Resumo: O artigo aborda a Lei nº. 11.340/2006, discorrendo sobre a razão de ser conhecida como “Lei Maria da Penha” e, ainda, sustentando a sua inconstitucionalidade, com indicação, ainda, das medidas protetivas nela previstas e, por fim, defende a necessidade de representação para o crime de lesão corporal leve praticado em situação de violência doméstica e familiar.
A Lei nº. 11.340, de 07 de agosto de 2006, foi denominada de “Lei Maria da Penha”, em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, vitimada, em 1983, pelo ex-marido, o professor universitário, Marco Antônio Heredia Viveros, que a tentou matá-la por duas vezes, numa delas atirou contra ela, enquanto dormia, simulando um assalto e na última tentou eletrocutá-la.
Em decorrência das agressões sofridas, Maria da Penha ficou paraplégica e no ano seguinte, em 1984, iniciou uma longa jornada em busca de justiça e segurança, sendo que sete anos depois seu ex-marido foi a júri, tendo sido condenado a 15 anos de prisão, no entanto, este julgamento, num recurso da defesa, veio a ser anulado.
Em 1996 houve a realização de um novo julgamento, advindo uma condenação de 10 anos para o ex-marido de Maria da Penha, no entanto, o mesmo ficou preso por apenas dois anos no regime fechado, sendo que, em face disso, por se sentir injustiçada, ela, juntamente com o Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), formalizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
O caso teve repercussão internacional, especialmente porque Maria da Penha passou a contar, também, com o apoio de ONGs voltadas aos direitos das mulheres e mesmo contra a violação dos direitos humanos, sendo que, com isso, houve uma maior preocupação do governo brasileiro a respeito do assunto e isso se materializou com a criação da “Lei Maria da Penha”, em vigor desde 22 de setembro de 2006.
A violência praticada no âmbito doméstico e familiar, aliada à falta de uma punição mais severa ao seu responsável, portanto, foi o fator desencadeante da “Lei Maria da Penha”, no entanto, percebe-se, de plano, que, não existe qualquer fundamento a proteção, apenas, da mulher, como se somente ela pudesse ser vítima de tal situação, já que a violência pode atingir qualquer um, com exclusão indevida, assim, do homem, aqui se entendendo como a pessoa do sexo masculino, numa nítida discriminação de gênero.
E, por isso, vislumbra-se a sua inconstitucionalidade, até porque o § 8º, do art. 226, da Constituição Federal utilizado como uma das razões para o advento da “Lei Maria da Penha” preconiza a necessidade do Estado proteger da violência cada um dos integrantes da família[1] e, assim, de todos eles, independentemente do sexo e o art. 5º, inciso I, de nossa Carta Magna estabelece o princípio da isonomia (igualdade entre homens e mulheres nos seus termos [2]) e inexiste qualquer outro dispositivo legal no seu âmbito que autorize tal discriminação, nem o comumente utilizado princípio da dignidade da pessoa humana, hodiernamente “pau para toda obra” nas divagações em qualquer tema jurídico, mas que, em verdade é “uma faca de dois (le)gumes”, tanto serve para fundamentar um certo ponto de vista como para rechaçá-lo.
Pode-se argumentar em contrário e há, sim, várias vozes vigorosas defendendo o ponto de vista de que não se trata de uma discriminação de gênero, pois somente se enquadrariam como violência doméstica os casos decorrentes de dominação do homem e subordinação da mulher; mas isso é superado com o posicionamento doutrinário forte no sentido de que não é apenas o homem que pode figurar como sujeito ativo.
É a lição que temos de Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini, pois os mesmos afirmam que: “qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo da violência; basta estar coligada a uma mulher por vínculo afetivo, familiar ou doméstico: todas se sujeitam à nova lei”.
Assim, se não é apenas o homem que pode ser sujeito ativo da violência, não há utilizar a suposta dominação do homem e a subordinação da mulher para a proteção especial desta última, pois como é que ficaria, então, a situação de violência praticada pela mulher contra outra mulher? Qual a justificativa que se encontraria para seu enquadramento na “Lei Maria da Penha”?
Mas aí sustentam outros, em resposta à indagação acima, embora qualquer pessoa possa ser sujeito ativo da violência (homem ou mulher), para se caracterizar aquela prevista na “Lei Maria da Penha” é fundamental aquilatar se não decorreu da fragilidade ou hipossuficiência decorrente do gênero, ou seja, do fato de ser mulher.
