Resumo: A análise prática das condições da ação é útil porque delimita a atuação do juiz diante do caso concreto. Neste tem-se partes legítimas, direito substancial que a estas interessam e a impossibilidade ou inconveniência desta análise não ser feita pelo Judiciário. O resultado é uma resolução de mérito que corresponda a uma resposta, prevista no ordenamento jurídico, para casos como este. A demanda é composta de relações jurídicas em que pessoas (legítimas a proporem ação) se vinculam a um objeto (juridicamente possível) por um fato (gerador do interesse de agir).
Palavras-chaves: Condições; ação; doutrina; clássica.
Sumário: 1 Introdução; 2 Condições da ação – conceito e características; 3 Importância da análise das condições da ação; 4 Conclusão; 5 Referências bibliográficas.
1 Introdução:
O Código de Processo Civil brasileiro de 1973 aborda em seu Livro I, Título I, Capítulo II o tema “ação”.
Havia no século XIX uma preocupação dos juristas com o direito de ação. Para tanto, surgiram três teorias para conceituá-la:
a) Teoria Concretista: direito de ação seria o direito a um julgamento favorável, ou seja, só haveria ação se existisse o direito material. A partir desta teoria surge a idéia de condições da ação;
b) Teoria Abstrativista: direito de ação é o direito a um julgamento de mérito, ou seja, a ação seria possível independentemente da decisão do juiz;
c) Teoria Mista ou Eclética: o direito de ação é o direito a um julgamento de mérito, independe de ser o resultado favorável ou não, mas exige o mérito. Esta teoria foi adotada pelo CPC atual.
O conceito dado para “Ação” pelo jurista Arruda Alvim[1] é, in verbis:
“O direito constante da lei processual civil, cujo nascimento depende de manifestação de nossa vontade. Tem por escopo a obtenção da prestação jurisdicional do Estado, visando, diante da hipótese fático-jurídica nela formulada, à aplicação da lei (material).”
A demanda nada mais é do que a acepção processual da palavra ação. Desta forma, demanda é um ato pelo qual a parte exercita seu direito de ir a juízo afirmando a titularidade de um direito.
Assim, para se obter o direito a uma sentença de mérito é necessária a presença das condições da ação, quais sejam: legitimidade ad causam, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido.
Analisemo-nas separadamente.
2 Condições da ação – conceito e características:
Legitimidade ad causam é a aptidão atribuída a um sujeito para conduzir um processo em que se discute uma determina relação jurídica.
Para Arruda Alvim[2] a legitimatio ad causam seria, in verbis:
“A atribuição, pela lei ou pelo sistema, do direito de ação ao autor, possível titular ativo de uma dada relação ou situação jurídica, bem como a sujeição do réu aos efeitos jurídico-processuais e materiais da sentença (…) Pode-se dizer que as condições da ação têm a posição de um direito, mas não podem ser havidas propriamente como integrantes da categoria dos direitos; vale dizer, são consideradas como se direito fosse.
A legitimidade é idéia transitiva, isto é, alguém é legítimo em função de outrem; vale dizer, o perfil final da legitimidade exige a consideração do outro, ambos esses pólos ligados a uma situação legitimante.”
Interesse de agir para Moacyr Amaral do Santos[3] nada mais é que “um interesse secundário, instrumental, subsidiário, de natureza processual, consistente no interesse ou necessidade de obter uma providência jurisdicional quanto ao interesse substancial contido na pretensão”.
O grande jurista Enrico Tullio Liebman[4] analisa o interesse de agir distinguindo o interesse processual do substancial, in verbis:
“O interesse processual se distingue do interesse substancial de, para cuja proteção se intenta a ação, da mesma maneira como se distinguem os dois direitos correspondentes: o substancial que se afirma pertencer ao autor e o processual que se exerce para a tutela do primeiro. Interesse de agir é, por isso, um interesse processual, secundário e instrumental com relação ao interesse substancial primário; tem por objeto o provimento que se pede ao juiz como meio para obter a satisfação do interesse primário lesado pelo comportamento da parte contrária, ou, mais genericamente, pela situação de fato objetivamente existente.”
Este interesse de agir é analisado sob dois aspectos:
a) Utilidade: o processo deve propiciar algum proveito para o demandante;
b) Necessidade: é preciso demonstrar que essa utilidade só pode ser atingida pelo processo.
Há uma forte corrente doutrinária que defende um terceiro aspecto do interesse de agir que é a adequação. Esta adequação da via eleita seria a necessidade da parte escolher o meio processual adequado aos seus propósitos.
No que se refere ao aspecto da adequação, Fredie Didier Jr[5] tece importantes comentários, inclusive no que tange a aspectos procedimentais:
“O procedimento é a espinha dorsal da relação jurídica processual. O processo, em seu aspecto formal, é procedimento. O exame da adequação do procedimento é um exame de sua validade. Nada diz respeito ao exercício do direito de ação.
