Luiz Felipe Scholante Silva: Advogado (OAB/RS 96.720). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (2015-2017). Pós-graduando (MBA) em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (2018-2020).
RESUMO
O presente artigo busca apresentar uma breve análise histórica do desenvolvimento da tributação no mundo sob uma perspectiva sociológica e, em seguida, analisar o desenvolvimento da legislação tributária e das disposições Tributárias nas Constituições brasileira.
Palavras-chave: Direito Tributário. História dos tributos. Tributação no Brasil.
ABSTRACT
This article seeks to present a brief historical analysis of the development of taxation in the world from a sociological perspective and then to analyze the development of the tax legislation and the Tax precepts in the Brazilian Constitutions.
Keywords: Tax Law. History of taxes. Brazil. Taxation in Brazil.
Sumário: Introdução. 1. Análise histórica acerca da tributação no mundo. 2. Análise Histórica da Tributação no Brasil. 2.1 A Tributação no Brasil colônia. 2.2 A Tributação no Brasil Imperial 2.2 A Tributação no Brasil República. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Introdução
No presente estudo buscar-se-á analisar o contexto histórico mundial e nacional acerca da tributação.
Assim, tecer-se-á breves considerações sobre as origens da tributação no mundo, como esta foi plano de fundo de relevantes acontecimentos históricos na sociedade, a partir de onde se constatará que a tributação se encontra intimamente ligada à ideia de poder, à evolução política da sociedade e à formação das características de Estado.
Em continuidade, se apresentará o desenvolvimento histórico da tributação no Brasil, no desenvolvimento da legislação tributária nacional, desde o período colonial até a presente data, voltando-se, principalmente, para a organização da tributação nas cartas constitucionais brasileiras.
Neste cenário, o presente artigo busca viabilizar ao leitor uma leitura mais crítica dos institutos do direito tributário brasileiro através do conhecimento histórico da tributação.
1. Análise histórica acerca da tributação no mundo
A origem da tributação confunde-se com a própria história do homem e sua vivência em sociedade, podendo-se encontrar a essência do tributo nas tribos primitivas. Quando realizavam construções, os indivíduos de uma mesma comuna exerciam um esforço conjunto para tanto, consistindo tal esforço no tributo em espécie. Na época, todo o coletivo trabalhava para assegurar a segurança da aldeia em face de eventuais investidas de outras comunidades e de animais.
Assim, o tributo era o próprio trabalho do individuo em prol da segurança e convivência daquela comunidade – donde se pode notar uma essência de valores como integração, cooperação e solidariedade naquelas tribos – possuindo tal contribuição uma fácil visibilidade do indivíduo e isenta de desvios ou desperdícios.
Ocorre que, sobrevindo a sedentarização dos clãs na antiguidade – momento em que as tribos sedentárias suplantaram as tribos nômades -, vê-se um crescimento populacional que acaba por acarretar em uma separação das comunidades em classe governante e classe governada, momento em que a classe dirigente passa a se considerar eleita pelos deuses das crenças de cada localidade.
Surge a partir daí o que Ives Gandra da Silva Martins chama de uma teoria do poder:
“Neste momento criou-se uma teoria do poder, que veio a prevalecer até os dias atuais, deixando o povo de ter uma relevância maior na definição dos destinos da comunidade. Essa função foi usurpada pelos detentores do poder, que se identificaram com ela, como se direito natural fosse o seu domínio sobre a comunidade mais servil, menos conhecedora de todas as realidades, e cuja função maior passou a ser produzir recursos para os dirigentes para que eles fizessem o que lhes aprouvesse, inclusive se dedicar ao ser esporte predileto, que era a guerra.” (MARTINS, 2005, p. 85)
A partir desta consideração, é possível constatar diversas mutações da tributação no mundo, de acordo com as características politico-estruturais das civilizações na sociedade, o que resultou em distintos fundamentos e características do tributo ao longo da história.
É possível constatar, pois, que as obrigações tributárias “passaram, juridicamente, de imposições arbitrárias e vexatórias, de donativos voluntários, para contribuições compulsórias pelos costumes e, posteriormente, amparadas em lei.” (BALTHAZAR, 2005, p. 20)
Os primeiros registros concretos de tributação no mundo remontam a cerca de 3.000 a 2800 a.c., no Egito. Nesta época, o faraó egípcio era tido pela sociedade como reencarnação do deus Hórus e, para realizar uma jornada, titulada de the following of horus, o faraó exigiu tributos da população para custeá-la, quando se passa a visualizar a exigência de tributos para seu próprio sustento. E quando se fala em exigência de tributos nessa civilização, fala-se em imposições através de coação física, sobressaindo o caráter opressivo e desumano desta exigência.
Nessa época inclusive já era possível se identificar a figura de agentes cobradores de impostos, os quais eram verdadeiros “soldados da tributação”, não se olvidando, ainda, da existência de paraísos fiscais, que eram locais onde não existia a cobrança de tributos pelo faraó, instituídos através de cartas régias.
Avançando no tempo, cerca de 2500 a.c. tem-se registros de tributação na civilização sumeriana. Na baixa mesopotâmia é possível identificar um tributo chamado burden[1]. Tal tributo consistia na carga tributaria que cada cidadão deveria carregar.
Deste contexto, a relação de poder entre a classe dominante e a classe dominada se exterioriza com clareza. Sobre o tema, Ives de Gandra Martins assim prescreve:
“As leis de Eutenema, Urukagina, Gudea, Urnamu, Lipit-Ishtar, Eshunuma, Amisaduqa, além das leis sírias, babilônicas, cassitas, neobabilônicas, egípcias, de Ebla, hurritas, de Ugarit, hititas, elamitas e mesmo israelenses, não representam senão leis outorgadas por uma classe privilegiada, favorecida e diferenciada em relação aos seus súditos, cujo único direito era honrar os governantes e servi-los, reconhecendo-os como representantes dos deuses ou do Deus Único (caso de Israel).” (MARTINS, 2005, p. 68-69)
Evidente que, quando se fala em tributação nessas civilizações, não se refere a tributação em dinheiro, uma vez que não existia tal instrumento financeiro. A tributação a época era cobrada através de bens que eram tirados do povo e atendendo a convocações de homens para lutar nas guerras de conquista ou defender os governantes, detentores de poder político.