Deste modo, num caso concreto, pelo entendimento esposado, dependerá da fragilidade ou hipossuficiência da mulher para se concluir se é, ou não, caso de violência doméstica.
Ora, essa é uma construção jurídica, fruto de visão doutrinária e jurisprudencial, que até pode ser respeitada, mas não pode prevalecer, uma vez que, em última análise, está ocorrendo uma verdadeira discriminação de gênero, ou seja, motivada única e exclusivamente pelo sexo, embora negada, disfarçada por argumentos inconsistentes, altamente subjetivos e de discutível aceitação.
É que, também, pode ocorrer uma violência doméstica contra o homem e este, por questões pessoais, ser frágil ou mesmo hipossuficiente; como, por exemplo, um menino de tenra idade, mas não terá a mesma proteção conferida pela “Lei Maria da Penha” nas mesmas condições tidas como suficientes para se caracterizar a violência doméstica e familiar.
Na prática surgem situações cômicas e que demonstram bem o absurdo do tratamento diferenciado, como a de uns pais, debilitados em decorrência de doenças, com graves problemas com o filho, maior de idade, usuário de drogas e sem trabalho, pois este era advertido pelo pai sobre a situação, mas não estava nem aí, pois o xingava com palavras de baixo calão e, ainda, o ameaçava de bater e, muitas vezes, efetivamente o fazia; no entanto, quando o pai ia até a Delegacia de Polícia registrar o fato e pedir para que fosse preso ou, pelo menos, retirado do local, a autoridade policial dizia que isso não era possível.
No entanto, quando o pai soube, não se sabe como, que havia a “Lei Maria da Penha”, mas que a proteção dela era apenas para a mulher e que se a vítima fosse sua esposa, por ela conseguiria a prisão do filho e a sua retirada do lar, não titubeou, chamou sua mulher e a orientou a advertir o filho drogado e vagabundo e, da mesma maneira que este agiu com o pai, proferiu contra sua genitora os mesmos impropérios, a ameaçou e, na ocasião, ainda lhe deu uns tapas, ferindo-a levemente.
A mulher, então, foi até a repartição policial, narrou o fato e, imediatamente, policiais se deslocaram até à casa e prenderam seu filho e, posteriormente, como medida protetiva, foi determinado judicialmente o seu afastamento da casa de seus pais, mas por causa de sua mãe e não do pai.
A pergunta que fica é: Qual é a diferença de um caso e outro, ou seja, da vítima ser o pai ou a mãe no caso apresentado, que justifique uma conduta diferenciada por parte do Estado, visando a proteção de um e não a de outro, senão o simples fato de se tratar, no último caso, do sexo da vítima?
Ou, ainda, antes da indagação acima, será que alguém negaria a aplicação da “Lei Maria da Penha” ao caso? Só se quisesse “arrumar para a cabeça”, para usar um linguajar popular, uma vez que, se não fossem tomadas as providências preconizadas em tal diploma legal e acontecesse algo com a mãe do agressor ou mesmo com o pai, mas com a reclamação daquela, pode ter certeza que a autoridade policial, o membro do Ministério Público e o magistrado arcariam com as conseqüências da omissão.
Mas não obstante a inconstitucionalidade da “Lei Maria da Penha”, pois embora a mulher “seja mais vítima” da violência doméstica e/ou familiar, não faz dela a única ou exclusiva, o fato é que a lei em comento trouxe avanços significativos no combate à violência contra ela, embora pudessem ser extensivos ao homem, aqui entendido como a pessoa do sexo masculino.
Com efeito, o diploma legal em comento propiciou à mulher mecanismos interessantes para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra ela, seja de natureza física (entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal), psicológica (entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação).
Ou, ainda, de caráter sexual (entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos), patrimonial (entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades) ou moral (entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria), estabelecendo-lhe medidas de assistência e proteção.
Menciono, inicialmente, que os crimes perpetrados no âmbito das relações domésticas ou familiares e por força de tais situações, desde que contra a mulher, deixaram de ser tidos e havidos como de menor potencial ofensivo, estes de competência do Juizado Especial Criminal e aqueles da Justiça Comum, podendo haver a criação de juízos próprios (Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher).
