sempre em conjunto com os outros atores sociais, garantir os meios para a efetivação dessa cidadania.
Dessa forma, à luz da Magna Carta analisar-se-á os direitos sociais relacionando-os às políticas públicas sob a perspectiva da atuação positiva do Estado no intuito da realização de Estado Democrático de Direito não só declarado constitucionalmente e, portanto, que ultrapasse o plano de uma constituização simbólica (NEVES, 2007).
O Estado Brasileiro tem dentre os seus objetivos fundamentais, declarados constitucionalmente, a erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais. Diante dessa realidade constitucional o objetivo passa a ser a busca de instrumentos democráticos realizadores do direito à assistência social, dentro do novo contexto social e econômico do Brasil. Assim, a partir de um panorama que apresenta os paralelos entre a nossa realidade constitucional e a (não) efetivação dos direitos fundamentais garantidos a todos os cidadãos brasileiros, o presente artigo ocupa-se do tema relativo às políticas públicas sociais, como meios a serem utilizados para atingir ditos objetivos constitucionais, em particular os Direitos Sociais, diminuindo assim o abismo que separa essas realidades.
Diante do escopo ora pretendido, ter-se-á como panorama um estudo sobre a relação e mesmo, possível vinculação, dessas políticas públicas sociais aos ditames constitucionais então apresentados na forma de objetivos, de princípios e de direitos fundamentais que, ao final, são simultaneamente os pilares e os limites da atuação dos poderes públicos.
O artigo é estruturado em duas partes. A primeira parte versa sobre os direitos fundamentais sociais analisados sob a óptica do seu distanciamento da relidade de grande parte da população brasileira. Intenciona-se apontar para a necessária maximização da efetividade das normas que dispõem sobre o mínimo existencial pertinente à coexistência da proteção da vida da pessoa humana, bem como de condições mínimas materiais e que ao serem prestadas pelo Estado proporcionem dignidade a essa vida humana.
Em seguida, é abordado o principal pano de fundo deste, qual seja, a indispensável atuação estatal, na forma de políticas públicas sociais rumo ao atingimento dos referidos objetivos fundamentais da Constituição Federal de 1988, sobretudo, a vivência pelos seus cidadãos de uma sociedade justa, livre e solidária. Nesse sentido, abordar-se-á a questão das políticas públicas que são concebidas no contexto do desenvolvimento econômico e social do páis, tais como o Programa Bolsa Família, e que superaram a visão meramente compensatória e assistencialista que marcou a história da política social no Brasil.
2 Realidade Social e o abismo que a separa da realidade constitucional
No Brasil, na Constituição de 1934, no seu título sobre a ordem econômica e social, sob uma clara influência da Constituição de Weimar, tivemos a primeira referência aos direitos sociais. Assim, a Constituição de 1934 reiterou o princípio da igualdade e dedicou um título a ordem econômica e social organizada de modo a possibilitar a todos uma existência digna. Nas Constituições posteriores, a referência permanecera sempre sob o título da ordem econômica e social, até o advento da Constituição de 1988, pela qual os direitos sociais foram erigidos à categoria de direitos fundamentais com previsão expressa no seu art. 6° e seguintes.
Assim é que, a Constituição Federal de 1988 reservou um Título para tratar Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Destaque para o qualificativo fundamentais que então caracteriza “situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados(…)” (SILVA, 2003, p.178).
A Constituição Federal de 1988 trouxe consideráveis avanços sociais a favor dos mais desfavorecidos, fazendo emergir do seu texto conceitos como o do denominado “mínimo existencial”. Na vertente prestacional, o mínimo existencial é abrigado tanto pelos direitos sociais quanto pelo princípio da dignidade humana e fundamentados pelos princípios da liberdade e igualdade, afinal “O mínimo existencial não tem dicção constitucional própria. Deve-se procurá-lo na idéia de liberdade, nos princípios constitucionais da igualdade, do devido processo legal, da livre iniciativa e da dignidade do homem, na Declaração dos Direitos dos Humanos e nas imunidades e privilégios do cidadão (TORRES, 2009)”.