Nota-se, então, que até este período está-se diante de sociedades estruturadas de forma totalmente autoritárias, ditatoriais. Logo, evidente a constatação de que as origens da tributação[2] se apresentam de forma manifestamente desumana e injusta, transparecendo com clarividência a identidade entre tributação e poder. Noutro giro, a tributação é tida como instrumento de exercício do poder.
Já em Roma é possível notar uma maior sofisticação entre o poder e o povo, quando esta passa a ter o direito a proteção romana em alguns aspectos. Entretanto as decisões acerca da carga tributária não tinham qualquer participação popular, dependendo exclusivamente de decisões do príncipe, continuando a manifestar seu caráter confiscatório.
Com a queda de Roma, vê-se o nascimento da idade média e com ela um período de grande desorganização jurídica, guerras intermináveis e tributação derivada unicamente de decisões daqueles que detinham o poder político em determinado território.
Ao discorrer sobre o tema, Regis Fernandes de Oliveira apresenta os tributos cobrados à época:
“Os principais tributos então cobrados eram: a) a corveia, ou seja, o trabalho forçado dos servos nas terras senhoriais, para preservar o castelo, muralhas etc.; b) a talha, pagamento devido pela proteção e incidia sobre parte da produção; c) banalidades, pelo uso do forno, do moinho, da forja, da prensa de olivas e uvas; d) taxa de casamento, no caso de o servo casar-se fora do domínio; e)a mão-morta, devido em decorrência de herança, uma vez que o senhor é o herdeiro e para ficar com bens que já eram seus o servo paga; f) o dízimo, 10% dos rendimentos, devidos à Igreja; g) péage (pedágio), pelo uso dos caminhos do senhor; h) gabela, taxa sobre o sal, instituído em 1.341; i) chévage, imposto por cabeça sobre servos e alforriados etc.” (OLIVEIRA, 2008, P. 70)
Após este período, e possível constatar questões tributárias relevantes na Inglaterra, quando em 1215, através da Magna Carta, a nobreza representada pelo concilio de nobres (o qual, mutatis mutandis, pode ser comparado ao poder legislativo) não mais suportando as imposições arbitrarias do rei, passa a exigir a comunicação deste quando da estipulação de uma nova tributação a fim de que o concílio autorizasse esta nova exação.
Este fato manifesta a aplicação, ainda que embrionária e de forma desfigurada (pois o concílio de nobres não pode ser considerado o representante do povo), do sistema de freios e contrapesos trazido posteriormente por Monstesquieu, o que demonstra a importância e a influência da tributação na formação do constitucionalismo moderno.
No período que vai do século XVI até XVIII, se constata uma consolidação das monarquias, bem como das economias europeias através da riqueza do continente americano. O poder exercido sobre a burguesia era atenuado em contraprestação a serviços prestados, porém, de forma bem mitigada – o que gerou reações dessa parcela da sociedade posteriormente. O povo, porém, segue com a garantia de seus direitos em nível ínfero.
Por outro lado, neste período se vê uma ampliação da tributação – a qual, porém, continuou a se dar de forma arbitraria pelos reis – sem qualquer possibilidade de manifestação do povo acerca de tais exigências, bem como sem garantias legais para os contribuintes.
Nesta linha, profere Ives de Gandra da S. Martins:
“O certo é que a riqueza do novo mundo gerou uma fase de crescimento europeu (séculos XVI, XVII e XVIII), quase interminável. Foi um período em que o fortalecimento das monarquias absolutas, as grandes injustiças sociais e a reação burguesa às faltas de garantias e aos excessos do poder vão desembocar na Revolução Francesa, que dá inicio aos tempos modernos, à luz de uma nova visão da relação entre sociedade e o poder.
A própria reação já começara a ser definida no mundo novo, com movimento semelhante ocorrendo nos Estados Unidos e o lançamento de sementes de independência, nos países da América Latina, isto é, nas colônias espanholas e portuguesas.
[…]
O declínio das monarquias absolutas correspondeu, pela primeira vez, a um exame maior da função do tributo, pelo prisma de uma participação da sociedade na formulação das políticas pertinentes.” (MARTINS, 2005, p. 152-153)
Pois em 1787, com a Declaração dos Direitos da Virgínia, o congresso parlamentar passa a ser o titular do poder de instituição de tributos, representando uma exponencial evolução para a sociedade, tendo em vista que este é o primeiro momento em que o poder de tributar é visto nas mãos dos representantes da nação, manifestando a soberania popular, ainda que se possa considerá-la apenas virtual.
Em 1789 tem-se a revolução francesa, um movimento político e social de extrema relevância para a história, o qual se caracteriza pelos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, e que teve a tributação como plano de fundo.
O movimento teve como escopo a crise fiscal sofrida pelo estado e a insatisfação popular com o Rei Luís XVI. Tais fatos, aliados a crescente adesão popular aos ideais iluministas ensejaram a revolução.
Um dos pontos mais relevantes do movimento foi a ideia de que sem uma tributação corretamente ajustada seria impossível a nação concretizar os valores idealizados pelo movimento.
A revolução resultou na aprovação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a qual pode ser considerada um dos documentos mais importantes da história do direito tributário. A declaração traça um perfil de capacidade contributiva, buscando impor justiça na tributação, garantindo o mínimo existencial e respeitando da vedação ao confisco.
