Resumo: o presente trabalho tem por objetivo o estudo da aplicação da pena privativa de liberdade no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista o sistema trifásico de determinação da pena, eleito pela Reforma do Código Penal de 1984. [1]
Palavras-chave: pena. Aplicação. Sistema trifásico.
Abstract: this paper aims to study the application of the privative penalty of freedom in the Brazilian legal system, considering the three-phase system of determination of the penalty, elect by the Reformation of the Criminal Code of 1984.
Keywords: penalty. Application. Three-phase system.
Sumário: 1. Introdução. 2. Sistemas de aplicação da pena. 2.1. Sistema bifásico. 2.2. Sistema trifásico. 3. A primeira fase da dosimetria da pena: fixação da pena-base – circunstâncias judiciais. 3.1. Culpabilidade. 3.2. Antecedentes. 3.3. Conduta social. 3.4. Personalidade. 3.5. Motivos do crime. 3.6. Circunstâncias do crime. 3.7. Consequências do crime. 3.8. Comportamento da vítima. 4. A segunda fase da dosimetria da pena: análise da incidência das circunstâncias agravantes e atenuante genéricas. 4.1 Circunstâncias agravantes. 4.1.1. Espécies de circunstâncias agravantes do art. 61 do CP. 4.1.2 Espécies de circunstâncias agravantes do art. 62 do CP. 4.2. Circunstâncias atenuantes. 5. A terceira fase da dosimetria da pena: causas de aumento e de diminuição da pena. 6. Conclusão
1 Introdução
Após o trâmite do devido processo legal e havendo condenação criminal, deverá o magistrado proceder à aplicação da pena. Esta consiste em um processo de “discricionariedade juridicamente vinculada”[2], por meio do qual o juiz determina, dentre os limites estabelecidos pelo legislador penal, a pena a ser cumprida pelo condenado, com base em seu livre convencimento, o qual deve ser racional e juridicamente motivado. Trata-se da segunda etapa da individualização da pena que se subdivide em três, quais sejam, a legislativa, a judiciária e a executória.
A despeito disso, é claro que, conforme nos ensina Luiz Luisi[3], não é possível que tal atividade judicial seja completamente desprovida de critérios irracionais, decorrentes da personalidade e da concepção de vida do magistrado.
A determinação da pena não se limita à fixação do quantum a ser cumprido, dentre os limites mínimo e máximo estabelecidos no preceito secundário. Incumbe, outrossim, ao julgador fixar a espécie de pena (privativa de liberdade ou multa), bem assim o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, eventual substituição quando pertinente e, ainda, possível suspensão condicional do cumprimento.[4]
Convém observar que a culpabilidade (em sentido amplo) deve servir de critério limitador da sanção penal a ser aplicada. Segundo Regis Prado, em entendimento que acompanhamos, “a magnitude da pena deve ser adequada à culpabilidade, sendo que as considerações de ordem preventiva operam em seu interior”[5].
Assim, a duração de pena a ser cumprida deve ser determinada a partir da culpabilidade, ao passo que critérios preventivos especiais determinarão sua espécie, suspensão ou substituição.
2. Sistemas de aplicação da pena
No direito penal brasileiro ficaram conhecidos dois sistemas de aplicação da pena, denominados bifásico e trifásico. Este último, atribuído a Nelson Hungria, ficou consagrado no Brasil com a reforma da Parte Geral do Código Penal em 1984. A seguir, teceremos algumas considerações acerca de ambos.
2.1. Sistema bifásico
O método bifásico de aplicação da pena é atribuído a Roberto Lyra. Para ele, em um primeiro momento, deve ser ponderada a pena-base (orientada pelas circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal), em conjunto com as circunstâncias atenuantes e agravantes. E, após, na segunda e última etapa desse procedimento, o magistrado deverá aplicar eventuais causas de aumento ou de diminuição de pena.
Segundo os defensores desse critério, o motivo para aplicá-lo consistiria no fato de que as circunstâncias judiciais e legais são coincidentes e, por conseguinte, não haveria razão para separá-las, sendo mais adequada uma visão panorâmica de tais circunstâncias, até mesmo porque a lei não estabelece parâmetros quantitativos para as atenuantes e agravantes.[6]
Com a Reforma da Parte Geral do Código Penal em 1984, esse sistema não mais está previsto na legislação penal pátria, que consagrou o método trifásico.
2.2 Sistema trifásico
O método trifásico de aplicação da pena, comumente atribuído a Nelson Hungria, está previsto art. 68, caput do Código Penal brasileiro, que determina o seguinte: “a pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.”
Ou seja, de acordo com esse sistema, em primeiro lugar o magistrado fixará a pena-base, orientando-se pelos critérios previstos no referido art. 59, isto é, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.
Em um segundo momento, o julgador deverá considerar as circunstâncias agravantes (art. 61, CP) e atenuantes (art. 65, CP) aplicáveis ao caso concreto, as quais não podem exceder os limites máximos e mínimos do estabelecidos do preceito secundário do tipo penal, segundo o entendimento que atualmente prevalece.
Na última etapa, deverá ser observado pelo juiz se incidem causas de aumento ou de diminuição de pena, que podem estar previstas tanto na Parte Geral (por exemplo, o art. 14, CP) como na Parte Especial do Código Penal (por exemplo, o art. 121, §1º, CP). Essas, reconhecidamente, podem fazer com que a pena vá além ou aquém dos limites legais estabelecidos no preceito secundário do tipo penal.
Esse sistema é elogiado, pois possibilita uma melhor explicitação da pena que foi aplicada e, assim, ao condenado é dada a oportunidade de saber, exatamente, por quais condições e circunstâncias (em sentido amplo) foram consideradas pelo magistrado na concretização da pena, conferindo-lhe ampla defesa[7].
A seguir, estudaremos as três fases desse sistema previsto no art. 68 do Código Penal.
3. A primeira fase da dosimetria da pena: fixação da pena-base – circunstâncias judiciais
A pena-base é a quantidade de pena cotejada pelo magistrado, dentre os limites mínimo e máximo previstos no preceito secundário do tipo penal, fundado em elementos trazidos no art. 59 do Código Penal, conforme necessário e suficiente à reprovação e prevenção do crime.
O referido artigo arrola as chamadas circunstâncias judiciais, as quais são dotadas de caráter residual, pois apenas serão analisadas nesse momento se não constituírem outra circunstância mais específica prevista em lei[8]. Por exemplo, uma das circunstâncias judiciais é motivo do crime e, se este for fútil, não será considerado nessa fase, mas na fase posterior, como circunstância agravante genérica.
Se acaso o conjunto de circunstâncias judiciais forem favoráveis, a pena-base será fixada em grau mínimo, mas se as circunstâncias forem desfavoráveis, o juiz tende a fixá-la em grau máximo.