Dessa forma, não se focaliza o mínimo existencial apenas para preservar a própria vida humana, mas se vislumbrando um mínimo desejável para uma sobrevivência digna, conferindo assim a máxima efetividade ao mínimo existencial.
Portanto, após períodos de governos que priorizavam outros interesses que não aqueles voltados aos programas sociais, especialmente durante a ditadura militar (1964-1984), em 1988, sob a égide da Constituição Federal, promulgada no Governo José Sarney (1985-1990), o constituinte adotou um Estado democrático de direito. Foi o momento da história do Brasil no qual veio à tona a participação oficial do Estado no combate à pobreza e na preservação dos direitos humanos através de uma política de seguridade social, considerando as ações governamentais nas áreas da saúde, da previdência e da assistência social. Dessa forma, constata-se a necessidade de uma reabilitação da democracia, voltando-se para um direcionamento mais efetivo dos objetivos fundamentais elencados no art. 3°, e aos direitos fundamentais consagrados na Magna Carta.
Dessa maneira, a Constituição foi capaz de promover, de maneira bem sucedida, a travessia do Estado brasileiro de um regime autoritário, intolerante e, por vezes, violento para um Estado democrático de direito (BARROSO, 2007, p.4). Na perspectiva de Barroso, sob a Constituição de 1988, o direito constitucional no Brasil passou da desimportância ao apogeu em menos de uma geração.
É evidente a adoção pela Carta Magna, da garantia do exercício dos direitos sociais e individuais como valores supremos da cidadania e da dignidade da pessoa humana; como fundamentos da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, da erradicação da pobreza e da redução das desigualdades sociais e regionais; e como objetivos fundamentais, bem como da referência dos direitos sociais como princípio.
O Brasil conta com cerca de 190 milhões de habitantes, sendo 55 milhões de brasileiros vivendo em situação de pobreza, o que significa 30% da população total. Lembrando ainda que desses 55 milhões, 22 milhões de pessoas são indigentes (WEISSHEIMER, 2010). Ainda, ressalta-se a posição do Brasil em relação à realidade da exclusão social que, segundo ranking do ano 2000 (POCHAMANN et al, 2004), que considerou a análise de 175 países, ocupava a 71ª posição no índice de pobreza no mundo, ao mesmo tempo em que estava na 167ª colocação quanto à desigualdade. Estas colocações aliadas aos demais índices de desemprego, de alfabetização, de escolarização superior, de homicídios e população infantil alocavam o país na 109ª posição de exclusão social.
Nesse contexto, tem-se que os processos seculares de concentração de renda, advindos ainda da experiência colonial e escravista, legaram ao país toda a sorte de iniqüidades distributivas e de exclusões da grande maioria da população da vida política e da cidadania democrática. Além disso, o agravamento e complexidade do quadro social nas últimas décadas, mediante os fatores excludentes gerados pelo capitalismo, como por exemplo, o desemprego, o aumento do nível de desigualdades e conseqüente aumento da pobreza, além dos crescentes contrastes sociais, econômicos e culturais, fizem crescer ainda mais o abismo entre a realidade de milhões de brasileiros e uma Constituição Cidadã (BARROSO, 2007).
Além disso, o ciclo da pobreza no Brasil vai perpetuando-se naquelas famílias cujo acesso aos serviços públicos de saúde, educação, moradia, saneamento básico e outros, é deficitário, quando não completamente inexistente. Tome-se o exemplo da maior cidade do país. Na cidade de São Paulo, a pobreza tem cara. São famílias jovens, chefiadas por mulheres, com filhos pequenos e que sinalizam um ciclo de pobreza que sempre se repete. A jovem engravida cedo, abandona a escola, tem um filho, outro, não recupera a sua escolaridade, o que vai repercutindo na escolaridade dos filhos, implicando desagregação e privação familiar.
Diante de tudo disso, colocam-se em questão as formas de fazer-se política social. O Brasil é um país que, sem dúvida, gasta com o social. Mas, há que se atentar para o fim desse gasto, afinal pobreza não se resolve só com dinheiro. Sendo assim, todo governo deve aplicar investimentos na área da assistência social, sem assistencialismo, sob pena de destruir aqueles a quem se propõe socorrer.