As revoluções americana e francesa são consideradas os dois eventos de maior relevância para o constitucionalismo moderno, tendo a revolução francesa posto fim ao período das monarquias absolutas e influenciado o pensamento constitucional dos séculos ulteriores.
A partir daí se começa a notar uma maior participação da sociedade no processo decisório, o que se pode notar, a titulo de exemplo na Inglaterra com seu sistema parlamentar e, também, na Bélgica, com sua constituição de 1831, entre outros.
Sobre este ponto, discorre Regis Fernandes de Oliveira:
“O confronto permanente entre os Reinos e os súditos, no tocante à matéria tributária, deixou clara a necessidade de se criarem novas soluções. Na Inglaterra, adveio a solução com o Parlamento. Na frança, com a revolução Francesa e 1789, nasce o princípio da legalidade (arts. 4º, 5º, 6º, 7º e 8º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão), bem como a estrita legalidade na criação e cobrança de tributos (arts. 13 e 14).” (OLIVEIRA, 2008, P. 72)
Os impérios russo e austro-húngaro, por outro lado, acabaram mantendo resquícios das monarquias dos séculos XVIII. Entretanto, a questão social começa a ser enfrentada por todos os países gerando teses dos principais pensadores e intelectuais da época, o que resultou em uma revolução contra o império russo.
Nessa época vê-se a ocorrência das duas guerras mundiais, sendo a primeira, uma guerra de orientação geográfica e de poder no continente europeu, e a segunda, sendo originada pelo pensamento expansionista de Hitler. Com o fim da 2º guerra mundial, são criados órgãos mundiais de controle, como FMI, ONU e Banco Mundial, a fim de evitar novos enfrentamentos de tamanho porte.
Hodiernamente, o que se vê é um mundo formado por países desenvolvidos, países emergentes e os países emergentes de menor consistência.
Entretanto, o interesse popular nas decisões de políticas tributárias se apresenta com maior legitimidade apenas na parcela desenvolvida do mundo, e ainda assim muito aquém do que pode ser considerado uma verdadeira representação popular no que tange às politicas tributárias. Nestes países se começa a se ver a criação de códigos de defesa dos contribuintes com o intuito de minorar as pressões fiscais que dificultam o desenvolvimento e, ainda a exigência de atuação de associações de contribuintes junto ao governo para qualquer aumento da carga tributária, caso dos Estados Unidos.
De toda sorte, a participação social na formulação de políticas públicas justas se desenvolve de forma tímida.
Neste cenário, e considerando que tais considerações buscam apresentar uma breve análise histórica da tributação no mundo, entende-se serem estes os pontos relevantes a fim de propiciar uma reflexão acerca do tema apresentado, passando a ser abordado o contexto histórico da tributação no Brasil.
2. Análise Histórica da Tributação no Brasil
2.1 A Tributação do Brasil Colônia
Paira discórdia na doutrina brasileira acerca da origem de um Direito Tributário brasileiro, manifestando-se, uma corrente da doutrina, no sentido de que o marco inicial do direito tributário brasileiro se dá somente em 1822, período em que foi criada a legislação fiscal do Brasil.
De qualquer sorte, o certo é que não há como se olvidar da existência de uma normatividade tributária no Brasil desde o princípio do século XVI, através dos tributos aplicados por Portugal no território brasileiro. Daí se pode considerar que o direito tributário brasileiro encontra sua origem nas normas fiscais emanadas de Portugal quando do começo da sua colonização no Brasil.
Nesse momento, se nota a existência de uma legislação tributária não sistematizada, facilmente maleável (no que tange a modificações e revogações) por Portugal e sem nenhum respeito ao direito dos contribuintes, conforme bem ponderado por Fernando José Amed e Plínio José Negreiros:
“É a história que registra como cada colono do Brasil, sob as ordens da coroa portuguesa, foi obrigado a conviver com uma política fiscal injusta, que não respeitava nem a capacidade contributiva das pessoas, nem era seguida de uma lógica clara. Tributava-se com o intuito de remeter a maior parte dos valores arrecadados para a Metrópole. O que sobrava ficava para a colônia, para pagar as despesas das terras “achadas”, exatamente para explorar as suas riquezas e não para construir uma nação.” (AMED;NEGREIROS, 2000, p.19)
Mas para a análise da formação do direito tributário brasileiro, importa analisar brevemente os fatores que influenciaram de forma relevante o processo de instituição dos tributos no Brasil.
Ubalo Cezar Balthazar, apresenta o fator sociológico como importante influência:
“Em termos sociológicos, podemos mencionar as questões relacionada às diferentes classes componente da sociedade brasileira, os estamentos detentores do poder político, econômico e militar, a participação e a força política exercida por parte de cada um destes no processo legislativo. Este, mais especificamente, considerado em sua atividade de criação de tributos. Importante neste aspecto é o registro da histórica segregação que se firmou entre as diferentes classe sociais, uma ou outra impondo-se sobre as demais, as quais ficavam submetidas às regras criadas. Este fenômeno gerou um outro, perceptível nos dias atuais, traduzido na indiferença, por vezes repulsa, ao ordenamento positivo tributário.” (BALTHAZAR, 2005, p. 33)
Dá analise da assertiva do autor, é possível notar que a histórica relação entre poder e tributo trazida por Ives de Gandra Martins no mundo é refletida também no Brasil, evidenciando que a relação tributária é em ultima instância, uma relação de poder e, portanto, seus vieses mais sutis devem ser trabalhados cuidadosamente sob pena de se incorrer em exações injustas.
No que tange às influências exercidas pela igreja, evidencia-se o estreito laço entre o estado português e a Igreja católica, o qual foi reproduzido também no Brasil. Como consequência, se viu uma incisiva participação do Alto Clero no exercício das políticas tributárias, tendo, nos períodos colonial e imperial, as instituições estatais e religiosas praticamente se confundido no exercício do poder estatal.