Não há erro na escolha do procedimento que não possa ser corrigido, por mais discrepantes que sejam o procedimento indevidamente escolhido e aquele que se reputa correto. Um exemplo talvez sirva para expor o problema: se o caso não é de mandado de segurança, pode o magistrado determinar a emenda da petição inicial, para que o autor providencie a adequação do instrumento da demanda ao procedimento correto. Não existisse o inciso V do art. 295, que expressamente determina uma postura do magistrado no sentido aqui apontado, sobraria a regra da instrumentalidade das formas, prevista nos arts. 244 e 250 do CPC, que impõe o aproveitamento dos atos processuais, quando houver erro de forma.”
Por fim, o entendimento acerca da possibilidade jurídica do pedido, condição da ação mais controvertida na doutrina, é discorrido por Arruda Alvim[6] da seguinte maneira:
“Assim, se o autor objetiva, pela ação, uma providência jurisdicional, para a qual não existe previsão no ordenamento jurídico positivo, é necessariamente inepta a petição, pois não poderá atingir o seu objetivo, sequer instaurar o processo, com citação do réu etc. A ausência de previsão jurídica, em abstrato, da providência solicitada é verificada desde logo, in limine (…)
Por possibilidade jurídica do pedido, portanto, enquanto condição da ação, entende-se que ninguém pode intentar uma ação sem que peça providência que esteja, em tese, prevista ou que a ela óbice não haja, no ordenamento jurídico material.”
Cândido Rangel Dinamarco[7], de forma mais complexa e rebuscada, adota a seguinte construção teórica para a aplicação da possibilidade jurídica do pedido como condição da ação:
“O petitum é juridicamente impossível quando se choca com preceitos de direito material, de modo que jamais poderá ser atendido, independentemente dos fatos e das circunstâncias do caso concreto (pedir o desligamento de um, Estado da Federação). A causa petendi gera a impossibilidade da demanda quando a ordem jurídica nega que os fatos como alegados pelo autor possam gerar direitos (pedir a condenação com fundamento em dívida de jogo). As partes podem ser causa de impossibilidade jurídica, como no caso da Administração pública, em relação à qual a Constituição e a lei negam a possibilidade de execução mediante penhora e expropriação pelo juiz (…) Daí a insuficiência da locução impossibilidade jurídica do pedido, que se fixa exclusivamente na execução da tutela jurisdicional em virtude da peculiaridade de um dos elementos da demanda – o petitum – sem considerar os outros dois (partes e causa de pedir).”
3 Importância da análise das condições da ação:
É importante analisar as condições da ação em uma demanda visto que elas possibilitam ou impedem o exame da questão de mérito pelo juiz. A falta de uma delas poderá resultar na extinção do processo sem resolução do mérito por carência de ação, com fundamento no art. 267, VI do CPC.
Este exame deverá ser feito no recebimento da peça vestibular pelo juiz e arguido em preliminar de contestação pelo réu. Se a parte for manifestamente ilegítima ou carecer o autor de interesse processual, o juiz deve indeferir a petição inicial (art. 295, II e III do CPC). Caso haja impossibilidade jurídica do pedido é causa de inépcia da petição inicial (art. 295, parágrafo único, III do CPC).
Paulo Henrique Lucon[8] faz menção ao afastamento da possibilidade jurídica do pedido como condição da ação por Enrico Tullio Liebman em seu Manual de Direito Processual Civil.
Apesar do entendimento do ilustre jurista Liebman, não deve prosperar este entendimento, visto que o pedido possível juridicamente é de fundamental interesse na demanda.
A mitigação desta condição da ação poderia, incorretamente, legitimar o julgamento de casos alheios ao ordenamento jurídico. Exemplificando o caso, Nelson Nery[9] cita o pedido de anulação de adoção como juridicamente impossível quando esta for concedida sob o regime do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 48). Entretanto, possível seria o pedido de decretação de nulidade ou anulação da revogação.
Lucon[10] cita ainda Cândido Dinamarco como defensor das três condições da ação:
“O interesse de agir é apenas processual e corresponde à utilidade do provimento. A possibilidade jurídica é conceito que recebe mais intensos influxos do direito substancial e constitui a projeção processual nos limites da área que o próprio direito substancial cobre.”
4 Conclusão:
A análise prática das condições da ação é útil porque delimita a atuação do juiz diante do caso concreto. Neste tem-se partes legítimas, direito substancial que a estas interessam e a impossibilidade ou inconveniência desta análise não ser feita pelo Judiciário. O resultado é uma resolução de mérito que corresponda a uma resposta, prevista no ordenamento jurídico, para casos como este.
Portanto, é de fundamental importância a análise das condições da ação em uma demanda, visto que esta é composta de relações jurídicas em que pessoas (legítimas a proporem ação) se vinculam a um objeto (juridicamente possível) por um fato (gerador do interesse de agir).
Advogado; Pós-graduando em Direito Processual Civil Lato Sensu pela UNIDERP/IBDP/LFG; Graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; professor colaborador de Direito Processual Civil da UFMS campus de Três Lagoas
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