E a distinção acima fez toda a diferença, pois quando ocorre o delito de menor potencial ofensivo, dá-se, no âmbito policial, simplesmente, um termo circunstanciado e se libera os envolvidos, mediante o compromisso de comparecimento à audiência preliminar, nos termos da Lei nº. 9.099/95; enquanto que, nos casos de violência doméstica, pode propiciar a lavratura da prisão em flagrante do agressor, exigência do pagamento de fiança e, em caso de não pagamento, a sua mantença preso, e, inclusive, a sua prisão preventiva.
Desta maneira, nota-se, de plano, que, em caso de violência doméstica, as conseqüências são extremamente graves para o agressor, pois poderá pagar com a sua liberdade em caso de sua violação e isso tem um grande efeito intimidatório e, por isso, preventivo, na medida em que isso poderá demovê-lo da agressão, o que não ocorria antes do advento de tal diploma legal.
Mas não é só, pois há, também, na “Lei Maria da Penha” a preocupação de ser dada uma assistência efetiva à mulher vítima de violência doméstica e/ou familiar, por intermédio de sua inclusão em programas governamentais de todas as esferas (federal, estadual e/ou distrital e municipal), para proteção e/ou atendimento, inclusive em relação a procedimentos médicos pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Indubitavelmente que, a assistência estatal é importante para que a mulher possa se recuperar da violência sofrida e isso pode ser alcançado com programas destinados a ela, com ajuda material e/ou financeira por um período, além de assistência psicológica e até psiquiátrica, mas, também, por intermédio de cursos profissionalizantes, já que um dos grandes problemas que enfrenta é o de caráter financeiro, pois, a grande maioria fica refém do agressor por ser este quem trabalha e se vale disso para “impor as regras da casa” (verdadeiro absurdo, mas é o que ocorre), de modo que é importante que tenha meios de ingressar no mercado de trabalho.
Aliás, quando a mulher está inserida no mercado de trabalho, é importante que tenha a opção de pleitear e obter, com preferência, remoção se servidora pública ou, em hipótese contrária, de conseguir a manutenção do vínculo trabalhista, o que, também, é assegurado pela “Lei Maria da Penha”, inclusive nesta última hipótese, pode permanecer afastada do local de trabalho, por até seis meses.
Ocorre que, lamentavelmente, passados quase quatro anos da vigência da “Lei Maria da Penha”, nada ou muito pouco foi feito pelo Estado para a efetivação das medidas nela previstas, uma vez que não se têm visto nenhum programa especificamente voltado à sua situação ou, se existente, está faltando ser divulgado.
À vítima da “Lei Maria da Penha” são asseguradas, ainda, as seguintes medidas: a)- proteção policial, quando necessária, com comunicação de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; b)- encaminhamento ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; c)- o fornecimento de transporte para ela e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; d)- se necessário, o acompanhamento pela polícia para a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar.
Das medidas acima, afirmo com todas as letras que a proteção policial inexiste, mesmo que necessária, sob a alegação de falta de contingente policial para exercê-la e isso creio que se dê em larga escala em nosso país, pois este problema é conhecido de todos, de modo que, não é incomum que uma vítima de violência doméstica e familiar faça o registro da ocorrência, tenha em seu favor a aludida medida, que é normalmente conferida com a exigência de que o agressor permaneça a certa distância dela e mesmo assim venha a ser, novamente, vitimada e, inclusive, morta, como já noticiou várias vezes a imprensa, como que abismada com o fato que, no entanto, não é difícil de ocorrer, bastando, em verdade, a vontade do agressor em tal sentido, já que o Estado não lhe dá a segurança que precisa.
Acerca das demais medidas, saliento que, também é difícil de ser encontrado um abrigo ou local similar para que a vítima de violência doméstica e familiar possa permanecer protegida, não podendo contar com tal apoio, que ou é inexiste, precário ou em número extremamente reduzido, sendo que, quanto às outras, há atendimento na forma preconizada na “Lei Maria da Penha”.
E, ainda, visando a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras: a)- restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; b)- proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial; c)- suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor; e d)- prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
As medidas anteriormente mencionadas já eram permitidas antes mesmo do advento da “Lei Maria da Penha”, embora não previstas expressamente desta maneira, pois, no juízo cível, não havia qualquer empecilho para a discussão delas, sendo bastante comum a discussão sobre bens e atos jurídicos perpetrados, com exceção da última delas, qual seja, a prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por supostamente ocorrência de perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida, novidade esta que aumentou o leque de possibilidades para resguardar o patrimônio financeiro e moral.