Acerca do tema Eurico Marco Diniz Santi:
“Havia forte ligação entre estado e igreja, o que refletia na questão tributária: a arrecadação dos tributos, mesmo do dízimo eclesiástico, era feita pelo Estado, a quem cabia repassá-los à igreja. Os padres eram praticamente “funcionários públicos”: recebiam o dinheiro das mãos do Estado e tinham por função justificar moral e religiosamente o pagamento dos tributos. Aplicavam, assim, sanções religiosas: a esterilidade das terras e a destemperança dos tempos, bem como “a excomunhão e multa de cinquenta cruzados”. Há interessantes aspectos sobre a retribuição pelo uso dos bens da Coroa e também de Deus. A pregação com o propósito de justificar a cobrança tributária era estabelecida em lei como deveres dos padres, sujeitos a sanção pelo descumprimento. A relação entre Estado e Igreja era denominada padroado.” (SANTI, 2008, p.8)
Mas foram os fatores econômicos que exerceram maior influência na história do tributo no Brasil, sendo a tributação moldada de acordo com os ciclos econômicos aqui experimentados.
Neste sentido, manifesta-se Ubaldo Balthazar:
“[…] é noção cediça que a realidade econômica representa a base material sobre a qual incidem as hipóteses de incidência tributárias previstas em lei, de forma geral e abstrata. Neste sentido, podemos afirma que nossos tributos, ao longo de nossa história, traduziram sempre os diferentes ciclos econômicos pelo qual passou a economia brasileira. “(BALTHAZAR, 2005, p. 34)
Voltando ao contexto histórico, vê-se o período colonial marcado por uma forte exploração portuguesa, sendo que num primeiro momento Portugal aplicou no Brasil o direito tributário luso, ocasionalmente com algumas modificações, tendo em vista pequena população e a ausência de um comércio relevante. Porém, notando a lucratividade de exploração do pau-brasil, Portugal passa, em 1526, a cobrar o primeiro tributo exclusivamente no Brasil, o chamado quinto do pau-brasil, instituído pelo coroa portuguesa.
As dificuldades financeira atravessadas por Portugal levaram a implementação, em 1532, do sistema de capitanias hereditárias, que consistia na concessão de lotes de terra a particulares mediante comprometimento de diversos deveres para com a coroa portuguesa entre eles o pagamentos de alguns tributos. Por outro lado, foram previstos também direitos à percepção de tributos pelos particulares.
Entretanto a distância entre Portugal e a sua colônia – fator que impedia uma fiscalização mais incisiva – deu ensejo a uma forte sonegação fiscal e a um alto índice de corrupção daqueles que exerciam atividades em nome da Coroa.
Deste fracasso surge o Governo-Geral, implementado pela Coroa portuguesa, o qual consistia em uma administração centralizada na colônia. Neste período houve uma estruturação da fiscalização fazendária, também sendo concedida forte autonomia de atuação ao provedor-mor (responsável pela fiscalização da cobrança dos tributos) o que resultou em abusos nas cobranças tributárias, normalmente de forma violenta e com total inobservância da capacidade contributiva dos contribuintes. À época também se via com regularidade a cobrança de tributos extrafiscais, a exemplo de impostos excepcionais para o custeio dos gastos com a reconstrução de Lisboa ou o casamento de príncipes, tributos estes que normalmente passavam a ser permanentes.
Esse abuso fiscal, juntamente com as tributações extrafiscais, resultou no surgimento de comércios ilegais, contrabando, e consequência lógica, forte sonegação fiscal, sem desconsiderar a evidente corrupção[3]. Ora, “a corrupção não só prejudicava os cofres públicos, mas também, e principalmente, a população, pois não existia nenhum critério de justiça nas cobranças dos tributos.” (BALTHAZAR, 2005, p.43)
Pois, no princípio do século XVIII, Portugal se situa em uma crise econômica, mostrando-se cada vez mais dependente das riquezas geradas pelo Brasil, especialmente após a descoberta do ouro. O estado português sobrevivia à base uma elevada carga tributária incidente sobre a mineração no Brasil, principalmente através do tributo nomeado de “quinto do ouro”, que consistia basicamente no dever de pagar ao Rei 20% de todo o metal apanhado no Brasil, sendo o ouro aquele mais cobiçado.
Ocorre que, logicamente, que a arrecadação nunca foi muito eficaz, o que fez com que a coroa adotasse uma política fiscal ainda mais opressora na colônia, momento em que se cria a já citada “derrama”, em que pese Portugal ter até aqui sempre uma postura de desconsideração da capacidade contributiva da população do Brasil.
Acerca do tema, explica Alcides Jorge Costa:
“Todo o ouro devia ser levado às casas de fundição para a dedução do quinto, e a quota mínima fixada era de cem arrobas por ano. Se esta quantia fosse ultrapassada, no ano seguinte se levava a conta o excesso. Não chegando a cem arrobas, de ter lugar a “derrama”. […] aproximadamente a partir de 1760, as derramas se sucederam e foram cada vez mais frequentes, porque a produção de ouro caía e não chegava a cem arrobas anuais. Numa dessas derramas aconteceu a Inconfidência Mineira.” (COSTA, 2008, P.60)
Nesse momento, devido à ineficácia da arrecadação por parte do Estado Português, criam-se determinações absurdas e a arrecadação tributária passou para a competência da figura do contratador, dando lugar ao quinto. Os contratadores eram particulares que detinham a responsabilidade pela arrecadação, os quais a obtinham através de concessão estatal. Eles possuíam autonomia na cobrança dos tributos, bem como o poder de ordenação da presença de força militar no momento da cobrança de tributo, com o claro intuito de reprimir eventuais revoltas da população. Esta postura, obviamente, deu uma margem ainda maior para a sonegação fiscal e a corrupção no Brasil.