Dinte disso, os direitos sociais indicados no art. 6º da Constituição Federal – trabalho, educação, saúde, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e infância e assistência aos desamparados – para serem implementados necessitam de políticas públicas que organizem a atuação estatal na consecução de tais finalidades, num âmbito coletivo. Infere-se que para a concretização da ideologia assumida pela Constituição em termos de direitos sociais entram em cena as políticas públicas que emergem como meio primordial de legitimação do ente público em face dos administrados, em razão de ser o principal veículo de garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos.
3 Programas sociais como instrumentos de realização da cidadania plena
Sob a forma de evolução sistemática no modo de ver o Estado, tem-se antes um Estado Legislativo, passanso-se pelo Estado Social de Direito, até chegar-se ao Estado Democrático de Direito. Diz-se assim, que o Estado transformou-se em planejador e executor de políticas públicas. Dessa maneira, o Estado editor de normas passou a ser implementador de políticas públicas cujo alvo é o bem comum. (SANTIN, 2004).
Políticas sociais são programas que possuem o objetivo de proporcionar condições básicas, como saúde, alimentação e educação, especialmente à população mais carente, mediante a constituição de direitos e deveres, tanto por parte do gestor da política quanto dos beneficiários dos referidos programas (CARDOSO et al, 2005).
O Estado atua por meio da Administração, valendo-se dos órgãos governamentais e de órgãos administrativos para dirigir, governar e exercer a sua vontade intentando um resultado útil. Planos de ação e seu direcionamento competem aos órgãos governamentais; a execução fica a cargo dos órgãos administrativos que lhe são subordinados. Nesse sentido, as diversas compreensões de políticas públicas, destacando-se a concepção que as tem com foco de interesse para o direito publico: “programas de ação governamental visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados” (BUCCI, 2002, p.241).
Na realidade, as políticas públicas têm sua principal razão de existência nos próprios direitos sociais e, tais direitos concretizam-se por meio de prestações positivas do Estado (BUCCI, 2002, p.39). Quanto à natureza jurídica das políticas públicas, adota-se aqui a sua concepção como programas de ação do Estado.
No que tange às políticas públicas necessárias à efetivação dos direitos sociais, tem-se a participação dos cidadãos como uma imposição constitucional. Argumenta-se que o poder público deve manter interação constante com a sociedade, o que também solicita uma sociedade consciente e cidadãos participantes capacitados a cobrar do Estado as suas atribuições e, por conseguinte, reforçá-lo (PINSKY; BASSANEZI, 2008).
A participação popular é essencial à legítima construção dos direitos constitucionais, que assim não dependem apenas da concepção política dos governos para a sua concretização. Os direitos sociais, como a assistência social, são conquistas que exigem uma resposta legítima do Estado brasileiro e, portanto, não são moedas de troca político-partidária. Diante disso, a não observância de instrumentos de participação e controle social pode culminar no esvaziamento do próprio direito constitucional à assistência social em nome de práticas clientelistas.
Em 13 de maio de 1996, foi lançado o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH – que, em 13 de maio de 2002, foi atualizado, passando a ser o PNDH-2 e, em 2009, fora instituído o PNDH-3. Trata-se de u importante avanço para a efetivação da democracia no país, por tratar-se de um instrumento para elaboração de políticas públicas que garantam e promovam os direitos humanos. Tais direitos têm um conteúdo político e, por isso, devem estar no centro das políticas públicas. No mesmo sentido, a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República firma-se como destacado colbadorador, considerando-se que faz com que a luta pelos direitos da pessoa humana esteja sempre em pauta no governo.
As políticas públicas devem assegurar o crescimento sustentado da economia do país, criando empregos e aumentando a renda dos cidadãos brasileiros. Em foco, as políticas sociais de cunho universal que tenham como objetivos a igualdade de oportunidades.
Não se pode combater a exclusão social por meio de iniciativas que transformem as pessoas em beneficiários passivos e permanentes de programas meramente assistenciais. Ao contrário, é fundamental fortalecer pessoas e comunidades para que sejam capazes de satisfazerem suas necessidades e tenham condições de melhorar sua qualidade de vida. Não há que se tornar uma população pedinte de uma esmola oficial. O objetivo das políticas públicas não pode ser resumido em dar dinheiro, um provimento mínimo para as famílias. Faz-se mister promover a dignidade e a cidadania.