Pode, ainda, haver a aplicação das seguintes medidas ao agressor, visando a proteção da mulher vitimada: a)-suspensão da posse ou restrição do porte de armas; b)- afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; c)- proibição de determinadas condutas, entre as quais: c.1)- aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; c.2)- contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c.3)- freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; d)- restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; e)- prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
As medidas protetivas em apreço mostraram-se, na prática, muito eficientes para resguardarem a mulher de qualquer forma de violência, especialmente a relativa ao afastamento do agressor do lar conjugal e a de ser observada certa distância entre ele e a vítima, contudo, desde que com a “colaboração do agressor”, ou seja, se ele aceitar e se comportar, sendo que as demais já poderiam ser obtidas antes mesmo da “Lei Maria da Penha”.
Ressalto, no entanto, que, infelizmente, a concessão das medidas em questão não significa a proteção certa e definitiva da mulher, pois não há, ainda, programas estatais estruturados para atendê-la e muito menos policiais suficientes para impedirem novos atos de violência, conforme mencionado e, por isso, depende-se muito, ainda (pasmem!), da “colaboração do agressor” do que do aparato estatal de segurança, o que deve ser de conhecimento de todos para que possam cobrar providências da classe política, especialmente do Chefe do Poder Executivo.
Portanto, há um arsenal de medidas protetivas para a mulher nos casos de violência doméstica ou familiar, porém muitas delas ainda sem efetivação por deficiência estatal, mas antes de encerrar estes breves comentários sobre a “Lei Maria da Penha”, gostaria de mencionar que a natureza da ação penal dependerá do crime perpetrado pelo agressor.
É o que se deduz da análise dos artigos 12, inciso I e 16, da “Lei Maria da Penha”, abaixo transcritos:
“Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:
I – ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada.
Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.”
Não há como desconsiderar os preceitos acima transcritos, que dizem textualmente que há crimes de ação penal pública condicionada à representação no bojo do aludido diploma legal, tanto que, para a renúncia à representação, exige-se a designação de audiência para tal finalidade e, inclusive, com a presença do Juiz e do membro do Parquet.
Creio que a previsão legal em questão visa, justamente, fazer com que o ato de vontade da vítima, quando não desejar o processamento do agressor, seja supervisionado pelo magistrado e pelo representante do Ministério Público, justamente para se ter a certeza de que provém de sua livre e espontânea vontade e não de ato forçado ou viciado de qualquer maneira.
Aliás, os artigos anteriormente transcritos delimitam o art. 41, também da “Lei Maria da Penha”, o qual, num primeiro momento, passa a impressão de que seria inaplicável a Lei nº. 9.099/95, ao aludido diploma legal, in verbis:
“Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.”
É que, o art. 41, acima referido, ao dizer que não tem aplicação a Lei nº. 9.099/95 à “Lei Maria da Penha”, permite a conclusão de que isso ocorre naquilo que não for contrariada, uma vez que, como admite expressamente a existência dos crimes de ação penal pública condicionada à representação, conforme foi notado pela transcrição dos arts. 12, I e 16, a vedação não é total.
Seguindo nessas pegadas, pode-se afirmar com plena convicção e fundamentado na própria “Lei Maria da Penha”, que, quando o crime for de ação penal pública condicionada à representação, será necessário este ato, ou seja, a manifestação de vontade da vítima, para que o agressor seja processado criminalmente.
A respeito do tema, o Superior Tribunal de Justiça posicionou-se da mesma maneira, sustentando que, em virtude do art. 16, da “Lei Maria da Penha”, o art. 41 do mesmo diploma legal deve ter uma interpretação restritiva, entendendo que é inaplicável a ela, apenas, a composição civil, a transação penal e a suspensão condicional do processo previstos na Lei nº. 9.099/95 e não a exigência de representação, a qual foi entendida como compatível aos casos de violência doméstica ou familiar.
Aliás, merece transcrição parte da ementa, a qual demonstra a correção da abordagem do tema, pois foi muito feliz a decisão prolatada, verdadeiramente digna de elogio, senão vejamos:
“O processamento do ofensor, mesmo contra a vontade da vítima, não é a melhor solução para as famílias que convivem com o problema da violência doméstica, pois a conscientização, a proteção das vítimas e o acompanhamento multidisciplinar com a participação de todos os envolvidos são medidas juridicamente adequadas, de preservação dos princípios do direito penal e que conferem eficácia ao comando constitucional de proteção à família”[3].