O resultado disso foi uma série de revoltas e resistência à exploração de Portugal, tanto pela massa popular quanto pela elite, sendo a conjuração mineira um acontecimento que reflete tais fatos, a qual representa a insatisfação popular em face da arbitrariedade tributárias praticadas pelo estado lusitano.
Em que pese tal revolta não ter alterado em nada a severa exploração fiscal de Portugal, é possível notar que com a conjuração mineira, junto a outras manifestações – a exemplo da conjuração baiana – o colonialismo de Portugal começa a ser enfrentado pelos brasileiros. Somando-se a estes, diversos acontecimentos mundiais, como as revoluções francesa e americana, bem como a vinda da família real para o Brasil em 1808, resultaram na emancipação política da colônia brasileira.
Com a vinda da família real para o Brasil, acontece a abertura dos portos em 1808, implicando em modificações quanto a tributação, quando foram instituídos novos tributos, como a tributação incidente sobre a importação.
No período entre a vinda da família real para o Brasil e a independência brasileira se observa a tributação incidindo sobre qualquer movimento comercial, ainda que o país se encontrasse em péssima situação econômica, restando evidente a arbitrariedade e a indiferença do governo relativamente aos reflexos negativos para a sociedade brasileira, que sofria com uma tributação injusta e dessarazoada.
2.2 A Tributação no Brasil Imperial
A forte influência dos ideais liberais originados pelos movimentos ocidentais dá ensejo à independência do Brasil em 1822, o que, entretanto, não resultou no rompimento da conformação patrimonialista no Brasil, herdando-se a estrutura colonial quanto a tributação, em que pese o movimento patriótico tivesse como um dos objetivos a mudança na injusta e elevada carga tributária.
Com a independência, vê-se se constituir no Brasil o estado fiscal, que nos dizeres de Ricardo Lobo Torres, tem como principal característica um “novo perfil da receita pública, que passou a se fundar nos empréstimos, autorizados e garantidos pelo legislativo, e principalmente nos tributos não mais se caracterizando pelos ingressos originários do patrimônio do príncipe.” (TORRES, 2014, p. 8). Além disso, a tributação não mais é cobrada passageiramente, atrelada às necessidades conjunturais do Estado, passando a ser cobrado permanentemente.
A constituição Imperial, outorgada em 1824, caracterizava-se pela centralização de poderes, não possuindo as províncias competência para instituição de tributos nem fontes de receita próprias.
A carta possuía poucas normas tributárias em seu corpo, podendo-se classificar o seu sistema tributário como flexível, o qual se detinha a apresentar alguns princípios gerais que deveriam ser cumpridas pelo legislador ordinário. Tem-se como principal avanço o fato da receita arrecadada não mais sair do Brasil.
As normas tributárias eram reguladas por leis orçamentárias, sendo de competência privativa da câmara dos deputados a elaboração de tais legislações.
Analisando o Tema, Amed e Negreiros assim manifestam-se no sentido de que:
“mesmo sendo “amplo o espectro de ação do fisco”, os resultados obtido não “correspondiam à amplitude do campo tributário nem colaboravam no sentido de desenvolver o país”, percebendo-se claramente a ‘falta de um sentido de equidade na distribuição dos encargos públicos’.” (AMED;NEGREIROS apud BALTHAZAR, 2005, p. 83)
O período regencial é marcado por um amplo rol de leis e decretos envolvendo matérias fiscais sendo promulgados, a exemplo da regulação do processo de execução dos devedores da fazendo pública (decreto de 18 de agosto de 1931).
Vê-se, entre 1830 e 1832 uma reforma total da fazenda pública no Brasil, através da descentralização fiscal, período é visto por alguns autores como um período de sistematização dos impostos no Brasil. Desta forma, a Lei de 1832 deliberou uma divisão das rendas públicas em receita geral e receita provincial, concedendo certa autonomia para as províncias criarem seus impostos. Com a Lei nº 108, de 1840, é fixada uma nova discriminação dos tributos, descentralizando ainda mais o poder de tributar, passando-se a classificá-los em receitas gerais, receitas províncias e municipais.
Entretanto, a despeito da melhor organização, não se vê no período grandes avanços no que tange a tributação, continuando o Brasil a registrar déficits orçamentários e tendo sua tributação prejudicada pelas formas de cobrança de tributos através do arrendamento até a cobrança por agentes do governo.
Resumindo a política tributária do período, a doutrina de Ubaldo Cesar Balthazar esclarece:
“A política tributária brasileira no segundo reinado, assim como o Poder Imperial, estiveram extremamente preocupados em favorecer e garantir os interesses dos detentores do poder econômico, os cafeicultores em especial, do que no desenvolvimento da economia nacional.”[4] (BALTHAZAR, 2005, p. 101)
2.2 A Tributação no Brasil República
Em 1989 ocorre a proclamação da república, e no ano de 1891 o Brasil vê promulgada a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, a qual consagra o princípio federalista, com autonomia administrativa, política e financeira para os estados-membros.
Este período, porém, caracteriza-se por um governo organizado a partir das oligarquias paulistas e mineiras, cuja administração se dava visando os interesses da de elites da monocultura cafeeira (São Paulo) e da pecuária leiteira (Minas Gerais), estando desligada de quaisquer interesses sociais gerais.
Na carta, é possível notar uma melhor organização na seara tributária, discriminando mais claramente as rendas tributárias, especialmente referente às competências fiscais; se nota a presença do princípio da legalidade tributária e da uniformidade do imposto federal e, também, a figura da imunidade recíproca, apesar de ser apresentada sob parâmetros diferentes daquela que se vê na atual casta constitucional.