Esses elementos se referem ao autor (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade e motivos), ao fato (circunstâncias e consequências do crime) ou à vítima (comportamento da vítima).
Passaremos à analise de cada um deles.
3.1 Culpabilidade
A culpabilidade ora considerada foi introduzida pela Reforma de 1984, substituindo as expressões “intensidade do dolo” e “grau da culpa”, como consequência da adoção do sistema finalista, que transferiu tais elementos subjetivos da estrutura da culpabilidade para o tipo penal.
Como circunstância judicial, a culpabilidade deve ser tida em sentido amplo, isto é, consistente na reprovação social que o fato delituoso e seu autor merecem, devendo atuar como critério limitador da pena, e não como elemento do conceito analítico de crime.[9]
Pode-se dizer, ainda, que a culpabilidade prevista no art. 59 é o conjunto de todos os demais elementos presentes em tal tipo, ou seja, antecedentes + conduta social + personalidade do agente + motivos do crime + circunstâncias do delito + consequências do crime + comportamento da vítima = culpabilidade maior ou menor[10].
3.2 Antecedentes
Os antecedentes dizem respeito à vida pregressa do condenado em matéria criminal, isto é, aos acontecimentos anteriores ao fato criminoso constantes de sua folha de antecedentes.
Antes da Reforma de 1984, costumava-se considerar nessa etapa todos acontecimentos referentes à vida pretérita do condenado, inclusive seu relacionamento familiar.
Atualmente, prevalece o entendimento de que, como tal, apenas devem ser considerados aqueles constantes de folha de antecedentes criminais. Desse modo, os demais acontecimentos relevantes, porém alheios à folha, são considerados na análise da conduta social[11].
No que tange à determinação do que seriam os maus antecedentes há divergência inclusive entre o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça[12].
De acordo com o STF, podem ser considerados como maus antecedentes todos os inquéritos policiais e ações penais instaurados em desfavor do condenado, ainda que não haja sentença penal condenatória transitada em julgado, sob a assertiva de que registros criminais não surgem imotivadamente.
Para o STJ, apenas devem ser tidos como maus antecedentes aqueles processos criminais com sentença penal condenatória transitada em julgado, em homenagem ao princípio da presunção de inocência.
Nosso posicionamento vai ao encontro do exarado pelo STJ, com amparo no princípio constitucional de que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. E, nessa perspectiva, eventuais registros criminais ainda não definitivos não devem servir como circunstância ensejadora de uma maior reprovabilidade penal, até mesmo porque se o próprio juiz da causa ainda não condenou o acusado, não cabe a outro magistrado (que não é o juiz natural da causa) determinar qualquer tipo de punição com base em fatos ainda não analisados pelo órgão judicante competente.
3.3 Conduta social
A conduta social do condenado é o estilo de vida por ele seguido, no que tange ao seu comportamento com relação à sua família, aos vizinhos, em seu trabalho, bem assim com relação à sociedade como um todo.
Analisando a conduta social do condenado, o magistrado poderá conhecê-lo melhor e, assim, saberá qual a pena necessária à reprovação e prevenção do crime.
O conjunto de elementos formadores da conduta social deve ser delineado no decorrer da instrução criminal, a partir de todas as provas em direito admitidas, sobretudo testemunhal e no interrogatório do réu, sendo possível ainda a submissão do condenado à avaliação social e psicológica[13].
Guilherme de Souza Nucci vai além na noção de conduta social. Para ele, também deve ser analisada a inserção social do condenado. Assim, devem ser consideradas as situações sociais nas quais ele se insere como hipóteses ensejadoras de graduação da pena, devendo ser averiguado, por exemplo, se vivia uma situação financeira de pobreza[14].
3.4 Personalidade
A personalidade consiste em um conjunto de elementos inerentes a cada pessoa, do qual consta uma parte herdada geneticamente e outra adquirida pela experiência no meio em que o indivíduo está inserido, traduzindo-se no modo de ser do agente[15].
E se, ao cometer um crime, o autor agiu por força de um dos caracteres negativos de sua personalidade, tal circunstância deve ensejar um aumento de pena, desde que haja nexo de causalidade entre a referida característica e a conduta delituosa praticada[16].
O juiz, partindo de seu bom senso, poderá determinar se o crime “foi expressão da íntima inclinação do agente para o delito ou simples acontecer acidental na sua existência, o que irá influir no grau da pena a ser aplicada”[17].
3.5 Motivos do crime
Os motivos do crime são os fatores psíquicos que levam a pessoa a praticar o fato delituoso[18].
No contexto do art. 59 do CP, os motivos podem indicar tanto a causa que promoveu a atuação criminosa, como a finalidade pretendida com a prática delitiva, “o motivo é o fator qualificativo da vontade humana, fornecendo o colorido indispensável à compreensão de qualquer conduta: existiu por quê? Para quê?”. Deve ser apontado também que todo crime possui algum motivo, pois ninguém age por agir, a não ser em casos de atos reflexos[19].
Se alguém agiu motivando-se em aspectos negativos deve ter sua pena exasperada e, ao contrário, terá sua pena diminuída se atuou criminosamente por motivos nobres.
Deve ser ressaltado que os motivos do crime não se confundem com os elementos subjetivos do tipo penal (dolo e culpa).
Isso porque os motivos são elementos dinâmicos, desvinculados da tipicidade penal e reveladores dos desejos do agente, os quais podem ser alcançados com ou sem a prática criminosa. Por outro lado, o dolo e a culpa são elementos estáticos e alocados no tipo penal, sendo irrelevante para sua caracterização a origem da conduta, ou seja, de seu móvel[20].
Citando o exemplo de Cleber Masson:
“’A’ mata ‘B’, seu colega de trabalho, com o propósito de conseguir a única vaga de chefe da empresa (motivo torpe). No entanto, ‘C’, até então desconhecido, vem a ser promovido ao disputado cargo. […] ‘A’ efetua disparos de arma de fogo contra ‘B’, matando-o. Seja qual for o motivo, o dolo está configurado.”[21]
Em outras palavras, na primeira situação, o objetivo a ser alcançado pelo crime poderia ser conquistado de outra forma, independente de atuação criminosa, e o propósito de conseguir a vaga revela um desejo do agente, o qual não se confunde com a vontade livre e consciente de produzir o resultado morte. Na segunda situação, quando “A” efetua disparos em “B”, independente de qual motivo determinou sua conduta, sua vontade livre e consciente de matar fez com que restasse configurado o dolo.
Por fim, deve ser mencionado que a presente circunstância judicial somente deverá ser levada em consideração pelo magistrado ao fixar a pena-base, ante o caráter residual dessa espécie de circunstância, quando a motivação do crime não caracterizar qualificadora, causa de diminuição ou de aumento de pena, atenuante ou agravante genérica, para que seja evitado o bis in idem.