No tocante aos programas de transferência de renda, certo é que a simples transferência de renda à população mais carente não garante, por si só, o desenvolvimento da região e a independência dos seus beneficiários. Para tanto, é necessário que a referida transferência de renda seja praticada simultaneamente com outros programas tais como, políticas nas áreas de saúde, saneamento básico, educação, e outras, sempre ligadas diretamente às condições de vida da população, ao desenvolvimento auto sustentado, à independência financeira, e à dignidade dos indivíduos.
Do ponto de vista jurídico-formal, com a Constituição Federal de 1988, e posteriormente, com a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei 8.742 de 07 de dezembro de 1993, novas medidas legais foram aprovadas visando à garantia de renda sem prévia contribuição. A LOAS consolida uma política que prevê benefícios, serviços, programas de assistência social e projetos de enfrentamento da pobreza.
Num contexto de programas sociais voltados à população mais pobre, destacam-se os programas de transferência condicionada de renda que, inspirados no projeto de imposto de renda negativo do senador Eduardo Suplicy, surgiram primeiro como políticas de combate à pobreza em nível local (década de 90) a exemplo das pioneiras Campinas, Distrito Federal, Ribeirão Preto e Santos. Somente depois, vieram os programas federais. Nesse diapasão, de experiências pioneiras e pontuais, diga-se, as experiências das políticas públicas de transferência de renda destacaram-se e foram institucionalizadas com alguns objetivos, dentre eles, o de combater à pobreza, à fome (a sua face mais cruel) e à exclusão social, garantindo a subsistência como direito de cidadania social.
Entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, elencados pela Constituição de 1988, alhures referidos, está o de promover o bem de todos. Os programas de transferências condicionadas de renda (TCR) que consistem na transferência direta de dinheiro às famílias ou aos indivíduos pobres, mediante certos compromissos, geralmente aqueles que implicam um investimento no capital humano como a freqüência regular de seus filhos à escola ou a centros de saúde, é uma possibilidade de minorar as consequências das desigualdades sociais que assolam o Brasil, fazendo a pobreza alastrar-se por seu território.
É indispensável que os poderes públicos assegurem o efetivo acesso dos indivíduos e de suas famílias ao mínimo existencial que livre essas pessoas da fome e atenuem essas mazelas. Extrai-se dessa realidade a necessidade de mecanismos de transferência de renda que possibilitem, ao menos, esse acesso ao mínimo de consumo diário de alimentos, sem esquecer-se que tais políticas de transferência deveriam, na verdade, abranger mais que o suficiente para a sobrevivência física, portanto, prover renda suficiente para uma vida digna com a adequada alimentação e demais elementos que devem compor a vida de qualquer cidadão. A efetividade do mínimo existencial tem uma importância ímpar em sua dimensão prestacional, que através das políticas públicas de distribuição de renda e serviços promovem a justiça social e, por conseguinte, a dignidade humana.
Nesse contexto de distribuição de renda, não se pode olvidar da importância da garantia de renda, sem, contudo deixar de considerar também o papel do trabalho, do emprego formal, sobretudo, considerando-se o fato de ser ele, talvez, o promotor principal da divisão de renda e de inclusão social. Salinte-se que o trabalho continua sendo uma referência não só econômica, mas psicológica, cultural e simbólica dominante, como provam as reações dos que não o têm (CASTEL, 1998).
Destaque para a relação de vinculação entre os fundamentos constitucionais e a atuação dos poderes públicos quando da operacionalização de políticas públicas carecidas na esfera de uma efetiva realização dos direitos sociais. Tome o caso do principio da dignidade humana que impõe ao Estado a meta permanente de proteção, promoção e realização concreta de uma vida digna, com o dever de remover os obstáculos que lhe sejam contrários (SARLET, 2008).