De outra banda, três problemas se constatam, quais sejam, (I) o esquecimento dos municípios na discriminação das rendas tributárias, (II) a superposição de tributos, o que acarretou em uma concorrência entre estados e união e, como consequência, no surgimento do fenômeno da bitributação, (III) a falta de uma distinção teórica normativa entre taxa e imposto.
Com a carta, aos estados-membros puderam aumentar suas receitas e adotar políticas fiscais próprias, não estando vinculadas ao governo central, e passaram a ter competência para estabelecer a tributação em seus municípios.
Da assembleia constituinte de 1891, depreende-se a uma grande preocupação na partilha da receita entre união e estado e, por outro lado, o desinteresse pelo impacto da tributação a ser sentido pelos contribuintes, exteriorizando a histórica abstração dos dirigentes políticos relativamente a impor uma tributação justa equânime.
Nessa linha, apresenta Alcides Jorge Costa que “o efeito econômico dos impostos em relação aos contribuintes, em relação a economia nacional, não foi um tema muito debatido. Realmente tudo girou em torno da partilha do ‘bolo’.” (COSTA apud BALTHAZAR, 2005, p. 111)
Nesta época, o contexto da economia mundial da virada do século XIV para o século XX, especialmente nos países desenvolvidos onde existia um pensamento voltado para a consecução de uma efetiva distribuição de renda, ensejou em uma necessária inovação no que tange as práticas tributárias, sendo uma das questões mais relevantes a instituição de um imposto que incidisse sobre a renda de cada indivíduo. No Brasil, entretanto, o que se buscava era principalmente uma maior arrecadação a fim de abrandar o rombo do tesouro nacional, permanecendo o governo indiferente aos reflexos sociais de uma tributação injusta.
Acerca do assunto, manifesta-se Ubaldo Cesar Baltharzar:
“Para o governo brasileiro, especialmente a fazenda pública nacional, essa nova modalidade de imposto seria mais uma forma de amenizar os déficits do Erário e não como um meio de equilibrar as riquezas entre ricos e pobres. Aliás, este aspecto da discussão praticamente não era abordado nas discussões internas.” (BALTHAZAR, 2005, p. 112)
De toda forma, seguindo a tendência mundial, criou-se o imposto de renda em 1922 através da Lei de Orçamento nº 4.625, o qual, segundo Régis Fernandes de Oliveira, “viria a se consolidar um dos tributos mais fortes e rigorosos do País, nos dias de hoje.”[5]
Com a crise econômica do café, somada ao contexto mundial, a política do Brasil entra em um período de instabilidade e, em meio ao fim da aliança entre São Paulo e Minas Gerais, Getulio Vargas é eleito presidente. A reação se dá por meio da chamada revolução constitucionalista de 1932, a qual faz com que o presidente convoque uma assembleia nacional constituinte. Como resultado, tem-se a promulgação da constituição de 1934.
Na carta de 1934, é visível o aperfeiçoamento na discriminação das competências tributárias, bem como a dotação de autonomia administrativa, política e financeira dos municípios, os quais receberam competências tributárias privativas.
Outro avanço que se depreende da carta de 1934 é a vedação expressa da bitributação, determinando que com relação às competências concorrentes deveriam prevalecer os impostos decretados pela união. Houve, ainda, a manutenção dos princípios presentes na carta anterior, a expressa previsão de alguns que se encontravam implícitos ou limitados (caso da imunidade recíproca), bem como a criação de outros princípios, como a vedação aos estados, municípios e distrito federal de estabelecer diferença na tributação em razão da procedência.
Outra novidade importante é a previsão da Contribuição de melhoria, de competência dos três entes, prevista no artigo 124 da carta constitucional de 1934, sendo a primeira vez que o tributo foi previsto no Brasil.
Com o golpe militar executado por Getúlio Vargas, a constituição de 1934 é substituída pela carta de 1937, tendo, entretanto, poucas modificações no que se tange a seara tributária. A constituição de 1937 acaba por modificar algumas competências tributárias e retirar a contribuição de melhoria, que havia recentemente surgido.
Nesse momento, em que pese o país vivesse uma conjuntura ditatorial, no que tange a área tributária houve uma relativa obediência constitucional por parte dos dirigentes.
Com a perda de força da corrente que apoiava Vargas, desencadeia-se um movimento que leva a queda do presidente e, com ela surge uma nova Assembleia Nacional Constituinte.
Em 1946 surge uma nova carta política, marcada por uma sensível modificação nas competências tributárias, prevendo, ainda a obrigatoriedade da repartição de receitas de alguns tributos.
Referente às imunidades, vê-se surgir, além daquelas já previstas na constituição anterior, a imunidade dos templos de qualquer culto, de bens e serviços de partidos políticos e de instituições de educação e de assistência social e, também ao papel destinado à impressão de jornais. Ainda neste ponto, a constituição previu serem imunes ao imposto sobre consumo os bens que a lei classificasse como relacionados ao mínimo indispensável. Entretanto, a referida imunidade nunca foi de fato aplicada, de onde que o interesse politico continuava sendo apenas a arrecadação com finalidade de suprir as altas despesas oriundas de uma política orçamentária desorganizada e eivada por corrupção. Portanto, os reflexos de suas políticas governamentais na sociedade não foram preocupação do governo também na vigência da Constituição de 1946.
Em 1964 o Brasil passa por um golpe de Estado e os governantes passam então a demonstrar maior preocupação com o sistema tributário, ressaltando a necessidade de uma reforma tributária mais incisiva, vendo como um dos principais problemas os tributos de incidência meramente jurídica.
A ditadura militar durou de 1964 até 1985 e foi um período caracterizado por grandes obras, políticas de subsídios, isenções fiscais destinadas ao desenvolvimento do país e por investimentos externos.