3.6 Circunstâncias do crime
As circunstâncias do crime, diferentemente dos demais elementos estudados até agora, se referem ao fato criminoso e não ao seu autor e, portanto, são objetivas.
As circunstâncias do crime não integram a estrutura do tipo penal, são elementos acidentais ou secundários, “como o modo de execução do crime, os instrumentos empregados em sua prática, as condições de tempo e local em que ocorreu o ilícito penal, o relacionamento entre o agente e o ofendido etc.”, devendo ser levadas em consideração quando da fixação da pena[22].
Assim como as demais circunstâncias judiciais, também são dotadas de caráter residual e, logo, apenas incidirão quando não previstas como qualificadora, causa de aumento, privilégio, causa de diminuição, atenuante ou agravante genérica.
E, também por força de seu caráter residual, essa circunstância judicial não terá aplicabilidade para atenuar a pena[23], tendo em vista que as circunstâncias favoráveis ao condenado devem ser aceitas como atenuantes genéricas inominadas, de acordo com o art. 66 do Código Penal, que prevê o seguinte: “a pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.”
3.7 Consequências do crime
As consequências do delito resumem-se nos efeitos decorrentes do crime, como exaurimento deste, em prejuízo da vítima, de seus familiares ou da sociedade,[24] de natureza pessoal, moral, afetiva, patrimonial, social ou política, como “o sofrimento material e moral da vítima ou de seus dependentes em crimes violentos, […]”[25].
Não devem ser confundidas com as consequências naturais do delito, que não devem ser utilizadas como fator de exasperação da pena, pois resultaria em bis in idem.
Por exemplo, como em um homicídio, cuja consequência natural é a morte de alguém. A situação é diversa se o homicídio praticado contra determinada mãe, for presenciado por seus filhos menores, causando-lhes trauma. Nesta hipótese, tal efeito traumático deve ser empregado como fator de agravação da pena[26].
No entanto, por força do princípio da culpabilidade e a consequente vedação da responsabilidade penal objetiva, para que esses efeitos extratípicos possam ser considerados como fator de aumento de pena, eles devem ser ao menos previsíveis pelo autor[27].
3.8 Comportamento da vítima
Trata-se de circunstância que determina que o magistrado, na dosagem da pena-base, analise se a vítima concorreu para a prática delitiva de algum modo. E, se ficar constatado que houve tal contribuição, deverá ser diminuída a pena.
Segundo Juarez Cirino dos Santos, a contribuição da vítima para o delito pode não existir, em casos de vítimas inocentes; pode ser parcial, em casos de ingenuidade da vítima em crimes sexuais ou de descuido em crimes patrimoniais, por exemplo; pode ser equivalente à contribuição do agente, como quando há provocação em crimes violentos; e, por fim, poderá ser total no caso de legítima defesa, exemplificativamente[28].
Se a contribuição da vítima for total ou equivalente, poderá ensejar a absolvição do agente; se parcial, o juiz deverá atenuar a pena; e, por fim, se a vítima não contribuiu de modo algum para o delito, ou seja, era totalmente inocente, o magistrado deve analisar a possibilidade de aumentar a pena[29].
4. A segunda fase da dosimetria da pena: análise da incidência de circunstâncias agravantes e atenuantes genéricas
A segunda fase de dosimetria da pena consiste na análise pelo magistrado se, no caso concreto, incidem circunstâncias de agravação ou atenuação da pena.
As circunstâncias agravantes e atenuantes genéricas são assim denominadas por estarem previstas, exclusivamente, na Parte Geral do Código Penal e, portanto, são aplicáveis a todos os delitos.
São circunstâncias legais de aplicação obrigatória pelo magistrado, de natureza objetiva ou subjetiva que, apesar de não serem integrantes da estrutura típica, podem aumentar ou diminuir a pena.
Tendo em vista que o Código Penal não fixou o quantum a ser aumentado ou diminuído quando da incidência de alguma dessas circunstâncias, Guilherme de Souza Nucci entende que um sexto da pena-base (menor montante fixado para as causas de aumento e de diminuição) seria medida ideal[30].
O referido autor segue defendendo tal critério com vistas a evitar a aplicações aleatórias e ineficazes dessas circunstâncias como, por exemplo, se o magistrado fixar a pena-base para um homicídio qualificado em quinze anos e, ante o reconhecimento da agravante da reincidência, aumentar a pena em apenas um mês, o que, de fato, nada representaria. Por outro lado, a ausência de um parâmetro fixo poderia ensejar demasiada elevação como, no caso acima narrado, o juiz, reconhecendo a reincidência, aumentasse a pena-base de quinze anos em mais cinco anos.
Segundo Guilherme de Souza Nucci, as circunstâncias agravantes e atenuantes, por se encontrarem na mesma fase de dosimetria da pena, podem ensejar a compensação e, nesse caso, a melhor solução é não modificar a pena-base anteriormente fixada[31]. Por exemplo, é reconhecida a agravante da reincidência mas também a atenuante do motivo de relevante valor moral ou social.
Luiz Regis Prado, seguindo o disposto no art. 67 do Código Penal, entende que a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, assim entendidas aquelas que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência[32]. E, assim, se houvesse concurso entre a atenuante da confissão e a agravante da reincidência, esta última prevaleceria sobre a primeira e, logo, a pena seria aumentada.
Partilhamos do entendimento segundo o qual a análise deve ser deixada ao caso concreto, pois se, por exemplo, a confissão espontânea for fruto da personalidade do agente será uma circunstância preponderante, assim como a reincidência e, por conseguinte, a solução mais correta seria a compensação[33].
4.1 Circunstâncias agravantes
As circunstâncias agravantes estão elencadas taxativamente nos arts. 61 e 62 do Código Penal e sempre agravam a pena, desde que não constituam elementar do tipo penal, qualificadora ou causa de aumento de pena, a fim de evitar o bis in idem. Tais circunstâncias não incidirão quando a pena-base for fixada no máximo legal, haja vista que não tem o condão de ultrapassar os limites previstos no preceito secundário do tipo penal.
Apenas a agravante da reincidência tem aplicabilidade em crimes dolosos e culposos, ao passo que as demais somente poderão ser consideradas pelo magistrado quando a conduta delituosa for dolosa, tendo em vista que não teria sentido punir mais severamente alguém que não quis o resultado danoso.
Além disso, para que seja possível aplicar determinada agravante, o agente deve ter conhecimento acerca da existência dela[34].
No próximo tópico serão estudadas cada uma das espécies de circunstâncias agravantes.