Diante da cruel realidade de milhões de crianças brasileiras que trabalham para ajudar no sustento do seu lar, criou-se, no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, o PETI. Outros programas sociais foram sendo criados, tais como o Auxílio Gás e o Bolsa Alimentação. Todos no Governo FHC e que foram continuados pelo governo sucessor, ou seja, pelo Presidente Lula, até o momento que foram unificados num único programa federal, o bolsa família. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS foi criado em janeiro de 2004 com o objetivo da integração das políticas públicas nas áreas de assistência social, segurança alimentar e nutricional, saúde, educação infantil e transferência de renda e Programa Bolsa Família é fruto dessa tendência.
O Programa Bolsa Família (PBF), criado em outubro de 2003, pelo Presidente da República Lula, surgiu do processo de unificação dos Programas: Nacional de Renda Mínima vinculado à saúde – Bolsa Alimentação, associado à educação – Bolsa Escola, acesso à alimentação – Cartão Alimentação e o Auxílio Gás. Em 2005, foram incluídos também o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e o agente jovem. O Programa, cuja prática é a transferência direta de renda com condicionalidades tem como objetivos: combater a fome, a pobreza e outras formas de privação das famílias; promover a segurança alimentar e nutricional e o acesso à rede de serviços públicos de saúde, educação e assistência social, criando possibilidades de emancipação sustentada dos grupos familiares e de desenvolvimento local.
Atente-se para as pesquisas realizadas por institutos competentes que assim apontam para a significativa melhora na qualidade de vida dos beneficiários do PBF, especialmente no tocante à alimentação, educação e saúde. Mas, na contramão, muitas são as críticas ao mesmo, principalmente no que se refere ao seu já mencionado caráter assistencialista que, ao invés de promover a emancipação dos indivíduos, os mantenria a margem dos direitos de cidadania.
A questão do direito de acesso às políticas públicas perpassa os aspectos formal e material do princípio da igualdade. Isso ocorre porque se por um lado exige-se a universalidade no acesso às políticas públicas por outro, as prestações sociais destinam-se à correção das desigualdades sociais.
A implementação da igualdade ultrapassa o conteúdo da isonomia, passando à exigência de tratamentos distintos para tornar os indivíduos iguais, ou ao menos, oferecê-los acesso proporcional as oportunidades para que possam, segundo seu mérito, progredir dentro da sociedade. A igualdade material acompanha a noção de discriminação positiva, ou a prestação positiva de políticas que efetivem essa igualdade. Ela é o critério mais elevado do sistema constitucional, e representa o critério maior contido na Constituição para a interpretação dos Direitos Sociais (BONAVIDES, 2003, p. 374).
Numa sociedade capitalista, onde prevalecem os interesses individuais, de pessoas ou grupos aos sociais, o fato empírico do crescente processo de concentração de renda fortalece a iniqüidade, mas, ainda assim, conquistas democráticas são possíveis. Logo, a questão crucial da pobreza e da desigualdade nos remete ao enfretamento, mais uma vez, da questão da distribuição de renda.
As políticas de renda mínima são marcadas assim, pelo foco nos mais excluídos. Destaca-se que essa focalização das políticas sociais permite a identificação (localização) dos indivíduos que, sozinhos (pela via do mercado) não obtêm as condições mínimas para sobreviverem. No governo Lula, os principais programas sociais foram destinados à população pobre. No caso específico do Bolsa Família, são os pobres e os extremamente pobres.
Os programas de garantia de renda mínima (PGRMs) embora não sejam uma solução bastante em si, traduzem um bom começo na busca de mudança para a vida dos mais pobres que, muito pouco tem mudado em tantos anos. Afinal, esses programas atendem, dentre algumas dimensões da pobreza, à insuficiência de renda e ao déficit de acessibilidade aos bens e aos serviços públicos. Tem-se então, a teoria de que os PGRMs maximizam o impacto redistributivo da política social, visto no seu conjunto. Atuam na vida das camadas mais pobres e desassistidas da população de forma integrativa e integradora (LAVINAS, 1998, p.39).
O impacto mais imediato do PBF sobre cidadãos brasileiros beneficiados é possibilitar a conquista do primeiro degrau dos direitos fundamentais, qual seja o direito à alimentação adequada ou, em palavras mais firmes e brasileiras, o direito à comida. Sem ele, não há como construir o direito à vida, à dignidade humana, o acesso aos direitos e aos deveres de nacionalidade e da cidadania (WEISSHEIMER, 2010, p.11).