Acerca da época, disserta Ubaldo Cesar Balthazar que “Tal política desenvolvimentista e o chamado “milagre brasileiro” realizaram-se à custa de elevados empréstimos e forte intervenção estatal, o que resultou em uma alta inflação e aumento das disparidades entre as camadas mais ricas e as mais pobres do país.” (BALTHAZAR, 2005, p. 134)
Defendendo a sua necessidade, o governo implantou a reforma tributária em três fases. No primeiro momento, através de aquisição de recursos não inflacionários para cobrir o déficit da União, a eliminação de incentivos oriundos da inflação no atraso do pagamento de tributos, entre outros. Na segunda etapa, criaram-se leis cujo objetivo se voltava para aperfeiçoar a arrecadação fiscal.
Mas é na terceira etapa que se dá o cerne da reforma tributária. Através Emenda Constitucional 18/65, a carta constitucional foi alterada profundamente, firmando-se pela primeira vez o conceito de sistema tributário nacional. A reforma na constituição traz uma nova classificação dos impostos, agora sob bases econômicas e não mais jurídicas, o que demonstra manifesto avanço no sistema, uma vez que anteriormente existam diversos impostos prescindidos de finalidade econômica, os quais deveriam ser suprimidos. As competências tributárias são completamente redesenhadas, suprindo equívocos presentes anteriormente, como a antiga competência dos estados para instituir o imposto de exportação. Do seu texto depreende-se, em tese, a preocupação com as desigualdades econômicas entre as regiões do brasil.
Em 25 de outubro de 1966 é editada a Lei Ordinária nº 5.172, denominada de Código Tributário Nacional, momento em que se vê, somado a EC 18/65, a consolidação da autonomia do direito tributário no brasil.
O CTN apresenta uma racionalidade econômica aos tributos, dando um caráter de integração nacional ao sistema tributário. O código traz, outrossim, conceitos mais claros e seguros às espécies tributárias e atribui a relevante função de instrumento de política econômica à tributação.
Em 1967 o governo militar prepara uma nova carta constitucional, a qual é “promulgada” pelo congresso nacional e acaba recepcionando o Código Tributário Nacional – instituído à época de sua origem como lei ordinária – agora como Lei materialmente Complementar, nova figura legal que surgida na Constituição Brasileira de 1967.
No que tange ao sistema tributário nacional, a Constituição Brasileira de 1967 praticamente ratifica os termos apresentados na EC 18/65, com pequenas modificações e apresentado alguns princípios novos. A referida constituição é a primeira a apresentar um capítulo especifico “do sistema tributário”. Paradoxalmente, a constituição deixa de apresentar uma estrutura sistêmica dos tributos de acordo com seus perfis econômicos, na forma como se apresentavam na EC 18/65.
A Constituição Brasileira de 1967 possuía um perfil evidentemente autoritário e centralizador, o que se faz óbvio pelo fato de se estar em um período de ditadura militar no Brasil. Referente a seara tributária, tal perfil se demonstra cristalinamente pela discriminação das rendas tributárias, onde competia a União a instituição de dez tributos, enquanto para os estados e município, competiam a instituição de apenas dois tributos.
Avanço relevante se apresenta na previsão da necessidade de lei complementar para o estabelecimento e normais gerais de direito tributário, bem como para dispor acerca de conflito de competência tributária entre os entes tributantes e sobre a regulação das limitações constitucionais ao poder de tributar do estado.
Os princípios constitucionais tributários se encontram esparsos na carta constitucional, dentre os quais ganham relevância o principio da legalidade tributária, o principio da liberdade de tráfego e o principio da uniformidade geográfica dos princípios. Referente ao principio da legalidade tributária, especialmente, a doutrina vê a sua presença na carta (a qual é referida por três vezes no texto constitucional) com certa ironia, pois se vivia um período de ditadura militar, altamente autoritário e centralizador, no qual o princípio federativo foi completamente descartado pelos governantes.
A constituição de 1967 teve vida curta, pois devido aos atritos entre o poder executivo e o congresso, em dezembro de 1968 é editado o Ato Institucional nº 5, o qual praticamente esvazia a constituição federal. Como resultado tem-se a edição da Emenda Constitucional nº 1/69.
A EC 1/69, mantém a mesma tendência da carta de 1967, apresentando, porém, uma centralização do poder ainda maior daquela prevista anteriormente. No que toca a tributação, se vê a substituição da Direção-Geral da Fazenda Nacional pela Secretaria da Receita Federal, a fim de maior controle das obrigações tributárias, com o intuito de melhorar a fiscalização e arrecadação, além da inclusão da competência da União para instituir contribuições de intervenção no domínio econômico e referente ao interesse da previdência social ou de categorias sindicais.
A EC 1/69 perdurou até 1988 e um problema relevante se deu nas excessivas modificações feitas ao longo dos anos em que se vivia a ditadura, mudanças essa que se davam sempre com a justificativa de uma melhor governabilidade. Os sucessivos governos ditatoriais foram, ao longo dos anos, majorando as exações existentes, criando novas e até alterando a definição de regras tributárias constitucionais.
Como resultado tem-se uma total insegurança jurídica e instabilidade para os contribuintes. Fatos que, somado ao período do chamado choque do petróleo (1973) – o que levou o Brasil a uma grave crise financeira e inflacionária -, exterioriza a necessidade evidente de um sistema tributário melhor traçado e de maior complexidade.
Essa instabilidade torna insustentável a permanência do governo militar e, em 1985, Tancredo Neves é eleito indiretamente, com a proposta de convocação de assembleia constituinte, a fim de institucionalizar o estado democrático de direito, tendo como uma de suas principais promessas uma reforma fiscal e tributária que acabasse com o déficit público, contivesse a inflação e recuperasse o crescimento econômico. Nesse momento, o governo passa a se preocupar mais com a questão inflacionária, empurrando as discussões acerca da tributação para a constituinte.