4.1.1 Espécies de circunstâncias agravantes do art. 61 do CP
A reincidência, segundo Guilherme de Souza Nucci, passou a ser considerada como um fator de agravação da pena a partir da segunda metade do século XVIII e, no início, grande era resistência em relação a isso, tendo em vista que muitos atribuíam a pena a finalidade exclusivamente retributiva e, assim, a pena deveria guardar estrita proporcionalidade com o delito praticado, devendo ser desprezada qualquer conduta anterior[35].
Com a atribuição de finalidades preventivas à sanção penal, a reincidência passou a ser tida como elemento ensejador de aumento de pena, porquanto o cometimento de novo crime demonstra que a sanção anterior foi insuficiente e, assim, há necessidade de uma pena mais severa. Não se trata de nova punição por fato já punido, mas sim resultado de uma reiteração delituosa reveladora de uma necessidade maior de pena.
Atualmente, por força do disposto no art. 61, I do CP, a reincidência é uma circunstância agravante da pena, dotada de caráter subjetivo ou pessoal, haja vista que se relaciona à pessoa do agente e não ao fato criminoso.
De acordo com o art. 63 do CP, verifica-se a reincidência quando o agente pratica novo delito, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, brasileira ou estrangeira, por prática criminosa anterior.
No entanto, consoante o disposto no art. 64 do CP, a condenação anterior não ensejará reincidência se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período superior a cinco anos, devendo ser computado nesse lapso temporal, em casos de suspensão ou livramento condicional, o período de prova, desde que não tenha ocorrido revogação. Também não geram reincidência os fatos criminosos anteriores se consistirem em crimes militares próprios[36] (descritos no Código Penal Militar) ou políticos[37].
Também se admite, por força do art. 7º da Lei de Contravenções Penais, a reincidência na hipótese de cometimento de contravenção penal após a prática anterior de contravenção penal ou crime, não se admitindo a reincidência quando a conduta anterior consistir em contravenção penal e a posterior em crime em razão de inexistir previsão legal nesse sentido[38].
Após o decurso do prazo de cinco anos, tendo em vista que não mais se configura a reincidência, o agente volta a ser primário[39], podendo a prática anterior ser considerada como maus antecedentes quando houver análise das circunstâncias judiciais. Isso é possível por ter havido condenação penal transitada em julgado e, assim, não há qualquer ofensa ao princípio da presunção de inocência.
O magistrado deve, na fundamentação da pena, esclarecer qual condenação anterior considerará a título de reincidência, a fim de evitar que a mesma prática criminosa seja analisada duplamente, ou seja, como agravante e também como circunstância judicial de maus antecedentes, o que resultaria em bis in idem. Ressalte-se que não há qualquer óbice a dupla ponderação de maus antecedentes e reincidência, desde que sejam amparadas em crimes distintos[40].
Outra espécie de agravante é o motivo fútil, ao lado do motivo torpe que, como veremos, são distintos.
Conforme dito em momento anterior, os motivos do crime são os fatores psíquicos que levam a pessoa a praticar o fato delituoso, que podem revelar tanto a causa propulsora da conduta como a finalidade almejada pela prática delituosa. E, se tais motivos forem fúteis ou torpes, deverá o magistrado agravar a pena.
Fútil é a motivação insignificante, superficial, que não tem qualquer valor e desproporcional ao delito cometido. Segundo Aníbal Bruno,
“é o motivo em que não se pode encontrar razão suficiente para o comportamento criminoso do sujeito. É pequeno demais para explicá-lo. O ato do agente é estranhamente desproporcionado em relação à causa que o provocou” [41].
Anote-se que a jurisprudência brasileira entende que ciúme e ausência de motivo não constituem motivação fútil[42]. Até mesmo porque, no que tange à ausência de motivo, consoante ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci, ninguém age por agir e, logo, todo crime tem motivação. O que, nesse caso, poderia ocorrer seria o desconhecimento por parte do magistrado do motivo, mas isso não induz à constatação da ausência de motivo[43]. O ciúme, por sua vez, não pode ser considerado como fator de agravação da pena por se tratar de um sentimento doloroso que não pode ser tido como ínfimo ou desprezível[44].
Exemplo de motivo fútil seria o agente agredir o garçom que, por engano, computou uma cerveja a mais em sua conta; já com relação ao motivo torpe, pode ser mencionada a situação na qual determinado agente agride uma testemunha que prestou depoimento contra seus interesses[45].
Motivo torpe é aquele que se mostra repugnante, vil, é o “motivo abjeto, aquele que repugna ao sentimento ético elementar e assim justificadamente desperta a mais veemente reprovação da consciência comum, fundamentando a agravação da pena”[46].
Ressalte-se que, segundo a jurisprudência brasileira, a vingança, por si só, não é considerada motivo torpe[47]. Nesse sentido, o exemplo do pai que, por vingança, mata o estuprador de sua filha.
Convém relembrar que se os motivos, quando fúteis ou torpes, se aplicados a título de circunstância agravante, não devem ser considerados na análise das circunstâncias judiciais quando da fixação da pena-base, as quais, conforme se sabe, são dotadas de caráter residual.
Finalmente, não será aplicável tal agravante se acaso constituir elementar, qualificadora ou causa de aumento de pena do crime, como ocorre no caso do art. 121, §2º, I e II do Código Penal, pois estes dispositivos qualificam o delito de homicídio com base na motivação torpe e fútil.
A agravante da facilitação ou asseguração da execução, ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime visa a aumentar a pena daquele que comete um crime para facilitar ou assegurar a execução, ocultação, impunidade ou vantagem de outro delito. Trata-se de um motivo torpe mais específico, por revelar uma intensa degradação moral do agente.
Destaca Aníbal Bruno que
“prevalecerá a agravante mesmo quando o crime fim não chegou sequer a ser tentado. O que importa é o propósito que animava o agente ao praticar o crime que se agrava, com vista naquele que era objeto final da sua intenção”[48].
Ou seja, não importa se o crime-fim não teve iniciada sua execução, apenas sendo necessário que o agente tenha orientado a prática do crime-meio visando facilitar ou assegurar a execução, ocultação, impunidade ou vantagem do crime-fim. Mas se o crime-fim for ao menos tentado, ambos serão punidos em concurso material.
Guilherme de Souza Nucci entende que, nessa agravante, o aumento da punição se deve à motivação torpe que orienta a conduta do agente, mas também por revelar uma maior periculosidade[49].
Por fim, deve ser lembrado que essa circunstância agravante, assim como todas as demais, não será aplicada se acaso constituir elementar, qualificadora ou causa de aumento de pena do crime, como ocorre no caso do art. 121, §2º, V do Código Penal.
A traição, a emboscada, a dissimulação ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido são situações que revelam um modo de agir merecedor de uma maior reprovação, pois reduzem ou impedem que a vítima se defenda.