A realidade é que, não há como deixar de deduzir que, relativamente à ação penal, não houve qualquer outra inovação no ordenamento jurídico com o advento da “Lei Maria da Penha”, de modo que, exemplificativamente, o crime de lesão corporal leve necessita de representação, assim como o crime de ameaça ou qualquer outro da mesma natureza.
E, de outro lado, apenas exemplificando, o dano simples se processa mediante ação penal privada, por iniciativa da vítima, o mesmo valendo para os crimes contra a honra; sendo que, como delitos de ação penal pública incondicionada podem ser citados como corriqueiros e passíveis de se enquadrarem na “Lei Maria da Penha”, quando perpetrados no âmbito doméstico e familiar, a violação ao domicílio e, ainda, a perturbação da tranqüilidade.
Enfim, quanto aos demais crimes, também inexistem quaisquer novidades, estando “tudo como dantes no quartel de Abrantes”.
Ocorre que, há posicionamento divergente daquele que vem sendo apresentado, pelo menos quanto ao crime de lesão corporal de natureza leve, pois se pretende que o mesmo não necessite de representação e, inclusive, há notícia recente de que a Procuradoria-Geral da República quer que assim se dê, pois consta que ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade supostamente para que se tenha uma interpretação em conformidade com a Constituição Federal e, assim, fazer com que o Supremo Tribunal Federal reconheça como inconstitucionais os artigos 12, inciso I e 16, da “Lei Maria da Penha”[4].
Se lograr êxito em seu intento junto a nossa mais elevada Corte de Justiça, estar-se-á, com o devido respeito que merece a Procuradoria-Geral da República, possibilitando que se caminhe numa direção que não trará qualquer benefício para a mulher e, na realidade, ao contrário disso, pois se antevê sérias conseqüências a ela, já que se não for de sua vontade o processamento do agressor, que é pessoa de sua relação ou convivência íntima e que, mesmo após a violência, pretendia, por exemplo, reatar o relacionamento amoroso como é bastante comum ocorrer ou mesmo simplesmente conviver em harmonia com ele, haverá séria interferência na sua liberdade (um dos fundamentos da Revolução Francesa como é cediço e um dos direitos fundamentais previstos na nossa Carta Magna).
Não se pode olvidar que, com a postura em questão, não se levará em consideração a manifestação de vontade da parte mais interessada, qual seja, a mulher que sofreu a violência doméstica e familiar, dispensando-lhe um tratamento próprio dos incapazes e – diga-se de passagem – dos absolutamente incapazes, representando os seus interesses por completo (e certamente ferindo a sua dignidade), como a dizer: já que você pode mudar de opinião e pretender perdoar o agressor, é melhor que o Estado a proteja disso, quiçá de seus “sentimentos inapropriados” e faça com que o causador de seu sofrimento arque com as conseqüências e mesmo, se for o caso, vá preso.
A prisão do agressor, por sinal, não é nenhum exagero, sendo uma possibilidade bastante concreta de ocorrer e, por isso, não se trata de um argumento apelativo para simplesmente causar impacto desnecessário no assunto, pois, por força da “Lei Maria da Penha”, é proibida a aplicação de penas de cesta básica ou de outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implica o pagamento isolado de multa.
Outro ponto que merece ser destacado é o de que, o Estado, para verdadeiramente representar a vontade da vítima, exigindo o processamento do agressor, independentemente de sua vontade, deverá propiciar a ela e, eventualmente, a seus filhos os favores previstos na “Lei Maria da Penha”.
Ocorre que isso ainda não se vislumbrou na totalidade, pois não se tem, ainda, a devida proteção a ela, seja conferindo proteção policial ou mesmo um abrigo ou local seguro para a sua permanência, com poucas exceções e, ainda, proporcionando condições materiais para que, pelo menos por um período, tenha condições de sobrevivência digna. Aliás, não se pode esquecer que a dependência econômica é triste e até inaceitável, porém verdadeira e, inclusive, da maior parte das vítimas e, com certeza, ninguém estenderá a mão para ajudá-la, caso isso não venha dos cofres públicos.