A emancipação dos beneficiários do programa projeta ao Bolsa Família um caráter mais educativo de promoção cidadã, sendo necessário que os beneficiários produzam sua própria renda, sem depender do poder público e minimizem o risco de retornar à situação de miséria e, para isso, os meios são: cursos profissionalizantes, a formação de cooperativas, os restaurantes populares, os bancos de alimentos, os comitês gestores.
Constata-se que os programas de transferência de renda são alternativas imediatistas de governo para amenizar situações de grupos ou indivíduos da sociedade que se encontram em condições de extrema necessidade, seja por motivos de ausência absoluta de empregos ou de pessoas capacitadas, realidade do Bolsa Família, seja para inibir o trabalho infantil, viabilizando o ensino formal de crianças em idade escolar, – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – (PETI) -, ou assegurando a sobrevivência de agricultores cujas terras são atingidas frequentemente por calamidades da natureza, como o Garantia Safra, ou ainda repassando renda que garanta a sobrevivência de idosos e pessoas portadoras de deficiências, que é caso do Benefício de Prestação Continuada.
Diante de um cenário marcado por mazelas sociais, como a desigualdade, a pobreza e a exclusão social, conclui-se pela imprescindibilidade da reversão desse quadro. E, sabe-se, que tal transformação não ocorrerá apenas por meio da economia, mas, sobretudo, será alcançada através de um grande investimento no capital humano. Trata-se da essencial capacitação do ser humano para que este passe a ter condições de vivenciar a realidade constitucional que lhe é garantida, principalmente, no tocante ao direito a uma vida digna, desfrutando dos direitos fundamentais sociais.
Diante de todo o exposto, estando à erradicação da pobreza intimamente ligada à questão da efetivação dos direitos humanos, consubstancia-se assim um dos grandes desafios para o século XXI. Nesse contexto, a grande tarefa consiste em viabilizar os meios para que todos tenham acesso aos direitos fundamentais e, assim, atingir-se-á o tão buscado bem estar social.
4 Conclusão
Ciente de que políticas públicas sociais e direitos fundamentais representam um importante fator, tanto com relação ao desenvolvimento sustentável das famílias brasileiras quanto com relação ao crescimento econômico do País, este artigo concentrou-se na análise das políticas sociais como expressão da atuação do Estado, sob o aspecto da promoção dos direitos fundamentais, bem como da participação popular para a máxima realização da cidadania plena perquerida pela Magna Carta de 1988.
Diante de todo o exposto, constata-se que ações de inclusão social, tais como o PBF, a despeito das críticas recebidas em relação ao pouco alcance que ele possui no processo de emancipação do indíviduo na consquista da cidadania, atua como uma ação reparatória, na medida em que possibilita a restituição a acesso a direitos básicos como alimentação, antes de tudo, saúde e educação. Neste sentido, a ampliação de direitos sociais ajudam a consolidar a democracia (inclusive, como valor), e um regime político mais responsável (accountable) num contexto de desigualdade social extrema (RODRIGUES, 2008, p.5).
Ainda, apesar dos resultados obtidos em pesquisas técnicas que comprovam que o Programa de transferência de renda desenvolvido pelo governo Lula alterou as condições de existência das famílias beneficiadas, retirando-as da pobreza absoluta, há que se ponderar sobre os seus efeitos a médio e londo prazo, já que não estando o programa associado a mudanças estruturais, afinal os determinantes da pobreza não foram alterados, é provável que não novos contingentes nessa situação surjam.
Resta claro que fórmulas messiânicas que prometem acabar com os maiores males do Brasil de uma só vez não são a saída para um país com 55 milhões de pessoas vivendo em situação de pobreza. Mas, certamente, um caminho é dotar o país de um sistema eficiente e democrático de proteção social o que, diga-se, é tarefa complexa que não se esgota nas responsabilidades fundamentais do governo federal e que não se realiza de uma hora para outra. Exige a ação responsável dos três poderes da República, o envolvimento empenhado dos demais setores de governo, a participação ativa e responsável da sociedade civil e de suas organizações, a colaboração de empresas, universidades, igrejas e sindicatos. Sobretudo, não é tarefa única do Governo, mas de toda a nação.
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