A traição é um modo de agir com deslealdade, há uma quebra de confiança que surpreende a vítima. A traição divide-se em:
“material (ou objetiva), que é a atitude de buscar atingir a vítima pelas costas ou desprevenida, e moral (ou subjetiva), que significa ocultar a intenção criminosa, ludibriando o ofendido, mas colhendo-o em ataque frontal, logicamente inesperado por conta da aparência de normalidade”[50].
Emboscada é a atitude de ocultação do agente, que aguarda a presença da vítima, para surpreendê-la e atacá-la. Logo, não deixa de ser uma espécie de traição material[51].
Dissimulação é o ato de disfarçar as intenções criminosas para atingir a vítima,
“é o despistamento da vontade hostil, fomentando a ilusão na vítima de que não lhe representa perigo algum. Assim, escondendo a vontade ilícita, o agente ganha maior proximidade de quem pretende atingir, podendo, inclusive fingir amizade para atacar, levando nítida vantagem e dificultando ou impedindo a defesa. É uma forma de traição moral”[52].
Por último, o dispositivo traz a fórmula genérica do outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima. Incidirá tal hipótese quando ocorrer situação análoga às descritas anteriormente.
Já o emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum configuram meios de execução empregados pelo autor do delito tidos como insidiosos, cruéis ou causadores de perigo comum. Assim como no caso anterior, o legislador empregou uma fórmula genérica, que depende de interpretação analógica para ser aplicada, ao se referir a qualquer meio de que possa resultar perigo comum.
Nessa agravante, são estabelecidos três gêneros e quatro espécies como meios de execução. O primeiro gênero é o meio insidioso, que revela verdadeira traição, cuja espécie é o emprego de veneno. O segundo é o meio cruel, que impõe à vítima sofrimento desnecessário para alcançar o resultado típico, como espécies desse meio têm-se a tortura, o fogo e o veneno quando causador de dores agudas e morte agônica. O terceiro se refere ao perigo comum, que consiste na colocação em risco de um número indeterminado de pessoas e como espécies deste podem ser citadas o fogo e o veneno[53].
O fundamento da agravante que versa sobre a vítima ascendente, descendente, irmão ou cônjuge reside no maior grau de insensibilidade moral do agente[54], que pratica crime contra seus familiares, quando a relação entre tais pessoas deveria ser pautada pelo respeito e consideração mútuos.
Nessa agravante, por conseguinte, se incluem os parentes naturais ou civis. São excluídos, por falta de previsão legal, os parentes por afinidade (ex. sogra, genro), bem assim os companheiros ou concubinos.
No caso do abuso de autoridade ou prevalência de relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade ou com violência contra a mulher, a agravante se baseia no recrudescimento da pena pela violação da confiança e da solidariedade que existe entre tais pessoas.
O abuso de autoridade se refere às relações de direito privado, nas quais exista um vínculo de dependência entre o agente e a vítima, como ocorre entre o tutor e tutelado, curador e curatelado.
Já as relações domésticas são aquelas que se estabelecem entre pessoas participantes de um mesmo círculo familiar, podendo haver parentesco ou não. Pode ser aplicada aos companheiros, por exemplo.
Por sua vez, coabitação significa viver em um mesmo lugar, “sob o mesmo teto”, como em repúblicas de estudantes.
Finalmente, hospitalidade remonta à estadia provisória na casa de alguém.
Essas três últimas hipóteses de relações “devem existir ao tempo do crime, nada importando tenha sido o delito praticado fora do âmbito da relação doméstica, ou do local em que ensejou a coabitação ou a hospitalidade”[55].
A parte final do dispositivo, incluído pela Lei 12.440/2006, na prática, em nada acrescenta. Isso porque a pena do agente já poderia ser agravada nos casos de violência contra a mulher com base neste dispositivo (“prevalecendo-se das relações domésticas) e, também, com fulcro no anterior, quando a mulher for cônjuge do autor do fato criminoso[56].
Também é agravada a sanção penal se o delito for praticado com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão.
Com relação ao abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo ou ofício (no sentido de função pública), essa circunstância visa aumentar a punição dos servidores públicos. Por conseguinte, o crime deve ser cometido no exercício da função pública, sendo imprescindível que o autor se beneficie de sua condição para condição de servidor para cometer o delito.[57]
Deve ser lembrado que essas infrações podem constituir crime autônomo (por exemplo, a prevaricação) e, ante a vedação da dupla punição pelo mesmo fato, a agravante não será aplicada.
A agravante do ministério diz respeito ao exercício do sacerdócio, desde que a religião seja reconhecida pelo Estado, para que o juiz possa ter parâmetros para analisar se houve abuso no exercício do ministério ou não[58].
Profissão consiste em uma atividade especializada e regulamentada por lei, como a advocacia e a medicina. A regulamentação é indispensável ou seria impossível verificar se houve violação de dever ou não[59].
Em relação à vítima criança, maior de sessenta anos, enfermo ou mulher grávida é evidente que essa agravante se legitima pela situação de fragilidade em que se encontram tais pessoas, o que, além de facilitar a prática delitiva, demonstra uma maior insensibilidade do agente.
Criança é a pessoa de até doze anos de idade, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, enquanto o maior de sessenta anos seria o idoso, de acordo com o Estatuto do Idoso.
Enfermo é o indivíduo que sofre de alguma doença, permanente ou transitória, encontrando-se debilitado de algum modo.
Quanto à mulher grávida, entende-se que deva estar em estágio avançado da gestação, quando estará mais vulnerável à ação delituosa. Até mesmo porque o agente precisa ter ciência da gravidez, ou estaríamos diante de uma responsabilização penal objetiva[60].
Para que tal circunstância seja aplicável é necessário que haja nexo de causalidade entre a condição especial da vítima e a facilitação do delito cometido.
Exaspera-se a punição, também, pelo fato de o ofendido estar sob a proteção do Estado, isto é, o agressor atenta não somente contra a vítima, mas também contra as instituições públicas, violando garantias legais.
Proteção imediata se refere às situações de guarda (por exemplo, o preso), ou custódia (doente mental internado em hospital público), ou outras formas de tutela que aumentam a confiança da vítima na inviolabilidade de direitos protegidos pela lei[61].
Na ocorrência de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido pune-se com maior rigor aquele que se aproveita de situações de calamidade pública ou de desgraça particular do ofendido, para cometer o delito.
Isso porque, tal atitude demonstra uma maior insensibilidade moral do agente, que se aproveita de condições adversas “que reduzem ou excluem a capacidade de proteção pessoal ou patrimonial das vítimas”[62] para praticar o crime.