Com a constituinte, vê-se o Código Tributário Nacional ser recepcionado pela Constituição Federal como Lei materialmente Complementar apenas com algumas adaptações ao novo contexto democrático do país. As limitações ao poder de tributar foram ampliadas e a discriminação das competências tributárias sofre alterações, consagrando o Sistema Tributário Brasileiro atual, que se vê hoje no Capitulo I – titulo VI da Constituição Federal de 1988, intitulado “Do Sistema Tributário Nacional” (com algumas modificações trazidas por emendas constitucionais, sendo a de maior relevância aquela que instituiu o princípio da anterioridade nonagessimal, instituído pela EC 42/03).
De toda forma, é possível notar que na atual constituição permanecem algumas mazelas históricas no que tange à tributação, nas quais se destacam (I) a grande centralização de receitas sob competência da união, o que praticamente descaracteriza o princípio federativo ante da clara relação de dependência financeira a que ficam submetidos estados e municípios (II) o elevado número de tributos incidentes sobre o consumo, que que mitiga drasticamente, senão impede, a realização dos princípios de justiça fiscal, notadamente o princípio da capacidade contributiva.
Conclusão
Buscou-se neste estudo apresenta um contexto histórico da tributação, sua estreita relação com a ideia de poder e como o tema foi plano de fundo de grandes revoluções. Igualmente, a tributação foi fator relevante para a formação das características do conceito de Estado na sociedade atual.
Assim, podemos concluir que (a) o Poder e o Tributo estão rigorosamente vinculados[6]; (b) a relação direta da tributação com a construção do constitucionalismo moderno trazido pelos movimentos Inglês, americano e, especialmente, o Francês; (c) o sistema tributário reflete a postura político-ideológica de quem exerce o comando da sociedade; (d) Em que pese a evidente evolução social no que tange a tributação, é certo que ainda não se tem atualmente uma tributação que, na prática, esteja vinculada as ideias de justiça e solidariedade.
No que tange ao cenário nacional, viu-se que a tributação no Brasil sempre foi marcada por um viés tipicamente expropriatório e firmada na necessidade da cobertura de déficits públicos de origem questionável. Nunca se teve como foco no Brasil a utilização da tributação com o escopo de garantir justiça fiscal.
O progresso em busca de uma tributação mais justa se apresenta de forma mais evidente através de limitações ao poder de tributar – tais como as imunidades e princípio – ou seja, ferramentas de proteção ao contribuinte em face do estado, não se modificando a base fundamental de sua formação. É dizer, mantém-se a visão da tributação como uma relação de poder, acarretando na manifesta e permanente tensão entre as partes da relação tributária. Entretanto, criarem-se ferramentas pontuais para mitigar essa relação de poder não basta para alcançarmos um sistema tributário efetivamente justo e que cumpra seu papel social.
Desta breve análise histórica, é possível concluir que se faz necessária uma nova visão do substrato tributário, delineada por uma consciência civilizatória e pela percepção da imprescindível cooperatividade que o ser humano necessita para a manutenção da espécie, fato que brota cada dia com maior clarividência no seio social diante do acelerado crescimento da interdependência entre países, estados, municípios, indivíduos.
AMED, Fernando José; NEGREIROS, Plínio José Labriola de Campos. História dos tributos no Brasil. São Paulo: Sinafresp, 2000.
BALTHAZAR, Ubaldo Cezar. História do Tributo no Brasil. V.1. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005
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MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma teoria do Tributo. São Paulo. Ed. Quarter Latin. 2005
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 2 Ed. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2008
SANTI. Eurico Marco Diniz (coord.). Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas. 1ª Ed. São Paulo: editora Saraiva. 2008.
[1] Termo que significa “fardo”, na tradução livre em inglês.
[2] Não se está considerando a origem da tributação nas tribos primitivas referidas nos parágrafos introdutórios deste texto, uma vez que, apesar de haver uma aproximação com o conceito de tributo, entende-se as características das prestações realizadas na época não guardam relação razoável com o conceito de tributo posteriormente formado na sociedade.
[3] Nessa linha, Regis Fernandes de Oliveira discorre acerca da experiência tributária no Brasil do governo geral: “Desnecessário dizer que a corrupção corria solta. Sonegações de todo o tipo, com conivências dos arrecadadores. À distância, o Reino assistia a tudo, sem poder tomar providências. Por vezes, concediam-se isenções pessoais. O contrabando imperava como necessidade, a ponto de existir uma sociedade de contrabandista. […] Nasceram outros tipo de tributo, todos injustos, mas que se destinavam a abastecer os cofres públicos (e também os particulares). Surge a finta, ou seja, um pagamento para custear obras de uso comum como pontes de estradas. A derrama, de tanta história no Brasil colonial, como a finta, era exigida sobre rendimentos, da forma mais arbitrária possível. A barcagem que incidia sobre a passagem dos rios. A redízima que representa nova dízima do que já fora tributado pela dízima (é a décima parte da dízima).” OLIVEIRA, Regis Fernandes de. ob. cit., p. 75
[4] BALTHAZAR, Ubaldo Cezar., ob. cit., p. 101
[5] OLIVEIRA, Regis Fernandes de. ob. cit., p.78.
[6] Neste sentido, muito bem profere Ives Gandra da Silva Martins: “Convenço-me, de mais a mais, que a história da humanidade é conformada em face da lutar pelo poder, a partir de qualquer organização social resultante de seu exercício sustentada pelos recursos tributários, em “natura” ou espécie, retirados do povo. Daí resulta uma organização jurídica – mais ou menos tolerantes com os administrados – que torna o Direito e a História rigorosamente vinculados, como vinculados estão o Poder e o Tributo.” (MARTINS, 2005, p. 105)
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