Finalmente, não poderia deixar de mencionar que, ainda que fossem ultrapassados os empecilhos mencionados, existiriam outros não menos importantes por sinal, um deles, com certeza absoluta seria a “ajuda” da mulher, vítima da violência doméstica e família, que não pretendendo processar o agressor, viria com aquelas versões duvidosas (algumas vezes até fantasiosas) de que, na realidade, ela havia mentido ao imputar o crime ao agressor quando inquirida na Delegacia de Polícia (se já não negar a sua ocorrência neste ato), pois, havia caído da escada, batido na porta, tropeçado, ou, ainda, qualquer outra de natureza semelhante para exculpá-lo, sob o fundamento de que estava com raiva, ciúme ou qualquer outro motivo no vasto rol existente.
E, então, como é mais comum a ocorrência da violência doméstica entre quatro paredes, sem testemunhas, a versão da vítima assume extrema importância (senão a principal) como sabemos e isso ainda porque será realizada sob o crivo do contraditório, ou seja, na fase judicial, pois é nesta oportunidade que virá a “ajuda”, na presença do Juiz de Direito, do Ministério Público e do defensor, o que, por certo, fará com que não seja fácil a condenação, para não dizer impossível, até porque não há como condenar ninguém com fundamento exclusivo nas provas colhidas na fase indiciária, que é o que restará.
O resultado seria a movimentação indevida da máquina judiciária, com dispêndio de tempo de vários profissionais, a vergonha de passar por palhaço na instrução processual, com cadeira cativa reservada aos juízes e promotores de justiça para este papel, por não haver como ter uma decisão diferente da absolvição, mesmo porque, ainda que se tenha dúvida no caso, ela seria favorável ao acusado, em decorrência do princípio in dubio pro reo ou, quando muito, na melhor das hipóteses, algum caso ou outro escaparia desse jogo de cartas marcadas, com uma condenação no oceano das absolvições, somente desconhecido por aqueles que ignoram a realidade.
Também será interessante, quando da aplicação das medidas protetivas em prol da vítima de violência doméstica e familiar, que se exija o cumprimento pelo agressor, independentemente da vontade da vítima, para, supostamente, preservá-la e evitar que se reconcilie com seu algoz.
No caso do afastamento do lar conjugal, por exemplo, o agressor terá que entrar escondido no local, sob pena de, se descoberto, ocorrer o descumprimento da decisão judicial que vedou tal comportamento e, inclusive, pode lhe causar a prisão preventiva.
Ora, embora se possa achar que é um exagero a situação acima relatada, não é de se duvidar que, a começar pela desnecessidade de manifestação da vítima quando sofra violência doméstica e familiar, o mesmo se dê em relação às medidas protetivas, já que uma e outra caminham na mesma direção, pelo menos na visão daquelas que vêem a mulher como um ser incapaz de tomar suas decisões, sob o pretexto de a estarem tutelando.
Conclui-se, então, que a “Lei Maria da Penha” trouxe um leque de opções de medidas protetivas bastante pertinentes, mas ainda, na sua maioria, ineficazes para impedir novos atos de violência doméstica e familiar, embora fique aqui, mais uma vez, o registro de que deveriam ser estendidas ao homem, quando, também, vitimado, já que a proteção visada pelo § 8º do art. 226, da Constituição Federal é da família e, por isso, de todos os seus componentes, independentemente do sexo; bem como se pôde vislumbrar que os crimes nela previstos, que sejam de ação penal pública condicionada à representação, inclusive a lesão corporal de natureza leve, não podem ser transmudados para de ação penal pública incondicionada, supostamente porque assim desejaria a nossa Carta Magna, numa pretendida interpretação em consonância com ela, especialmente pelo princípio da dignidade da pessoa humana, pois, em verdade, enxerga-se, isso sim, uma completa falta de sua observância ao dispensar à mulher um tratamento de absolutamente incapaz, impedindo-a de manifestar a sua vontade.
Promotor de Justiça no Estado do Paraná (Cambará) Formado pela Faculdade de Direito do Norte Pioneiro de Jacarezinho/PR Mestre em Direito Constitucional pela ITE (Instituição Toledo de Ensino de Bauru/SP)
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), mais conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…
O benefício por incapacidade é uma das principais proteções oferecidas pelo INSS aos trabalhadores que,…
O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido aos dependentes de segurados do INSS que se…
A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…
A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…
A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…