Nesse dispositivo, o legislador trouxe duas fórmulas genéricas cujas interpretações devem ser feitas analogicamente: calamidade pública e desgraça particular do ofendido:
“Calamidade pública é o acidente generalizado, a tragédia que engloba um número indeterminado de pessoas. Exemplo: roubo cometido durante incêndio em uma universidade durante o período letivo. Desgraça particular do ofendido, por outro lado, é o acidente ou tragédia relativo a uma pessoa ou a um grupo determinado de pessoas. Exemplo: saque dos bens da vítima logo após o capotamento de seu automóvel.”[63]
Vê-se, portanto, que há dois gêneros: calamidade pública e desgraça particular do ofendido, dos quais podem ser espécies o incêndio, naufrágio, inundação e outros.
A pena também será agravada em hipótese de embriaguez preordenada, que consiste no “ato de quem deliberadamente se embriaga para criar no seu ânimo as condições necessárias à prática da sua deliberação criminosa e, assim, mais seguramente executá-lo […]”[64].
O objetivo dessa agravante, fruto da teoria da actio libera in causa, é evitar que pessoas se coloquem intencionalmente em estado de embriaguez, para que, assim, consigam praticar o delito e, do mesmo modo, evitar que se coloquem em estado de inimputabilidade para depois alegar a exclusão da culpabilidade.
Aníbal Bruno esclarece que a solução dada pela lei para que não houvesse a responsabilização penal objetiva, foi a aplicação ao caso de embriaguez preordenada da teoria da autoria mediata. Assim, o agente, quando sóbrio, seria o autor mediato e imputável e, ao mesmo tempo, o instrumento inimputável quando embriagado. Pune-se, assim, o autor mediato que é plenamente imputável[65].
4.1.2 Espécies de circunstâncias agravantes do art. 62 do CP
O art. 62 do Código Penal elenca situações de exasperação da pena em razão de terem concorrido para o delito duas ou mais pessoas. Não há necessariamente concurso de pessoas, até porque há situações em que configuram hipóteses de autoria mediata (incisos II e III). Esta, conforme se sabe, em razão da inexistência de culpabilidade, não caracteriza o vínculo subjetivo indispensável ao concurso de agentes do art. 29 do CP.
A seguir, serão estudadas, em linhas gerais, cada uma das hipóteses de agravantes arroladas no art. 62.
A pena também será aumentada quando o agente for responsável pela promoção/organização da cooperação do crime ou direção da atividade dos demais agentes. Nesta agravante, exaspera-se a pena do autor intelectual do delito, quer dizer, do líder do grupo, aquele que promove, organiza ou dirige a atividade delituosa, exatamente por se encontrar em posição hierarquicamente superior em relação aos demais, sem o qual muitas vezes o delito não teria ocorrido.
Pune-se mais gravemente aquele que coage ou induz outrem a executar materialmente o delito, considerando que tais situações levam à constatação de que o agente é mais perigoso do que o mero executor, este que, se estivesse sozinho, não cometeria o crime, mas coagido ou induzido o pratica[66].
Coagir consiste em forçar alguém a fazer alguma coisa, enquanto induzir significa inspirar, provocar em outrem a intenção criminosa.
Em casos em que ficar provada a existência de coação, deve ser observado o seguinte: a) se a coação for física irresistível, a conduta praticada pelo coagido é excluída, respondendo penalmente somente o coator, devendo ser agravada a pena; b) se a coação moral for irresistível, haverá exclusão da culpabilidade do coagido, respondendo penalmente somente o coator, devendo ser agravada a pena; c) se a coação, física ou moral, for resistível, ambos responderão, tendo o coator sua pena agravada, enquanto o coagido terá a sua pena atenuada (art. 65, III, c, 1ª parte do CP).
Ressalte-se que “a agravante genérica recairá sobre o coator tanto na coação física como na coação moral, irresistíveis ou resistíveis. A lei não permite nenhum tipo de exceção”[67].
Exaspera-se a sanção daquele que instiga ou determina alguém sujeito à sua autoridade ou não punível, em virtude de condição ou qualidade pessoal, ao cometimento do delito.
Instigação é o ato de reforçar ou fomentar ideia criminosa já existente, ao passo que determinação seria a ordem dirigida a outrem para que pratique o delito. O fundamento do aumento da punição é o mesmo das outras duas agravantes acima, visto que o autor demonstra ser mais perigoso que o executor do crime.
Para que seja possível aplicar tal circunstância, é exigido que o executor esteja sob a autoridade de quem instiga ou determina, podendo também ser inimputável ou não punível.
Essa relação de subordinação exigida pela lei pode ser de qualquer natureza, pública ou privada, religiosa ou profissional e, ainda, doméstica. Apenas é necessário que a instigação/determinação seja capaz de influenciar o agente e, a depender de seu grau, poderá configurar a excludente de culpabilidade da obediência hierárquica (art. 22, CP) ou uma atenuante genérica (art. 65, III, c, CP)[68].
A execução ou participação delitiva, mediante paga ou promessa de recompensa constitui figura especial do motivo torpe, que visa exasperar a pena daquele que age criminosamente por motivo de ganância, visando obter vantagem financeira com o delito, o que demonstra a extrema imoralidade do agente.
A diferença entre paga e promessa de recompensa reside no momento em que foi recebida a quantia. Na primeira, o recebimento ocorre antes da realização da conduta delituosa, enquanto na segunda, o pagamento é deixado para momento posterior à prática do delito.
Na promessa de recompensa, a fim de que seja aplicável a agravante é dispensável o efetivo recebimento da quantia, apenas sendo necessário que o autor pratique a conduta motivado pelo recebimento do prometido[69].
4.2 Circunstâncias atenuantes
As circunstâncias atenuantes estão elencadas exemplificativamente nos arts. 65 e 66 do Código Penal.
Diga-se que não há taxatividade, pois no art. 66 o legislador criou a figura da atenuante inominada, segundo a qual a pena poderá ser atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei, deixando ao juiz a margem de liberdade para interpretar se resta configurada tal hipótese ou não.
Conforme dito anteriormente, são elementos de aplicação obrigatória por força de lei, isto é, sempre atenuam a pena, exceto quando constituir ou privilegiar o próprio delito.
Doutrina e jurisprudência majoritárias entendem que a incidência de tais circunstâncias não pode conduzir a pena para abaixo do mínimo legal, tendo em vista não serem integrantes da estrutura típica e, ainda, porque redundaria em interferência judicial em atividade legislativa.
A seguir, serão estudadas cada uma das circunstâncias atenuantes previstas no Código Penal.
O Código Penal se refere à atenuação da pena do menor de vinte e um anos na data do fato e ao maior de setenta anos na data da sentença. Fundamenta-se no menor grau de culpabilidade, em outras palavras, na censurabilidade pessoal da conduta típica e ilícita deve ser menor nesses casos[70].
Quanto ao menor de vinte e um anos, a diminuição da censura da conduta perpetrada pelo agente se deve à sua imaturidade. Além disso, “há o interesse da ordem jurídica de que se poupe o menor à ação perversora da prisão, encurtando-lhe quanto possível o período do seu internamento”[71].
Trata-se da menoridade relativa (ou imputabilidade deficiente[72]), aplicável aos indivíduos na faixa etária dos dezoito aos vinte e um anos (os menores de dezoito são regidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente).
Deve ser lembrado que, apesar de o Código Civil de 2002 ter reduzido a maioridade civil para os dezoito anos de idade, tal alteração não atinge essa circunstância atenuante, por dois motivos principais: o art. 65 do CP traz uma norma favorável ao réu, não podendo ser revogada por interpretação analógica e, ainda, o art. 2.043 do CC/2002 resguardou expressamente os dispositivos penais[73].
No que se refere ao maior de setenta anos, a atenuação da pena baseia-se também em alterações psíquicas decorrentes do alcance dessa faixa etária, as quais podem ensejar ou influenciar o comportamento criminoso e, principalmente, em sua menor resistência à prisão, que poderia acarretar uma diminuição de sua vida.
Segundo o critério legal, a senilidade deve ser aferida na data da sentença, não guardando relação com a data do fato. Além disso, deve ser mencionado que a superveniência do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), que considera como idoso a pessoa que conta com sessenta anos de idade, em nada modifica o dispositivo ora analisado, haja vista que este último faz referência direta à idade do indivíduo (setenta anos) e não à figura do idoso[74].
De acordo com o art. 21 do Código Penal, o desconhecimento da lei é inescusável. A despeito disso, o legislador concedeu o benefício do art. 65, II do CP àquele que pratica crime com desconhecimento da lei. Justifica-se tal atenuação em razão da codificação do direito brasileiro, isto é, há um vasto conteúdo de normas em nosso sistema jurídico, o que dificulta o conhecimento.
Esta atenuante se refere à total ignorância da norma escrita (ou erro de vigência[75]) e não ao erro de proibição (interpretação errônea acerca da ilicitude do fato) e, portanto, o indivíduo será considerado culpável e sua pena será atenuada.
Os motivos do crime são os fatores psíquicos que levam a pessoa a praticar o fato delituoso, que podem revelar tanto a causa propulsora da conduta como a finalidade almejada pela prática delituosa. E, se tais motivos forem de relevante valor social ou moral, o agente tem direito à atenuação de sua pena.
Justifica-se tal abrandamento porque, apesar de o autor do fato criminoso agir em contrariedade ao Direito, o faz em razão de fortes valores.
Nesse contexto, há de se entender por relevante valor social aquele que se refere à coisas que se afiguram importantes para a coletividade como um todo. Cite-se o exemplo daquele que aprisiona um delinquente por alguns dias na zona rural, até que a polícia chegue.
Por outro lado, relevante valor moral, remonta a certos interesses de ordem pessoal, por exemplo, aquele que apressa a morte de quem está desenganado[76].
Por fim, incumbe mencionar que essa circunstância não se confunde com as causas de diminuição de pena previstas para o homicídio (art. 121, § 1º, CP) e para a lesão corporal (art. 129, § 4º, CP). Nestas últimas, o agente atua impelido por valor social ou moral, ou seja, exige-se que o autor do crime haja dominado por tal valor, enquanto na atenuante o agente simplesmente atua motivado por tal valor social ou moral, não há necessidade de dominação.
Atenua-se a pena daquele que evita ou diminui as consequências do delito, por espontânea vontade e de modo eficiente, logo após o crime ou, ainda, repara o dano antes do julgamento,
Em primeiro lugar, essa atenuante não deve ser confundida com as figuras do arrependimento eficaz (art. 15, CP) e do arrependimento posterior (art. 16). A primeira se refere à hipótese em que o agente impede a produção do resultado típico (o crime não se consuma) e, assim, responderá apenas pelos atos já praticados. A segunda exige a reparação do dano até o recebimento da denúncia/queixa, por ato voluntário do agente, em crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa e, assim, será possível reduzir a pena em um a dois terços.
É de se ver, portanto, que a atenuante ora estudada é subsidiária em relação aos institutos supramencionados, exigindo apenas que o autor do crime, logo após o cometimento deste (o crime é consumado), tenha procurado evitar ou diminuir suas consequências, de modo espontâneo e eficiente ou, ainda, reparado o dano antes do julgamento.
Para que seja aplicável a atenuante, a reparação do dano também deve ser espontânea, de modo que não incidirá se a reparação for decorrente de eventual condenação no juízo cível[77].
O fundamento dessa circunstância reside na diminuição da reprovabilidade do autor, em razão de sua atitude de diminuir as consequências do delito ou reparar o dano, “é o sentimento de humanidade ou de justiça que se manifesta no gesto pelo qual, por assim dizer, o agente renega seu crime e procura restaurar a normalidade das coisas em benefício da vítima”[78].
Abranda-se a pena quando o agente cometer o crime sob coação resistível, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima
Nessa atenuante estão reunidas três circunstâncias de atenuação da pena, as quais residem, basicamente, sobre o mesmo fundamento, conforme se verá a seguir.
Quando o autor do fato criminoso agir influenciado por coação de outrem, física ou moral, a que poderia resistir[79], será penalmente responsabilizado por sua conduta, assim como o coator, configurando o concurso de pessoas.
Mas, em razão dessa influência externa sofrida pelo coagido, ou seja, sua vontade dirigida à realização do verbo núcleo do tipo não era totalmente livre, fará jus à atenuação da pena.
Nesses casos de coação resistível, a responsabilização penal se justifica pois
“há sempre no resultado uma manifestação de sua vontade, embora tolhida e deformada pela compulsão que sobre ele se exerce, e porque ele podia e devia resistir a essa pressão que o impele ao crime e com aquela parcela de vontade o realiza, há culpabilidade sua no fato praticado”[80].
Convém relembrar que em casos de coação física irresistível, a conduta perpetrada pelo coagido é atípica, ao passo que quando se trata de coação moral irresistível a conduta permanece incólume, mas haverá a culpabilidade do coagido será excluída. E, em todas as hipóteses de coação, o autor dela terá sua pena agravada.
No que tange ao cumprimento de ordem de autoridade superior, isto é, de obediência hierárquica, terá o condão de excluir a culpabilidade[81] do autor apenas quando a ordem não for manifestamente ilegal (art. 22, CP), hipótese em que a autoridade responderá pelo delito e sua pena será agravada (art. 65, III, CP).
Ao contrário, sendo a ordem manifestamente ilegal, ambos responderão pelo delito e, enquanto a autoridade terá sua pena agravada, ao subordinado será aplicável esta atenuante, tendo em vista que não agiu totalmente livre ao executar a conduta delituosa.
A última atenuante elencada no dispositivo se refere à influência de violenta emoção, desencadeada por ato injusto da vítima. Para que seja aplicada é necessário que a conduta delituosa seja influenciada por violenta emoção, e que esta tenha sido, injustamente, ocasionada pela vítima.
O fundamento dessa atenuante reside na diminuição da liberdade do agente ao realizar sua conduta, provocada por uma influência exterior.
Ressalte-se que essa circunstância não se confunde com as causas de diminuição de pena previstas para o homicídio (art. 121, § 1º, CP) e para a lesão corporal (art. 129, § 4º, CP). Nestas últimas, o agente atua dominado por violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou seja, exige-se que o autor do crime haja dominado pela emoção, enquanto na atenuante o agente simplesmente atua perturbado pela emoção. Além disso, nas causas de diminuição de pena exige-se que a reação seja imediata, logo após a injusta provocação da vítima, enquanto na atenuante admite-se certo lapso temporal.
A confissão para que seja tida como circunstância atenuante, deve se referir a autoria do fato delituoso, perante a autoridade policial ou judiciária e, sobretudo, há de ser espontânea, devendo se basear em decisão autônoma do autor, sem qualquer influência ou pressão externa[82].
A lei não exige que o agente se arrependa, bastando que colabore, por ato seu, ou seja, por meio da confissão, para a aplicação da lei penal.[83] Nesse sentido:
“Não importa que o agente se tenha realmente arrependido ou apenas buscado o favor da lei quando já convencido de que a sua autoria fatalmente viria a ser descoberta. Presume-se seu real arrependimento, que tem por conseqüência a minoração da pena.”[84]
Justifica-se tal circunstância principalmente por questões de política criminal, como a administração da justiça. E, se além de confessar espontaneamente, o agente também demonstrar ter se arrependido de sua conduta também demonstrará sinais de menor culpabilidade[85].
Aquele que comete o crime sob a influência de multidão em tumulto, não provocado por sua vontade tem direito à atenuação da pena. Cuida-se de circunstância que se fundamenta na menor reprovabilidade do autor do delito ante o contexto adverso no qual sua conduta delituosa se insere.
Segundo Aníbal Bruno,
“a atenuação da pena assenta na deformação transitória da personalidade que sofre o indivíduo sob a pressão das paixões violentas que agitam o grupo em sublevação. A lei toma em conta essa turvação acidental que acomete o espírito dos amotinados, em que falta a serenidade necessária para pesar razões e decidir conforme o Direito, atribuindo-lhe, então, uma responsabilidade diminuída e com ela a minoração da pena.”[86]
A atenuação da pena é medida que se impõe tendo em vista que situações de multidão em tumulto são hábeis a desencadear transtornos na personalidade do agente, que reduzem sua capacidade de autocontrole.
Somente terá aplicabilidade se a situação em questão não tenha sido provocada pelo autor. Também não será aplicável àqueles que se aproveitam de situações de desordem para praticar delitos.
O art. 66 do Código Penal dispõe que a pena poderá ser atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei, é conhecida por atenuante inominada ou atenuante de clemência.
Trata-se de margem de liberdade concedida pelo legislador ao magistrado para que avalie se, no caso concreto, incide alguma circunstância que faz com que o juízo de censura estabelecido sobre a conduta do autor seja menor.
Nesse contexto, é cabível a aplicação da teoria da co-culpabilidade como circunstância atenuante, por exemplo. Ou seja, em face do contexto de marginalização social em que se encontram algumas pessoas, o que, por vezes, enseja a prática do delito, deve incidir sobre elas uma menor reprovação, isso porque a sociedade também tem sua parcela de culpa no delito. Veja-se:
“se a sociedade outorga, ou permite a alguns, gozar de espaços sociais dos quais outros não dispõem ou são a estes negados, a reprovação de culpabilidade que se faz à pessoa a quem se tem negado as possibilidades outorgadas a outras, deve ser em parte compensada”. [87]
Guilherme de Souza Nucci discorda de tal posicionamento, por entender que a pobreza é fator comum a inúmeros transgressores da norma penal e a atenuação da pena deveria se fundar em causas efetivamente importantes, pessoal e específica do agente. Para ele, a pobreza poderia ser considerada tão-somente nas circunstâncias judiciais [88].
Entendemos ser perfeitamente possível a aplicação da teoria da co-culpabilidade como fator de atenuação da pena, pois a lei concedeu uma margem de liberdade ao magistrado, que deverá apenas atender aos requisitos do art. 66 do CP. Assim, se o juiz entender que a pobreza do autor do delito for uma circunstância que influenciou sua conduta, nada obsta a atenuação da pena com base nesse artigo.
5 A terceira fase da dosimetria da pena: causas de aumento e de diminuição da pena
A terceira e última etapa da dosimetria da pena consiste na análise da incidência ou não de causas de aumento ou de diminuição de pena (também são conhecidas por qualificadoras/privilégios em sentido amplo). São identificadas por aumentos ou diminuições determinados pela lei, podendo ser fixos ou variáveis.
A incidência de causas de aumento ou de diminuição pode fazer com que a pena ultrapasse os limites estabelecidos no preceito secundário, isso porque o legislador aponta os montantes de aumento ou diminuição e, também, por integrarem a estrutura típica do delito.
Tais causas de aumento ou de diminuição encontram-se previstas nas Partes Geral e Especial do Código Penal. Exemplificativamente, no que tange à Parte Geral, têm-se as seguintes causas de diminuição de pena: a tentativa (art. 14, CP), o arrependimento posterior (art. 16, CP), o erro de proibição inescusável (art. 21, parte final, CP), entre outras; por outro lado, na Parte Especial, podem ser mencionadas as causas de diminuição dos arts. 121, §1º e 129, §4º. Entre as causas de aumento da Parte Geral, podem ser citadas, as dos arts. 69, 70, 71 do CP[89] e, na Parte Especial, os arts. 121, §4º e 129, §7º.
Por último, deve ser mencionado o disposto no art. 68, parágrafo único do Código Penal, que determina que, no concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na Parte Especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua. Veja-se que tal regra apenas é aplicável às causas previstas na Parte Especial do Código, as constantes da Parte Geral são de incidência obrigatória.
6. Conclusão
Ante o exposto, é de se ver que a medida da pena aplicável é determinada após ser submetida a três etapas, quais sejam, a da análise das circunstâncias judiciais, das agravantes e atenuantes e, por fim, das causas de aumento e diminuição. Após, o juiz fixará o regime inicial da pena privativa de liberdade e, por último, procederá a substituição da pena, se cabível, segundo o art. 59 do CP[90].
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